Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
46188/20.5YIPRT-A.L1-2
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES MÓVEIS
CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O prazo de prescrição estabelecido pelo n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, abrange não só o pagamento do preço do serviço de telecomunicações, em sentido estrito, mas também os restantes créditos relativos ao contrato e seu incumprimento, entre eles, a indemnização por incumprimento da obrigação de permanência/cláusula de fidelização.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.


1. RELATÓRIO.


Na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias proposta por … Comunicações, S. A. contra … Portugal, Lda, foi proferido despacho saneador julgando procedente a exceção de prescrição relativamente às faturas de Setembro a Dezembro de 2019, com fundamento no decurso do prazo de prescrição, de seis meses, fixado pelo art.º 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26 de julho. 
Inconformada com essa decisão a A dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e substituição por decisão que julgue improcedente a exceção de prescrição relativamente ao valor da cláusula penal peticionada, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida considerou prescrito o montante de € 5.126,30 relativo à cláusula penal contratual constante da fatura de Dezembro de 2019.
2. Salvo, porém, o devido respeito, não se tratando o referido crédito de “serviços prestados”, quadráveis no disposto do art.º 10º, n.º 1 da Lei 23/96, nem em outro prazo especialmente regulado no CC, não poderá deixar de se considerar que lhe é aplicável o prazo ordinário estabelecido no art.º 309º do CC.
3. A, eventual, aplicação à cláusula penal do mesmo prazo de prescrição a Lei 23/96 (com fundamento que a sentença não concretiza) constituiria um equívoco, desde logo, sobre a natureza da referida cláusula, que sanciona o inadimplemento da não manutenção do contrato; e não a do não pagamento dos serviços.
4. Como tal, não existindo relação de acessoriedade entre o crédito do preço e a cláusula penal, inexiste fundamento para aplicação do mesmo prazo de prescrição.
5. Acresce que não decorre da lei civil disposição que estabeleça que os créditos resultantes do mesmo contrato prescrevem em igual prazo (Tal disposição existe, apenas, na legislação laboral - cfr. art.º 337º do código do trabalho). Ao invés, decorrem da lei civil normas que prevêem prazos de prescrição distintos para obrigações resultantes do mesmo contrato - normas que estabelecem um regime especial, no que à prestação de serviços de telecomunicações diz respeito:
6. A aplicação, à cláusula penal, do prazo ordinário de prescrição de 20 anos constitui jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa que, por unanimidade, o consagrou em Acórdão proferido no processo 2360/06.0YXLSB.L1-7; e é entendimento, unânime, do STJ - Proc. 080280 de 02-05-1991.
7. Prazo esse que não tinha decorrido na data de apresentação da injunção.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.
A matéria de facto a considerar é a acima descrita, sendo certo que a questão submetida a decisão desta Relação se configura, essencialmente, como uma questão de direito.

