Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | VIEIRA LAMIM | ||
Descritores: | DEPÓSITO BANCÁRIO APREENSÃO CRIMINALIDADE ORGANIZADA CRIMINALIDADE ECONÓMICO-FINANCEIRA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/23/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
Sumário: | I – A restrição de direitos, decorrente da apreensão de um depósito bancário, não é equiparável à restrição de direitos pessoais derivada da aplicação de uma medida de coacção, estando esta sujeita a prazos, cujo decurso, só por si, conduz à sua extinção, o que não é aplicável àquela. II – No depósito bancário, o que está em causa são direitos, que não se encontram na disponibilidade imediata do titular, mas de um terceiro que os detém com base num contrato, razão por que, com o levantamento da apreensão, não existe uma verdadeira “restituição”, mas tão só a cessação de uma limitação aos direitos decorrentes de tal contrato. III - A apreensão de depósito bancário tem preceito próprio - o art. 181.º, do CPP, que prevê as situações que poderão justificar a sua determinação e manutenção, ou seja, a existência de fundadas razões para crer que estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade. IV- A manutenção da apreensão do depósito bancário, não se justifica, apenas, como meio de prova dos respectivos montantes, mas também como forma de serem alcançados os fins previstos pela lei. V - Estando em causa crimes abrangidos pela Lei nº 5/02, de 11/01, diploma que criou um regime especial visando combater a criminalidade organizada e económico-financeira – a qual, em regra, usa o sistema financeiro para a sua actividade –, só a manutenção da apreensão dos depósitos bancários até uma decisão de mérito permite alcançar os fins pretendidos por esse regime jurídico, o que se apresenta proporcional, atentos os meios que os agentes deste tipo de criminalidade colocam ao serviço da sua actividade ilícita e adequado, de outro modo os agentes facilmente colocariam os meios financeiros relacionados com a actividade ilícita fora do alcance de uma execução, com prejuízo para a descoberta da verdade, ou seja, para a realização da justiça. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº 1. No processo de inquérito nº206/00.2JELSB, do Tribunal Central de Instrução Criminal, na sequência de requerimento apresentado por “A- Agência de Câmbios, Lda” e E, requerendo a restituição dos saldos bancários apreendidos, foi proferido despacho em 18Junho07, com o seguinte teor: “.... "A - Agência de Câmbios, Lda" e E, através de requerimento, que ora constitui fls. 2277 a 2280, vieram requerer a restituição de todas as quantias apreendidas à ordem dos presentes autos de inquérito.
* * * IIº 1. Por despacho de 9Dez.04, proferido pelo Mmo. JIC, foi considerado indiciada a prática de crimes de actividade ilícita de recepção de depósitos (art.200, do Dec. Lei nº298/92, de 31Dez.- Regime Geral das Instituições de Crédito), fraude fiscal qualificada (arts.103, nº1, al.b, e 104, nº1, al.f, do RGIT), branqueamento de capitais (art.361 A, nºs1 e 2, do CP) e ordenada a colocação sob controlo de determinadas contas bancárias, ao abrigo do disposto no art.4, nºs2 e 4, da Lei nº5/02, de 11Jan.Esse controlo permitiu apurar que essas contas, em pouco mais de um mês, registaram transferências para os Estados Unidas da América e para Hong Kong, no valor de USD 5.110.606,00, o que justificou despacho de 28Jan.05, determinando a apreensão do saldo das mesmas, ao abrigo do art.181, nº1, do CPP. Decorridos mais de dois anos sobre a notificação desse despacho, os arguidos requereram o levantamento dessa apreensão, na sequência do que foi proferido o despacho recorrido. Alegam os recorrentes que, tendo decorrido o prazo máximo de inquérito sem acusação, deixaram de existir as razões que estiveram na base da apreensão. Contudo, como é sabido, a nossa lei não atribui qualquer significado ao decurso daquele prazo sem dedução de acusação, não sendo legítimo daí concluir que diminuíram ou deixaram de se verificar os indícios da prática de determinados ilícitos. O excesso daquele prazo apenas pode originar responsabilidade disciplinar ou justificar o recurso a incidente de aceleração processual. É certo que uma apreensão, representa uma restrição ao direito de propriedade privada (art.62, da CRP). Porém, essa restrição está justificada, no caso em apreço, pela necessidade de satisfação de um interesse superior- a realização da justiça. Essa restrição, relativa ao direito de propriedade, não é equiparável às restrições de direitos pessoais, nomeadamente da liberdade, caso em que a constituição prevê a existência de prazos (art.29, nº4, da CRP), determinados no art.215, do CPP e cujo decurso, só por si, conduz à extinção da medida restritiva da liberdade. Embora o decurso dos prazos de inquérito não conduzam, automaticamente, ao levantamento das apreensões ordenadas, terão de existir regras que permitam esse levantamento, quando o interesse da realização da justiça deixe de justificar tal restrição de direitos. Alegam os recorrentes que, não tendo as quantias depositadas em contas bancárias grande interesse para a prova, porque a prova a produzir é essencialmente documental, tornam-se desnecessárias para o exercício da acção penal, devendo ser restituídas nos termos do art.186, nº1, do CPP. Este preceito prescreve “logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito”. O apelo a este preceito não nos parece correcto, em relação à apreensão de depósitos bancários, desde logo porque o termo “objecto” não se adequa a direitos daquela natureza. Na verdade, no depósito bancário o que está em causa são direitos, que não se encontram na disponibilidade imediata do titular, mas de um terceiro que os detém com base num contrato, razão por que, com o levantamento da apreensão, não existe uma verdadeira “restituição”, mas tão só a cessação de uma limitação aos direitos decorrentes de tal contrato. A apreensão de depósito bancário tem preceito próprio, o art.181, do CPP, que prevê as razões que a poderão justificar, devendo o levantamento ocorrer quando as mesmas cessam. E, como decorre deste preceito, a apreensão de valores ou quantias em estabelecimento bancário, deve ser ordenada quando o juiz tiver fundadas razões para crer que estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova. Assim, ao contrário do previsto no art.186, citado pelos recorrentes, não será de ponderar, apenas, a necessidade para efeitos de prova, mas também o interesse para a descoberta da verdade. Aliás, a aceitar-se a interpretação dos recorrentes, nunca se justificaria a apreensão de quantias monetárias em estabelecimentos bancários, pois bastaria que estes certificassem documentalmente o saldo existente e haveria prova suficiente. Contudo, outras razões poderão justificar a manutenção da apreensão, que não a simples prova dos respectivos montantes. Em relação ao caso em apreço, é preciso ter presente que estão em causa crimes abrangidos pela Lei nº5/02, de 11Jan. (Estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira), diploma que alterou, não só as regras processuais, como também algumas regras substantivas, relativas à perda de bens a favor do Estado. O legislador, considerando que nem sempre se afigura fácil a prova de que, os bens patrimoniais dos arguidos em certos crimes organizados ou económico-financeiros, são vantagens provenientes da actividade ilícita e, portanto, sujeitos a perda a favor do Estado, nos termos dos arts.109 a 111 do CP, veio estabelecer algumas regras que impedem os agentes criminosos de se refugiarem, quanto a esse aspecto, numa mera aparência de legalidade, ou de pretenderem prevalecer-se da dúvida, consagrando no art.7 uma presunção sobre a origem das vantagens obtidas pelo agente. Ora, existindo um regime especial que visa combater este tipo de criminalidade, que em regra usa o sistema financeiro para a sua actividade, não faria sentido levantar as apreensões de depósitos bancários, por existir outra forma de os provar, o que na prática significaria deixar sem utilidade aquele regime especial, na medida em que os agentes facilmente colocariam os meios financeiros relacionados com a actividade ilícita fora do alcance de uma execução, com prejuízo para a descoberta da verdade, ou seja, para a realização da justiça. A manutenção da apreensão não é desproporcionada, atentos os meios que os agentes deste tipo de crimes colocam ao serviço da sua actividade ilícita, nem desadequada, antes se apresentando como a única susceptível de permitir alcançar os fins pretendidos por legislação aprovada com intenção de combater esta específica criminalidade. Esta limitação ao direito de propriedade, em nada viola o princípio da presunção de inocência, uma vez que não representa qualquer antecipação da pena e visa, apenas, alcançar outras finalidades relacionadas com a boa administração da justiça, recaindo sobre a acusação o ónus de provar em julgamento os elementos típicos dos crimes que vierem a ser imputados aos arguidos. Também não se justifica o apelo a violação do direito a um processo célere, pois a manutenção da apreensão em nada prejudica tal celeridade. Em conclusão, justificando o interesse na descoberta da verdade que se mantenha a apreensão dos depósitos bancários oportunamente ordenada e tendo essa manutenção apoio no art.181, nº1, do CPP, deve ser confirmado o despacho recorrido. * * * IIIº DECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido. (Relator: Vieira Lamim) (1º Adjunto: Ricardo Cardoso) (2º Adjunto: Filipa Macedo) |