Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10801/23.6T8LSB-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
PARTE CONTRÁRIA
SEGREDO COMERCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Tendo em conta o disposto nos artigos 7/4, 429/2 e 443/1 do CPC, grosso modo, o juiz só deverá recusar a notificação da parte contrária para juntar os documentos pedidos pela outra parte, se o requerente não poder obter, por ele, os documentos, se os factos que o requerente pretender provar não tiverem interesse para a decisão da causa ou se representarem factos já provados, pelo que nada há a censurar ao despacho recorrido.
II – Quando se colocar, em concreto, a necessidade de preservar a confidencialidade de qualquer segredo comercial, devem tomar-se as medidas específicas e proporcionais previstas no art. 352/3 do CPI, sempre tendo em conta a necessidade de salvaguardar o direito à acção e a um tribunal imparcial, bem como os interesses das partes ou de terceiros, o que, para já, se mostra acautelado pelo despacho recorrido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

F-Inc. é ré numa acção popular que lhe é movida pela Associação I.
Essa acção tem entre o mais por fim a fixação de uma indemnização por danos alegadamente causados por actividades ilícitas da ré, relativas a uma sua aplicação móvel, às consumidoras representadas pela autora (identificadas segundo os critérios que a autora dá nos artigos 12 a 14 da PI).
No requerimento probatório constante da PI foi pedido que a ré juntasse aos autos os seguintes documentos:
A-1 Documento(s) na posse da ré que refira(m) o número exacto total de utilizadoras em Portugal, segmentado por mês, ao longo do período relevante, ou que permita(m) estimar o número total de utilizadoras activas em Portugal, em média, em 2016, 2017, 2018 e 2019;
A-2 Os termos e condições (Terms of Service) celebrados entre a ré e o Facebook, o Google, a Fabric, a AppsFlyer e a Flurry, aplicáveis, durante o período relevante, à disponibilização, por aqueles, dos seus serviços e tecnologia (e.g. SDK) à ré;
A-3 Documento(s) produzidos pela ré que indique(m) o valor de receitas total (incluindo as receitas directas relativas a pagamentos recebidos pela utilização da versão premium da aplicação e, bem assim, as receitas indirectas relativas a vendas de anúncios publicitários visualizados pelas consumidoras representadas e derivadas da venda dos seus dados pessoais a terceiros) que a ré obteve em cada mês do período relevante ou, subsidiariamente, em 2016, 2017, 2018 e 2019, associadas às consumidoras representadas;
A-4 Documento(s) produzidos pela ré que indique(m) o valor de receitas total que a ré obteve no mundo inteiro, em cada mês do período de infracção ou, subsidiariamente, em 2016, 2017, 2018 e 2019.
Ao requerer os termos e condições referidos em A-2 a autora dizia: Atenta a assimetria informativa, é impossível à autora identificar de modo mais preciso estes documentos. A autora tem acesso à versão actualmente em vigor e disponível online de alguns destes termos e condições, mas carece, no entanto, de saber se as versões em vigor no período relevante diferem e, em caso afirmativo, em que medida, daquela versão. […] O facto de a autora ter acesso aos termos e condições em vigor significa que estes documentos que se requerem não estão protegidos por qualquer segredo comercial ou qualquer outro motivo que em abstracto, pudesse impor a sua confidencialidade.
E acrescentou: factos a provar: artigos 87, 104, 109, 142 a 144, 157 a 160, 162, 167, 169, 170, 179 a 184 e 209. Visa-se provar e conhecer o conteúdo da relação contratual estabelecida entre a ré e os terceiros em causa, da qual resulta que a ré, não só aceitou partilhar informação sobre as utilizadoras da sua aplicação, como aceitou que os terceiros destinatários dessa informação a utilizassem para os seus próprios fins e, ainda, que, pelo menos no que ao Facebook diz respeito, a ré partilhou dados sensíveis sobre as utilizadoras da aplicação, mesmo contra as indicações daquele. Relevância dos factos: Os factos que se visa provar com a apresentação destes documentos são essenciais à determinação e prova da extensão das práticas ilícitas da ré invocadas na presente acção.
A ré pronunciou-se sobre este pedido nos artigos 425 a 432 da contestação e não impugnou que a autora tenha acesso à versão actualmente em vigor e disponível online de alguns daqueles termos e condições.
No despacho saneador de 15/01/2025 foi, entre o mais, determinada:
“a notificação da ré para fazer juntar aos autos informação sobre o número de utilizadoras em Portugal e as receitas por si obtidas, também em Portugal, e bem assim os contratos celebrados com as entidades referidas (A-2), sem prejuízo de eventuais cláusulas de confidencialidade.”
A ré recorre contra este despacho (recorreu de outras partes de tal despacho, mas o recurso apenas foi admitido, bem, daquela parte e a ré não reclamou contra a não admissão do recurso das outras partes). Alega para tanto (transcreve-se, apenas com algumas simplificações, todo o corpo das alegações):
Quanto à primeira parte do despacho:
1\ Não obstante, à cautela, a ré tenha já apresentado alguns destes dados, a verdade é que os dados e informação que o tribunal ordenou fossem juntos aos autos nada significam diante da omissão de pronúncia quanto à definição da classe representada (o que é que se entende por número de utilizadoras em Portugal? Utilizadores que tenham instalado a Aplicação em Portugal, mas aqui não residam deverão ser contabilizados? Utilizadores que tenham instalado a Aplicação várias vezes, qual o número que deve ser considerado?) Sem a definição prévia e delimitação clara da classe representada, a ré vê-se impedida de prestar a informação.
2\ A prova tal como determinada pelo tribunal não tem qualquer valor probatório.
3\ A autora formulou um pedido de junção de documentos complexo e muito abrangente, peticionando informação comercialmente coberta pela confidencialidade – como tempestivamente alegado pela ré.
4\ Importa questionar qual o interesse da autora em saber o “valor de receitas total que a ré obteve / o que tal indagação de valores tem que ver com a presente acção. A autora pretende ter acesso a um conjunto de informação e documentação sobre a ré que nada têm que ver com a presente acção mas que poderão ser relevantes para a satisfação dos seus interesses próprios – i.e. lucrativos – quiçá, até para a propositura de acções similares à presente em outras jurisdições.
5\ A ré não alcança a relevância e enquadramento da informação relativa às “receitas por si obtidas, também em Portugal”. Menos ainda quando a ordem assim determinada se contextualiza no âmbito do pedido deduzido pela autora com vista à junção aos autos pela autora das “receitas indirectas relativas a vendas de anúncios publicitários visualizados pelas consumidoras representadas e derivadas da venda dos seus dados pessoais a terceiros) que a ré obteve em cada mês do período relevante”.
6\ Conforme defesa da ré, a mesma não partilhou quaisquer dados pessoais das “consumidoras representadas” a terceiros para venda de anúncios publicitários.
7\ Tal pedido viola flagrantemente o requisito da necessidade e/ou relevância dos documentos, ínsito no artigo 429 do CPC.
Subsidiariamente, requer-se seja o despacho recorrido revogado e substituído por outro que, após definida a classe representada, circunscreva e delimite a ordem proferida em conformidade.
Quanto aos contratos celebrados com terceiros:
8\ A autora requer a junção aos autos de contratos confidenciais celebrados entre a ré e várias entidades terceiras, que não são partes no presente processo.
9\ O pedido da autora, aceite pelo tribunal a quo, implica a divulgação de informações comercialmente sensíveis e de segredos comerciais.
10\ Pelo que, sob pena do levantamento de sérios e graves problemas suscitados ao nível dos segredos comerciais e da protecção da propriedade intelectual e industrial, tais documentos não poderão ser juntos sem mais.
11\ De facto, estipula concretamente o artigo 313 do Código da Propriedade Industrial que são objecto de protecção:
1 - Entende-se por segredo comercial e são como tais protegidas as informações que reúnem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exactas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão;
b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas;
c) Tenham sido objecto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.
2 - A protecção é extensiva aos produtos cuja concepção, características, funcionamento, processo de produção ou comercialização beneficia significativamente de segredos comerciais obtidos, utilizados ou divulgados ilicitamente.
3 - Entende-se por titular do segredo comercial a pessoa singular ou colectiva que exerce legalmente o controlo de um segredo comercial.»
12\ É notório que os termos e condições cuja junção aos autos a autora requer, são objecto de protecção pelo segredo comercial e, como tal, são protegidas as suas informações.
13\ Pelo que, para que sejam salvaguardadas as exigências de confidencialidade legalmente impostas, a ré não pode juntar aos autos os presentes documentos sem mais.
14\ Nesse sentido, estipula o artigo 352/3 do CPI que:
3 - A pedido devidamente fundamentado de uma das partes ou por iniciativa do tribunal e tendo sempre em conta a necessidade de salvaguardar o direito à acção e a um tribunal imparcial, bem como os interesses das partes ou de terceiros, podem ser tomadas medidas específicas e proporcionais para preservar a confidencialidade de qualquer segredo comercial ou alegado segredo comercial utilizado ou mencionado no decurso de um processo judicial, nomeadamente as seguintes:
a) Limitação do acesso a documentos que contenham segredos comerciais ou alegados segredos comerciais e que tenham sido apresentados pelas partes ou por terceiros, na sua totalidade ou em parte, a um número restrito de pessoas;
b) Limitação a um número restrito de pessoas do acesso a audiências, assim como aos respectivos registos e transcrições, quando existir a possibilidade de divulgação de segredos comerciais ou alegados segredos comerciais;
c) Disponibilização a pessoas não incluídas no número restrito a que se referem as alíneas anteriores de uma versão não confidencial de decisões judiciais das quais tenham sido removidas ou ocultadas as passagens que contêm os segredos comerciais.»
15\ Sucede que, tais medidas específicas e proporcionais para preservar a confidencialidade dos segredos comerciais ínsitos nos termos cuja junção se requer não foi acautelada no pedido da autora – que pretendia a junção integral e sem reservas dos mesmos – nem posteriormente o foi pelo tribunal a quo.
16\ A notificação do tribunal não concretiza minimamente quais as medidas que serão tomadas pelo tribunal para assegurar a confidencialidade que – aparentemente – se salvaguarda na notificação feita por este último.
17\ Ademais, se a autora tem tanta certeza das alegadas violações levadas a cabo pela ré e se chegou a tal conclusão – credível o suficiente – para iniciar a presente acção, é até questionável a relevância da junção de tais condições gerais para a (im)procedência da presente acção. Neste sentido, o ac. do TRL de 10/04/2024, proc. 19/20.5YQSTR-D.L1-PICRS: III - O pedido para a apresentação de documentos em poder da parte contrária deve ser indeferido quando estes elementos de prova sejam irrelevantes ou supérfluos para a prova dos factos que integram o objecto do processo.
18\ É o que se verifica no presente caso pois, é irrelevante para se concluir dos alegados danos sofridos pelas “consumidores representadas” em virtude da utilização da aplicação da ré, as condições específicas que eram previstas nos termos e condições celebrados entre esta última e as empresas terceiras que asseguravam o bom funcionamento da aplicação e que nem são partes no presente processo.
19\ Diga-se, aliás, que este pedido da autora não passa de uma tentativa exasperada de inversão das regras do ónus de alegação e de prova, ambas inadmissíveis à luz do direito processual civil português.
20\ A autora pretende lançar mão do mecanismo previsto no artigo 429 do CPC para assim, sem qualquer esforço de recolher provas que sustentem as suas graves acusações, vir subverter os mais basilares princípios probatórios que regulam o Estado de Direito Português.
21\ Não se poderá admitir que seja no decorrer da acção e com recurso a uma atitude positiva da que venham a ser juntos documentos que, alegadamente, contêm o que a autora pretende provar e que, na realidade, nem a própria o sabe ao certo.
22\ Este pedido da autora é um exemplo claro do que o legislador pretendeu obviar ao prever a estipulação do artigo 429.º do CPC. Este mecanismo não poderá jamais ser utilizado como um meio para fins claramente escrutinadores e que nada têm que ver com os fins estritamente probatórios previstos e salvaguardados pela Lei. Neste sentido o ac. do TRL de 06/12/2022, proc. 13668/14.1T2SNT-F.L1-7: II - O nosso sistema processual civil veda o acesso a uma prova exploratória na medida em que tal colide com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, visando obter – de forma enviesada – prova que possa sustentar eventuais novas pretensões ou meramente hostilizar a parte contrária.
A autora contra-alegou, dizendo que:
i\ A ré alega dificuldades na compreensão do despacho que ordena a produção de determinadas informações. A existência de dúvidas não é, por si só, fundamento de recurso. A ré pode facilmente lidar com essas dúvidas indicando as alternativas – v.g. “XX utilizadoras instalaram em Portugal, das quais YY não residem”.
ii\ A ré interroga-se também quanto à relevância de determinada informação, a saber as receitas obtidas – essa matéria foi discutida e explicada na audiência prévia, tendo culminado no despacho saneador ora sob recurso. O valor das receitas é relevante para determinar qual o valor obtido através da exploração ilícita dos dados pessoais das consumidoras representadas, que é parte do que se peticiona na acção. É um dado indispensável para aplicar metodologia de quantificação de danos patrimoniais proposta pela autora.
iii\ Como é frequentemente dito a propósito das aplicações na Internet: “Se é grátis, tu és o produto”. Ou seja, é através da exploração publicitária de dados pessoais que a ré faz as suas receitas. De acordo com a autora, esta actividade foi feita ilicitamente no período relevante sendo, por isso, essencial para prova dos factos saber qual o montante das receitas da ré associadas à publicidade mostrada às consumidoras representadas durante o período relevante. Estas receitas expressam o valor que o mercado, por livre funcionamento, atribuiu aos dados pessoais partilhados para permitir publicidade junto de destinatárias particularmente interessantes para certos anunciantes. Compreende-se que a ré não queira facultar essa informação. Prefere alegar que é uma empresa avaliada em mais de mil milhões de euros, com dezassete subscritoras pagantes em Portugal.
iv\ A ré insurge-se também quanto ao pedido dos contratos com terceiros e invoca o regime do segredo comercial. Como reconhece, o disposto no artigo 352 do CPT prevê, precisamente, mecanismos de salvaguarda dos segredos comerciais. Ou seja, mesmo que estivessem em causa segredos comerciais, o que não se concede, poderia haver lugar à sua divulgação sem ser posta em causa a alegada confidencialidade.
v\ No entanto, a ré não só não demonstrou a existência de qualquer segredo comercial, como não tinha feito até à data qualquer requerimento ao abrigo do artigo 352 do CPI. Nesse sentido, essa particular questão transcende o objecto do recurso. Não houve ainda decisão sobre essa matéria para que dela se possa, eventualmente, recorrer.
vi\ Ao contrário do que afirma, estes contratos não são irrelevantes. O seu conteúdo permitirá conhecer e demonstrar as estratégias de monetização dos dados das utilizadoras da aplicação da autora. Nesse sentido, os factos que se pretendem provar com estes documentos têm, indiscutivelmente, interesse para a decisão da causa, preenchendo a hipótese normativa do art. 429 do CPC.
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Questões a decidir: se não devia ter sido determinada a notificação da ré para juntar aos autos informação sobre o número de utilizadoras em Portugal e as receitas por si obtidas, também em Portugal, e bem assim os contratos celebrados com as entidades referidas (A-2); ou se, pelo menos, quanto às informações, devia, antes, ter sido definida a classe representada pela autora; e se, quanto aos contratos, o tribunal devia ter concretizado as medidas a tomar para assegurar a confidencialidade dos dados.
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Apreciação
Tendo em conta o disposto nos artigos 7/4, 429/2 e 443/1 do CPC, grosso modo, o juiz só deverá recusar a notificação da parte contrária para juntar os documentos pedidos pela outra parte, se o requerente não poder obter, por ele, o documento, se os factos que o requerente pretender provar não tiverem interesse para a decisão da causa ou se representarem factos já provados (assim, por exemplo, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, 2.º vol., 3.ª edição, Almedina, páginas 247-248 e 263).
A argumentação da ré pouco tem a ver com isto.
Quanto a 1, as dúvidas que a ré levanta quanto ao âmbito da classe representada não têm qualquer razão de ser, perante a identificação precisa que resulta dos critérios dados pela autora nos artigos 12 a 14 da PI. À ré cabe satisfazer o pedido de documentos actuando como pessoa razoável e de boa-fé e se o tribunal se convencer que não o fez, decidirá, no momento do julgamento, as dúvidas que tiver contra a ré (artigos 7, 8 e 417/2 do CPC). Quanto a 2 e 7 tratam-se de simples afirmações da ré, sem fundamentação. Quanto a 3, e relativamente, para já, às informações pedidas, a ré não tem qualquer suporte para afirmar a suposta confidencialidade delas. Quanto a 4 e 5 é evidente o interesse que os documentos respectivos têm para o caso, pois que são o modo de calcular uma indemnização que terá de ser calculada na acção e não fora dela e para isso também terão relevo os anúncios cuja visualização tenha sido sugerido às consumidoras por força da partilha de dados com terceiros que é imputada pela autora à ré (se esta se prova ou não é outra questão).
Quanto aos contratos celebrados com terceiros:
Ao requerer a notificação da ré para juntar tais contratos, a autora dizia, entre o mais, o seguinte, como consta do relatório deste acórdão: “A autora tem acesso à versão actualmente em vigor e disponível online de alguns destes termos e condições […] O facto de a autora ter acesso aos termos e condições em vigor significa que estes documentos que se requerem não estão protegidos por qualquer segredo comercial ou qualquer outro motivo que em abstracto, pudesse impor a sua confidencialidade.” A ré não contestou aquela afirmação de facto e, por isso, é legítima a conclusão da autora: “estes documentos que se requerem não estão protegidos por qualquer segredo comercial ou qualquer outro motivo que em abstracto, pudesse impor a sua confidencialidade.”
Por outro lado, mesmo que possam estar em causa informações comercialmente sensíveis e segredos comerciais, a questão não se colocava, em concreto, no momento do despacho judicial, pois que a ré se limitava a fazer afirmações gerais e abstractas sobre o assunto. O tribunal não tinha que acautelar a hipótese no despacho.
Já a questão da possível confidencialidade era colocada pela própria autora e o tribunal teve o cuidado de fazer referência a ela, na parte final do despacho. Pelo que, se houver documentos que se possam considerar realmente confidenciais, eles já estão abrangidos pelo despacho, tendo então o tribunal de resolver os problemas que se levantarem.
Aliás, ao contrário do que a ré diz, a autora acautelou a questão, dizendo, no requerimento probatório, o seguinte:
No que respeita à eventualidade de existir informação confidencial em documentos requeridos, caberá à ré alegar e provar a natureza confidencial das informações contidas nesse documento. Só muito raramente um documento conterá, única e exclusivamente, informação confidencial. Normalmente, é possível produzir uma versão não confidencial de documentos que contenham informação confidencial, ainda que uma percentagem significativa do conteúdo seja confidencial e tenha de ser omitida.
O tribunal pode ter de analisar o documento (sem o facultar à parte contrária) para confirmar a presença de conteúdo confidencial, sob pena de se aceitar cegamente qualquer alegação de confidencialidade não demonstrada por uma parte.
A autora reserva-se no direito de aferir a fundamentação que a ré apresente para cumprir o seu ónus de demonstração dessa confidencialidade e de exercer o contraditório.
No que respeita aos documentos que incluam conteúdo específico que o tribunal venha a determinar merecer protecção como confidencial, a autora requer que, na medida em que sejam necessários e proporcionais à prova dos factos em causa, os mesmos sejam juntos ao processo de um modo que seja assegurada a sua confidencialidade, sendo apenas acessíveis ao tribunal e às partes dos presentes autos, nomeadamente sendo incluídos num apenso confidencial, ou outra solução que o tribunal entenda adequada.
Aliás, a ré sabe que assim é, como o demonstra o facto de, quando antes de interpor o recurso forneceu algumas informações ao tribunal, ter tido o cuidado de referir:
Foi a ré notificada para indicar o endereço electrónico da testemunha arrolada. Salvaguarde-se que tal informação é estritamente confidencial e o respectivo endereço não poderá ser partilhado com quaisquer entidades terceiras ao processo, nem ser utilizado com outro fim que não o de a testemunha ser ouvida por webex no presente processo cuja disponibilidade, desde já, se confirma. Posto isto, a ré oportunamente e depois de garantida a confidencialidade de tal informação prestará tal endereço directamente junto da secretaria ou nos moldes que este tribunal venha a determinar.
Com o que antecede, afasta-se o que a ré diz de 8 a 16.
Quanto a 17, 18, 21e 22: é evidente quais os factos que a autora pretende provar com tais contratos, tal como exposto no requerimento probatório, transcrito acima nessa parte, e que eles têm interesse para a decisão da causa (para além de valerem quanto a eles também o que se disse a propósito de 4 e 5). Quanto a 19 é uma simples afirmação da ré, sem fundamentação. Quanto a 20: a ré não diz de que outro modo é que a autora poderia obter tais elementos de prova.
Improcedem, pois, todas as pretensões da ré, quer principais quer subsidiárias.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas, na vertente de custas de parte (não há outras), pela ré.

Lisboa, 08/05/2025
Pedro Martins
Rute Sobral
Paulo Fernandes da Silva