Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7020/23.5T8SNT.L1-8
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
IMPRÓPRIO
EXCEÇÃO DE LITISPENDÊNCIA
TRÂNSITO EM JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: RESOLVIDO
Sumário: Tendo sido instaurada a mesma ação, entre as mesmas partes, embora figurando em inversa posição nos respetivos processos, distribuídos a diversos juízos e tendo ambos conhecido oficiosamente da exceção de litispendência, ocorre um conflito negativo impróprio, cuja resolução se impõe, em conformidade com o prescrito no corpo do artigo 114.º do CPC, radicando a competência para a tramitação do processo no juízo onde o respetivo réu/demandado foi, em primeiro lugar, citado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Os presentes autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais (com o n.º (…)/23.5T8SNT.L1) foram instaurados junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Família e Menores de Sintra - Juiz “88”, tendo aí sido apresentada a respetiva petição inicial em 21-04-2023, pelo progenitor da criança “A”.
A requerida foi citada em 23-06-2023 (cfr. ref.ª n.º 23667871).
Em 20-09-2023, teve lugar conferência de pais, no âmbito da qual foi referido por requerente e requerida que existia um outro processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais pendente no Juiz “99” do mesmo Juízo.
Em 22-09-2023, o Juízo de Família e Menores de Sintra - Juiz “88” proferiu decisão, na qual julgou verificada exceção de litispendência, absolvendo a requerida da instância
Na referida decisão – objeto de notificação às partes – consta escrito, nomeadamente, o seguinte:
“B” propôs contra “C” ação de regulação das responsabilidades parentais relativamente à menor “A”, que entrou neste Juízo em 21.4.2023.
No Juiz “99”, a aqui requerida, “C” propôs contra “B” ação de regulação das responsabilidades parentais relativamente à mesma menor, a qual corre sob o n.º (…)/23.7T8SNT.
Nessa conferência, foi excecionada a litispendência processual, entendendo aquele Tribunal que este seria o Tribunal competente para conhecer da ação, na medida em que esta ação entrou em juízo em momento prévio à (…)/23.7T8SNT, cuja entrada é de 16 de Maio de 2023.
Dúvidas inexistem que, nas duas acções, existe identidade de sujeitos, de pedidos e de causa de pedir, pelo que existe uma situação de litispendência (artigo 581.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
A litispendência deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar; mas, de acordo com o artigo 582.º, n.º s 1 e 2 do C.P.C., considera-se proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu foi citado posteriormente e não a ação entrada posteriormente em juízo; nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal e apenas, se em ambas as ações a citação tiver sido feita no mesmo dia, a ordem das ações é determinada pela ordem de entrada das respetivas petições iniciais.
Nos presentes autos, a requerida foi citada em 23 de junho de 2023 e nos autos n.º s (…)/23.7T8SNT o requerido foi citado no dia 21 de junho de 2023.
Assim, nos termos dos artigos 576.º, 577.º, al. i), 580.º, n.º 1, 581.º, n.º 1, º582.º, n.º s 1 e 2 do CPC, verificada a exceção de litispendência nestes autos, absolvo a requerida “C”.

(…) Oficie ao Processo (…)/23.7T8SNT do Juiz “99” do Juízo de Família e Menores a fim de informar se o despacho proferido em conferência de 06.07.2023 transitou em julgado e, em caso afirmativo, em que data.
Em caso afirmativo e, transitado que seja este, abra conclusão, com nota de urgente, a fim de ser dirimido eventual conflito negativo de competências, nos termos e para os efeitos do artigo 111.º, n.º s 1 e 3 do C.P.P.”.
No outro processo, requerido pela progenitora e entrado em juízo em 16-05-2023, pendente no Juiz “99”, com o n.º (…)/23.7T8SNT, o aí requerido foi citado no dia 21-06-2023.
Em 03-07-2023, no referido processo n.º (…)/23.7T8SNT, teve lugar conferência de pais, na qual foi fixado regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais e proferido o seguinte despacho:
“Uma vez que corre processo de regulação das responsabilidades parentais relativo a esta menor no juiz “88” de família e menores de Sintra, proc.º (…)/23.5T8SNT com data de entrada de 21/04/2023, que é anterior à entrada destes autos (os quais datam de 16/5/2023), julgo verificada a exceção de litispendência e, em consequência, absolvo o requerido da instância – arts. 576º, nºs 1 e2 , 577º, al. i), 578º, 580º, 581º e 582º, todos do CPC.
Remeta cópia da presente ata àqueles autos.
Notifique e dê baixa”.
Em 29-11-2023, o Juiz 5 proferiu despacho do qual consta, nomeadamente, escrito o seguinte:
“(…) Verifica-se um conflito negativo de competência, na medida em que dois tribunais –respetivamente, o Juiz “88”e o Juiz “99” do Juízo de Família e Menores de Sintra declinam o poder de conhecer da mesma questão.
Ambas as sentenças estão transitadas em julgado. Foi nestes autos que transitou em último lugar, a sentença aqui proferida, sendo, pois, junto deste Juiz que caberá lançar mão do conflito negativo de competências.
Atento o disposto nos arts. 109.º e 111 do NCPC, denuncia-se, assim, o verificado conflito, importando suscitar o mesmo para que seja definida a competência para conhecer da regulação das responsabilidades parentais da menor.
Notifique, nos termos e para os efeitos do artigo 112.º, n.º 1 do CPC. Após, vão os autos ao Ministério Público para os efeitos previstos no artigo 112, nº 2 do NCPC.
Após, remeta os presentes autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, para dirimir o conflito (artigo 111.º, n.º 3 do CPC).
O processo atinente ao incidente do conflito negativo de competências assume cariz urgente.”.
As partes foram notificadas e o Ministério Público pronunciou-se pela competência do Juiz “99” (cf. Promoção de 15-02-2024).
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Conhecendo:
A ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a esta respeitantes, constitui uma providência tutelar cível (cfr. artigo 3.º, al. c) do regime geral do processo tutelar cível – RGPTC - aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro).
No caso, foram instauradas em juízo, separadamente, duas ações de regulação, nas quais, cada um dos Tribunais a que vieram a ser distribuídas, veio a julgar verificada a exceção de litispendência em face do outro processo, absolvendo o demandado – em cada uma delas – da instância.
Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
O artigo 114.º do CPC dispõe sobre a aplicação do processo de resolução de conflito de competência a outros casos, nos seguintes termos:
“O disposto nos artigos 111.º a 113.º é aplicável a quaisquer outros conflitos que devam ser resolvidos pelas Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça e também:
a) Ao caso de a mesma ação estar pendente em tribunais diferentes e ter passado o prazo para serem opostas a exceção de incompetência e a exceção de litispendência;
b) Ao caso de a mesma ação estar pendente em tribunais diferentes e um deles se ter julgado competente, não podendo já ser arguida perante o outro ou outros nem a exceção de incompetência nem a exceção de litispendência;
c) Ao caso de um dos tribunais se ter julgado incompetente e ter mandado remeter o processo para tribunal diferente daquele em que pende a mesma causa, não podendo já ser arguidas perante este nem a exceção de incompetência nem a exceção de litispendência”.
Conforme salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 142), “[c]om uma frequência superior à que seria desejável ocorrem por vezes situações de bloqueio processual, em resultado da verificação de conflitos de competência impróprios, mas que têm que ser resolvidos a bem do interesse das partes e da justiça. São essas situações que são configuradas no corpo do artigo. Já as alíneas subsequentes visam evitar a pendência de duas ações, apesar do que relativamente a cada uma delas tenha sido decidido”.
Dispõe o artigo 580.º, n.º 1, do CPC que as exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência.
A litispendência pode considerar-se um pressuposto processual negativo (cfr., Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, II, Almedina, 1982, p. 242), que visa evitar a repetição de causas, ou seja, "evitar decisões inúteis ou desnecessárias" (cfr., Fernando Luso Soares, Direito Processual Civil, Almedina, 1980, pp. 167-168) e o "risco de grave dano para o prestígio da justiça" (assim, Antunes Varela, Sampaio e Nora, J. M. Bezerra, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra editora, 1985, p. 301).
De acordo com o disposto no artigo 578.º do CPC, o conhecimento da litispendência é oficioso por parte do Tribunal.
O impedimento da litispendência opera na ação proposta em segundo lugar, considerando-se como tal, aquela em que o réu foi citado posteriormente (cfr., artigo 582.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC).
“A litispendência (e o caso julgado) visam evitar a prolação de decisões contraditórias ou a repetição de decisões (por se tornar inútil a segunda decisão – vide art. 130º do CPC)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-10-2022, Pº 474/20.3YHLSB.L1-PICRS, rel. SÉRGIO REBELO).
A situação de litispendência, cuja arguição tem regras específicas, resolve-se em conformidade com essas mesmas regras, podendo dizer-se que, na sua apreciação individual, “os juízes não chegam a dispor sobre a situação decidida pelo outro” (cfr. decisão de 19-02-2021 do Vice-Presidente do STJ no processo n.º 1324/20.6T8CBR-A.S1).
Sucede que, se afigura que a situação se integra na previsão do corpo do artigo 114.º do CPC, dado que, na presente situação, ambos os Tribunais julgaram verificada a exceção de litispendência, gerando um conflito decisório, ou de competência impróprio ou latente, tanto mais que, ambas as decisões que declararam a litispendência, transitaram em julgado.
Resolvendo o conflito, verifica-se que, na ação n.º (…)/23.5T8SNT.L1 o requerido foi citado posteriormente (o que ocorreu em 23-06-2023), relativamente à citação que se operou (em 21/06/2023), no processo n.º (…)/23.7T8SNT, pelo que, o litígio entre as partes deve ser dirimido no âmbito da ação instaurada em primeiro lugar, ou seja, a competência para a tramitação do processo radicará no Juízo de Família e Menores de Sintra - Juiz “99”, onde o respetivo réu/demandado foi, em primeiro lugar, citado.
Em suma: Tendo sido instaurada a mesma ação, entre as mesmas partes, embora figurando em inversa posição nos respetivos processos, distribuídos a diversos juízos e tendo ambos conhecido oficiosamente da exceção de litispendência, ocorre um conflito negativo impróprio, cuja resolução se impõe, em conformidade com o prescrito no corpo do artigo 114.º do CPC, radicando a competência para a tramitação do processo no juízo onde o respetivo réu/demandado foi, em primeiro lugar, citado.
Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, decido este conflito impróprio, declarando competente para a presente acção o Juízo de Família e Menores de Sintra - Juiz “99”.
Notifique (art. 113.º, n.º 3, do CPC).
Baixem os autos.

Lisboa, 29-02-2024,
Carlos Castelo Branco (Vice-Presidente com poderes delegados).