Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3596/22.2T8SNT.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PEDIDO DE NOMEAÇÃO DE PATRONO
PROPOSITURA DA ACÇÃO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1. Sendo o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono apresentado antes da propositura de acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, mas estando em curso o prazo de 60 dias previsto no art.º 387, n.º 2, do Código do Trabalho, tal interrompe o decurso deste prazo.
2. Após a nomeação o patrono tem o aludido prazo, previsto na lei laboral, de 60 dias para propor ação, o qual volta a correr, no caso do pedido ser deferido, após a notificação da decisão cumulativamente ao patrono nomeado e ao trabalhador.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

I. Relatório
1. Na presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento em que são
A. (autora) AAA; e
R. (Ré) BBB
a empregadora no seu articulado começou por invocar a excepção peremptória da caducidade do direito de ação da autora, defendendo que o prazo legal de 60 dias já tinha terminado quando esta apresentou o formulário legal de impugnação do despedimento.
A trabalhadora respondeu defendendo que, dados os termos em que decorreu a nomeação do patrono ao abrigo do apoio judiciário, o fez uma semana ainda antes de cessar o prazo.
O Tribunal a quo em sede de saneamento lavrou então a seguinte decisão:
“Da caducidade
Nos termos do artigo 387º, n.º 2, do Código do Trabalho, dispõe o trabalhador de 60 (sessenta) dias, para oposição de despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato de trabalho.
Tendo sido formulado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo em curso interrompe-se, reiniciando-se a sua contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono (cfr. artigo 24.º, n.ºs 4 e 5, als. a) e b), da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho).
Com efeito, nos termos do art.º 24.º, n.º 4, do “Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais”, aprovado pela Lei n.º 34/2004 de 29 de julho: «Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo». Depois o n.º 5 do mesmo preceito estabelece que o prazo interrompido nos termos do número anterior inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou da notificação ao requerente que decisão que indeferiu o pedido de nomeação de patrono.
Ora no presente caso, verificamos que:
- 04 de Novembro de 2021 – A Autora é notificada da decisão final de despedimento.
- 25 de Novembro de 2021 – A Autora apresenta pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono;
- 15 de Dezembro de 2021 – é proferida decisão pelo ISS deferindo o pedido de apoio judiciário formulado;
- 15 de Dezembro de 2021 – a nomeação é remetida por email à ilustre patrona – vd informação da CDOA de fls. 132v – informação de 14.06.2022.
- 28 de Fevereiro de 2022 – dá entrada a acção.
Quando é que se deve considerar o patrono “notificado”? Dispõe-se no art.º 29º, da Portaria nº 10/2008, de 3/1, (actualizada pela Portaria n.º 654/2010 de 11 de Agosto) que procedeu à regulamentação da Lei nº34/2004, de 29/7 (Acesso ao Direito e aos Tribunais):
«Todas as notificações, pedidos de nomeação e outras comunicações entre a Ordem dos Advogados e os tribunais, as secretarias ou serviços do Ministério Público, os órgãos de polícia criminal, os profissionais forenses participantes no sistema de acesso ao direito, os serviços da segurança social e o IGFIJ, I.P., devem realizar-se por via electrónica, através de sistema gerido pela Ordem dos Advogados».
Por sua vez, o art.º 248.º do CPC prevê uma presunção de notificação no 3.º dia posterior ao da certificação da elaboração/expedição (sendo actividade simultânea a elaboração e a expedição).
No fundo, manteve-se a mesma regra dos 3 dias que já vigorava e continua a vigorar para a notificação via postal.
Ora, tendo a notificação da patrona sido feita pela CDOA, por via electrónica (cfr. fls. 132v) devemos recorrer à presunção do conhecimento da notificação, pelo menos, no terceiro dia posterior à expedição da notificação certificada pelo sistema, ou seja, no presente caso sendo a nomeação de dia 15.12.2021 e tendo sido notificada eletronicamente nesse dia à ilustre patrona, então deve a mesma ter-se por notificada a 20 de Dezembro de 2021 (1ª dia útil seguinte).
Sendo assim o prazo para interposição da acção seria até 20 de Fevereiro de 2022, data em que se perfizeram os 60 dias fixados na lei.
Assim sendo, em 28 de Fevereiro de 2022 já tinha decorrido o prazo estabelecido na lei para a interposição da acção.
Pelo exposto, e tendo em atenção que nem pela Trabalhadora, nem pela Ilustre patrona foi apresentado o Formulário do art.º 98 C do CPT, no prazo de 60 dias, seja desde o despedimento, seja desde a notificação de nomeação da ilustre patrona, verificando-se que o mesmo só veio a dar entrada em Tribunal a 28 de Fevereiro, considera-se que a acção não foi apresentada pela autora no prazo previsto no artigo 387.º, n.º 2 do CT e como tal ocorreu a caducidade invocada pela Entidade Patronal.
Termos em que se julga procedente a excepção peremptória de caducidade invocada e nesta medida absolve-se a Ré do pedido contra si formulado”.
A A. insurgiu-se e recorreu, formulando as seguintes conclusões:
a) Discordamos do douto Tribunal a quo quanto à aplicação do regime jurídico da caducidade do direito da ora Recorrente para interpor a presente acção de impugnação de licitude de despedimento.
b) No âmbito do vínculo laboral, estabelecido em 01/09/2016, foi contra a Trabalhadora instaurado processo disciplinar, que veio a ora Recorrente a ser notificada da decisão final de despedimento em 04 de Novembro de 2021.
c) Ora, ao abrigo do art.º 387º, n.º 2, do Código do Trabalho (CT), dispõe o trabalhador de um prazo, em regra, contínuo sem suspensões ou interrupções, de 60 (sessenta) dias, para oposição de despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato de trabalho.
d) Assim, em 25 de Novembro de 2021, apresentou a ora Recorrente junto do Instituto da Segurança Social, I.P. Requerimento de Protecção Jurídica, para efeitos de dispensa de pagamento de taxa de justiça e nomeação de patrono.
e) Data em que, por efeitos de apresentação do respectivo pedido de apoio judiciário, se interrompeu o prazo de caducidade do direito da A. para propositura de acção de impugnação de despedimento, inutilizando todo o período para prazo de caducidade anteriormente decorrido, nos termos do artigo 24º, n.º 4, do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais.
f) Foi deferido o referido pedido pelo Instituto da Segurança Social, I.P., bem assim notificada a sua designação à patrona nomeada em 15/12/2021, contudo, tão só, em 29/12/2021, foi o respectivo despacho remetido pelos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P. para efeitos de notificação da Autora.
g) Pelo que, verificamos:
- 04 de Novembro de 2021 – A A. é notificada da decisão final de despedimento;
- 25 de Novembro de 2021 – A Autora apresenta pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono;
- 15 de Dezembro de 2021 – A nomeação é remetida via e-mail à patrona nomeada;
- 29 de Dezembro de 2021- Data de saída de despacho para efeitos de notificação à ora Recorrente.
h) Ora, prevê o art.º 3º, al. c), do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, “São subsidiariamente aplicáveis: (...) Quanto à matéria procedimental, o Código do Procedimento Administrativo”.
i) Por seu turno, dispõe o art.º 113º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo que, a notificação por via postal presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo.
j) Assim, sendo indicada pelos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P., como data de saída o dia 29/12/2021 – data a qual se considera para efeitos de início de contagem de prazo de presunção de notificação à A. do aludido despacho -, considerar-se-á a A. notificada no terceiro dia posterior ao seu envio, em 01/01/2022.
k) Contudo, o dia 01/01/2022 correspondeu simultaneamente a um Sábado e feriado, pelo que considerar-se-á a respectiva notificação efectuada no primeiro dia útil seguinte a este, em 03/01/2022.
l) Data em que se reinicia a contagem do prazo de 60 (sessenta) dias que dispunha a A. para a apresentação do respectivo formulário junto do Tribunal competente, e o qual terminaria em 04/03/2022.
m) Por conseguinte, a apresentação do formulário que deu impulso processual à presente acção considera-se tempestivo, por ter sido entregue dentro do prazo de 60 dias (28/02/2022), após o reinício de contagem de prazo, na sequência da sua interrupção por efeitos de pedido de Apoio Judiciário junto da entidade competente.
n) No entanto, discorda o douto Tribunal a quo de tal entendimento, pronunciando-se pela caducidade do direito da ora Recorrente.
o) Sustentando, para tanto que, em conformidade com o disposto no art.º 24º, n.º 4, do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, aprovado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho: “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo. Depois o n.º 5 do mesmo preceito estabelece que o prazo interrompido nos termos do número anterior inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou da notificação ao requerente que decisão que indeferiu o pedido de nomeação de patrono.” (sublinhado nosso)
p) Assim, entende o douto Tribunal a quo que:
- 04 de Novembro de 2021 – A A. é notificada da decisão final de despedimento;
- 25 de Novembro de 2021 – A Autora apresenta pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono;
- 15 de Dezembro de 2021 – A nomeação é remetida via e-mail à patrona nomeada;
- 20 de Fevereiro de 2022 – Data em que se verifica a caducidade do exercício do direito da A. (no entendimento do douto Tribunal a quo)
- 28 de Fevereiro de 2022 – Dá entrada a acção.
q) Ora, primeiramente, cumpre-nos referir que, aquando da apresentação de pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais custas com o processo e nomeação de patrono, não corria termos qualquer acção judicial.
r) Pelo que entendemos não ser de aplicar tal preceito ao caso ora em crise, por ter sido apresentado o referido pedido, antes da propositura da presente acção, bem assim, não ser de considerar tal reinício do decurso do prazo ao momento da notificação ao patrono da sua nomeação.
s) Mas, e como em qualquer relação comunicante, com o conhecimento pelos seus dois polos - patrono e patrocinado - da existência de um tal vínculo, por forma a, conhecendo da nomeação e da identidade do patrono, permitir o beneficiário do apoio prestar a colaboração necessária à apresentação de articulado, mormente no plano dos factos, e, por outro lado, dispor o patrono da factualidade material para instaurar a competente acção, em nome e representação, do beneficiário.
t) Prevalecendo, para tanto, a data em que foi o beneficiário do apoio judiciário notificado de tal decisão de concessão – enquanto parte interessada que visa o instituto do apoio judiciário tutelar.
u) Contudo, atenta a evidente lacuna da Lei no que respeita à interrupção do prazo de caducidade do direito do Requerente antes de intentada a respectiva acção judicial, ainda que se considere ser de aplicar por analogia tal normativo legal,  bem assim se considerar o início da recontagem de prazo aquando da notificação ao patrono nomeado, sempre se dirá que:
v) A suspensão deste prazo pode cessar em duas situações diferentes: consoante o pedido seja deferido ou indeferido.
w) No primeiro caso, a recontagem inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado, notificação esta que se destina a dar-lhe conhecimento do facto de ter sido nomeado. No segundo caso, é com a notificação ao próprio requerente que a contagem se retoma.
x) Assim, atenta a notificação à patrona nomeada, à letra da lei, reiniciar-se-ia ao momento da notificação ao patrono da sua nomeação, em 15/12/2021, pelo que, em bom rigor, o despacho recorrido não fez mais do que aplicar a Lei.
y) No entanto, salvo o devido respeito, entendemos ser incorrecta a decisão quanto à matéria de direito, por considerarmos inconstitucional a norma aplicada.
z) O que deveria ter sido objecto de exame pelo douto Tribunal, conforme contempla o art.º 204º, da Constituição da República Portuguesa: “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
 aa) Nesse pressuposto, uma norma em desconformidade material, formal ou procedimental com a Constituição é nula, devendo o juiz, antes de decidir qualquer caso concreto de acordo com a norma aplicável, examinar se ela viola as normas e princípios da Constituição.
bb) O que, salvo melhor opinião, não foi feito.
cc) Ora, consagra o art.º 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”
dd) Na medida em que visa o instituto do apoio judiciário obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais.
ee) No entanto, para cumprir tal imperativo, não basta a mera existência do referido instituto no nosso ordenamento jurídico, como também se impõe que a sua modelação seja adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses.
ff) Nesta senda, deverá a lei estabelecer medidas que, no plano da tramitação processual, acautelem a defesa dos direitos do requerente do apoio, designadamente no que concerne aos prazos em curso.
gg) Destarte, a solução de interrupção do prazo em curso obedece à necessidade de preservar a possibilidade de o requerente de apoio judiciário vir aos autos através de técnico do direito expor as suas razões de facto e de direito.
hh) E, é nessa medida que o reinício do prazo interrompido haverá também de obedecer à reunião de condições que garantam o efetivo estabelecimento e a actuação de uma relação de patrocínio judiciário, o que pressupõe o conhecimento do patrono e do patrocinado.
ii) Pelo que, a execução do art.º 20º da Constituição não pode ser impedida por acasos burocráticos como é, certamente, as notificações em datas diferentes, uma vez que, na realidade, o que pretende o n.º 2 daquele preceito, é que efetivamente a pessoa tenha um patrono judiciário – e o que tem como pressuposto óbvio que as pessoas interessadas tenham conhecimento da sua relação de patrocínio.
jj) Ora, se outro fosse o entendimento, como poderia a Recorrente contactar o seu patrono em tempo útil se desconhecia que já lhe tinha sido nomeado um?
kk) Por outro lado, questiona-se que tipo de acção poderia oferecer o patrono sem que o patrocinado o tenha contactado por forma a dispor de toda a factualidade material que sustentará a respectiva acção judicial? Mais ainda quando este desconhece tal facto.
ll) De facto, desconhecendo da nomeação e da identidade do patrono, o beneficiário do apoio não dispõe de informação que lhe permita prestar a colaboração necessária à apresentação de articulado, mormente no plano dos factos, além de que não tem meios de apurar por si mesmo que o prazo interrompido voltara a correr.
mm) Pelo que, ao não ter o beneficiário conhecimento da nomeação por forma a prestar a colaboração necessária, e por isso, não dispor o patrono nomeado dos factos para intentar a competente acção, tal acarretaria um encurtamento, ou até mesmo a inutilização do prazo do Requerente para organização e exercício da sua defesa em juízo com a assistência de um representante que assegure a condução técnico-jurídica do processo.
nn) Porquanto, na verdade, a interpretação normativa em crise importa a cessação do efeito interruptivo quando ainda não estão reunidas as condições para que o requerente de apoio judiciário possa, em condições de igualdade com os litigantes que não são economicamente carenciados, utilizar os meios processuais em sua defesa, o que se demonstra desconforme com o direito a um processo equitativo e com o direito de acesso à justiça, bem assim, contrária ao visado pela norma – ou seja, o acesso ao Direito e aos Tribunais, por pessoas em carência económica.
oo) Assim, quando tal conhecimento mútuo não existe, como é o caso, não se pode falar em patrocínio judiciário útil e eficaz.
pp) Razão pela qual se pronunciou o Tribunal Constitucional pela inconstitucionalidade da norma, em sede de fiscalização concreta, Acórdão n.º 461/2016, de 13 de outubro: “Julga inconstitucional a interpretação normativa, extraída do artigo 24.º, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 34/2004, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado.”
qq) Mais se tendo pronunciado o Tribunal Constitucional por tal desconformidade da norma, em sede de fiscalização sucessiva, Acórdão n.º 515/2020, de 18 de Novembro: “Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado”.
rr) Nessa medida, e seguindo o entendimento obrigatório do Tribunal Constitucional, o art.º 24º, n.º 5, do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, não poderá ser interpretado nem aplicado no sentido de que a notificação do patrono é causa suficiente e única para dar início à recontagem do prazo para a interposição da competente acção.
ss) Assim, havendo um lapso temporal entre a data da notificação ao patrono da sua designação e a data da notificação do beneficiário de apoio judiciário da nomeação de patrono, deverá ser considerada a última das duas datas, para efeitos de início do prazo interrompido.
tt) O que assim dever-se-á entender, uma vez que só após a segunda data, por um lado, a recorrente pode exercer os seus direitos e por outro, o patrono nomeado tem conhecimento dos factos que pode e deve levar a juízo, em que medida o pode fazer e enquadrá-los juridicamente, exercendo o respectivo patrocínio judiciário de forma plena e eficaz.
uu) Pelo que o desfasamento entre os prazos das notificações não pode ter como consequência a impossibilidade de recorrer a tribunal, a impossibilidade do acesso ao Direito, que é, afinal, o que a Lei pretende.
vv) Assim, vejamos:
ww) Em 25/11/2021 – ou seja, dentro do decurso do prazo legal de 60 dias que dispunha a trabalhadora -, foi pela Autora apresentado junto do Instituto da Segurança Social, I.P. Requerimento de Protecção Jurídica, para efeitos de dispensa de pagamento da taxa de justiça e nomeação de patrono.
xx) Pedido este que foi deferido pelo Instituto da Segurança Social, I.P., e notificada a sua designação à patrona nomeada, em 15/12/2021, contudo, tão só, em 29/12/2021, foi o mesmo remetido pelos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P. para efeitos de notificação da ora Recorrente - conforme “data de saída” aposta no despacho de deferimento, que seguiu junto com o Formulário que impulsionou a presente acção.
yy) Assim, nos termos do art.º 113º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, a notificação por carta registada presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
zz) Ora, correspondendo simultaneamente o terceiro dia posterior ao envio a um sábado e feriado (01/01/2022), a mesma considera-se efectuada no primeiro dia útil seguinte a este, em 03/01/2022.
aaa) Data que dever-se-á considerar para efeitos de início de recontagem do prazo de 60 (sessenta) dias que dispunha a ora Recorrente para a apresentação do respectivo formulário junto do Tribunal competente.
bbb) O qual terminaria em 04/03/2022 – sob pena de caducidade do direito da ora Recorrente.
ccc) Assim, verificamos que:
- 04 de Novembro de 2021 – A Autora é notificada da decisão final de despedimento;
- 25 de Novembro de 2021 – A Autora apresenta pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono;
- 15 de Dezembro de 2021 – A nomeação é remetida via e-mail à patrona nomeada;
- 29 de Dezembro de 2021 – O Despacho de Deferimento é remetido para efeitos de notificação à ora Recorrente;
- 03 de Janeiro de 2022 – Data de início da recontagem do prazo de caducidade da Recorrente;
- 28 de Fevereiro de 2022 – Dá entrada a acção;
- 04 de Março de 2022 – Data em que verificar-se-ia a caducidade do direito da Recorrente.
ddd) Por conseguinte, outro não poderá ser o entendimento senão o da tempestividade da apresentação do formulário que deu impulso processual à presente acção, por ter sido este entregue dentro do prazo de 60 dias (28/02/2022), após o reinício de contagem de prazo, na sequência da sua interrupção por efeitos de pedido de Apoio Judiciário junto da entidade competente.
eee) Assim, andou mal o douto Tribunal a quo ao aplicar a norma inscrita no artigo 24º, n.º 5 do Regime do Acesso ao Direito e aos Tribunais.
fff) Porquanto, aplica o Tribunal a quo uma norma em inobservância do seu dever ínsito no art.º 204º, da Constituição da República Portuguesa, a qual viola o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, nomeadamente no que respeita ao direito dos cidadãos no acesso ao Direito, aos Tribunais, e à Justiça.
ggg) Pelo que, deveria o douto Tribunal a quo ter-se imiscuído de aplicar tal norma, por manifesta inconstitucionalidade, e a qual, inclusive, foi pelo Tribunal Constitucional declarada inconstitucional, com força obrigatória geral.
hhh) Com efeito, deveria o Tribunal a quo ter-se pronunciado pela cessação do efeito interruptivo para início de recontagem do prazo de caducidade ao momento da notificação que ocorreu em segundo lugar, em 03/01/2022 (data de presunção de notificação à beneficiária do apoio judiciário), bem assim, ter-se pronunciado por tempestivo a apresentação do formulário pela ora Recorrente, e posteriores trâmites legais.
iii) Por conseguinte, deverá ser revogado o despacho ora em crise e, consequentemente, ser proferido novo despacho entendendo por tempestiva a apresentação do formulário pela ora Recorrente.
Remata pedindo que seja revogada a decisão recorrida.
*
A contraparte não contra-alegou.
O MºPº teve vista e defendeu a procedência do recurso.
Não houve resposta ao parecer.
Os autos foram aos vistos.
*
*
II – Fundamentação.
De acordo com as conclusões das alegações a questão submetida ao conhecimento deste tribunal, constituindo assim o objecto do recurso, consiste em determinar se se verifica ou não a caducidade do direito de ação da autora.
*
Os factos pertinentes são os descritos em I), e ainda que em 29/12/2021 foi expedida notificação da decisão da Segurança Social à recorrente (doc. de fls. 131)
*
De Direito
Vejamos os factos essenciais:
- a autora foi notificada da decisão de despedimento em 4/11/2021;
- pediu apoio judiciário com nomeação de patrono em 25/11/2021;
- em 15 de dezembro de 2021 é-lhe deferido o apoio solicitado e na mesma data expedida notificação por e-mail à patrona nomeada;
- em 29/12/2021 foi expedida notificação da decisão da Segurança Social à recorrente;
- a ação é proposta em 28/02/2022.
Não oferece qualquer dúvida nem se discute que o pedido de apoio judiciário com nomeação de patrono interrompe o prazo que esteja em curso, o qual não se reinicia senão quando a decisão de deferimento se torna conhecida. Este ponto, porém, carece de melhor explicitação.
Entendeu a decisão recorrida que no caso se aplica, sem mais, o disposto no art.º 24, n.º 4 e 5, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, Lei do Apoio Judiciário (LAJ), a saber:
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo. 5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
A trabalhadora insurge-se defendendo que em primeiro lugar nem sequer existia ação pendente, pelo que estas normas não se podem aplicar sem qualquer adaptação; e de todo modo sempre seria inconstitucional a sua aplicação sem que o representado tivesse conhecimento de deferimento do pedido, como forma reconheceu e declarou o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 515/2020, de 13-10, que declarou, com força obrigatória geral, “a inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado”.
Deve notar-se que a contraparte, ao suscitar esta questão e ao pronunciar-se sobre ela antes da decisão, defendeu um entendimento que não coincide inteiramente com o da decisão recorrida: o de que o prazo aplicável para  a propositura da ação seria de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 33 da LAJ (“O patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a acção naquele prazo”), o que resultaria do seu entendimento da aplicabilidade desta norma e da natureza célere da ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento. E assim seria extemporânea a propositura da ação.
Não acompanhamos porém este entendimento, considerando antes que neste segmento andou bem a decisão recorrida: o trabalhador já tem um prazo expressa e especialmente previsto na lei para o efeito - 60 dias, art.º 387/2 do Código do Trabalho (art.º 387/2) - para instaurar a ação e mal se entenderia que por via da nomeação de patrono pudesse porventura vê-lo até encurtado. Acresce que poderão existir razões ponderosas para que tal prazo não seja reduzido, desde o aconselhamento direto à obtenção de elementos para a instrução dos autos, além de eventuais questões relativas ao próprio patrocínio (que podem levar inclusivamente ao pedido de escusa do patrono, nos termos previstos no art.º 34).
Inexistindo ação pendente, cabe ter em conta o disposto no art.º 33 LAJ, com a adaptação necessária, face ao prazo especial acima referido previsto na lei laboral, de 60 dias para a propositura da ação. Designadamente cumpre ter em atenção o disposto do n.º 4 (“A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono”).
O nó górdio da questão consiste em saber qual o termo inicial da contagem do prazo.
Na verdade, a decisão recorrida não equacionou a relevância da notificação da própria trabalhadora, limitando-se a partir, sem maiores considerandos, da conjugação do n.º 5 do art.º 24 da LAJ com o art.º 29 da portaria n.º 10/2008, de 3/1, com as atualizações posteriores (portaria 654/2010, de 11.08), para concluir que, sendo as notificações efectuadas por via electrónica através do sistema gerido pela Ordem dos Advogados, atento disposto no art.º 248 do Código de Processo Civil, se deveria ter por efetuada a notificação relevante no dia 20 de dezembro de 2021 (terceiro dia útil). Pelo que o prazo de 60 dias teria terminado em 20/02/2022.
Ou seja: teve por irrelevante a notificação da trabalhadora, visto que a sua notificação não seria um requisito cumulativo mas meramente alternativo, bastando a notificação ou do patrono nomeado ou do requerente.
É contra esta interpretação que a requerente se insurge.
Afigura-se-nos que com razão.
Em primeiro lugar, a aplicação do n.º 5 do art.º 24 da LAJ num caso em que a ação não está pendente não pode ter lugar nos precisos termos que ocorrem quando já existe uma. Assim, por exemplo, o requerente do apoio não tem o ónus de ir ao processo anunciar a apresentação do requerimento, nos termos do n.º 4, desde logo pela simples razão de que ainda não existem quaisquer autos. Dito de outro modo, a própria interpretação da lei exige que se tenha em conta a existência ou não de uma ação. E esta existência tem grande importância até para a configuração dos serviços que o patrono deverá prover, não podendo deixar de se ter em atenção que o facto de haver um processo pode permitir ao patrono ter de imediato uma percepção sobre o que está em causa, percepção que não terá caso não haja qualquer processo pendente.
Isto remete-nos para a questão da inconstitucionalidade da interpretação adotada na decisão recorrida, ao considerar exatamente bastar a notificação alternativa do advogado ou do patrocinado.
Efetivamente, decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 515/2020, de 13-10 a inconstitucionalidade “com força obrigatória geral da norma da alínea a) do n.º 5 do art.º 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado”.
O que significa que, mesmo que existisse ação pendente, não poderia concluir-se sem mais pela aplicabilidade desta norma em termos alternativos, sem curar de saber se a parte tem conhecimento da nomeação do patrono.
Neste ponto são inatacáveis os considerandos tecidos pela recorrente: “Só após a segunda data” (quer dizer, depois de patrono e patrocinado serem notificados) “por um lado, a recorrente pode exercer os seus direitos, e, por outro, o patrono nomeado tem conhecimento dos factos que pode e deve levar a juízo, em que medida o pode fazer, e enquadrá-lo juridicamente, exercendo o respectivo patrocínio judiciário de forma plena e eficaz” (conclusão tt.).
Tendo em conta que a notificação da recorrente foi expedida apenas em 29 de dezembro de 2021, e que só após a posterior notificação da trabalhadora o prazo de 60 dias se reiniciou, é óbvio que em 28 de fevereiro de 2022 este prazo ainda não tinha decorrido e consequentemente ainda não caducara o direito de ação.
Assim, e sem necessidade de mais considerandos, conclui-se pela procedência do recurso.
Embora não tenha deduzido oposição, a R. esteve a montante da decisão, tendo suscitado e motivado a alegada caducidade, pelo que se tem por vencida nesta questão.
*
*
III. Decisão
Termos em que se julga procedente o recurso, revoga a decisão recorrida e determina a prossecução dos autos, se outro motivo não existir que o impeça.
Custas do recurso pela ré.

Lisboa, 19 de abril de 2023
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega