Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3250/16.4T8ALM-A.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: FUNDO DE RESOLUÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: –O Fundo de Resolução, que tem por objecto principal a prestação de apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal, foi criado pelo Decreto-Lei nº 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, no âmbito da revisão do regime de saneamento e liquidação das instituições de crédito e sociedades financeiras.
–O Fundo é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira (artº 2º nº 1 da Portaria nº 420/2012, de 21 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Fundo de Resolução).
–Por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao Fundo de Resolução as leis do contencioso administrativo, mormente quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas de direito administrativo.
–A acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público, é regulada no Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, nos termos da qual «correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” (artº 1º nº 2).
–A responsabilidade que se imputa ao Fundo de Resolução é fundada em normas de direito administrativo, na sua actividade ou qualidade de sujeito de direito administrativo, não numa eventual actividade ou qualidade de sujeito de direito privado, de direito comercial.
–Efectivamente, o Fundo de Resolução vem demandado nesta acção apenas por ser o “único accionista” do Novo Banco, sem que, porém, se invoque na petição inicial qualquer disposição legal em que se fundamente a tese dessa responsabilidade do Fundo, como seu “único accionista”, pelas eventuais obrigações daquele banco.
–Até porque essa suposta qualidade de accionista único do Novo Banco, é uma qualidade que assiste ao Fundo de Resolução enquanto pessoa colectiva de direito público, e que lhe advém de normas e de actos de direito administrativo.
–Advém-lhe do artº 145º-G/4 do RGICSF, ao abrigo do qual “o capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos”.
–E advém-lhe do artº 4º dos Estatutos do Novo Banco, segundo o qual, o capital social do Novo Banco, SA é de quatro mil e novecentos milhões de euros, sendo, nos termos da lei, totalmente detido pelo Fundo de Resolução.
–A qualidade em que o Fundo de Resolução aqui intervém só pode ser aferida com base nas relações jurídico-administrativas existentes entre ele e o Novo Banco, porque foi ao abrigo do citado artº 145ºG/4 e dos artºs 153-B a 153-U do RGICSF, e não de normas de direito comercial, que essa regulação se estabeleceu e é regulada.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


A... intentou acção com processo comum contra Banco Espírito Santo, SA, Agência do Novo Banco, SA, sita na Avenida 25 de Abril 36 A, Almada e Fundo de Resolução, pessoa colectiva de direito público, com sede junto do Banco de Portugal, à Rua do Comércio, 148, em Lisboa, pedindo que os réus sejam solidariamente condenados a pagar ao autora a quantia de € 80.000,00 investidos da seguinte forma:
–€ 70.000,00 em “EG Premium 12/12 22RE03”, com o ISIN SCBES0AE0242, acrescido de juros contratuais no valor de € 5.905,20, bem como juros de mora vencidos desde 20.10.2014 e vincendos até efectivo e integral pagamento.
–€ 10.000,00 em “Poupança Plus 9 XS0154992811”, com o ISIN SCBES0AE0300, , acrescido de juros contratuais, bem como juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, bem como o valor de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais.

Em síntese, alegou, e no que aqui releva, que celebrou com o BES um contrato de depósito bancário, investindo o dinheiro das suas poupanças em depósitos a prazo ou produtos com as mesmas garantias convencido de que tais produtos “ e “EG Premium”  “Poupança Plus” revestiam essas características.

Por força da medida de resolução adoptada pelo BdP, a relação jurídica entre o autor e o BES foi transferida a benefício do Novo Banco, que é controlado pelo réu Fundo de resolução, em que são únicos intervenientes o BdP e o Ministério das Finanças. O único accionista do NB é, por essa razão, o responsável máximo pelas relações jurídicas confiscadas e pelos prejuízos derivados dessa “cessão de créditos.

O Fundo de Resolução contestou, excepcionando a incompetência do tribunal em razão da matéria, alegando, em síntese, que não é claro se a responsabilidade que o autor pretende efectivar tem natureza contratual ou é uma responsabilidade extracontratual.

Sendo a responsabilidade civil de natureza extracontratual, rege a alínea f) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, na redacção em vigor à data da propositura da presente acção, a do DL nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, ou seja, são os tribunais administrativos exclusivamente competentes para a apreciação dos litígios que tenham por objecto questões relativas à responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito público.

Se a causa de pedir subjacente à demanda disser respeito à responsabilidade contratual, o Fundo de Resolução é uma pessoa colectiva de direito público e não um accionista do Novo Banco.

O autor respondeu à excepção, pugnando pela improcedência da excepção de incompetência absoluta, dizendo que não há na petição inicial qualquer imputação de responsabilidade extracontratual na causa de pedir.

No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de incompetência material do tribunal, essencialmente porque a configuração da relação material controvertida não convoca a aplicação de normas de direito administrativo nem a sindicância de actos do réu praticados no uso de prerrogativas de direito público, mas antes a subsunção do Fundo de Resolução à figura de accionista. Sendo assim, a questão de saber se o Fundo de Resolução é um accionista e se é aplicável à sua relação com o Novo Banco, S.A. o regime das sociedades comerciais é questão a apreciar no âmbito da jurisdição comum. Não no âmbito da jurisdição administrativa.

Não se conformando com tal decisão, dela recorreu o Fundo de Resolução, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
A)-O presente recurso tem como objecto a decisão do tribunal a quo, adoptada através de Despacho de 8 de Fevereiro de 2017, através da qual ele se julgou materialmente competente para o conhecimento e julgamento da presente causa.
B)-Tal como acima se esclareceu, embora venha formulado um único pedido de condenação solidária de todos os réus, nomeadamente do ora recorrente e do Novo Banco, a causa de pedir invocada pelo autor, ora recorrido, é, na verdade, complexa ou multifacetada, não sendo uma única a fonte responsabilidade que vem imputada aos vários réus.
C)-No caso do ora recorrente, Fundo de Resolução, o fundamento invocado pelo autor para a respectiva responsabilização decorre apenas da circunstância de ele ser o “accionista único” do Novo Banco e de, supostamente, este ser devedor do autor.
D)-O tribunal a quo entendeu que a questão de saber se o Fundo de Resolução responde ou não responde, como accionista, pelas obrigações do Novo Banco não é uma questão subsumível no tema da competência jurisdicional, mas no tema do mérito da causa.
E)-Sem prejuízo do bem fundado do silogismo subjacente à decisão recorrida, entende o Fundo de Resolução que o tribunal deveria ter-se julgado materialmente incompetente atento o disposto no nº 2 do artº 4º do ETAF, nos termos da qual “pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir litígios nos quais sejam conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade”.
F)-Com efeito, a responsabilidade (contratual ou extracontratual, é indiferente) demandada ao Fundo de Resolução é inequivocamente solidária, pelo menos, com a do Novo Banco, pois que a própria causa de pedir formulada na acção pelo autor assenta exclusivamente no facto de ele ser “accionista único” desse banco, sendo certo que – como o considera unanimemente a doutrina e a jurisprudência acima indicada – a responsabilidade do accionista único ou com domínio total, mesmo a prevista no próprio Código das Sociedades Comerciais, pelas obrigações da sociedade sua afiliada, é uma responsabilidade de natureza solidária, resultante de um vínculo jurídico legalmente solidário.
G)-Isto, não obstante o ora recorrente entenda, como alegou na sua contestação – e tem sido reiteradamente entendido pelos tribunais judiciais de 1ª instância e, até, pelos de 2ª instância –, que a questão decidendi da competência material da jurisdição administrativa para conhecer da responsabilidade do Fundo de Resolução por obrigações dos bancos de transição só pode ser aferida em função das normas de direito administrativo constantes do RGICSF, nomeadamente dos seus arts 145º-G, 145º-H e 153º-C, e em função dos actos administrativos da autoria do Banco de Portugal que determinem a criação daqueles bancos e a capitalização deles pelo Fundo de Resolução.
Termina, pedindo que o recurso seja julgado procedente e revogado o despacho recorrido nos termos delimitados no recurso.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO.

A)-Fundamentação de facto
A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório que antecede.
B)-Fundamentação de direito
A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, consiste em saber se se verifica a excepção de incompetência material do tribunal comum para conhecer da acção intentada contra o Fundo de Resolução.

Cumpre decidir.

O Fundo de Resolução, que tem por objecto principal a prestação de apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal, foi criado pelo Decreto-Lei nº 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, no âmbito da revisão do regime de saneamento e liquidação das instituições de crédito e sociedades financeiras.

Aquele diploma aditou ao RGICSF, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro, o artigo 153-B, sob a epígrafe “Criação e Natureza do Fundo de Resolução” veio estabelecer que:
1-É criado o Fundo de Resolução, adiante designado por Fundo, pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira.
2-O Fundo tem sede em Lisboa e funciona junto do Banco de Portugal.
3-O Fundo rege-se pelo presente diploma, pelos seus regulamentos“.

E o artigo 153º-C quanto ao “Objecto do Fundo de Resolução” estabelece que: “O Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas”
A Portaria nº 420/2012, de 21 de Dezembro aprovou o Regulamento do Fundo de Resolução e no artº 2º (natureza e objecto) prevê expressamente que:
“1–O Fundo é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira.
2–O Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas”.
Por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao Fundo de Resolução as leis do contencioso administrativo, mormente quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas de direito administrativo.
A Lei nº 58/2011, de 28 de Novembro, autorizou o Governo a proceder à revisão do regime aplicável ao saneamento e liquidação das instituições de crédito sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.
Na sequência dessa lei de autorização, foi publicado o DL nº 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, que operou uma revisão profunda do regime de saneamento e liquidação de instituições de crédito constante do RGICSF, introduzindo uma nova abordagem de intervenção do Banco de Portugal, caracterizada por três fases de intervenção: intervenção correctiva, administração provisória e resolução.
De acordo com os artigos 139º e 140º do RGICSF, os pressupostos de aplicação destas três fases de intervenção dependem (i) da gravidade do risco ou grau de incumprimento, por parte de uma
instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como (ii) da dimensão das respectivas consequências nos interesse dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.

Dentro destas balizas de actuação e sem qualquer relação de precedência, o Banco de Portugal, pautado pelos princípios gerais de adequação e proporcionalidade, pode adoptar ou combinar as medidas estabelecidas em cada fase de intervenção, ainda que de natureza diferente.

Este novo regime visa, na sua essência: (a) a prevenção, através do incremento dos poderes de supervisão do BP, traduzido em deveres de reporte de informação adicionais e sobretudo mais objectivos, de elaboração periódica de planos de contingência, de identificação e controlo do risco e de antecipação de medidas de resolução adequadas; (b) uma intervenção precoce, através da introdução de medidas de intervenção correctiva, de molde a permitir aos bancos a manutenção da sua actividade; e (c) a introdução de medidas de resolução administrativas ou extra-judiciais e de instrumentos de reestruturação ou dissolução controlada (tais como a alienação de activos ou a transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição) de modo a assegurar depósitos e outros serviços essenciais, bem como a estabilidade do sistema financeiro[1].

As finalidades das medidas de resolução estão previstas no artigo 145º-A do RGICSF, segundo o qual:
O Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal, as medidas previstas no presente capítulo, com o objectivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades:
a)-Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais;
b)-Acautelar o risco sistémico;
c)-Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público;
d)-Salvaguardar a confiança dos depositantes
Assim, o Banco de Portugal teve a possibilidade de “determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa” – artigo 145-G nº 1 do RGICSF.
Por outro lado, o Banco de Portugal selecciona os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição – artº 145º -H nº 1.

O artigo 145º-G (Transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição) preceitua:
“1-O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa.
 4-O capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos”.
Foi ao abrigo deste regime que o Conselho de Administração do Banco de Portugal, por deliberação de 03 de Agosto de 2014, aplicou uma medida de resolução ao BES e, nessa sequência, determinou a constituição do Novo Banco, SA e aprovou os respectivos Estatutos – artº 145º-G nº 5 (fls 64 a 68 e 69 a 73).
E determinou também a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, SA para o Novo Banco, SA – ponto 2 da referida deliberação – fls 64vº.
Nos Estatutos do Novo Banco, SA, constantes do Anexo 1 à Deliberação de 3 de Agosto de 2014, dispõe-se no artigo 4º que “ o capital social do Novo Banco, SA é de quatro mil e novecentos milhões de euros, sendo, nos termos da lei, totalmente detido pelo Fundo de Resolução” – Cfr fls 69 e vº.
Seguindo agora de perto o Acórdão da Relação de Lisboa de 30.03.2017[2]  “inexiste qualquer relação jurídica entre o Fundo de Resolução e o autor a sustentar o pedido contra si formulado que é precisamente o decorrente do facto (jurídico-administrativo de resto) desta entidade ser a accionista única do N.B. Pelo que,  a acção fundamenta-se, quanto a este réu,  na responsabilidade civil  extracontratual.
A acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público, é regulada no Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
Sucede que, a Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro, estabelece no artº 1º nº 2 que “correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.
Há pois, que, concluir necessariamente pela incompetência absoluta dos tribunais comuns para conhecer de questões relacionadas com a responsabilidade atribuída, em tais termos, ao Fundo de Resolução.
O ETAF, dispõe no artº 4º sobre a matéria da competência dos tribunais administrativos, prescrevendo no nº 1, alínea f) que é da competência exclusiva dos tribunais administrativos “a apreciação dos litígios que tenham por objecto questões relativas à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público”.
Também, para aqui, é irrelevante averiguar se o acto foi praticado no domínio da gestão pública ou no âmbito da gestão privada, uma vez que se trata de norma imperativa, aplicável quer se trate de um domínio ou de outro – Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, Almedina, 2010, página 22, nota 12.
Ainda no mesmo sentido «Sempre que essas pessoas devam responder extracontratualmente por prejuízos causados a outrem, o julgamento da respectiva causa pertencerá à jurisdição administrativa, independentemente da qualificação do acto lesivo como acto de gestão pública ou de gestão privada” – Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in: Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 59.
É que, o princípio subjacente à delimitação da competência jurisdicional dos tribunais administrativos com os demais tribunais é o que advém de uma cláusula geral positiva de atribuição de competência aos tribunais administrativos, para apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, reguladas por normas de Direito Administrativo, em que, “pelo menos um dos sujeitos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido” Cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 4ª edição, págs. 59 e seguintes. (…)
Donde que, o Fundo de Resolução sendo o accionista único do NB, enquanto pessoa colectiva de direito público, com base em actos de direito administrativo, e normas de direito administrativo, designadamente, os artigos 153º e 154º do RGICSF, bem como as deliberações do Banco de Portugal enquadra-se na disciplina de relações jurídicas administrativas cabendo pois aos tribunais administrativos nos termos expostos a competência exclusiva para conhecer dos respectivos litígios”.

Ainda segundo o Acórdão da Relação de Lisboa que acabámos de citar, “O critério para aferir da competência dos tribunais administrativos deve ser “o da natureza da relação jurídica concreta subjacente ao litígio”, sendo que “as relações jurídicas administrativas são as reguladas por normas de direito administrativo, ou seja, «normas que regulam as relações estabelecidas entre a Administração e os particulares no desempenho da actividade administrativa de gestão pública (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I., pg. 134), ou, segundo a jurisprudência do pleno do STA, «Os vínculos que intercedem entre a Administração e os particulares (ou entre entidades administrativas distintas) emergentes do exercício da função administrativa» (Ac. do Pleno de 16.04.97, Rec. n.º 31.873).” e  Acórdão do Tribunal de Conflitos, proferido no processo n.º 06/04, de 25.10.2005 in dgsi”.

A responsabilidade que se imputa ao Fundo de Resolução, como bem alega o réu na sua contestação, é “ fundada em normas de direito administrativo, na sua actividade ou qualidade de sujeito de direito administrativo, não numa eventual actividade ou qualidade de sujeito de direito privado, de direito comercial. Efectivamente, o Fundo de Resolução vem demandado nesta acção, como se deduz dos nºs 1.15, 1.40 e 1.45 da petição, apenas por ser o “único accionista” do Novo Banco- sem que, porém, se invoque nesse articulado qualquer disposição legal em que se fundamente a tese dessa responsabilidade do Fundo, como seu “único accionista”, pelas eventuais obrigações daquele banco.

Até porque essa suposta qualidade de accionista único do Novo Banco, é uma qualidade que assiste ao Fundo de Resolução enquanto pessoa colectiva de direito público, e que lhe advém de normas e de actos de direito administrativo”.

Advém-lhe do artº 145º-G/4 do RGICSF, ao abrigo do qual “o capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos”. E advém-lhe do artº 4º dos Estatutos do Novo Banco acima mencionado.

A qualidade em que o Fundo de Resolução aqui intervém só pode ser aferida com base nas relações jurídico-administrativas existentes entre ele e o Novo Banco, porque foi ao abrigo do citado artº 145ºG/4 e dos artºs 153-B a 153-U do RGICSF, e não de normas de direito comercial, que essa regulação se estabeleceu e é regulada.

E das relações jurídico-administrativas conhecem os tribunais administrativos.

Efectivamente, como resulta do nº 3 do artigo 212º da Constituição, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

Assim, deve ser julgada procedente a excepção da incompetência em razão da matéria quanto ao réu Fundo de Resolução e, consequentemente, deve o mesmo ser absolvido da instância, nos termos dos artigos 96º alª a), 99º nº 1, 278º nº 1 alº a), 576º nº 2 e 577º alª a), todos do Código de Processo Civil.

CONCLUSÕES.
–O Fundo de Resolução, que tem por objecto principal a prestação de apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal, foi criado pelo Decreto-Lei nº 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, no âmbito da revisão do regime de saneamento e liquidação das instituições de crédito e sociedades financeiras.
–O Fundo é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira (artº 2º nº 1 da Portaria nº 420/2012, de 21 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Fundo de Resolução).
–Por se tratar de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, são aplicáveis ao Fundo de Resolução as leis do contencioso administrativo, mormente quando estejam em causa actos ou responsabilidades de gestão pública, praticados e regulados por normas de direito administrativo.
–A acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público, é regulada no Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, nos termos da qual «correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” (artº 1º nº 2).
–A responsabilidade que se imputa ao Fundo de Resolução é fundada em normas de direito administrativo, na sua actividade ou qualidade de sujeito de direito administrativo, não numa eventual actividade ou qualidade de sujeito de direito privado, de direito comercial.
–Efectivamente, o Fundo de Resolução vem demandado nesta acção apenas por ser o “único accionista” do Novo Banco, sem que, porém, se invoque na petição inicial qualquer disposição legal em que se fundamente a tese dessa responsabilidade do Fundo, como seu “único accionista”, pelas eventuais obrigações daquele banco.
–Até porque essa suposta qualidade de accionista único do Novo Banco, é uma qualidade que assiste ao Fundo de Resolução enquanto pessoa colectiva de direito público, e que lhe advém de normas e de actos de direito administrativo.
–Advém-lhe do artº 145º-G/4 do RGICSF, ao abrigo do qual “o capital social do banco de transição é realizado pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos”.
–E advém-lhe do artº 4º dos Estatutos do Novo Banco, segundo o qual, o capital social do Novo Banco, SA é de quatro mil e novecentos milhões de euros, sendo, nos termos da lei, totalmente detido pelo Fundo de Resolução.
–A qualidade em que o Fundo de Resolução aqui intervém só pode ser aferida com base nas relações jurídico-administrativas existentes entre ele e o Novo Banco, porque foi ao abrigo do citado artº 145ºG/4 e dos artºs 153-B a 153-U do RGICSF, e não de normas de direito comercial, que essa regulação se estabeleceu e é regulada.

III–DECISÃO.
Atento o exposto, julga-se totalmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que julga procedente a excepção da incompetência em razão da matéria quanto ao réu Fundo de Resolução e, consequentemente, devendo o mesmo ser absolvido da instância, nos termos dos artigos 96º alª a), 99º nº 1, 278º nº 1 alº a), 576º nº 2 e 577º alª a), todos do Código de Processo Civil.
Custas pelos apelados.



Lisboa, 14/9/2017


Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais 
Isoleta de Almeida Costa


[1]Inês Caria Pinto Basto e Mafalda Almeida Carvalho “O Novo Regime de Intervenção Correctiva, Administração Provisória, Resolução e Liquidação de Instituições de Crédito”, in Foro de Actualidad, pág. 99 a 104.
[2][2] Proc.º nº 146/16, in www.dgsi.pt/jtrl (Isoleta Almeida Costa)

Decisão Texto Integral: