Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | FERNANDA ISABEL PEREIRA | ||
| Descritores: | ARRESTO INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 04/26/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | I - No requerimento de arresto deve o credor alegar factos tendentes à formulação de um juízo de probabilidade da existência do crédito e justificativos do receio invocado. Na fórmula genuína do «justo receio de perder a garantia patrimonial» cabe uma variedade de casos, tais como os de receio de fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens e de situação deficitária, não bastando que o requerente se limite a alegar meras convicções, desconfianças ou suspeições de tais situações.” II – Se a requerente limitou-se a alegar que os requeridos «andam praticando actos comerciais abusivos», que «levam já a algum tempo uma vida comercial irregular, no sentido de pretenderem dissipar os bens» e que a sua situação económica é «muito precária devido à crise que se verifica e que se instalou no país e que é do conhecimento geral» não cumpriu, a requerente, o ónus de alegação fáctica que sobre ela impendia, uma vez que não integra factos concretos passíveis de prova e que possam conduzir à demonstração, ainda que sumária, do perigo da insatisfação do direito invocado (artigos 342º nº 1 do Código Civil e artigos 264º nº 1 e 467º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil) (F.G.) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: I intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Almada o presente procedimento cautelar de arresto contra E, Lda., A, pedindo que fosse decretado o arresto do veículo com a matrícula 51-82-TP e o congelamento do pagamento da indemnização devida pelo acidente ocorrido com o veículo de matrícula 51-82-TP, bem como da entrega dos documentos dos referidos veículos, notificando-se para esse efeito a Companhia de Seguros AXA e a BBVA Lesimo - Sociedade de Locação Financeira, SA. Alegou, em síntese, que liquidou os valores em dívida relativos aos contratos de locação financeira dos veículos de matrícula TP e TR celebrados entre a B - Sociedade de Locação Financeira, SA., e a requerida E, Lda., da qual o requerido A é o único sócio, e que os requeridos não a ressarciram da quantia paga, pretendendo, inclusive, receber da companhia de seguros a indemnização pela perda do segundo veículo e obter da locadora financeira a documentação respeitante aos dois veículos. Mais alegou que os requeridos «andam praticando actos comerciais abusivos», que «levam já a algum tempo uma vida comercial irregular, no sentido de pretenderem dissipar os bens» e que a sua situação económica é «muito precária devido à crise que se verifica e que se instalou no país e que é do conhecimento geral». O requerimento inicial foi indeferido liminarmente com fundamento na manifesta improcedência do pedido por não ter sido alegada factualidade integradora da existência de justificado receio de perda da garantia patrimonial. Desta decisão agravou a requerente, sustentando nas conclusões da respectiva alegação de recurso o seguinte: 1.ª Para que o procedimento cautelar seja julgado procedente, é necessário apenas a prova indiciária da probabilidade séria da existência do direito. 2.ª Esse direito resulta do direito de crédito da, ora Agravante, face aos Agravados, no qual, estes últimos, após várias interpelações para cumprir, não o fizeram até à presente data. 3.ª O crédito surge pelo facto de os Agravados incumprirem com as obrigações emergentes de dois contratos de locação financeira para aquisição de dois veículos automóveis marca BMW, para o qual estavam obrigados. 4.ª Sendo que a Agravante, tem aqui interferência, no sentido em que subscreveu uma Carta de Penhor de Unidades de Participação do Fundo de Poupança, como garante de todas as responsabilidades e obrigações emergentes dos contratos de locação financeira atrás mencionados. 5.ª Atendendo ao facto de que os aqui Agravados, desde Junho de 2006, nunca mais liquidaram as prestações devidas ao Leasing, a Agravante viu-se obrigada a liquidar os valores em dívida – € 28.308,47 (vinte e oito mil trezentos e oito euro e quarenta e sete cêntimos) –, caso contrário, a “B, S.A.”, iria proceder ao resgate de Unidades de Participação do Fundo PPR dadas como garantia. 6.ª Com efeito, daqui resulta a existência do crédito da Agravante, isto é, o “fumus boni juris”. 7.ª Por outro lado, o facto de os Agravados desde algum tempo a esta parte, exercerem pressão sobre a “B, S.A.”, para lhes facultar os documentos dos veículos de forma a apresentá-los junto da Companhia de Seguros e aí serem ressarcidos da indemnização devida pela perda total do veículo acidentado, no valor estimado em € 16.000,00 (dezasseis mil euro); 8.ª Bem como, o facto de pressionarem a aqui Agravante, para que lhes devolva a posse do veículo BMW TP, que a Agravante tem em sua posse, desde 07/12/2006, a título de Direito de Retenção ainda não legitimado pela presente via; 9.ª Assim como, se pode concluir que, face a uma eventual situação económica precária dos Agravados e de levarem já a algum tempo, uma vida comercial irregular, no sentido de pretenderem dissipar os bens, ficando, desta forma, sem meios para liquidar a dívida para com a Agravante; 10.ª Leva-nos a concluir, perante toda esta factualidade, que existe um justo receio de que a demora na resolução definitiva do litígio ponha em causa a garantia do crédito – “periculum in mora” –, que a Agravante tem um fundado receio de que poderá vir a perder aquela garantia patrimonial do seu crédito. 11ª De igual modo e face ao factualismo exposto, não se pode no caso em concreto, exigir à Agravante que tenha um conhecimento integral sobre o estado económico dos Agravados, tão somente porque, existindo o crédito que se provou existir relativo aos bens em causa bem como ao facto dos Agravados pretenderem ter a posse quer dos documentos quer do veículo, objecto dos contratos, à Agravante cabe-lhe a legitimação do direito de retenção sobre os bens objecto dos contratos até decisão final da acção principal. Termos em que deverá ser reparado o agravo e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue o procedimento cautelar totalmente procedente. Não houve contra alegação. Foi proferido despacho tabelar de sustentação. Dispensados os vistos, cumpre decidir. 2. Fundamentos: Balizado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da recorrente, delas emerge como questão nuclear a decidir saber se ocorrem, no caso, os pressupostos necessários à decretação da providência requerida, em particular, o justo receio de perda da garantia patrimonial. A providência cautelar de arresto tem por finalidade específica garantir a realização de uma pretensão e assegurar a sua execução, podendo ser requerida pelo credor que demonstre a probabilidade da existência do seu crédito e tenha justo receio de perda da sua garantia patrimonial (artigo 406º do Código de Processo Civil e artigos 601º e 619º do Código Civil). Destina-se a providência de arresto a acautelar o periculum in mora resultante da normal tramitação do processo em que se discute o direito de crédito e traduz-se numa apreensão judicial de bem (ou bens) tendente à garantia desse mesmo crédito, cuja existência se verifique a nível de uma indagação sumária. Para que seja legítimo o recurso a este meio conservatório da garantia patrimonial é necessário, pois, que concorram duas circunstâncias condicionantes: a aparência da existência de um direito de crédito e o perigo da insatisfação desse direito. Não é necessário que o direito esteja plenamente provado, mas apenas que dele exista um mero fumus boni juris, ou seja, que o direito se apresente como verosímil. Não é, igualmente, necessária a certeza de que a perda da garantia se torne efectiva com a demora, mas apenas que haja um receio justificado de tal perda virá a ocorrer.(3) O critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, isto é, em simples conjecturas, antes devendo basear-se “...em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.”(4) O justo receio de perda da garantia patrimonial ocorre sempre que o devedor adopte, ou tenha o propósito de adoptar, conduta, indiciada por factos concretos, relativamente ao seu património susceptível de fazer recear pela solvabilidade do devedor para satisfazer o direito do credor. A actual ou iminente superioridade do passivo relativamente ao activo, a ocultação do património, a alienação ou a expectativa de alienação ou de transferência do património, são, entre outros, sinais de que pode resultar o justo receio de perda da garantia patrimonial. Não se exige para que seja legítimo o recurso a este meio conservatório da garantia patrimonial que exista certeza de que a perda da garantia se vai tornar efectiva com a demora da acção, bastando que se verifique um justo receio de tal perda vir a concretizar-se(5). Seguindo a doutrina do Acórdão do STJ de 20.01.2000, “no requerimento de arresto deve o credor alegar factos tendentes à formulação de um juízo de probabilidade da existência do crédito e justificativos do receio invocado. Tal «receio», para ser considerado «justo» há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não afastando o receio meramente subjectivo, porventura exagerado do credor, de ver insatisfeita a prestação a que tem direito. Na fórmula genuína do «justo receio de perder a garantia patrimonial» cabe uma variedade de casos, tais como os de receio de fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens e de situação deficitária, não bastando que o requerente se limite a alegar meras convicções, desconfianças ou suspeições de tais situações.”(6) In casu, a requerente alegou a existência de um direito de crédito sobre os requeridos decorrente do pagamento da quantia de € 28.308,47 em dívida relativa aos contratos de locação financeira dos veículos de matrícula TP e TR celebrados entre a B, SA., e a requerida E, Lda., da qual o requerido A é o único sócio. Esse pagamento, segundo o alegado, resultou da posição de garante assumida pela requerente naqueles contratos, não a tendo os requeridos ressarcido da quantia paga à locadora financeira. Esta factualidade, se demonstrada indiciariamente, é susceptível de revelar num juízo de verosimilhança o direito de crédito da requerente, estando apenas em causa saber se a requerente alegou factos integradores do justo receio de perda da garantia patrimonial desse direito. Nesse particular a requerente limitou-se a alegar que os requeridos «andam praticando actos comerciais abusivos», que «levam já a algum tempo uma vida comercial irregular, no sentido de pretenderem dissipar os bens» e que a sua situação económica é «muito precária devido à crise que se verifica e que se instalou no país e que é do conhecimento geral». Os factos abrangem as ocorrências concretas da vida real, o estado, a qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas(7). Com esta alegação, de pendor exclusivamente genérico e conclusivo, a requerente não cumpriu, claramente, o ónus de alegação fáctica que sobre ela impendia, uma vez que não integra factos concretos passíveis de prova e que possam conduzir à demonstração, ainda que sumária, do perigo da insatisfação do direito invocado (artigos 342º nº 1 do Código Civil e artigos 264º nº 1 e 467º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil). Não alegou designadamente a requerente factos que evidenciem que os requeridos não têm outro património, para além do que pretende ver arrestado, para solver os seus compromissos, nomeadamente para com a requerente, ou que, tendo-o, pretendem dele desfazer-se, colocando em risco a possibilidade de a requerente obter a satisfação do seu direito de crédito. E sem a alegação e ulterior prova (sumária) de factualidade concreta consubstanciadora do requisito em causa - justo receio de perda da garantia patrimonial -, não pode decretar-se a providência requerida, pelo que tem de concluir-se, como se concluiu no despacho recorrido, pela manifesta improcedência do pedido formulado, fundamento bastante para o indeferimento liminar da petição, admissível nos procedimentos cautelares (artigos 234º nº 4 al. b) e 234º-A nº 1 do Código de Processo Civil). A idêntica solução se chegaria mesmo que se considerasse que os pedidos formulados em segundo e terceiro lugar (ou apenas algum deles) se integram no âmbito do procedimento cautelar comum, caso em que se estaria perante uma cumulação de providências cautelares possível de acordo com o disposto no artigo 392º nº 3 do Código de Processo Civil. Isto porque sempre faltaria a necessária alegação de factos concretos integradores da lesão grave e dificilmente reparável do direito da requerente, requisito indispensável à luz da previsão do artigo 381º nº 1 do citado código. Improcedem, assim, as conclusões da alegação da recorrente, na totalidade. 3. Decisão: Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento ao agravo e confirmar o despacho recorrido. Custas pela agravante. 26 de Abril de 2007 (Fernanda Isabel Pereira) (Maria Manuela Gomes) (Olindo dos Santos Geraldes) ______________________________________ 1 In http://www.dgsi.pt/jstj. 2 Cfr. A. Reis, Código de Processo Civil anotado, 3ª ed., vol. III, págs. 206 e 207, e A. Varela, M. Bezerra, S. e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 406 e 407. 3 Cfr. P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. 637. 4 Cfr. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV vol., 2ª ed., pág. 187. 5 Cfr. P. Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 1967, pág. 452. 6 In http://www.dgsi.pt/jstj. 7 Cfr. A. Reis, Código de Processo Civil anotado, 3ª ed., vol. III, págs. 206 e 207, e A. Varela, M. Bezerra, S. e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 406 e 407. |