Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14847/17.5T8SNT.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO
JUSTA CAUSA
AUTOMÓVEL
CARTÃO DE COMBUSTÍVEL
INDEMNIZAÇÃO POR ANTIGUIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I - Para que ocorra justa causa de resolução do contrato de trabalho nos termos da al.a) do nº 2 do artigo 394º do Código do Trabalho é necessário que se prove que o empregador faltou com o pagamento pontual da retribuição, que essa falta é culposa e que tornou imediatamente inexigível a subsistência da relação laboral.
II - Torna imediatamente inexigível a subsistência da relação laboral a retirada da viatura automóvel e do cartão de combustível utilizados pelo trabalhador durante onze anos para fins pessoais e como alternativa a um aumento salarial e, ocasionalmente, para fins profissionais
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
AAA, residente na Rua (…) Linda-a-Velha intentou a presente acção declarativa emergente de contrato de trabalho contra BBB., com sede no (…) Sintra pedindo que, julgada procedente a acção,
a) seja declarada lícita a resolução do contrato de trabalho com justa causa nos termos do artigo 394.º nº 2 do CT e condenada a Ré a indemnizar o Autor nos termos a fixar pelo Tribunal mas nunca inferior a 30 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato até ao trânsito em julgado da sentença e que, à data ascende a €57.854,54;
b) seja declarado que o valor do veículo automóvel e do cartão combustível, como rendimento em espécie, fazem parte integrante do vencimento global do Autor;
 c) seja a Ré condenada no pagamento ao Autor da quantia de €10.022,00, correspondente à soma dos créditos laborais, acrescida de juros de mora vencidos, que à data da propositura da acção ascendem a €13,71;
 d) seja a Ré condenada  no pagamento ao Autor de juros de mora vincendos, contados desde a data da propositura da acção, à taxa de 4% até efectivo e integral pagamento; e
e) seja a Ré condenada no pagamento ao Autor de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €2.500,00.
Invocou para tanto, em síntese, que:
- No dia 1 de Março de 2000, o A. celebrou um contrato de trabalho a termo certo com a …, posteriormente convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado, para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização exercer as funções de operador de computador;
-Em 15 de Setembro de 2000, o Autor foi cedido por acordo à Ré;
-Em 17.7.2017, o Autor rescindiu com justa causa o seu contrato com a Ré:
-O Autor recebia de vencimento base a quantia de € 1.504,75, acrescido da importância de €141,02 a título de subsídio de almoço e ainda, de € 376,19 de isenção de horário, aos quais se somava, ainda, o uso de uma viatura automóvel e de um cartão de combustível no valor de €300,00 mensais de combustível, que deve ser considerado parte integrante do seu vencimento;
-O Autor exerceu as suas funções nas instalações da Ré sitas em Miraflores até Junho de 2003, altura em que foi transferido para Sintra o que acabou por prejudicá-lo financeiramente, pois residia em Linda-a Velha;
-Nesse sentido, em data que não sabe precisar, o Autor teve várias conversas com o seu superior hierárquico (…) onde explicou que o local de trabalho inicial sito em Miraflores, tendo em conta que reside em Linda-a-Velha, tinha sido uma condição essencial para aceitar a proposta de trabalho e que, a transferência para Sintra, sem acréscimo salarial o estava a fazer ponderar sair;
-Nessas mesmas conversas e para manter o Autor a trabalhar na empresa, o superior hierárquico prometeu que ia tentar atribuir-lhe uma viatura automóvel assim que fosse possível a fim de ser compensado pela perda de rendimentos efectivos e ver assim o seu vencimento aumentado;
- Em cumprimento do acordado, em Maio de 2006, a Ré atribuiu ao Autor um veículo automóvel de marca Opel, modelo Corsa, com a matrícula …, que foi sucessivamente substituído, ao longo dos anos e que o Autor, com autorização e conhecimento da Ré, sempre usou para fins pessoais e profissionais, nomeadamente nos períodos pós-laboral, fins-de-semana e férias e na sequência do que vendeu a sua viatura automóvel;
-A Ré dispõe de carros afectos a departamentos, que são carros de serviço para os trabalhadores usarem nas deslocações às obras, tendo o Autor chegado a usar diversas vezes essas viaturas antes de lhe ser atribuído o primeiro veículo, nomeadamente para deslocações ao Porto.
- A Ré podia ter atribuído um carro de serviço ao Autor, o que não fez pois o acordo tinha sido outro.
- A mencionada viatura era a viatura principal do agregado familiar do Autor, sendo a Ré quem suportava todas as despesas como, seguro obrigatório, imposto de circulação, taxa de inspecção periódica, manutenção e combustível, este último através da atribuição ao Autor de um cartão Galp Frota, com um limite máximo de 300€ por mês, com excepção da Via Verde que era o Autor quem pagava;
- No dia 16 de Março de 2017, através da ordem de serviço nº SE-FGD001- 000001-2017, o Autor tomou conhecimento que a Ré estava a solicitar aos seus colaboradores que devolvessem viaturas;
-Posteriormente, em 11 de Abril de 2017, a Ré emitiu a comunicação de serviço nº SEFGD002-0000005-2017 e, em cumprimento da mesma, no dia 02 de Maio de 2017, o Autor entregou a viatura automóvel, tendo ficado o Autor e o seu agregado familiar sem qualquer viatura para se deslocar, tendo abdicado das suas actividades de lazer com a sua família;
-No passado dia 18 de Junho e, em consequência de tal facto, viu-se forçado a adquirir uma viatura usada em substituição da que lhe foi retirada, quer para as deslocações diárias de e para o trabalho, como para fins-de-semana e férias, sendo que, esse facto não estava nos planos e orçamento do seu agregado familiar;
-Além da referida viatura, o Autor e a Ré acordaram ainda que o valor relativo à isenção de horário era também a título de aumento salarial, sendo que tal quantia era paga nos subsídios de férias e de Natal;
- O vencimento mensal global ilíquido do Autor era composto pelas seguintes importâncias: € 1.504,75 de base, € 376, 19 de isenção de horário e € 1.455,00 correspondente ao valor que o A. teria que pagar por uma viatura automóvel e do montante mensal do cartão de combustível;
-Após a entrega da viatura, o Autor ficou à espera que a Ré aumentasse o seu vencimento para compensar o valor económico da viatura e do cartão combustível, tendo enviado um correio electrónico para os recursos humanos no dia 29 de Junho de 2017, a questionar quando seria reposto o valor total do seu vencimento, tendo a directora dos recursos humanos respondido em 7 de Julho de 2017 afirmando expressamente que o vencimento do Autor não seria actualizado;
- A retirada do veículo e do cartão de combustível sem posterior compensação, constitui uma diminuição ilegal da retribuição do Autor e consubstancia fundamento mais que suficiente para a resolução do vínculo laboral com justa causa;
-A Ré deve ao Autor uma indemnização no valor de €57.854,24;
- A Ré, com a sua conduta lesou a vida privada e profissional do Autor que passou a sofrer de ansiedade, com insónias frequentes, pelo que deve ser indemnizado pelos danos não patrimoniais causados pela Ré no valor de €2.500,00€, acrescendo aos valores reclamados os juros de mora; e
-No momento em que cessou a relação laboral, o Autor constituiu-se credor das importâncias que a Ré não lhe pagou relativas ao valor da viatura e do combustível nos meses de Maio, Junho e 16 dias de Julho; ao proporcional de férias e subsídio de férias de 2017, a 7 dias de férias não gozados respeitantes ao ano de 2016 e ao subsídio de férias deste ano e ao subsídio de Natal deste ano.
Realizou-se a audiência de partes não se obtendo a sua conciliação.
Regularmente notificada, a Ré apresentou contestação na qual aceitou alguns dos factos invocados pelo Autor e impugnou os demais, invocando, em resumo, que, em 2006, tendo em conta a categoria profissional e funções desenvolvidas pelo Autor, facultou-lhe a utilização de uma viatura destinada unicamente a deslocações de serviço e de um cartão de combustível tendo em vista o abastecimento da mesma viatura, posteriormente, face à situação económica da Ré foi decidido lançar mão de um processo de reestruturação na sequência do que emitiu uma ordem de serviço interna dando conta aos seus trabalhadores da alteração da política interna de utilização de viaturas, nos termos da qual diminuiu o número de categorias profissionais a quem a utilização das mesmas era facultada, uma vez que colocava à disposição dos respectivos trabalhadores ou um transporte colectivo da própria empresa, que permitia as deslocações trabalho/casa, quando o local de trabalho se situava na sede, ou então, uma viatura por obra, quando os trabalhadores se encontravam alocados a um projecto fora da sede – viatura essa que deveria ser partilhada, devendo o Autor entregar a viatura que vinha utilizando, o que este fez, apesar da situação da Ré ter-se tornado deficitária todas as obrigações relativas ao pagamento das retribuições devidas aos seus colaboradores, devidas como contrapartida do seu trabalho, encontram-se devidamente cumpridas, não resulta do contrato celebrado com a Ré, nem de lado algum que a Ré se obrigava a facultar ao Autor uma viatura para uso exclusivo, profissional e pessoal, sendo que a viatura em causa sempre se tratou de uma viatura de serviço e deveria ser estritamente utilizada para o exercício das suas funções profissionais, não houve diminuição da retribuição porque o Autor pôde continuar a deslocar-se em viaturas da Ré, à comunicação de resolver o contrato de trabalho, a Ré respondeu aceitando a aludida resolução sem, contudo, se conformar com a alegação de existência de justa causa, tendo sido colocados à disposição do Autor os créditos finais devidos em virtude da cessação do respectivo contrato de trabalho, deduzido do montante respeitante ao aviso prévio que o trabalhador não respeitou e sendo a Ré credora do Autor e este credor da Ré, compensados os créditos, a Ré manteve-se credora do Autor em € 1.071,76, o Autor arbitra uma compensação superior àquela que resultaria da aplicação do coeficiente a que se recorre nos casos de extrema gravidade, de 45 dias por cada ano de antiguidade, à data da carta de rescisão do contrato já se mostrava esgotado o prazo previsto no art.395º do CT posto que o Autor entregou a viatura a 2.5.2017 e que não assiste ao Autor qualquer direito a ser ressarcido por danos não patrimoniais.
Pediu, a final, que a acção seja julgada improcedente e absolvida a Ré do pedido, que seja julgado procedente o pedido reconvencional e condenado o Autor a pagar à Ré €1.084,80, acrescidos dos juros vincendos devidos até efectivo e integral pagamento, contados sobre o capital de €1.071,76.
O Autor respondeu à contestação pugnando pela improcedência da excepção da caducidade e do pedido reconvencional, com a consequente absolvição do pedido.
Foi admitido o pedido reconvencional e a resposta à contestação, dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador no qual se relegou para final o conhecimento da excepção de caducidade, bem como foi dispensada a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo.
Foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, e em consequência decide-se:
a) Declarar a atribuição do veículo e cartão de combustível como fazendo parte do vencimento do Autor;
b) Julgar verificada a justa causa na resolução empreendida pelo trabalhador;
c) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de €16.348,50 (dezasseis mil trezentos e quarenta e oito euros e cinquenta cêntimos) a título de indemnização por antiguidade, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento à taxa legal;
d) condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de €5.513,89 (cinco mil quinhentos e treze euros e oitenta e nove cêntimos), a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento à taxa legal;
e) absolver a Ré do demais peticionado;
f) Absolver o Autor do pedido reconvencional formulado pela Ré.
Condenam-se as partes no pagamento das custas da acção na proporção do decaimento (cfr. arts. 537º nºs 1 e 2 do N.C.P.C.)
Registe e notifique.”
Inconformado com a sentença, o Autor recorreu e formulou as seguintes conclusões:
(…)
Vossas excelências farão a sã e objectiva JUSTIÇA!!”
A Ré contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
(…)
A Ré apresentou recurso subordinado cujas alegações sintetizou nas seguintes conclusões:
(…)
Também inconformada com a sentença, a Ré recorreu sintetizando as alegações nas seguintes conclusões:
(…)
O Autor apresentou contra-alegações que finalizou com as seguintes conclusões: 
(…)
Os recursos foram admitidos na forma, modo de subida e efeito adequados.
Neste Tribunal, a Exmª. Srª Procuradora-Geral Adjunta emitiu elaborado parecer no sentido de ser negado provimento aos recursos interpostos por ambas as partes.
Notificadas as partes do teor do mencionado parecer, respondeu a Ré afirmando que o parecer do Ministério Público é completamente omisso relativamente aos fundamentos do recurso interposto pelo Autor e à impugnação da matéria de facto constante do recurso da Ré, pelo que não deve ser, a qualquer título, relevado.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no caso, importa apreciar:
Recurso do Autor:
1- Se deve ser incluído no seu vencimento base o benefício económico da utilização da viatura automóvel assim como o valor mensal de €300,00 do cartão de combustível e, consequentemente, se tais valores deverão ser considerados no cômputo da indemnização por antiguidade.
2- Se a indemnização por antiguidade deveria ter sido graduada com base em 30 dias de retribuição base e não em 15 dias como foi.
Recurso subordinado da Ré
- Se, no caso do Tribunal de recurso eliminar, ou não, o facto provado em 18 e mantiver a decisão de considerar que há justa causa de resolução do contrato de trabalho e condenar a Ré a pagar ao Autor uma indemnização por antiguidade, se deve deixar de considerar como fazendo parte da retribuição base o valor mensal de €376,19 de isenção de horário de trabalho.
Recurso da Ré
1ª- Se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto
2ª- Se não resulta dos factos provados e atendíveis que, face à actuação da Ré, era inexigível a manutenção da relação laboral, não existindo, consequentemente, justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Fundamentação de facto
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 1 de Março de 2000, o A. celebrou um contrato de trabalho a termo certo com a …, posteriormente convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado, para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização exercer as funções de operador de computador (arts. 1º e 2º da p.i.).
2. Funções que consistiam sobretudo na recepção dos elementos necessários à execução dos trabalhos no computador, controle da execução conforme programa de exploração, registo das ocorrências, preparação, operação e controle dos órgãos periféricos do computador, preparação e controle da utilização e dos stocks dos suportes magnéticos de informação (art. 3º da p.i.).
3. Em 15 de Setembro de 2000, o A. foi cedido por acordo à R. (arts. 4º da p.i. e 10º da contestação).
4. Por comunicação datada de 20 de Agosto de 2002, a Ré comunicou ao Autor a sua passagem ao quadro de pessoal permanente da Ré, em 30/09/2002 (art. 12º da contestação).
5. O A. exerceu as suas funções nas instalações da R. sitas em Miraflores até Junho de 2003, altura em que foi transferido para Sintra (arts. 8º da p.i.).
6. Tendo em conta que o A. reside em Linda-a-Velha, a transferência do local de trabalho para Sintra implicava despesas acrescidas (art. 9º da p.i.).
7. O A. teve várias conversas com o seu superior hierárquico (…) queixando-se dos custos acrescidos que a mudança de local de trabalho para Sintra acarretava dado que morava em Linda-a-Velha, solicitando aumento salarial (art. 10º da p.i. em parte).
8. Nessas mesmas conversas o superior hierárquico do A. prometeu que ia tentar atribuir-lhe uma viatura automóvel assim que fosse possível a fim de ser compensado e como alternativa ao aumento de vencimento (art. 12º da p.i.).
9. Em Maio de 2006, a R. atribuiu ao A. um veículo automóvel de marca Opel, modelo Corsa, com a matrícula (…), assim como um cartão de combustível no valor de €300,00 mensais (art. 13º da p.i.).
10. A R. dispõe de carros afectos a departamentos, que são carros de serviço para os trabalhadores usarem nas deslocações às obras, tendo o A. chegado a usar diversas vezes essas viaturas antes de lhe ser atribuído o primeiro veículo, nomeadamente para deslocações ao Porto (art. 14º da p.i.).
11. A viatura Opel atribuída ao Autor foi sendo sucessivamente substituída por outras ao longo dos anos, sempre por modelos Opel Corsa 1.3 CDTI (art. 16º da p.i.).
12. O A., com autorização e conhecimento da R., sempre usou a viatura em deslocações pessoais, para ir às compras, passear, buscar os filhos à escola, nomeadamente nos períodos pós-laboral, fins-de-semana, férias e feriados (art. 17º da p.i. – resposta explicativa).
13. Aquela era a viatura principal do A. e do seu agregado familiar, composto pela sua mulher e 2 filhas menores, dado que a mulher do A. tem um carro de dois lugares (art. 18º da p.i.).
14. A R. suportava todas as despesas com seguro obrigatório, imposto de circulação, taxa de inspecção periódica, manutenção e combustível, este último através da atribuição ao A. de um cartão Galp Frota, com um limite máximo de 300€ por mês (art. 19º da p.i.).
15. Com excepção da Via Verde que era o A. quem pagava (art. 20º da p.i.).
16. No seguimento da atribuição da viatura, o Autor vendeu o seu veículo pessoal, Opel Frontera, em Junho de 2006 (art. 21º da p.i.).
17. Ultimamente o A. recebia de vencimento base a quantia de €1.504,75, acrescido da importância de €141,02 a título de subsídio de almoço e ainda, de €376,19 de isenção de horário (art. 6º da p.i.).
18. O A. e a R. acordaram que o valor relativo à isenção de horário seria uma forma de aumento salarial (art. 26º da p.i.).
19. Tal quantia era paga nos subsídios de férias e de Natal (art. 27º da p.i.).
20. O A. cumpria o seguinte horário: das 10:00 às 19:00 de segunda à quinta-feira, com uma hora de almoço e, à sexta-feira das 10:00 às 16:00, com 30 minutos de almoço (art. 28º da p.i.).
21. A política de viaturas de serviço e de plafond de combustível da Ré foi sendo actualizada ao longo da sua vigência, sem que fosse requerida ou solicitada aos trabalhadores da R. quaisquer manifestações de adesão ou concordância (arts. 37º e 38º da contestação).
22. Existem em vigor na Ré “Normas de Procedimento” e “Ordem de Serviço” referentes à utilização de viaturas de serviços que foram disponibilizadas pelos seus trabalhadores (art. 41º da contestação).
23. Em 15 de Novembro de 2010 foi emitida a “Ordem de Serviço” n.º ADM-003/10, junta à contestação como documento n.º 3, a fls. 51 e 52, que se dá por integralmente reproduzida, onde se dá conta da necessidade de adoptar “um conjunto de medidas tendentes a racionalizar e reduzir os seus custos fixos”, e se determina, além de mais, que “A utilização dos cartões Galp Frota fica proibida aos fins-de-semana, feriados nacionais e férias. O uso indevido nestes dias será regularizado pelo próprio.” (art. 42º da contestação).
24. A “Norma de Procedimento” PRH509, edição 04 Revisão 1, com o Título “Manual do Condutor” e o Objectivo de “Definir os procedimentos básicos a considerar pelos condutores de viaturas de serviço”, de 2012, e revista em 2014, junta à contestação como doc. nº 4, a fls. 53 a 55, refere, no seu ponto 7, que “O cartão de combustível só pode ser utilizado em dias normais de trabalho, encontrando-se proibida a sua utilização aos fins de semana, feriados nacionais e férias, o custo do abastecimento nos dias mencionados será suportado pelo próprio na totalidade” (arts. 44º e 45º da contestação).
25. No dia 16 de Março de 2017, através da ordem de serviço nº SE-FGD001- 000001-2017, junta à p.i. como doc. nº 14 e que se dá por reproduzida, o A. tomou conhecimento que a R. estava a solicitar aos seus colaboradores que devolvessem viaturas (art. 22º da p.i.).
26. A R. diminuiu o número de categorias profissionais a quem a utilização das mesmas era facultada, uma vez que colocava à disposição dos respectivos trabalhadores ou um transporte colectivo da própria empresa, que permitia as deslocações trabalho/casa, quando o local de trabalho se situava na sede, ou então, uma viatura por obra, quando os trabalhadores se encontravam alocados a um projecto fora da sede – viatura essa que deveria ser partilhada (art. 15º da contestação).
27. Todos os trabalhadores que se encontravam a prestar as suas funções em locais de acesso difícil, mantiveram a faculdade de utilizar viaturas de serviço para se deslocarem entre a sua residência e o respectivo local de trabalho ou de utilizar transporte colectivo disponibilizado pela empresa (art. 55º da contestação).
28. A retirada dos veículos inseriu-se num contexto de redução de custos face às dificuldades económicas do Grupo onde se insere a R. (art. 16º da contestação).
29. Em data não concretamente apurada mas anterior à saída do Autor, foi promovido na Ré e em outras empresas do grupo um procedimento de despedimento colectivo (art. 21º da contestação).
30. Em 11 de Abril de 2017, a R. emitiu a comunicação de serviço nº SEFGD002- 0000005-2017 e, em cumprimento da mesma, no dia 02 de Maio de 2017, o A. entregou a viatura automóvel acima identificada (arts. 23º da p.i. e 16º da contestação).
31. Após a entrega da viatura, o A. ficou à espera que a R. aumentasse o seu vencimento para compensar o valor económico da viatura e do cartão combustível, tendo enviado um correio electrónico para os recursos humanos no dia 29 de Junho de 2017, a questionar quando iriam proceder à actualização da sua remuneração, junto à p.i. como doc. nº 24, a fls. 27, e que se dá por inteiramente reproduzido (art. 31º da p.i.).
32. A directora dos recursos humanos respondeu em 7 de Julho de 2017 afirmando que o vencimento do A. não seria actualizado, conforme doc. nº 25 junto a p.i. a fls. 27 verso, e que se dá por reproduzido (art. 32º da p.i.).
33. Em 17 de Julho de 2017, mediante carta registada com aviso de recepção, junta à p.i como doc. nº 4 a fls. 13 e que se dá por reproduzida, recebida em 18 de Julho, o A. comunicou à Ré a “imediata resolução, com justa causa, do contrato de trabalho celebrado em 01-03-2000”, onde se pode ler o seguinte para justificar a resolução: “entendo que foram violadas as minhas garantias legais, lesados grave e culposamente os meus interesses patrimoniais, como o meu direito à retribuição. (…) no dia 2 de Maio de 2017, foi-me retirada a viatura automóvel que me estava atribuída, assim como o cartão Galp Frota com o valor mensal de €300,00. Sendo que o veículo, assim como o cartão Galp Frota, foram-me conferidos por acordo, como actualização salarial, fazendo parte integrante da minha remuneração. (…) no dia 06 de Julho apenas pagaram 17% do vencimento relativo ao mês de Junho, no montante de €240,50 e, no dia 11 de Julho a quantia de €403,74” (arts. 5º da p.i. e 17º da contestação).
34. Por carta datada de 20 de Julho de 2017 e remetida em 24 de Julho de 2017, a R. respondeu à comunicação do A., aceitando a resolução mas não a invocação de justa causa, e enviou-lhe o recibo de vencimento relativo ao acerto dos créditos finais, e o modelo RP 5044, conforme doc. nº 1 junto à contestação a fls. 45 verso a 49 e que se dá por integralmente reproduzido (art. 26º da contestação).
35. A Ré processou os créditos finais devidos em virtude da cessação do contrato de trabalho até ao dia 18 de Julho de 2017, deduzido do montante respeitante ao aviso prévio, nos termos constantes do recibo de fls. 46 verso e 47 (arts. 76º e 78º da contestação)
36. A Ré processou €873,73 a título de proporcional de retribuição base e €218,43 a título de proporcional de retribuição e de Isenção de Horário de Trabalho, relativo ao mês de Julho de 2017 (art. 82º da contestação).
37. A Ré processou os proporcionais de férias e subsídio de férias relativas ao período de vigência do contrato de trabalho no ano de 2017, no montante de €1.025,50, o que perfez o total de €2.051,00 (art. 86º da contestação).
38. A Ré pagava ao A. o subsídio de Natal em regime de duodécimos (art. 87º da contestação).
39. No último recibo a R. processou a título de proporcional de subsídio de Natal o montante de €555,28 (art. 89º da contestação).
40. Nesse recibo foram também processados 6 dias de férias não gozadas no montante de €513,00 (art. 94º da contestação).
41. A R. processou ainda ao A. o montante de €473,67, a título de subsídio de férias (art. 101º da contestação).
42. A R. processou ao A. o montante referente ao subsídio de refeição, no total de €32,05, relativo a cinco dias úteis de prestação de trabalho no mês de Julho (art. 103º da contestação).
43. De acordo com o mesmo recibo, foi ainda descontado o subsídio de refeição que seria pago em cartão, no montante de €25,64 (art. 107º da contestação).
44. O A. havia solicitado a extensão do Seguro de Doença aos familiares (art. 112º da contestação).
45. O acréscimo da extensão do Seguro aos familiares é suportado pelos trabalhadores que o solicitem, e descontado no respectivo vencimento, no processamento de Janeiro do ano seguinte àquele em que vigorou o Seguro (art. 113º da contestação).
46. Nas situações de cessação de contrato de trabalho, o acerto é efectuado no último processamento (art. 114º da contestação).
47. No último recibo de vencimento consta a regularização referente a extensão do Seguro de Doença, no montante de €438,51 (art. 115º da contestação).
48. Nesse processamento final, a Ré calculou o montante que lhe seria devido, pelo A., a título de aviso prévio, no montante de €3.762,00 (art. 124º da contestação).
49. A mulher do Autor aufere um vencimento mensal ilíquido de €1.000,00 (art. 39º da p.i.).
50. A retirada do veículo causou ansiedade ao Autor (art. 40º da p.i. – resposta restritiva).
51. O aluguer operacional de uma viatura Opel Corsa, 1.3 CDTi, pelo prazo de 12 meses, tem o custo para o consumidor de €675,82 com IVA (art. 29º da p.i. – resposta restritiva).
52. Para a Ré o aluguer das viaturas Opel Corsa tinha um custo mensal entre €230,00 e €245,00 (art. 64º da contestação – resposta explicativa).
53. Na situação de aluguer operacional de veículo as despesas de manutenção já se encontram incluídas no montante da prestação mensal (art. 66º da contestação).
A sentença considerou não provados os seguintes factos:
1. A matéria alegada pelo Autor nos arts. 10º (na parte em que o Autor tivesse transmitido ao seu superior hierárquico que o local de trabalho em Miraflores, tendo em conta que o A. reside em Linda-a-Velha, tinha sido uma condição essencial para aceitar a proposta de trabalho), 11º (que antes de ir trabalhar para a R., o A. estava a exercer funções numa empresa sita na zona da Expo, em Lisboa, onde recebia mais), 29º (na parte em que o valor que o Autor teria que pagar mensalmente por uma viatura automóvel idêntica à que lhe era atribuída ascendesse a €1.155,00), 40º (na parte em que o Autor tivesse passado a sofrer de insónias frequentes), da p.i;
2. A matéria alegada pela Ré nos arts. 19º (na parte em que a Ré tivesse pago ao Autor integralmente os valores de retribuição relativos a Junho de 2017), 35º (que a viatura facultada em 2006, o tivesse sido porque a actividade profissional do Autor o justificava), 53º (que a utilização da viatura em deslocações privadas decorresse de mera tolerância da Ré), 99º (que o Autor entre o dia 01/01/2017 e a data da cessação tivesse gozado 21 dias úteis de férias), da contestação.
Mais consignou que “Os restantes artigos não mencionados foram considerados repetitivos, conclusivos, sem relevância para a causa (aqui se incluindo os factos posteriores à retirada do veículo que não foram invocados na carta de resolução com justa causa – cfr. art. 398º nº 3 do C.T.) ou contendo matéria de direito.”
Fundamentação de direito
Por uma questão de precedência lógico-jurídica impõe-se iniciar a apreciação das questões suscitadas nos recursos por aquelas suscitadas no recurso independente da Ré.
Assim, comecemos por analisar se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
(…)
Consequentemente impõe-se a alteração do facto provado em 9 que passa a ter a seguinte redacção:
9. Em Maio de 2006, a R. atribuiu ao A. um veículo automóvel de marca Opel, modelo Corsa, com a matrícula …, assim como um cartão de combustível com um plafond de €300,00 mensais à data da cessação do contrato de trabalho.
2º- O facto provado em 12 deve passar a ter a seguinte redacção: “O A., com autorização e conhecimento da R., sempre usou a viatura para fins profissionais e em deslocações pessoais, para ir às compras, passear, buscar os filhos à escola, nomeadamente nos períodos pós-laboral, fins-de-semana, férias e feriados (art.º 17.º da p.i. – resposta explicativa)”.
(…)
Consequentemente impõe-se a alteração do facto provado 12 nos seguintes termos:
12. O A., com autorização e conhecimento da R., sempre usou a viatura para deslocações profissionais que eram ocasionais e em deslocações pessoais, para ir às compras, passear, buscar os filhos à escola, nomeadamente nos períodos pós-laboral, fins-de-semana, férias e feriados (art. 17º da p.i. – resposta explicativa).
(…)
Contudo, uma vez que o facto provado fundamentou-se apenas na proposta junta a fls.23 que, conforme refere o Tribunal a quo, não se mostra dirigida ao Autor (nem a qualquer outra pessoa) nem a sua autoria foi impugnada e sendo certo que no artigo 5º da contestação a Ré apenas aceitou o teor do documento, entendemos que o facto 51 deve ter a seguinte redacção:
51- De acordo com a proposta da LEASEPLAN, de 19.4.2017, junta como documento 23 com a petição inicial, o aluguer operacional de uma viatura Opel Corsa, 1.3 CDTi, pelo prazo de 12 meses, tem o custo para o consumidor de €675,82 com IVA.
Assim e em conclusão procede parcialmente o recurso da matéria de facto.
*
Apreciemos, agora, a segunda questão suscitada no recurso independente da Ré e que consiste em saber se não resulta dos factos provados e atendíveis que, face à actuação da Ré, era inexigível a manutenção da relação laboral não existindo, consequentemente, justa causa de resolução do contrato de trabalho.
A sentença recorrida, após concluir que “não poderá deixar de se conferir natureza retributiva à atribuição da referida viatura e cartão de combustível, com a consequente consideração do respectivo valor para efeitos de determinação da retribuição, bem como a sujeição de tal prestação ao regime das garantias da retribuição (cfr. artigo 258.º, n.º 4, do C.T.), mormente da irredutibilidade (cfr. artigo 129º, nº 1, alínea d), do C.T.), donde decorre que a Ré não poderia proceder unilateralmente à sua redução (ou, no caso, à sua retirada total), ainda que essa medida estivesse inserida numa política geral de contenção de custos”, sobre a justa causa de resolução do contrato de trabalho refere o seguinte:
“Agora importa indagar da existência, ou não, de justa causa para a resolução do contrato por parte do autor, face à redução da retribuição efectivamente ocorrida decorrente da retirada do veículo e do cartão de combustível em 02 de Maio de 2017, invocada na comunicação dirigida à Ré.
É a nosso ver evidente que, face ao peso relativo que aquelas atribuições patrimoniais representavam no salário global mensal do trabalhador (entre 1/4 e 1/5 do seu vencimento mensal), mesmo atendendo ao mero custo da locação para a Ré (correspondente ao valor da sua deslocação patrimonial a favor do Autor) somado do plafond mensal de €300,00 (o que totaliza cerca de €545,00, sendo que o autor auferia o salário mensal de €2.021,96 incluindo subsídio de almoço), sem olvidar que a justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do art. 351º do C.T., isto é, atendendo ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter da relação entre as partes e demais circunstâncias que no caso sejam relevantes, ocorre justa causa de resolução pelo trabalhador por falta culposa de pagamento pontual da retribuição, e por violação de uma garantia legal do trabalhador, concretamente uma violação da garantia da irredutibilidade da retribuição, prevista no artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do C.T., nos termos do art. 394º nº 2, als. a) e b), e nºs 4 e 5, do C.T..
Por fim, refira-se que, entendemos que na carta de resolução não tinha o Autor de referir o facto de entretanto ter vendido a viatura pessoal ou mesmo o facto de usar a viatura atribuída pela Ré na sua vida privada. Estando a Ré ciente da utilização dada ao veículo bem como do valor de retribuição que pagava ao Autor, inerentemente sabia qual o peso relativo que o veículo e o cartão de combustível representavam no cômputo global do vencimento do Autor.
