Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23308/19.7T8LSB.L2-A-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: HERANÇA
REIVINDICAÇÃO DE BENS
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - A apropriação de determinada quantia da conta bancária, pertencente à herança, integra-se no mesmo complexo de factos da causa de pedir inicial (reivindicação de bens da herança, apropriação ilícita desses bens pelas RR.), constituindo a sua restituição, por um lado, mero desenvolvimento do pedido de condenação na restituição da quantia inicialmente peticionada e, por outro lado, concretização do pedido de condenação na restituição das quantias, propriedade da herança, que, entretanto, se viessem a apurar, pelo que deve a ampliação do pedido ser admitida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

Na ação declarativa intentada por MA e MJ contra CC e FF, as AA., notificadas para responderem às exceções, apresentaram articulado de resposta e requereram a ampliação do pedido para a quantia de € 22.079,52, nos seguintes termos:
“Acresce que, no passado dia 11.12.2020 as AA. tiveram conhecimento que as RR. efetuaram uma transferencia bancária da conta da herança no valor de 5000,00 € (cinco mil euros), para provisão despesas e honorários de advocacia para intervenção no processo de inventário nº 5044/19 e intervenção na presente ação - cfr. Docs. 4 e 5 que aqui se juntam.
Não obstante o processo de Inventário estar suspenso desde Junho de 2020, a aguardar decisão sob os autos de Maior Acompanhado intentados e suportados pela A. MA.
Pelo que é claro a reiterada intenção das RR. a protelarem esta situação, reiterando no uso e fruição dos rendimentos da herança, em beneficio e uso próprio.
Devendo assim esta quantia de 5000,00 € e que foi utilizada pelas RR., em 27 de Novembro de 2020 para pagar aos seus mandatários, ser contabilizada na presente ação e de acordo com o peticionado 3º parágrafo.
Tratando-se de uma ampliação do valor do pedido e que é o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Reclamando-se agora a quantia de 22.079,52 € (vinte e dois mil e setenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), nos termos e de acordo com o artigo 265º nº 2 do CPC”
Em 02/07/2021, foi proferida a seguinte decisão:
Incidente de ampliação do pedido
MA, MJ instauraram esta ação declarativa comum contra CC e FF, peticionando a condenação das rés, nomeadamente, a reconhecer que conta bancária que identificam pertence exclusivamente à herança por óbito de AC e a restituírem à herança a quantia total de €17.079,52, correspondente a 6 alegadas transferências realizadas da conta bancária da herança.
Notificadas para responder à matéria de exceção contida na contestação, as autoras requerem a ampliação do pedido para €22.079,52.
Para o efeito, alegam que entretanto as autoras tiveram conhecimento que as rés efetuaram outra transferência bancária da conta da herança no valor de €5.000,00.
Notificadas, as rés não deduziram oposição ao incidente.
Cumpre decidir:
O princípio da estabilidade da instância implica que, após a citação do réu, as partes, o pedido e a causa de pedir devem-se manter inalterados, nos termos do disposto no artigo 260.º do Código do Processo Civil.
Este princípio tem exceções, que podem ser objetivas e subjetivas. As primeiras respeitam ao pedido e à causa de pedir e as outras aos sujeitos da relação processual.
Nos termos do disposto no artigo 265.º do Código do Processo Civil (Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo):
“1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.
4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.
5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.
6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.”
No caso, porém, não se afigura que o pedido ora deduzido seja consequência nem desenvolvimento do inicialmente peticionado. Ao invés, trata-se da alegação de novos factos, constituídos por outra transferência da conta bancária de herança, cujo montante as autoras consideram que deve ser restituído à herança.
Cumpre indeferir o requerido.
Dispositivo:
Pelo exposto, julga-se improcedente o incidente e indefere-se a ampliação do pedido.
Custas do incidente pelas autoras, que se fixa no mínimo de 0,5 UC, cf. artigo 527.º, do Código do Processo Civil, artigo 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais e tabela II anexa (Outros incidentes).”
As autoras recorrem desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“1) O presente recurso versa sobre a decisão de indeferimento do pedido de ampliação do pedido feito pelas AA., que as recorrentes não se conformam, nem aceitam por em seu modesto entender, o Tribunal errou ao aplicar a lei, violando o disposto nos artigos 264º e 265º do Código de Processo Civil;
2) Na presente ação peticiona-se, entre o mais, que seja declarado que “todas as quantias bancárias que constituem e constituíram a conta bancária são propriedade da herança aberta por óbito do pai das AA. e, consequentemente as recorridas condenadas a restituirem e a entregar à herança a quantia total de 17079,52 € (dezassete mil e setenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), por delas se terem apropriado ilegitimamente, bem como condenadas a entregarem outras quantias que se venham apurar e uma indemnização pelos danos e incómodos, a liquidar em execução de sentença.
3) As recorrentes alegaram situações concretas na petição inicial (factos alegados em 15º, 17º 22º, 23º, 26º, 27º e 32º) para demonstrar que as recorridas utilizam as quantias da herança em benefício próprio e individual e, não como foi acordado e é sua obrigação legal, proceder a pagamentos de despesas correntes ou de administração ordinária da herança, nos termos e de acordo com os artigos 2079º, 2086º al. b), 2088º, 2089º e 2090 do Código Civil;
4) Na sequência da tramitação do presente processo e, em articulado de resposta à matéria de excepção contida na contestação, as recorrentes em 13 de Abril de 2021 suscitaram o pedido de ampliação, invocando que tiveram agora conhecimento que as recorridas efetuaram outra transferência da conta bancária da herança no valor de 5000,00 € (artigo 32º do requerimento ampliação de pedido);
5) E, peticionam assim naquele requerimento que também esta quantia fosse contabilizada na presente ação, por se tratar de uma ampliação do valor de pedido, desenvolvimento do pedido primitivo e, deste modo passando a reclamar na presente ação a quantia de 22 079,52 €.
6) Pedido que foi indeferido e julgado improcedente pelo Tribunal “a quo”, que as recorrentes não se conformam, por em seu entender o tribunal errou e violou os artigo 264º e 265º do CPC, pelo que apelam à revogação desta decisão por outra que admite o pedido de ampliação.
7) O artigo 260º do CPC consagra o principio da estabilidade da instância, ressalvando, porém as possibilidades excepcionais de modificação previstas na lei, consignadas nos artigos 264º e 265º do CPC.
8) Com efeito, quanto à alteração ou ampliação do pedido e da causa de pedir, a lei admite-as por acordo das partes e em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo se tal “perturbar inconvenientemente a instrução, discussão ou julgamento do pleito” cfr. artigo 264º do CPC.
9) As AA. podem ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (artigo 265º nº 2 do CPC), ponto é que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelos menos integradas no mesmo complexo de factos.
10) Quando a ampliação do pedido nos termos da 2ª parte do nº 2 do artigo 265º nº 2 do CPC, não implique a alegação de factos novos pode ser formulado em simples requerimento apresentado até ao encerramento da discussão da causa, mesmo verbalmente em audiência de julgamento;
11) Quando a ampliação importe a alegação de factos novos, só pode ter lugar se estes forem supervenientes segundo o concerto dado pelo nº 2 do artigo 588º do CPC e forem alegados nos termos e prazos previstos no nº 3 do mesmo preceito.
12) As AA. estruturam a sua pretensão na alegação da existência de uma conta bancária propriedade da herança de seu pai e no pedido de reposição das quantias à herança que as RR. se apropriarem ilegitimamente.
13) As RR. não apresentaram qualquer oposição ao requerimento formulado, o que nos termos e de acordo com o artigo 264º permite admissão desta ampliação do pedido, pelo que também aqui o Tribunal “ a quo” violou a lei.
14) E, ao entender o Tribunal “ a quo” como tratando-se de um “facto novo”, que temos sérias reservas sobre esta interpretação, este pedido deve ser igualmente admissível pois trata-se do desenvolvimento do pedido primitivo e em tempo, cumprindo-se o principio da estabilidade da instância e fazendo valer o princípio da economia processual, nos termos e de acordo com os artigos 264º e 265º do CPC.
15) Pelo que, a decisão recorrida errou ao aplicar o direito, violando o disposto na lei e, por isso deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida por outra que aceite o pedido de alteração/ampliação do pedido, prosseguindo os autos os seus normais termos legais.”
As RR. apresentaram contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões que aqui se reproduzem:
“I- Recorrentes e Recorridas são co-herdeiras da Herança aberta por óbito de seu Pai e Marido respectivamente, AC.
II- Desde 2016, que as ora Recorrentes têm perpetrado uma série de acusações graves e infundadas contra a Mãe, Cabeça de Casal da herança e a irmã, ora Recorridas, com o propósito de atacar o bom nome e a honra das mesmas e, de forma ardilosa, inviabilizar a partilha da referida herança.
III- Para além das acusações altamente censuráveis que têm perpetrado contra Mãe e a Irmã, as Recorrentes têm adoptado uma série de démarches jurídicas eivadas de má que por serem perfeitamente aberrantes e infundadas, nunca procederam e tiveram desfechos sempre desfavoráveis às Recorrentes.
IV- Em Abril de 2016, a Recorrente MA, com acordo à posteriori da outra Recorrente MJ, de forma totalmente deliberada, consciente e ilegal, subtraiu todo o montante (cerca de € 38.500 – trinta e oito mil e quinhentos euros) que se encontrava provisionado na conta bancária da Herança, mesmo sabendo que desse valor, apenas parte lhe pertencia.
V- Fê-lo sem qualquer auscultação ou permissão por parte da Cabeça de Casal e das restantes co-herdeiras, tendo depositado o valor abusivamente subtraído numa conta titulada exclusivamente por si.
VI- Fê-lo sem qualquer auscultação ou permissão por parte da Cabeça de Casal e das restantes co-herdeiras, tendo depositado o valor abusivamente subtraído numa conta titulada exclusivamente por si.
VII- Posteriormente, de forma ardilosa e para afastar a sua responsabilidade penal pelos factos acima descritos, as ora Recorrentes intentaram uma acção de processo comum, que correu termos no Tribunal de Castelo Branco – Juízo Central Cível – J1.
VIII- Na referida acção, as Recorrentes reiteraram as acusações aberrantes de que a mãe e irmã desviavam quantias monetárias da Herança para uso próprio, factos que por serem manifestamente falsos, nunca conseguiram provar.
IX- Não obstante a má-fé e a falsidade das acusações acima descritas, as ora Recorridas aceitaram transigir na referida acção.
X- O acordo então firmado limitou fortemente os poderes das ora Recorrentes que deixaram de poder movimentar a dita conta sem prévia autorização da cabeça de casal, e obrigou a que as Recorrentes devolvessem a totalidade do valor desviado da conta da herança.
XI- Sucede que as Recorrentes nunca se conformaram com a sentença homologatória de transacção acima mencionada, tendo demonstrado desde esse dia, fazendo uso de beligerância eivada de má-fé, a sua total discordância face a decisão do Digníssimo Tribunal.
XII- Todas as prestações de contas enviadas pela Mãe e Cabeça de casal da herança às Recorrentes são alvo de censura por partes destas últimas que sucessivamente enviam missivas nas quais disferem lamentáveis acusações desprovidas de qualquer fundamento à Mãe e Irmã ora Recorridas, acusações essas que por razões de cordialidade nos abstemos de descrever.
XIII- Em 2018, por ínvios caminhos e de forma altamente censurável lançaram mão de uma execução para, concretamente, questionarem actos
XIV- de gestão da herança praticados pela Mãe, Cabeça de Casal da Herança e virem peticionar a reposição de quantias monetárias que consideram indevidamente utilizadas no âmbito da gestão da Herança.
XV- Como é evidente, a referida execução foi declarada extinta por manifesta falta de fundamento, somando as Recorrentes mais uma decisão judicial que lhes foi totalmente desfavorável.
XVI- Desconhecem as Recorridas o motivo pelo qual as Recorrentes imbuídas de má-fé pessoal e jurídica optam por lançar mão de meios processuais que sabem ser totalmente inadequados às suas pretensões, preterindo as soluções legais que tinham ao dispor concretamente terem pedido a partilha da Herança aberta por óbito de seu Pai.
XVII- Em 2019, a Recorrida Maria do Céu, Cabeça de Casal da herança, intentou acção de inventário.
XVIII- No âmbito da presente acção vieram as Recorrentes requerer a ampliação do pedido alegando, para o efeito, que tiveram conhecimento de outra transferência bancária da conta da herança.
XIX- Mais alegam que as Recorridas não apresentaram oposição ao requerimento formulado e que essa falta de oposição permite a admissão da ampliação do pedido, nos termos do artigo 264.º do CPC.
XX- A Referida ampliação do pedido afigura-se manifestamente infundada
XXI- E salvo o devido respeito, bem andou o Tribunal “A Quo ” ao julgar improcedente o pedido e indeferir a ampliação do pedido.
XXII- Nos termos do artigo 260.º do CPC, o princípio da estabilidade da instância implica que, após citação do Réu, as partes o pedido e a causa de pedir devem manter-se inalterados.
XXIII- In casu, o pedido ora deduzido não configura nenhuma das excepções elencadas no artigo 265.º do CPC.
XXIV- Trata-se de uma nova transferência bancária, um novo montante que merece censura por parte das Recorrentes e que não se afigura ser consequência nem desenvolvimento do pedido primitivo.
XXV- Por fim diga-se salvo o devido respeito que é perfeitamente aberrante a interpretação que as Recorrentes fazem do artigo 264.º do CPC.
XXVI- Nos termos da Lei, a falta de oposição ao requerimento de ampliação do pedido não é sinónimo de qualquer acordo!
XXVII- Prevalecendo o princípio geral plasmado no artigo 218.º do Código Civil nos termos do qual o silêncio vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso, ou convenção.
XXVIII- A Decisão do douto “Tribunal “A Quo “ não violou qualquer princípio legal.
XXIX- As Recorrentes proferem uma serie de considerandos absurdos acerca do teor da referida transferência concretamente que a mesma “é fruto uso e fruição de rendimentos da herança em beneficio próprio”.
XXX- As Recorrentes bem sabem que todas as receitas e despesas utilizadas na administração da herança encontram-se demonstradas e devidamente suportadas por documentação nas prestações de contas (trimestral) enviadas pela Cabeça de Casal através dos seus Mandatários.
XXXI- Foi, inclusivamente, no âmbito de uma prestação de contas que a Cabeça de Casal enviou o extracto de conta e juntou documentação que comprova que a referida transferência diz respeito a provisão para despesas e honorários de Advocacia para intervenção no processo de inventário n.º 0000 e intervenção na acção de processo comum n.º 23308/19.7T8LSB, Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 6, ou seja a presente acção.
XXXII- A Cabeça de Casal foi citada no âmbito da referida acção judical respeitante à conta da herança intentada pelas ora Recorrentes e nesse sentido viu-se obrigada a socorrer-se dos seus Mandatários para o efeito.
XXXIII- Os honorários de Advogado e custas judiciais daí decorrentes são obviamente custos da herança, isto é motivados pela necessidade de acautelar a integridade da mesma.
XXXIV- As Recorrentes terem conhecimento da acção de inventário, uma vez que se fizeram representar no referido processo juntando Procuração Forense para o efeito.
XXXV- Acresce ainda o facto de as Recorrentes apenas serem titulares, em conjunto, de uma quota correspondente a 25%, sendo as Recorridas titulares, e em conjunto, de uma quota 75% do universo que compõe o património da Herança.
XXXVI- Diga-se que a presente acção será inútil, uma vez que, na acção de partilha em curso, caso se verifique que alguma das despesas não deva ser considerada acto de gestão da herança – o que apenas por mera hipótese académica se admite – sempre se pode realizar a compensação no acto da partilha considerando as mesmas antecipação das suas legítimas.
Termos em que, e sempre com o Mui Douto suprimento, deve improceder na totalidade o presente Recurso, confirmando-se na íntegra a Douta decisão recorrida.”
Na petição inicial foram formulados os seguintes pedidos:
- declaração de que todas as quantias que constituem e constituíram a conta bancária à ordem nº …. da Caixa de Credito Agrícola, tituladas pelas AA. e co tituladas pelas RR. pertencem exclusivamente e integram a herança aberta por óbito de AC, falecido em 19.06.2003;
- condenação solidária das RR. a restituírem de imediato as referidas quantias no valor total de 17 079,52 € (dezassete mil e setenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), por delas se apropriarem ilegitimamente, acrescido dos juros legais devidos desde a data de citação e até integral pagamento.
- condenação solidária das RR. a devolver quaisquer outras quantias, propriedade desta herança e que, entretanto, se venham a apurar, acrescida dos juros legais devidos desde a data de citação e até integral pagamento.
- condenação solidária das RR. no pagamento, a titulo de indemnização, da quantia a liquidar em execução de sentença, a titulo de danos, incómodos e prejuízos que as AA. têm vindo a sofrer com todo este comportamento ilegal e ilegítimo das RR.
Para tanto alegaram, em síntese, que intentaram uma ação judicial que correu os seus termos no Juízo 1 - Central cível do Tribunal Judicial Comarca de … sob o número 5555, peticionando que as RR., solidariamente, restituíssem a quantia de 21 170,64 € à herança, por delas se haverem apropriado ilegitimamente e a título próprio. As partes efetuaram transação, homologada por sentença, em 13 de outubro de 2017 e transitado em julgado, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“1- As partes declaram que, com os termos do acordo que segue, consideram prestadas e justificadas as contas devidas referentes à conta bancária da herança do falecimento de AC identificada no artigo 5º da petição inicial e até à presente data (13.10.2017).(…)
5- As partes obrigam-se a modificar as regras de movimentação da dita conta bancária identificada em 1º; A mesma passará a ser movimentada exclusivamente pela R., cabeça de casal, CC.
6- Acordam ainda as partes que os valores monetários dessa conta bancária apenas serão utilizados pela cabeça de casal para proceder a pagamentos de despesas correntes ou administração ordinária da herança, onde aí devem ser depositadas todas as receitas da herança, bem como eventualmente para pagar as despesas da tia Maria.”
Mais alegaram que o ponto 6 do citado acordo não está a ser cumprido, pois as RR. continuam a utilizar as referidas quantias em seu benefício próprio e exclusivo, aproveitando-se agora dos poderes de movimentação exclusivos que lhe foram concedidos através do acordo citado. Razão pela qual intentaram um processo de execução da sentença, ao qual as RR. se opuseram, mediante embargos de executado. Os referidos embargos de executado foram julgados procedentes e, consequentemente a referida execução julgada extinta, por se ter considerado não existir título executivo para a dedução de pedidos de restituição à herança de valores movimentados da “conta da herança” e cuja natureza (enquanto atos de gestão ordinária e corrente, de gestão extraordinária ou em benefício pessoal) permanece controvertida. Mais ali se decidiu “o que diga respeito à gestão da herança (conteúdo, significado e efeitos dessa atividade) é totalmente autónomo àquela sentença homologatória exequenda, devendo ser apreciado/sindicado à luz das normas do direito sucessório e no âmbito do pertinente quadro adjetivo (cf. nomeadamente os artigos 2079º, 2088º e seguintes, 2092º e 2093º do CC e a Lei 23/2013 de 05.03).
Alegaram, ainda, que esta decisão determinou a instauração da presente ação ao abrigo do disposto no artº 2075º do C.C. As AA. e as RR. são as únicas herdeiras da herança deixada por óbito de AC, falecido em 19.06.2003, sendo a 1ª R a cabeça de casal. Em 20 de novembro de 2017 a conta da herança ficou regularizada e com o saldo bancário no valor de 37 005,93 €. As RR. realizaram movimentos a débito na referida conta (transferências, pagamentos, levantamentos), num valor total de 17 079,52 €, que não são despesas da herança, nem correntes e de administração. As RR. dissipam o dinheiro existente na conta bancária respeitante à herança, utilizam-no em benefício próprio e individual, ilicitamente, aproveitando os poderes de movimentação exclusiva que lhe foram concedidos através do acordo/sentença. A cabeça de casal só tem poderes de mera administração ordinária da herança, ou seja, atos cuja finalidade é a conservação e frutificação natural dos bens, sem alteração da integridade do património. As RR. terão de ser condenadas a restituir à herança todos os valores de que abusivamente se apropriaram, sem prejuízo de outros valores que, entretanto, se venham a contabilizar, bem como no pagamento de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença por todos os danos, incómodos, despesas e prejuízos já provocados às AA. com toda esta situação.
As RR. apresentaram contestação, por exceção e por impugnação. Arguiram o caso julgado por efeito das decisões proferidas no proc. nº …… (execução e embargos). Mais invocaram a inutilidade superveniente da lide, uma vez estar em curso processo de inventário, o qual deu entrada a 17 de outubro de 2019, e que corre termos no Cartório Notarial do F., sendo no inventário que estas questões devem ser debatidas, pelo que a presente ação deixa de ter qualquer efeito útil. No mais, impugnaram a factualidade atinente à apropriação das quantias monetárias.
Em 30/01/2020 foi proferida decisão que declarou a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide.
Por acórdão desta Relação foi a referida decisão revogada e determinado o prosseguimento dos autos.
*
A factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a que consta do relatório antecedente.
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelas apelantes e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).
Assim, a única questão a decidir consiste em aferir da verificação dos pressupostos da admissibilidade da ampliação do pedido.
Nos termos do disposto no nº. 2 do art. 265º. do CPC., o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Observado o requisito temporal - a ampliação foi requerida até ao encerramento da discussão em 1ª instância – há que aferir do requisito substantivo.
Como já ensinava Alberto dos Reis, Comentário ao Código de processos Civil, vol. III, pág. 93-94, “limite de qualidade de nexo a ampliação há-de ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, quer dizer, a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial.
Exemplo característico: pediu-se em acção de reivindicação, a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação, pedindo-se também a entrega dos rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal. (…)
Em vez de ser uma consequência, pode ser um desenvolvimento. Pediu-se o pagamento de uma dívida; pode depois alegar-se que a dívida vencia juros e pedir-se o pagamento destes (…).
A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em acto ou facto diverso”.
E como refere Castro Mendes, in Direito Processual Civil, Vol. II, p. 347-348:
“Exemplo de ampliação, no sentido rigoroso do termo, haverá “verbi gratia” se se pedir 100 contos de indemnização por certo acto danoso, que posteriormente é causa de novo prejuízo no valor de 20: o pedido de indemnização pode ser ampliado para 120 contos.
O que é necessário é que a ampliação ou o pedido cumulado seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, e que por conseguinte tenham essencialmente origem comum – causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.”
“Há, no entanto, duas maneiras de conceber o nexo de consequência ou de desenvolvimento a que se refere (para o pedido) a norma em apreço, consoante o conceito de que se parta de causa de pedir nesta matéria de alteração do objecto.
Assim o adverte Mariana França Gouveia fazendo notar que no instituto de alteração do objeto e da cumulação sucessiva são susceptíveis de utilização dois diferentes conceitos de causa de pedir que desembocam, um numa causa de pedir mais estreita, e outro, numa mais ampla.
Respetivamente, e como essa autora o refere, «ou se entende que a causa de pedir se identifica com a previsão da norma, ou melhor, com o acervo de factos constitutivos que compõem essa previsão; ou se entende que a causa de pedir, enquadrando todos esses factos constitutivos, se identifica com aquela que é comum ao objecto inicial e sucessivo». Concluindo: «Na primeira hipótese, só não haverá alteração da causa de pedir nos casos em que se mantêm idênticos todos os factos essenciais (…). Na segunda hipótese, a causa de pedir altera-se apenas se nenhum dos factos constitutivos das várias normas for idêntico».
E esclarece este último ponto, acrescentando: «Ou seja, se houver coincidência meramente parcial entre as previsões normativas onde se inserem os factos alegados, já não haverá alteração».
A circunstância de o legislador de 2013 (não obstante ter prescindido da possibilidade da alteração conjunta, e à partida inteiramente livre, do pedido e da causa de pedir, na réplica, por já não admitir esse articulado com essa função) ter mantido a norma do nº 6 do anterior art. 273º (que corresponde à do nº 6 do atual art. 265º), permitindo assim, como já se referiu, a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida, parece que implicará a sua adesão, pelo menos nesta matéria, ao acima referido conceito amplo de causa de pedir.
Que é aquele a que Mariana França Gouveia adere na matéria em apreço, quando procede à definição da causa de pedir através do facto principal comum a ambas as pretensões. Acrescentando: «Pretensões processuais, se houver também alteração do pedido, pretensões materiais, se houver apenas alteração da norma invocada». E mais adiante conclui: «A causa de pedir, para efeitos de cumulação sucessiva e alteração do objecto, superveniente ou não, deve ser definida como o facto principal comum às pretensões materiais alegadas originária e sucessivamente, em substituição ou em cumulação». – Ac. RC de 26/01/2021, www.dgsi.pt.
Revertendo ao caso dos autos.
Na petição inicial as AA. formularam, além do mais, o(s) pedido(s) de condenação solidária das RR. a restituírem as quantias de que se apropriaram pertencentes à herança deixada por óbito de AC, de que AA. e RR. são as únicas herdeiras, no montante global de € 17.079,52, por delas se terem apropriado ilegitimamente (designadamente mediante levantamentos e transferências bancárias), acrescido dos juros legais devidos desde a data de citação e até integral pagamento, bem como de condenação solidária das RR. a devolver quaisquer outras quantias, propriedade da herança e que, entretanto, se venham a apurar.
A petição inicial foi apresentada em 07/11/2019.
Na ampliação do pedido, deduzido em 13/04/2021, as AA. vieram alegar que no dia 11/12/2020 tiveram conhecimento de que as RR. efetuaram uma transferência bancária da conta da herança no valor de 5.000,00 € (cinco mil euros), para provisão despesas e honorários de advocacia para intervenção no processo de inventário nº 0000 e intervenção na presente ação, quantia que foi utilizada pelas RR., em 27 de novembro de 2020 para pagar aos seus mandatários, pelo que deve ser contabilizada na presente ação e de acordo com o peticionado 3º parágrafo, passando a reclamar a quantia de € 22.079,52.
A apropriação da quantia de € 5.000,00 da conta bancária, pertencente à herança, integra-se no mesmo complexo de factos da causa de pedir inicial (reivindicação de bens da herança, apropriação ilícita desses bens pelas RR.), constituindo a sua restituição, por um lado, mero desenvolvimento do pedido de condenação na restituição da quantia de € 17.079,52 e, por outro lado, concretização do pedido de condenação na restituição das quantias, propriedade da herança, que, entretanto, se viessem a apurar.
Verifica-se, assim, que não foi deduzida causa de pedir diversa, uma vez que, como se refere no acórdão da RC de 26/01/2021, acima citado, “nestas situações de consequência e desenvolvimento, o autor tem necessariamente que no âmbito da mesma causa de pedir, trazer aos autos factos que ainda não alegara, e que se consubstanciem, relativamente aos primitivamente alegados, como consequência ou desenvolvimento daqueles.”
Nos termos do disposto no artº 611º, nº 1 do CPC “deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”, o que se conjuga com o princípio da economia processual, na vertente de procurar solução definitiva num único processo do maior número de litígios existentes entre as mesmas partes.
É exatamente o que se passa na ação. É inaceitável, além do mais, à luz deste princípio, que as AA. tenham que instaurar novo processo para possam fazer valer a pretensão de restituição relativamente a uma transferência bancária; mais, que o tenham de fazer sempre que tenham conhecimento de uma transferência ou levantamento de quantia monetária pertencente à herança, na pendência da presente ação.

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que admita a ampliação do pedido.
Custas a cargo das apeladas. 

Lisboa, 3 de fevereiro de2022
Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Cristina Lourenço