B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, supra descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pela apelante consiste, tão só, em saber se o prazo de prescrição, de seis meses, consagrado no n.º 1, do art.º 10.º, da Lei 23/96 se aplica ao crédito por serviços prestados no âmbito do contrato e também ao crédito por violação de cláusula penal de fidelização, como decidiu o tribunal a quo ao declarar prescrito o crédito a que se reporta a fatura de dezembro de 2019, ou se esse mesmo prazo de prescrição se aplica apenas ao crédito por serviços prestados, valendo para o crédito por violação de cláusula penal de fidelização o prazo prescricional de vinte anos estabelecido pelo art.º 309.º, do C. Civil, como pretende a apelante.
Conhecendo.
Como é pacífico nos autos, entre a apelante e a apelada foi celebrado um contrato de prestação de serviços de telefone móvel, ao qual é aplicável o prazo de prescrição de seis meses estabelecido pelo n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96, de 26 de julho, nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 1/2010, de 20 de janeiro.
Na fatura de dezembro de 2020 a apelante incluiu o seu crédito por serviços prestados e também o valor de € 5.126,30 como crédito resultante da violação de cláusula de fidelização.
Aceitando que o crédito por serviços prestados se encontra prescrito, tal como declarado pelo tribunal a quo no despacho saneador, aduz a apelante que o crédito por violação da cláusula de fidelização se não encontra prescrito uma vez que lhe é aplicável o prazo prescricional geral, de vinte anos, estabelecido pelo art.º 309.º, do C. Civil e não o prazo de prescrição especial, de seis meses, estabelecido pelo n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º Lei 23/96, invocando a seu favor o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 135231/12.5YIPRT.P1 e a jurisprudência desta Relação de Lisboa, pelos acórdãos proferidos no processo n.º 2360/06.0YXLSB.L1.7 e um outro, de 6/8/2015.
Trata-se, todavia, de uma questão em que a jurisprudência não é unívoca, mesmo dentro da Relação de Lisboa, uma vez que se é certo que no sentido propugnado pela apelante decidiram, entre outros, os acórdãos de 12/01/2010, proferido no processo n.º 39069/03.9YXLSB.L1-1 (Relator: Ana Grácio), de 16/03/2010, proferido no processo n.º 1405/08.4TJLSB.L1-1 (Relator: Maria José Simões), de 15/2/2011, proferido no processo n.º 3084/08.0YXLSB-A.L2-7 (Relator: Gouveia Barros), de 07/06/2011, proferido no processo n.º 2360/06.0YXLSB.L1-7 (Relator: Luís Lameira), de 21/6/2011, proferido no processo n.º 264/06.6YXLSB.L1.7 (Relator: Luís Espírito Santo), em sentido contrário, ou seja, de submissão do crédito por violação da cláusula de fidelização também ao prazo prescricional de seis meses estabelecido pelo n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º Lei 23/96, decidiram, entre outros, os acórdãos de 25/2/2010, proferido no processo n.º 1591/08.3TVLSB.L1-6 (Relatora: Márcia Portela), de 16/6/2011, proferido no processo n.º 28934/03.3YXLSB.L1-6 (Relator: Aguiar Pereira), de 24/4/2012, proferido no processo n.º 1584/05.2YXLSB.L1-7 (Relator: Orlando Nascimento), de 4/6/2015, proferido no processo n.º 143342/14.6YIPRT.L1-8 (Relator: Ilídio Sacarrão Martins), de 20/12/2016, proferido no processo n.º 140866/14.9YIPRT.L1-1 (Relator: Eurico Reis) e o acórdão da Relação do Porto, de 21/10/2014, proferido no processo n.º 83857/13.8YIPRT.P1 (Relator: Henrique Araújo), sendo ainda certo que o acórdão da Relação de Lisboa de 29/11/2011, proferido no processo n.º 370/06.7YXLSB.L1-7, (Relatora: Rosa Ribeiro Coelho), seguiu um terceiro entendimento, de que o prazo de prescrição do crédito por violação da cláusula de fidelização não é de seis meses mas que essa obrigação, como obrigação acessória, caduca com a prescrição da obrigação principal[1].
A jurisprudência a favor do entendimento defendido na apelação, que acabámos de citar, tem esgrimido, em síntese, os argumentos de que:
(1) A redação do n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96, nº 1, ao reportar-se ao direito ao recebimento do preço do serviço prestado não permite incluir o direito ao recebimento da indemnização por violação da cláusula de fidelização;
(2) A cláusula de fidelização natureza estritamente reparatória não valendo em relação a ela a justificação para o estreito prazo de prescrição[2];
(3) A cláusula de fidelização é uma cláusula autónoma da prestação do serviço e do respetivo preço, não tendo como obrigação principal o crédito sobre o preço da prestação dos serviços telefónicos, mas sim a obrigação de subsistência do vínculo contratual, não se lhe aplicando, por isso, o prazo prescricional estabelecido no n.º do art.º 10.º.
Vejamos, pois[3].
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2010[4] que, pela sua própria natureza jurídico processual de decisão uniformizadora, pretendeu pôr fim a uma longa divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a interpretação do n.º 1, art.º 10.º, da Lei n.º 23/96, de 26 de julho, uniformizou jurisprudência no sentido de que:

Nos termos do disposto na redação originária do nº 1 do artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26 de julho, e no nº 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de dezembro, o direito ao pagamento do preço de serviços de telefone móvel prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.”.

Como do seu próprio texto consta, o acórdão foi proferido no âmbito da redação originária do n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96, de 26 de julho, o qual dispunha que:
O direito de exigir o pagamento do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.
Os n.ºs 1 e 4 do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96 foram, entretanto, alterados pela Lei n.º 12/2008 e passaram a ter a seguinte redação:
1. “O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.
4. “O prazo para a propositura da ação pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço…”.
O n.º 4 foi ainda alterado pela Lei n.º Lei n.º 24/2008, de 02 de junho, passando a ter a seguinte redação:
4 - O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos”.
Não obstante o acórdão do STJ n.º 1/2010 ter sido proferido em face da redação originária do n.º 1, art.º 10.º, da Lei n.º 23/96, na sua fundamentação jurídica apreciou também a alteração que a Lei n.º 12/2008, de 26 de fevereiro introduziu nos n.ºs 1 e 4 do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96, nos seguintes termos:
O legislador reiterou pois o entendimento de que não é exíguo o prazo de seis meses para a prescrição do direito ao recebimento do preço, contado desde a prestação dos serviços. Teve assim naturalmente em conta, a par do objetivo de proteção do utente, traduzida num regime que visa evitar a acumulação de dívidas de fácil contração (cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 5 de junho de 2003 e de 13 de maio de 2004 atrás citados), obrigando os prestadores de serviços a manter uma organização que permita a cobrança em momento próximo do correspondente consumo”.

A questão da apelação, sendo posterior a tal Acórdão Uniformizador, constitui uma reelaboração, porventura inconformada, da questão que o acórdão uniformizador procurou solucionar e que o legislador também procurou clarificar com a nova redação que conferiu ao fraturante art.º 10.º da lei n.º 23/96, pela Lei n.º 12/2008[5].
Com efeito, não subsistem dúvidas sobre o escopo prosseguido pelo legislador, que foi o de restabelecer um prazo curto de prescrição na matéria em causa.
Dúvida também não haverá de que o estabelecimento desse prazo teve em vista evitar a acumulação de dívidas, com as inerentes dificuldades de prova e de contraprova da multiplicidade de atos em que o “serviço” se traduz, em suma, a defesa do tradicional valor da certeza e da segurança do direito no comércio jurídico.
A defesa do interesse dos (massificados) recebedores do serviço exige um rápido encerrar de eventuais litígios de consumo, constituído pela sucessão de uma multiplicidade de atos, e o interesse do prestador do serviço e o comércio jurídico em geral, em nada é prejudicado com essa exigência de rapidez que, aliás, é um dos componentes genéticos do serviço em causa.
No caso sub judice pretende a apelante e a jurisprudência que acima citámos a favor do seu entendimento distinguir entre uma coisa, que é o serviço de telecomunicações e o respetivo preço, e outra, para si diferente, que é a indemnização por incumprimento contratual da cláusula de fidelização.
Quanto esta pretensa distinção entre o preço do serviço e a indemnização por incumprimento contratual diremos, desde já, que o n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96 não permite distinguir entre quantias em dívida relativas ao serviço prestado, tout court, e quantias devidas a título de indemnização por qualquer outro incumprimento contratual.
O prazo de prescrição estabelecido em tal preceito, ao reportar-se a serviço prestado, abrange todas as dívidas no âmbito do contrato de prestação de serviço telefónico em causa, quer sejam o preço direto do serviço, quer sejam o preço indireto que, em substância, constitui a cláusula de fidelização.
Não há contraprestação de pagamento, a qualquer título, que o não seja do serviço recebido, tendo este a constituição complexa que lhe é própria.
Não se trata apenas de aplicar aqui o brocardo latino “ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemos”, mas também de considerar e valorar interpretativamente a ratio legis do preceito e os valores da certeza e da segurança do direito, os quais tanto valem para o preço dos serviços como para a cláusula de fidelização, sendo os mesmos.
Aliás, em relação ao acórdão n.º 1/2010 importa também referir que, para além da sua vertente uniformizadora, o mesmo constitui também decisão final e definitiva sobre o concreto litígio que estava em causa no processo em que foi proferido.
Neste, sendo peticionadas outras quantias, para além do simples preço (direto) do serviço, a título de indemnização por violação da cláusula, dita de “fidelização”, foi julgada procedente a exceção da prescrição e o R absolvido do pedido, na sua globalidade.
O acórdão não distinguiu entre serviço propriamente dito e indemnização contratual, como faz a apelante, e interpretou a expressão “pagamento do serviço prestado”, que constava da redação original do n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96, com o alcance que, agora, nos parece obrigatório em face do n.º 4 desse art.º 10.º, na redação da Lei n.º 12/2008, que acima transcrevemos.
É a própria ação judicial/injunção que deve ser proposta no prazo de seis meses após a prestação do serviço, independentemente do que nela se pede, tendo como causa de pedir o contrato em causa e o seu incumprimento.
E se o legislador reiterou o entendimento de que não é exíguo o prazo de seis meses para a prescrição do direito ao recebimento do preço, contado desde a prestação dos serviços, mais não pode fazer o intérprete e aplicador da lei que acatar um tal propósito, claramente expresso, não lhe sendo admissível a persistência no seu propósito de aceder a prazos de prescrição mais alargados.
A tanto nos conduzem os critérios gerais de interpretação consagrados no art.º 9.º do C. Civil.
O prazo de prescrição de seis meses, nesta matéria, não é exíguo nem o intérprete o deve alargar por efeito da sua interpretação.
Como, indubitavelmente, se deduz do texto do atual n.º 4 do art.º 10.º da Lei n.º 23/96, o prestador do serviço de telecomunicações deve propor a ação/injunção no prazo de seis meses após a prestação do serviço, nela acionando, se for caso disso, todos os créditos relativos ao contrato, incluindo os relativos a outro incumprimento contratual, que não só a falta de pagamento do serviço, em sentido restrito.
O cerne dos argumentos acima identificados em ((1), (2) e (3))  está em sabermos se o direito a indemnização por incumprimento contratual, relativo à cláusula de “fidelização” tem uma autonomia, face ao direito ao recebimento do preço do serviço, em sentido restrito, que permita afastá-la do prazo de prescrição estabelecido pelo n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96.
Ora, o núcleo do contrato de prestação do serviço de telecomunicações entre a apelante e a apelada, o seu objeto, é constituído pela prestação do serviço e pela entrega do preço correspondente.
Estas são as prestações principais, prestação e contraprestação, a cargo de cada uma das partes no contrato.
A denominada “cláusula de fidelização”, a cujo incumprimento as partes associaram uma indemnização tabelar, por cláusula penal, em caso de incumprimento, constitui cláusula acessória daquele núcleo do contrato, podendo reconduzir-se a um preço indireto do serviço ou, pelo menos, configurar-se como um “auxiliar” do bom cumprimento da obrigação de pagamento do preço do serviço, mas sempre como obrigação acessória, lateral, da obrigação principal, porque fora do núcleo do contrato.
Na economia do contrato, a “cláusula de fidelização” só existe em função da prestação do serviço e da entrega do respetivo preço, não tendo existência própria e autónoma, e só fazendo sentido enquanto fazendo parte do sinalagma serviço-preço.
Essa cláusula não tem autonomia por si própria, não lhe correspondendo uma contraprestação direta a ela dirigida.
Assim, núcleo do contrato e cláusula acessória também não podem ser separados em caso de incumprimento, em ordem a que ao núcleo do contrato corresponda um prazo prescricional de seis meses e à sua parte acessória corresponda um prazo prescricional de …vinte (20) anos.
O prazo de prescrição estabelecido para a obrigação principal não pode deixar de abranger também a obrigação acessória.
De outro modo, aportaríamos à incompreensível situação, em face dos valores em presença, de termos um prazo prescricional de seis meses para a obrigação principal e um prazo prescricional geral, de vinte anos (art.º 309.º do C. Civil) para a obrigação cuja existência só se justificava em face daquela.
Uma tal interpretação é, de todo, afastada pelo disposto no art.º 9.º, n.º 3, do C. Civil, nos termos do qual o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.
Solução de todo desacertada seria aquela em que prescrito, decorridos seis meses, o direito ao recebimento do preço de um serviço de telecomunicações, o consumidor desses serviços continuasse adstrito ao cumprimento dos seus deveres acessórios daquela prestação e às consequências do seu incumprimento, durante vinte anos, assim esvaziando a ratio legis e o escopo prosseguido pela norma dos n.ºs 1 e 4, do art.º 10.º ao fixarem um curto prazo de prescrição e de propositura da ação/injunção.
Aliás, quanto à cláusula penal propriamente dita, ou seja, à indemnização, por violação da “cláusula de fidelização”, dispõe o art.º 810.º, n.º 2, do C. Civil, que a mesma segue a obrigação principal.
No caso sub judice, a obrigação principal a que se encontra associada essa cláusula penal será a cláusula de fidelização, a qual por sua vez, como referimos, é acessória da obrigação de pagamento do preço durante o período de vigência do contrato.
Também por esta via, pois, não podemos deixar de concluir pela submissão da cláusula de fidelização ao prazo de prescrição da obrigação principal estabelecido pelo n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96.
Nestes termos, uma vez que o prazo prescricional n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96 abrange todos os direitos alicerçados no contrato e no seu incumprimento, a apelação não poderá deixar de improceder.

C) SUMÁRIO
Em conclusão.
O prazo de prescrição estabelecido pelo n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, abrange não só o pagamento do preço do serviço de telecomunicações, em sentido estrito, mas também os restantes créditos relativos ao contrato e seu incumprimento, entre eles, a indemnização por incumprimento da obrigação de permanência/cláusula de fidelização.

3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.


(Orlando Nascimento)
(Maria José Mouro)
(José Maria Sousa Pinto)



[1] Os Acórdãos citados encontram-se publicados em texto integral, na jurisprudência das respetivas Relações, em dgsi.pt.
[2] Aduz o acórdão de 07/06/2011, depois de se reportar ao Acórdão Uniformizador, citado, in DR, 1ª série, de 21 de Janeiro de 2010, página 224 e Calvão da Silva, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 132º, nºs 3901 e 3902, páginas 154 a 155, que o ratio do art.º 10.º, n.º 1 é “… prevenir a acumulação de dívidas (de fácil contracção), que o mesmo pode (deve) pagar periodicamente, mas encontrará dificuldades em solver se excessivamente agregadas; ao mesmo tempo, responsabilizando os prestadores de serviços em manter uma organização que lhes permita a cobrança em momento próximo do respectivo consumo; e sancionando-lhes a inércia e a negligência decorridos seis meses após a prestação do serviço”.
[3] Seguiremos de perto o já expendido no Acórdão de 24/4/2012, publicado em dgsi.pt com o seguinte sumário: “O prazo de prescrição estabelecido pelo art.º 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, abrange não só o preço do serviço de telecomunicações, em sentido estrito, mas também os restantes créditos relativos ao contrato e seu incumprimento, entre eles, a indemnização por incumprimento da obrigação de permanência e pela cedência gratuita de telemóveis”.
[4] Publicado no D.R. n.º 14, Série I, de 21-01-2010.
[5] Neste sentido a insuspeita declaração de voto do Conselheiro Mário Cruz aposta ao citado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, publicado no DR I SÉRIE,14,21-01-2010,PÁG. 217-224: ”Votei favoravelmente a decisão. No entanto quero esclarecer que já defendi a posição sustentada pelo Prof. Menezes Cordeiro – e que a actual mudança de posição resulta da nova redacção do art.10º da Lei 12/2008, de 26/2, à qual atribuo também objectivos interpretativos sobre as situações passadas