Finalmente, salvo o devido respeito e melhor apreciação, a mesma não poderá deixar de ser considerada culposa, ainda que inserida numa política geral de contenção de custos face às dificuldades económicas que a Ré e outras empresas do grupo atravessavam (circunstância a que atenderemos na fixação da indemnização), desde logo porque se prolongou por período superior de 60 dias, conforme resulta do disposto no art. 394º nº 5 do C.T., preceito que consagra uma situação de ficção legal de culpa (sem admissão de prova em contrário, mas que em todo o caso não ocorreu).”
Discorda a Recorrente do entendimento do Tribunal a quo estribando-se nas seguintes linhas de pensamento:
-na presente acção judicial o Autor não invoca os fundamentos constantes do 4.º parágrafo da sua comunicação de 17.07.2017 pelo que a motivação da resolução do contrato de trabalho com alegada justa causa, no caso, resume-se, exclusivamente, ao seguinte, segundo o Autor: “no dia 2 de Maio de 2017, foi-me retirada a viatura automóvel que me estava atribuída, assim como o cartão Galp Frota com o valor mensal de € 300,00. Sendo que o veículo, assim como o cartão Galp Frota, foram-me conferidos por acordo, como actualização salarial, fazendo parte integrante da minha remuneração”;
- esta factualidade é manifestamente insuficiente para que se possa ajuizar se o comportamento culposo da Ré, pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, atendendo-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes;
- Na petição inicial o Autor alegou um conjunto de factos (os alegados nos artigos 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 17º, 18º, 21º, 24º, 25º, 29º, 39º da petição inicial) que não foram invocados na comunicação que endereçou à Ré através da qual resolveu o contrato de trabalho, sendo certo que alguns deles logrou provar;
-Sucede, porém, que os factos atendíveis para justificar a justa causa de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do Autor são os que constam da sua comunicação de 17.07.2017, independentemente de serem anteriores ou posteriores à retirada do veículo;
- Nessa medida, pese embora a relevância que o A. lhes atribuiu, na petição inicial, para justificar a alegada justa causa de resolução do contrato de trabalho que fez operar, os factos alegados na petição inicial e que ficaram a constar da matéria de facto provada, não são atendíveis para efeitos do disposto no nº 3 do artigo 398º do CT.
- O facto que espera que seja considerado provado (utilização da viatura também para fins profissionais), deve ser levado em consideração para efeitos da apreciação da (i) (licitude da resolução do contrato de trabalho;
- Se considerarmos que o Autor não provou que a viatura e o cartão Galp Frota foram atribuídos por acordo, como actualização salarial, restam os seguintes factos para apreciação da eventual justa causa da resolução do contrato de trabalho: a retirada da viatura em 02.05.2017 e a retirada do cartão Galp Frota com um plafond mensal de € 300,00;
- O Autor não invocou na comunicação de 17.07.2017 qual o valor da parcela da retribuição em espécie correspondente à utilização da viatura a título pessoal, não resultando da matéria de facto provada qualquer facto a esse respeito;
-O A. não invocou na comunicação de 17.07.2017, nem na petição inicial, qual o montante médio de combustível que utilizava mensalmente a título pessoal, dentro do plafond de € 300,00 mês que lhe estava atribuído, não resultando da matéria de facto provada qualquer facto a esse respeito;
- discorda que seja “evidente que, face ao peso relativo que aquelas atribuições patrimoniais representavam no salário global mensal do trabalhador (entre 1/4 e 1/5 do seu vencimento mensal) (…) ocorre justa causa de resolução pelo trabalhador”, pois as referidas atribuições patrimoniais nem sequer estão liquidadas; e
- A afirmação de que “o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o carácter da relação entre as partes e as demais circunstâncias relevantes”, não está concretizada.
Vejamos:
Considerando a data em que ocorreu a resolução do contrato de trabalho (18.7.2017), ao caso é aplicável o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho.
Dispõe o artigo 394.º do CT que:
“1-Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2- Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente os seguintes comportamentos do empregador:
a)Falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
(…)
3-(…).
4- A justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º com as necessárias adaptações.
5- Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.”
A propósito deste artigo escreve a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, na obra “Direito do Trabalho-Parte II Situações Laborais Individuais, 3ª Edição Revista e actualizada ao Código do Trabalho de 2009, Almedina, pag.1007: “as situações de justa causa, indicadas para efeitos de resolução do contrato de trabalho, no artigo 394º nº 2 e 3 reconduzem-se a duas categorias: as situações de justa causa subjectiva (art.394º nº 2) cujo enunciado é assumidamente exemplificativo e as situações de justa causa objectiva (394º nº 3).As situações de justa causa subjectiva reportam-se a comportamentos do empregador que traduzem uma violação culposa dos seus deveres. Para este efeito relevam entre outros, os seguintes comportamentos:
i) Comportamentos de violação de deveres contratuais, como a falta culposa do pagamento pontual da retribuição ou a violação das garantias convencionais do trabalhador (als.a) e b) do nº 2 do artigo 394 e ainda nº 5 do artigo 394º.
ii)Comportamentos de violação de deveres legais, como a violação das garantias legais do trabalhador, a aplicação de sanção abusiva (nos termos do artigo 331 do CT), ou o incumprimento culposo de deveres atinentes à segurança, higiene e saúde no trabalho (als.b) c), e d) do nº 2 do artigo 394º
iii) Comportamentos de deveres gerais, como a lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador, as ofensas à integridade física ou moral, à liberdade, à honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei e que tenham sido praticadas pelo empregador (als.c) e f) do nº 2 do artigo 394 CT.”
E nas pags.1010 e 1011 da mesma obra lemos:” para aferição concreta da justa causa, a lei manda atender aos critérios de apreciação da justa causa disciplinar (art.394º nº 4), que são indicados pelo artigo 351º nº 3 com as necessárias adaptações (…) A jurisprudência tem acentuado a necessidade da presença de três requisitos para que se configure uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato:
i)Um requisito objectivo, que é o comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador;
ii) Um requisito subjectivo, que é a atribuição, desse comportamento ao empregador a título de culpa. Contudo, no que se refere ao requisito da culpa é de presumir a sua verificação, uma vez que estamos no âmbito da responsabilidade contratual, ou seja, por aplicação da regra geral do artigo 799º do CC. Desta presunção decorre o ónus da prova do empregador demonstrar que a situação subjectiva de justa causa alegada pelo trabalhador não procedeu de um comportamento culposo.
iii) Um terceiro requisito que relaciona aquele comportamento com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador, a subsistência desse vínculo (ou seja, em termos comparáveis aos da justa causa subjacente ao despedimento disciplinar). Este requisito retira-se da exigência legal de que a resolução do contrato seja promovida num lapso de tempo muito curto (30 dias sobre o conhecimento desses factos pelo trabalhador, nos termos do artigo 395º nº 1) mas não pode deixar de ser reconduzido à ideia de simples inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral.”
Assim e como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.11.2012, in www.dgsi.pt cujo entendimento temos perfilhado, “para que se possa afirmar a existência de justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador não é suficiente a mera verificação objectiva de um dos comportamentos previstos no nº 1º do artigo 394º do CT/2009, tendo também que haver culpa por parte do empregador, devendo ainda a violação das obrigações contratuais por parte deste último, em resultado da sua gravidade, implicar a insubsistência da relação laboral”.
Elucidativo é ainda o que, a este propósito, se refere no acórdão do STJ de 6.12.2017 in www.dgsi.pt: “Donde termos de concluir que para ocorrer justa causa tem que existir um comportamento ilícito do empregador, que seja violador dos deveres que lhe são impostos e das garantias do trabalhador, e que o seu grau de culpa condicione de tal forma a relação laboral que não lhe seja exigível que se mantenha vinculado à empresa.
Impõe, no entanto, o nº 4 do artigo 394º que na sua apreciação devem ser tomadas em consideração as circunstâncias enunciadas no n.º 3 daquele artigo 351º.
Por isso, a resolução do contrato com justa causa e por iniciativa do trabalhador respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo.
E assim, só existirá justa causa para o trabalhador se despedir, quando a conduta do empregador satisfizer estes três requisitos:
 um de carácter objectivo, traduzido num ou vários comportamentos deste que violem as garantias legais do trabalhador ou ofendam a sua dignidade;
outro de carácter subjectivo, consistente no nexo de imputação desta conduta a culpa exclusiva do empregador;
mas para além disso, exige-se ainda que esta conduta do empregador gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência do contrato, tornando inexigível ao trabalhador que permaneça vinculado por mais tempo à empresa.
Donde termos de concluir que para ocorrer justa causa tem que existir um comportamento ilícito do empregador, que seja violador dos deveres que lhe são impostos e das garantias do trabalhador, e que o seu grau de culpa condicione de tal forma a relação laboral que não lhe seja exigível que se mantenha vinculado à empresa.
Daí que, nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confira ao trabalhador o direito de resolver o contrato.”
Assim, no caso, para que se possa concluir pela existência de justa causa de resolução do contrato por parte do Autor ter-se-á de verificar a falta de pagamento pontual da retribuição, que tal falta decorra de facto imputável e culposo da Ré e que tal falta determine a inexigibilidade da manutenção da relação laboral.
Por seu turno, determina o nº 1 do artigo 395º do CT que “ O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.”
Assim e como escreve João Leal Amado na obra “Contrato de Trabalho”, 3ª Edição Reimpressão, Coimbra Editora, pags.447 e 448 “ Não é, pois, indispensável proceder a uma descrição circunstanciada dos factos, bastando uma indicação sucinta dos mesmos, de modo a permitir, se necessário, a apreciação judicial da justa causa invocada pelo trabalhador.
(…)
O desrespeito das exigências formuladas neste artigo 395º (inobservância da forma escrita, indicação insuficiente dos factos justificativos da resolução, ultrapassagem do prazo de caducidade), determinará a ilicitude/irregularidade, que não a invalidade/ineficácia da ruptura contratual promovida pelo trabalhador. Note-se, contudo, que o trabalhador poderá ainda suprir algumas daquelas lacunas, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.398º.”
Por outro lado, nos termos do nº 3 do artigo 398º do CT “Na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no nº 1 do artigo 395º.”
E como escreve Pedro Furtado Martins na obra “Cessação do Contrato de Trabalho”, 4ª Edição, revista e atualizada, Principia, pag.581 e 582, “ Na comunicação da resolução deve o trabalhador fazer a «indicação sucinta dos factos que a justificam (artigo 395.º nº 1) sendo a partir dessa indicação que se afere da procedência dos motivos alegados para a resolução (art.398º. nº 3).
Diversamente do que sucede com a nota de culpa, não se exige uma «descrição circunstanciada dos factos», mas apenas a sua «indicação sucinta».”
No caso, conforme decorre do documento 4 junto com a petição inicial, em 17 de Julho de 2017, o Autor endereçou à Ré a seguinte comunicação:
“ Assunto: rescisão de contrato de trabalho com justa causa
Exmos Senhores
Serve a presente para comunicar a imediata resolução, com justa causa, do contrato de trabalho celebrado em 01-03-2000, nos termos do artigo 394.º do Código do Trabalho, porquanto entendo que foram violadas as minhas garantias legais, lesados grave e culposamente os meus interesses patrimoniais, assim como o meu direito à retribuição.
Na verdade, como V.Exas. sabem, no dia 2 de maio de 2017 foi-me retirada a viatura automóvel que me estava atribuída, assim como o cartão Galp Frota com o valor mensal de €300,00.
Sendo que, o veículo, assim como o cartão Galp Frota, foram-me conferidos por acordo, como actualização salarial, fazendo parte integrante da minha retribuição.
Mais, como V.Exas bem sabem, no dia 6 de Julho apenas pagaram 17% do vencimento relativo ao mês de Junho no montante de €240,50 e, no dia 11 de Julho a quantia de €403,74.
Assim da referida comunicação resulta que o Autor invocou como fundamentos para a resolução do contrato de trabalho, a retirada da viatura automóvel e do cartão Galp Frota, este no valor de €300,00 que, segundo o Autor, lhe foram conferidos como actualização salarial e integram a sua retribuição, bem como a falta de pagamento pontual do vencimento de Junho de 2017.
No artigo 5º da petição inicial o Autor invocou: O A. rescindiu com justa causa o seu contrato com a R. por carta registada, com aviso de receção em 17 de Julho de 2017, cfr.doc. que aqui se junta sob o nº 4 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.”
Assim, ao dar por integralmente reproduzido o teor da comunicação que endereçou à Ré, parece-nos, salvo o devido respeito, que na acção também está a invocar todos os fundamentos que constam da dita carta, pelo que não podemos concordar com a afirmação da Recorrente de que na presente acção judicial, o Autor não invoca os fundamentos constantes do 4.º parágrafo da sua comunicação de 17.07.2017, pelo que a motivação da resolução do contrato de trabalho com alegada justa causa se resumiria à retirada da viatura automóvel que lhe fora atribuída, assim como o cartão Galp Frota com o valor mensal de € 300,00 e que o veículo, assim como o cartão Galp Frota, foram-lhe conferidos por acordo, como actualização salarial, fazendo parte integrante da sua remuneração.
O que sucede é que na petição inicial o Autor, no que respeita a créditos do mês de Junho de 2017, apenas peticiona €4.094,01 correspondente ao proporcional de férias e subsídio de férias nada peticionando a título de vencimento do mesmo mês.
Mas como se escreve na sentença recorrida, “Nada se provou relativamente ao pagamento parcial do vencimento do mês de Junho de 2017, porém, o Autor nada reclama a este respeito (cfr. art. 55º da p.i.), tudo inculcando que a situação tenha sido regularizada.”
Mas ainda invoca a Recorrente que, na petição inicial, o Autor alegou um conjunto de factos que não são atendíveis para aferir da justa causa de resolução do contrato de trabalho, na medida em que não constam da comunicação que lhe foi dirigida.
Ora, como é sabido e escrevem José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, no Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, Coimbra Editora, pag.5, “Os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último.
É por isso constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamado ius novorum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revoga-la. Os Tribunais de recurso podem, porém, conhecer de questões novas que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso, por exemplo, das questões de inconstitucionalidade de normas suscitadas nas alegações de recurso ou da caducidade de conhecimento oficioso (…)”.
Ora, a Recorrente não suscitou esta questão perante o Tribunal a quo, nem este se pronunciou sobre ela, configurando, assim, uma questão nova que não é de conhecimento oficioso, razão pela qual este Tribunal não a pode conhecer.
De qualquer modo e a latere salienta-se que, exigindo a lei a indicação sucinta dos factos que justificam a resolução do contrato, sempre se imporia afirmar que se mostra cumprido tal procedimento, sendo que os factos alegados na petição inicial se traduzem na concretização daquilo que é dito na comunicação.
Aqui chegados cumpre questionar se, como afirma a Recorrente, a factualidade provada é insuficiente para podermos concluir que o comportamento culposo da Ré, pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Antes de mais, é claro que a Ré está a aceitar que adoptou um comportamento culposo.
E tal comportamento traduziu-se na retirada ao Autor do veículo automóvel e do cartão de combustível que lhe foi atribuído, consubstanciando, indubitavelmente, uma redução na sua retribuição.
É certo que, face ao facto provado em 8 (Nessas mesmas conversas o superior hierárquico do A. prometeu que ia tentar atribuir-lhe uma viatura automóvel assim que fosse possível a fim de ser compensado e como alternativa ao aumento de vencimento), é de concluir que o Autor não provou que a atribuição da viatura e do cartão de combustível foram-lhe conferidos por acordo como actualização salarial.
Mas como concluiu o Tribunal a quo, a viatura automóvel e o cartão de combustível integram a retribuição do Autor, não obstando a tal conclusão o facto de também se ter provado que o veículo, a par da sua utilização pessoal, também era utilizado, ocasionalmente, para fins profissionais.
Por outro lado, considerando que a viatura atribuída passou a ser a viatura principal do Autor e que era com esta que o Autor provia às necessidades e ao lazer do seu agregado familiar (factos provados 12, 13 e 16), que o cartão de combustível tinha um plafond de €300,00, o equivalente a mais de metade do salário mínimo nacional que, em 2017, era de €557,00, independentemente de não estar apurado o valor do benefício auferido a título pessoal com tais atribuições, a verdade é que sempre teríamos de concluir que o benefício pessoal era muito superior ao valor do uso profissional, apenas ocasional, sendo este anulado pela circunstância de que a Ré tinha ao dispor dos trabalhadores carros para deslocação em serviço (cfr. facto provado 10). Ou seja, o Autor usava a viatura que lhe foi atribuída pela Ré, a título profissional, se quisesse.
Consequentemente, também entendemos que, face ao peso relativo que aquelas atribuições patrimoniais representavam no salário global do Autor, contribuindo para a contenção dos custos do Autor e do seu agregado familiar quanto às respectivas deslocações, impõe-se concluir que a manutenção da relação laboral representaria para o Autor um sacrifício injustificado, pelo que naquele quadro não era razoável exigir-lhe que mantivesse o vínculo laboral.
Mas mais, o Autor, através do e-mail que enviou para os recursos humanos da Ré solicitou que o informassem quando é que iriam proceder à actualização da sua remuneração e ao pagamento das quantias em dívida (facto provado 31), o que denota que o Autor comunicou à Ré que não podia aceitar a retirada da viatura e do cartão de combustível sem mais, isto é, sem que lhe fosse actualizado o salário, o que vale dizer que as referidas prestações retributivas eram essenciais para a sua vida.
Mas a resposta da Ré foi negativa. (facto provado 32)
Assim, persistindo o incumprimento por parte da Ré que se revelou definitivo com a sua resposta, entendemos que nada justificava que, perante a certeza de que não iria ser compensado da retirada da viatura e do cartão de combustível, o Autor mantivesse a relação laboral
Concluindo, face à factualidade provada, também entendemos, como entendeu o Tribunal a quo, que existe falta de pagamento pontual da retribuição do Autor, consubstanciada na falta de pagamento de parcelas retributivas em espécie- privação do uso do veículo automóvel e do cartão de combustível-, que tal falta, por se ter prolongado por mais de 60 dias, considera-se culposa e que está verificada uma situação de imediata impossibilidade de subsistência do contrato, pelo que era inexigível ao Autor que se mantivesse na Ré.
Por conseguinte, assistia ao Autor o direito de resolver o contrato de trabalho com justa causa, termos em que improcede o recurso da Ré.
*
Apreciemos, agora, a primeira questão suscitada no recurso do Autor e que se traduz em saber se deve ser incluído no seu vencimento base o benefício económico da utilização da viatura automóvel assim como o valor mensal de €300,00 do cartão de combustível e, consequentemente, se tais valores deverão ser considerados no cômputo da indemnização por antiguidade.
O Tribunal a quo entendeu que os benefícios em causa não integram a retribuição base nos seguintes termos:
“Contudo, a nosso ver, não obstante integrarem a retribuição, entendemos que as componentes relativas ao veículo e cartão Galp não integram o conceito de salário base designadamente para efeitos de fixação da indemnização ora em apreço, correspondendo a outras prestações regulares e periódicas (cfr. art. 258º nº 2 do C.T.).”
A este propósito invocou o Autor, em síntese, que a atribuição ao Recorrente da viatura automóvel e cartão combustível resultaram de um acordo com o seu superior hierárquico como forma de este ver o seu vencimento aumentado pela contrapartida do trabalho prestado em condições comuns, sendo que, o Recorrente não precisava sequer do veículo automóvel para exercer as suas funções, pois as mesmas eram quase exclusivamente executadas na sede da Recorrida, que deve ser declarada a natureza retributiva do uso da viatura e do cartão combustível, num montante total de €550,00 por mês, como fazendo parte integrante do vencimento base do Recorrente e, consequentemente, ser tido em conta no cômputo da indemnização devida.
Por seu turno, a Ré nas conclusões 2 e 9 das contra-alegaçõe também defende que a viatura automóvel e o cartão de combustível fazem parte da retribuição do Autor mas não integram a retribuição base.
Dispõe o nº 1 do artigo 396º do CT que “ Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no nº 2 do artigo 394º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.”
E o nº 2 do mesmo preceito legal refere que “No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.”
Ou seja, a indemnização é calculada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades.
Dispõe o nº 2 do artigo 258º do CT que “ A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.”
E a al.a) do nº 2 do artigo 262º do CT define a retribuição base, embora para efeitos do cálculo das prestações complementares ou acessórias, como “a prestação correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho.”
Segundo Jorge Leite, citado por João Leal Amado na obra acima referenciada, pag.307, a retribuição base é «a prestação que, de acordo com o critério das partes, da lei, do IRC, ou dos usos, é devida ao trabalhador com determinada categoria profissional pelo trabalho de um dado período realizado em condições consideradas normais ou comuns para o respectivo sector ou profissão».
Ou seja, a retribuição base é a atribuição patrimonial devida pela realização do trabalho em condições normais, dentro de um determinado período de tempo e por um trabalhador com uma determinada categoria profissional.
Sendo assim, impõe-se acompanhar o Tribunal a quo quando excluiu os benefícios resultantes da atribuição da viatura e do cartão de combustível da retribuição base.
Com efeito, contrariamente ao que alegou o Recorrente, não se provou que a atribuição da viatura automóvel e o cartão de combustível resultou de um acordo com o seu superior hierárquico como forma de este ver o seu vencimento aumentado pela contrapartida do trabalho prestado em condições comuns, nem que o Recorrente não precisava sequer do veículo automóvel para exercer as suas funções, pois as mesmas eram quase exclusivamente executadas na sede da Recorrida. O que se provou foi que “Nessas mesmas conversas o superior hierárquico do A. prometeu que ia tentar atribuir-lhe uma viatura automóvel assim que fosse possível a fim de ser compensado e como alternativa ao aumento do vencimento (facto provado 8).
Por conseguinte, embora constituindo retribuição do Autor, as referidas atribuições patrimoniais não integram a sua retribuição base, constituindo sim, como se escreve na sentença recorrida, outras prestações regulares e periódicas, razão pela qual não merece reparo a decisão do Tribunal a quo ao não incluí-las no cômputo da indemnização.
Assim, improcede, nesta parte, o recurso do Autor.
*
Analisemos, por fim, se a indemnização por antiguidade deveria ter sido graduada com base em 30 dias de retribuição base e não em 15 dias como foi.
O Tribunal a quo fundamentou o cálculo da indemnização com base em 15 dias de retribuição base nos seguintes termos:
Conforme decorre do disposto no artigo 396.º, n.º 1, do C.T., a resolução do contrato com fundamento em facto previsto no artigo 394º, nº 2, do C.T. confere ao trabalhador o direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade (ou, no caso de fracção de ano de antiguidade, o valor calculado proporcionalmente), atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades (limite mínimo que in casu não tem aplicação), podendo tal indemnização ser superior ao referido valor sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado (artigo 396º, nº 3, do C.T.); em todo o caso, a indemnização por antiguidade é devida apenas até ao momento de produção plena dos efeitos da declaração resolutória – o que, in casu, ocorreu em 17-07-2017 (cfr. carta de fls. 13) – ainda que o empregador a impugne judicialmente (neste sentido, cfr. Paula Quintas e Hélder Quintas, in Código do Trabalho Anotado, Almedina, 2.ª Edição, 2010, pág. 933), e não até ao trânsito em julgado da presente sentença como defende o Autor.
No que respeita ao montante concreto da indemnização, verifica-se que face ao contexto que motivou a retirada, inserida num quadro de contenção de custos face às dificuldades económicas da empresa e demais empresas do grupo, que estiveram na origem de um despedimento colectivo, não estamos perante uma actuação arbitrária da Ré, sendo reduzido o grau de ilicitude (embora suficientemente relevante para consubstanciar justa causa de resolução do contrato, não é, ainda assim, um comportamento que possa merecer um severo juízo de censura). O Autor já tinha mais de 17 anos de antiguidade, e a retribuição auferida não era propriamente baixa para os padrões salariais em Portugal, considerando que o salário base era de €1.880,94 (€1.504,75+€376,19), na medida em que o montante de €376,19, apesar de apelidado nos recibos de “isenção de horário”, não pretendia compensar qualquer isenção de horário que o Autor efectivamente não tinha, sendo mais uma forma de aumento salarial, paga aliás 14 vezes ao ano. Contudo, a nosso ver, não obstante integrarem a retribuição, entendemos que as componentes relativas ao veículo e cartão Galp não integram o conceito de salário base designadamente para efeitos de fixação da indemnização ora em apreço, correspondendo a outras prestações regulares e periódicas (cfr. art. 258º nº 2 do C.T.).
Tudo ponderado, reputa-se adequado fixar a indemnização devida em 15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção, sendo certo que até à resolução estão em causa 17 anos, 4 meses, e 18 dias.
Assim sendo, é devida ao autor a este título a quantia de €16.348,50 [(€1.880,94:2) x 17a + (€940,47:12x4m) + (€940,47:360x18d)].
Defende o Recorrente, em suma, que sendo a obrigação de pagar pontualmente a retribuição um dos principais deveres da entidade patronal, a falta culposa do pagamento pontual da retribuição terá forçosamente de revestir uma das formas mais graves de incumprimento do contrato de trabalho, nunca podendo ser graduada no limite mínimo e que tendo o Recorrente visto seriamente prejudicado a sua qualidade de vida, assim como a da sua família, que legitimamente se havia habituado em conformidade com o seu salário, deve a indemnização ser calculada com base em 30 dias de retribuição base.
A propósito do artigo 396º do CT e referindo-se à indemnização, escreve António Monteiro Fernandes na obra “Direito do Trabalho”, 16ª edição, Almedina, pag.531” O valor desta é calculado de harmonia com os parâmetros estabelecidos para o despedimento ilícito; trata-se de compensar os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador, dentro de uma faixa pré-definida: entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade (art.396º).”
Também sobre a indemnização a que alude o artigo 396º do CT afirma João Leal Amado, na obra citada, pag. 449: “ Em princípio o quantum indemnizatório é balizado pela lei, visto que o respectivo montante deverá ser fixado entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade. O legislador consagra, portanto uma moldura indemnizatória, com padrões mínimos e máximos de referência, devendo o tribunal atender ao valor da retribuição do trabalhador e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador em ordem a graduar a indemnização devida (n.º 1 do art.396.º). De entre os parâmetros em função dos quais a indemnização será calculada, importa ainda frisar que: i)no caso de fracção de ano ou antiguidade, o valor de referência será calculado proporcionalmente (nº 2); ii) em qualquer caso, isto é, independentemente da antiguidade do trabalhador, a indemnização nunca poderá ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades (n.º 1, in fine).
E como também elucida o Acórdão do STJ de 19.2.2013, in www.dgsi.pt. cujo entendimento temos perfilhado e que embora se reporte ao artigo 439º do CT de 2003 (actual artigo 391º do CT), mantém plena actualidade, “(…) III – A indemnização substitutiva da reintegração assume feição mista (reparadora e sancionatória), devendo ser calculada em função dos parâmetros indicados no n.º 1 do citado art. 439.º (valor da retribuição vs. grau da ilicitude), sendo o primeiro (retribuição) factor de variação inversa (quanto menor for, maior deve ser o valor/ano, dentro da latitude legalmente prevista) e o segundo (ilicitude), de variação directa.”
Na mesma linha também se afirma no Acórdão do mais alto Tribunal de 18.2.2016, igual pesquisa,”1 - Na fixação do valor da indemnização devida em consequência da resolução do contrato pelo trabalhador, com justa causa, deve ter-se em consideração o valor da retribuição e o grau de ilicitude, sendo aquele mais elevado quanto menor for a retribuição e quanto maior for a ilicitude do comportamento do empregador.
2 – Para além daqueles fatores deve ainda ter-se em consideração a forma e as circunstâncias em que a atividade foi desempenhada e bem assim a antiguidade do trabalhador.”
Ora, embora mereça a nossa concordância a afirmação do Tribunal a quo de que a retirada da viatura e do cartão de combustível não foi arbitrária e surgiu num contexto de dificuldades económicas da Ré, sendo certo, também, que a Ré adoptou medidas para que os trabalhadores pudessem utilizar viaturas de serviço para fins profissionais (cfr.factos provados 26 e 27) o que diminui a ilicitude do seu comportamento, também não é menos certo que, por um lado, não podemos fazer recair sobre o trabalhador as consequências dessa situação e, por outro lado, sendo o uso da viatura para fins profissionais meramente ocasional, tais medidas pouca relevância assumiam relativamente à situação do Autor.
Por outro lado, se é acertada a afirmação de que a retribuição do Autor situa-se acima da média, também não podemos esquecer que o Autor tem uma antiguidade superior a 17 anos e que utilizou a viatura e o cartão de combustível durante 11 anos, sempre nas mesmas condições.
Por fim, embora não estejamos perante uma situação em que é reduzida a retribuição base, a verdade é que a retirada da viatura e do cartão de combustível vai repercutir-se, necessariamente, naquela e de modo negativo, na medida em que parte dela será direccionada para os custos com as deslocações, do que resulta que a censurabilidade da conduta da Ré não pode considerar-se diminuta.
Consequentemente, a indemnização não pode ser fixada no mínimo legal, mas também não atinge o patamar que justifique que sejam considerados no seu cálculo 30 dias de retribuição base.
Assim, ponderando as referidas circunstâncias, entendemos que a indemnização deve fixar-se em 20 dias de retribuição base e diuturnidades.
Consequentemente é devida ao Autor a quantia de €21.798,01 apurada do seguinte modo:
(€1.880,94 x 20:30) = 1.253,96 x 17 anos = €21.317,32
€1253.96 : 12x4meses = €417,99
€1253.96:360x18dias = €62,70
Em face do exposto, procede parcialmente o recurso do Autor.
*
Analisemos, por fim, a questão suscitada no recurso subordinado apresentado pela Ré e que consiste em saber se no caso do Tribunal de recurso eliminar, ou não, o facto provado em 18 e mantiver a decisão de considerar que há justa causa de resolução do contrato de trabalho e condenar a Ré a pagar ao Autor uma indemnização por antiguidade, se deve deixar de considerar como fazendo parte da retribuição base o valor mensal de €376,19 de isenção de horário de trabalho.
Ora, este Tribunal entendeu manter o facto provado 18 nos seus precisos termos, bem como considerou que há justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Mas desde já adiantamos que a pretensão da Recorrente não pode proceder.
Com efeito, ficou provado que o Autor e a Ré acordaram que o valor relativo à isenção de horário seria uma forma de aumento salarial. (facto provado 18).
Por outro lado, não se provou que o Autor tivesse efectivamente isenção de horário de trabalho. Aliás, no facto provado 20 ficou consignado que o Autor tinha um horário de trabalho. Donde, o valor pago a título de isenção de horário de trabalho é apenas e tão só uma parcela do vencimento base, embora encapotado pela designação de isenção de horário de trabalho.
Consequentemente, não merece censura a decisão do tribunal a quo ao integrar no cálculo da indemnização o valor pago a título de isenção de horário de trabalho, termos em que improcede o recurso subordinado do Autor.
Por fim, uma vez que ocorreu justa causa de resolução do contrato de trabalho não estava o Autor obrigado ao aviso prévio, nada sendo devido à Ré a esse título.
Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes que integram este Tribunal em:
- Julgar parcialmente procedente o recurso da matéria de facto apresentado pela Ré.
- Julgar os recursos, independente e subordinado, apresentados pela Ré, improcedentes e confirmar a sentença recorrida nessa parte.
-Julgar o recurso do Autor parcialmente procedente e, em consequência, revogar a alínea c) do dispositivo da sentença e condenar a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização por antiguidade, a quantia de €21.798,01 (vinte e um mil setecentos e noventa e oito euros e um cêntimo), acrescida de juros de mora à taxa legal, devidos desde a data da citação e até integral pagamento.
- No mais, manter a sentença recorrida.
Custas dos recursos da Ré pela Ré.
Custas do recurso do Autor por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 26 de Junho de 2019
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
José António Santos Feteira
Decisão Texto Integral: