Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4361/10.5TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PERICIA MEDICA
EXAMES E PARECERES COMPLEMENTARES
PEDIDO
ESCLARECIMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A SENTENÇA
Sumário: I - A realização de perícias destina-se à perceção ou apreciação de factos por peritos, sempre que sejam necessários conhecimentos especiais que o juiz não domine, de forma que este, posteriormente, possa pronunciar-se de uma forma cabal sobre determinada realidade da vida;
II - As perícias, designadamente as feitas por junta médica, constituindo elementos de prova estão, também elas, sujeitas ao princípio basilar da livre apreciação pelo juiz (art. 389º do Código Civil e 607º n.º 5 do Código de Processo Civil), mesmo quando o respetivo laudo tenha sido emitido por unanimidade;
III- As asserções e conclusões dos senhores peritos contidas nos respetivos laudos não se podem sobrepor àquele princípio, devendo o julgador exercer sobre elas um juízo crítico, segundo a sua experiência, a sua prudência e o seu bom senso, podendo delas divergir desde que o faça fundamentadamente;
IV - Em ação emergente de acidente de trabalho, impõe-se ao julgador que, no desempenho das funções que lhe competem e sobretudo no exercício do mencionado juízo crítico, leve em consideração não só as perícias colegiais ou singulares que, porventura, tenham sido levadas a efeito na pessoa do sinistrado, mas também todos os elementos probatórios, designadamente exames ou pareceres complementares ou pareceres técnicos que tenham sido carreados para o processo e que se mostrem relevantes na decisão da causa, ainda que possa dar natural prevalência à prova recolhida através de exames periciais feitos por junta médica atendendo à colegialidade da sua composição e consequentemente à solidez das opiniões ou pareceres emitidos pelos senhores peritos sobre as questões relativamente às quais foram chamados a pronunciar-se;
V - No caso em apreço, face aos exames complementares de diagnóstico do foro de otorrinolaringologia existentes no processo quando confrontados com os exames médicos por junta médica dessa especialidade e tendo em consideração as incongruências notadas entre uns e outros a carecerem de cabal esclarecimento, tal importou na anulação da sentença recorrida, de forma que os autos voltassem à 1ª instância a fim de ser convocada a junta médica com o objetivo de esclarecer tais incongruências, com a consequente elaboração de nova sentença pronunciando-se sobre a natureza e grau de incapacidade de que a sinistrada tenha ficado afetada em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima.
(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório

Nos presentes autos de ação emergente de acidente de trabalho, com processo especial, em que é sinistrada AAA, residente na Rua … e responsáveis, na proporção de 50% cada uma, as seguradoras BBB S.A., com sede na Rua de … em Lisboa e CCC, S.A., com sede … em Lisboa, após participação de sinistro efetuada em 16/11/2010 pela primeira das mencionadas seguradoras e desenvolvida a fase conciliatória do processo sob a direção do Ministério Público, foi levada a efeito a tentativa de conciliação a que se alude no art. 108º do Código de Processo do Trabalho, com a intervenção da sinistrada, dos representantes das mencionadas seguradoras e ainda da DDD, S.A., enquanto entidade patronal da sinistrada.

Essa tentativa de conciliação não logrou, contudo, obter êxito, porquanto, tendo a sinistrada sido submetida a exame médico singular no dia 23/02/2011, o senhor perito médico do Tribunal atribuí-lhe uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) com o coeficiente de desvalorização de 21,6%, com base no Capítulo I - 1.1.1. b) e Capítulo III - 3.2 da TNI e com alta definitiva desde 08/11/2010, incapacidade que merecendo a concordância da sinistrada, não foi, porém, aceite, quer pelas responsáveis seguradoras, quer pela entidade patronal da sinistrada.

Estas responsáveis declararam, no entanto, aceitar o acidente dos autos (acidente de viação ocorrido em 23-09-2009) como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas pela sinistrada, bem como o salário declarado por esta (€ 1.491,94 x 14 meses + € 249,26 x 11 meses, a título de subsídio de alimentação + € 165,20 x 12 meses, a título de outras remunerações), retribuição que, como se refere no auto de tentativa de conciliação, se encontrava totalmente transferida para as seguradoras (v. fls. 93).

Não conciliadas as partes, a seguradora BBB,S.A. requereu em Tribunal que a sinistrada fosse submetida a exame médico por junta médica, formulando os correspondentes quesitos.

Designada data para exame médico por junta médica e realizada esta em 06-07-2011, os senhores peritos, tendo observado a sinistrada e por esta apresentar síndroma vertiginoso intenso, pronunciaram-se no sentido de haver necessidade de a submeter a exames complementares das especialidades de ORL e de Neurocirurgia.

Efetuados esses exames, bem como outros complementares de diagnóstico sugeridos pelas referidas especialidades (v. fls. 155 a 157, fls. 173 a 180, fls. 185 e fls. 186 a 188) e convocada, de novo, a junta médica esta veio a pronunciar-se no sentido de ser necessária a realização de junta médica da especialidade de ORL à sinistrada por notada discrepância entre os vários relatórios clínicos juntos ao processo.

Efetuada esta junta médica, os senhores peritos, após haverem solicitado, também eles, a realização de diversos exames complementares de diagnóstico à sinistrada (videonistagmograma, audiograma e posturografia de fls. 279, 280 a 288, fls. 319 a 322, fls. 341, fls. 365 a 369) declararam em auto elaborado em 28/03/2016 (fls. 449 a 451) o seguinte: - «Reunida a JM e após observação das ECD conforme folhas dos autos pag. 44, 87 e 133, delibera-se por unanimidade haver uma disfunção vestibular complexa (periférica e central) envolvendo as diversas vertentes de equilíbrio, inclusive a integração central. Alterações estas que têm demonstração/tradução eletrofisiológica conforme os exames supra citados», pelo que respondendo aos quesitos de fls. 96 Quesitos formulados pela seguradora no requerimento de junta médica com que se deu início à fase contenciosa., consideraram que, nessa especialidade de ORL, a sinistrada ficara afetada de uma IPP de 6% com base no Capítulo IV - 10 b) da TNI.

As partes foram notificadas do resultado desta junta médica (cfr. fls. 452 a 458).

Agendada data para a continuação da junta médica inicial e realizada a mesma em 07/09/2016, consignou-se no respetivo laudo (fls. 484 e 485) o seguinte:

«Resposta a quesitos (fls. 96):

A JM por maioria (peritos da entidade responsável e do Tribunal) homologar a resposta aos quesitos respondidas em JM de ORL a fls. 449 e 450, sendo a IPP final a atribuída no quadro anexo, tendo em conta as sequelas acrescidas do foro neurocirúrgico (cfr. Parecer a fls. 185).

O perito da sinistrada compromete-se a entregar no prazo de 8 dias úteis esclarecimentos da sua posição».

Em quadro anexo a este laudo atribuiu-se à sinistrada (por maioria) uma IPP com um coeficiente global de incapacidade de 9,76%, com base no Capítulo IV – 10 b) e no Capítulo I – 1.1.1 b) da TNI.

As partes foram notificadas do resultado desta junta médica (v. fls. 486 a 488).

Por sua vez, em 23/09/2016 o senhor perito médico da sinistrada apresentou requerimento (fls. 502 e 503) no qual expressou a sua posição nos seguintes termos:

« …, Médico, portador da cédula profissional n.º 19518 e presente, como Perito Médico da sinistrada, Sr.ª D. … na junta médica de 07 de setembro de 2016, vem, respeitosamente, discordar da opinião expressa pelos restantes Peritos Médicos, presentes na referida Junta, pelos factos que a seguir enumera:

1- A sinistrada foi presente, a Auto de Exame Médico, no Tribunal do Trabalho de Cascais, em 23 de Fevereiro de 2011, tendo-lhe sido atribuída uma IPP de 21,6%, valor que a Companhia de Seguros, alegadamente, não terá aceite;
2- Submetida a Exame por Junta Médica, em 06 de Julho de 2011, a referida junta entendeu que para melhor esclarecimento dos factos, deveria ser observada em Otorrinolaringologia e Neurocirurgia;
3- Submetida, no dia 19 de Dezembro de 2011, a exame de neurocirurgia, por determinação do Tribunal e realizado por Médico indicado pelo Tribunal – exame este que ficou concluído após exames complementares de diagnóstico solicitados – tendo-lhe sido atribuída, por lesões neurocirúrgicas, uma IPP de 0,04, Cap. III. B;
4- Submetida, no dia 10 de Julho de 2012, a exame de otorrinolaringologia, por determinação do Tribunal e realizado por Médico indicado pelo Tribunal – exame este que ficou concluído após exames complementares de diagnóstico solicitados – tendo-lhe sido atribuída uma desvalorização de 16%, Cap. IV, n.º 8.1.1 e n.º 9.C, com uma IPP de 16%;
5- Submetida a exame, por junta médica, em 06 de Fevereiro de 2013, a opinião expressa pelo Médico de otorrinolaringologia, e supra referida, não foi atendida (o que não se compreende, pois que tal exame a que a Sinistrada foi submetida, fora determinado pelo mesmo Tribunal?!) e foi, então, a Sinistrada enviada para uma Junta Médica de otorrinolaringologia;
6- Junta esta que teve lugar em 28 de Março de 2016, e que, curiosamente, não atendeu, tendo omitido a sua existência e documentada nos autos, à sintomatologia, já expressa e admitida no exame de otorrinolaringologia determinado pelo Tribunal que refere Hipoacúsia (diminuição da acuidade auditiva), Acufenos (zumbidos nos ouvidos), apenas tendo valorizado as Vertígens, ou seja, apenas foi atendida uma parte do conjunto das lesões já assumidas e comprovadas medicamente nos autos!!!
7- O valor da Incapacidade pelas lesões neurocirúrgicas não é contestado;
8- Acresce referir que, no Exame do Instituto de Medicina Legal, realizado pela Sinistrada em 01 de Agosto de 2014, no âmbito de processo cível (com base no mesmo acidente) e reconhecendo a diferença do Código Processual, o referido exame entende a sintomatologia que não foi atendida na Junta Médica de Otorrinolaringologia referida no ponto 6;
9- Curiosamente, neste exame do INML, a incapacidade, embora expressa em pontos, é quase coincidente com o resultado do exame singular referido no ponto 1 supra descrito!!!
Assim, face a todo o supra exposto, mormente às discrepâncias supra evidenciadas, solicita-se a V.ª Ex.ª que Sinistrada seja submetida a um exame singular no Instituto Nacional de Medicina Legal».

Em 7 de dezembro de 2016 a junta médica inicial, convocada de novo, emitiu laudo (fls. 521 e 522) em que declara o seguinte: - «A JM entende por maioria (perito do Tribunal e da entidade responsável) manter a decisão proferida pelos mesmos em JM a fls. 484 e 485.

O perito em representação do sinistrado mantém o proferido pelo mesmo a fls. 502 e 503.

IPP atribuída em JM de fls. 484 e 485».

As partes foram notificadas do resultado desta junta médica (v. fls. 523 e 524).

Na sequência desta junta médica foi proferida sentença em 07/01/2017, a qual culminou com a seguinte decisão:

«Por todo o exposto:

a. Fixa-se em 9,76% a incapacidade permanente parcial do(a) sinistrado(a) AAA;

b. Condenam-se as BBB e CCC a pagar ao(à) sinistrado(a), na proporção de 50%, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 1749,77 (mil, setecentos e quarenta e nove euros e setenta e sete cêntimos), devida desde 09-11-2010, acrescido de juros de mora desde a mesma data, à taxa legal supletiva em vigor, que atualmente é de 4% ao ano, até integral pagamento.

Valor: € 24 969,25 (vinte e quatro mil, novecentos e sessenta e nove euros e vinte e cinco cêntimos) - art. 120.º, n.os 1 e 2, do CPT.

Custas pelas BBB e CCC, na proporção de metade – art. 527.º, n.º 1 do CPC e 1.º, n.º 2, al a), do CPT.

Oportunamente, proceda ao cálculo do capital de remição.».

Inconformada com esta sentença, dela veio a Autora e sinistrada AAA interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:

1) A Douta Sentença proferida radica em erro de pressupostos de facto e de direito;

2) A Junta Médica de 28 de Março de 2016 é irregular, inquinando todo o processado a posteriori;

3) A Junta Médica de 07 de Setembro de 2016 teve lugar sem que a Mandatária da Sinistrada houvesse sido notificada do teor da Junta Médica de 28 de Março de 2016;

4) A Douta Sentença não se pronunciou quanto às questões suscitadas pelo Sr. Perito Médico indicado pela Sinistrada e em representação da mesma, quanto às incoerências, insuficiência e omissão de avaliação, análise e pronúncia das lesões reais e efetivas por parte da Junta Médica da especialidade;

5) A IPP de 9,76% fixada na Douta Sentença atende apenas a parte das lesões existentes e documentadas nos autos, sendo que da análise do acervo da prova produzida e carreada para os autos, tal IPP resulta num valor superior a 20%

6) Nesta conformidade, e face a todo o supra exposto, requer-se a Vªs Exªs que seja a Douta Decisão recorrida revogada e substituída por outra que atenda à totalidade das lesões da sinistrada e, consequentemente, fixe uma IPP no valor correspondente às mesmas, seguramente acima dos 20%, assim se fazendo JUSTIÇA.

Todavia, Vªs Exªs decidirão conforme for DE LEI E JUSTIÇA.

Não houve contra-alegação de recurso.

Admitido o recurso na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito, remetidos os autos a esta 2ª instância e mantido o mesmo, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 87º do CPT, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer a fls. 575 dos autos no sentido de merecer provimento o recurso interposto.

Pelas razões que constam de fls. 579 dos autos foram dispensados os vistos dos Exmos Adjuntos.

Cumpre, pois, apreciar e decidir do mérito do recurso em causa.

Apreciação

Dado que, como se sabe, são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto perante o Tribunal ad quem, em face do recurso interposto pela Autora e sinistrada AAA sobre a sentença recorrida, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes:

Questões de recurso:

· Irregularidade da junta médica levada a efeito em 28 de Março de 2016 e realização da junta médica de 7 de setembro de 2016 sem notificação à Autora do resultado daquela outra;
· Omissão de pronúncia da sentença recorrida quanto a questões suscitadas pelo perito médico da sinistrada atinentes a incoerências, insuficiência e omissão de avaliação, análise e pronúncia das lesões reais por parte da junta médica de especialidade de ORL;
· Insuficiência da Incapacidade Permanente Parcial (IPP) atribuída à sinistrada face ao acervo da prova produzida e carreada para o processo e consequências daí decorrentes tendo em consideração a sentença recorrida.

Questão prévia:

§ Da admissibilidade da junção de documento com as alegações de recurso

Fundamentos de facto.

Em 1ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:

1. No dia 23-09-2009, quando se deslocava no seu veículo para o seu local de trabalho, ao serviço de DDD, A., AAA, foi embatida por outro veículo;
2. De que resultou raquialgia residual (sem indicação vertiginosa);
3. Em consequência ficou afetado(a) com IPP de 9,76%;
4. Teve alta em 08-11-2010;
5. Auferia a retribuição anual de € 25 611,42, sendo:
i. € 1.491,94 x 14 meses;
ii. € 249,26 x 11;
iii. € 165,20 x 12;
6. DDD cada – à BBB. e à CCC. a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, mediante contrato de seguro.
Muito embora a Autora/apelante afirme nas suas alegações de recurso não aceitar os factos dados como provados nos pontos 2 e 3, o certo é que, das conclusões de recurso acima transcritas e que, como se referiu, delimitam o objeto deste, se não infere qualquer impugnação em termos de matéria de facto, razão pela qual se tem a mesma por não impugnada.

Ainda assim, em face da questão que vem suscitada nas conclusões 5) e 6) do recurso em causa e uma vez que a matéria aí mantida em discussão se inscreve no âmbito da apreciação de direitos indisponíveis que assistam à Autora/apelante, diremos que os aspetos atinentes, quer às sequelas, quer à incapacidade global de que esta tenha ficado portadora em consequência do acidente objeto dos presentes autos, se integrem em questão em aberto a exigir resposta por parte deste Tribunal da Relação e daí que se não possa considerar definitivamente assente a matéria que consta dos mencionados pontos da matéria de facto tida como provada na sentença recorrida.

Questão prévia:

§ Da admissibilidade da junção de documento com as alegações de recurso
Na sequência da apresentação das suas alegações e conclusões de recurso em 08/02/2017 e instruindo as mesmas, fez a Autora/apelante juntar ao presente processo um documento constituído por relatório de perícia de avaliação de dano corporal emitido em 16/08/2016, a fim de ser junto a um processo/inquérito n.º 6865/12.6TBCSC a correr termos no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais (entidade requisitante), pretendendo que esse documento seja considerado por esta Relação na apreciação do mérito do recurso em causa.

Dispõe o art. 651º n.º 1 do Código de Processo Civil – aqui aplicável por força do disposto no art. 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho – que «[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no vaso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».

Estabelece, por seu turno, o art. 425º daquele diploma que «[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento».

Sucede que, embora no caso em apreço não tenha havido audiência de discussão e julgamento na medida em que o litígio entre as partes, a partir da tentativa infrutífera de conciliação realizada entre as mesmas no final da fase conciliatória do processo, se cingiu ao grau de incapacidade permanente de que a sinistrada ficara portadora em consequência do acidente de que fora vítima em 23 de setembro de 2009, abrindo-se a fase contenciosa com requerimento de realização de exame médico por junta médica à sinistrada, a verdade é que quando tal documento foi emitido em 16 de agosto de 2016, naturalmente após observação desta e portanto com pleno conhecimento da mesma, ainda se desenvolviam diligências tendentes a realização de exame médico por junta médica nos presentes autos, junta que viria a ter lugar, quer em 7 de setembro de 2016, notificada às partes em 13 de setembro de 2016, quer em 7 de dezembro de 2016, notificada às partes em 9 de dezembro de 2016, qualquer delas com a comparência da sinistrada, sem que antes da realização das mesmas ou na sequência dessa realização e antes da prolação de sentença pelo Tribunal a quo em 17 de janeiro de 2017, a Autora e sinistrada Patrícia Rodrigues tivesse requerido a junção do mencionado documento aos presentes autos de forma a poder ser considerado pela Mma. Juíza daquele Tribunal, sendo certo que a Autora/apelante o poderia ter feito atenta a data de emissão de tal documento.

Acresce que nada nos leva a considerar que a junção do mesmo ao processo no momento da apresentação das alegações e conclusões de recurso se tivesse tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

Não se verificam, pois, os pressupostos de admissibilidade da junção de um tal documento aos autos no momento em que o foi e daí que se não leve em consideração o teor desse documento na apreciação do recurso em causa.

Fundamentos de direito.

Fixada a matéria de facto, importa, agora, passar à apreciação das suscitadas questões de recurso.

Assim:

· Da invocada irregularidade da junta médica levada a efeito em 28 de Março de 2016 e realização da junta médica de 7 de setembro de 2016 sem notificação à Autora do resultado daquela outra.
Em síntese, alega e conclui a Autora/apelante que a junta médica levada a efeito em 28 de março de 2016 – junta médica da especialidade de ORL solicitada mediante deprecada expedida à Comarca de Lisboa e cujo laudo se mostra junto a fls. 449/451 dos autos – decorreu apenas com a presença de duas senhoras peritas médicas quando deveria ter sido, pelo menos, com a presença de três e que quando foi notificada do respetivo relatório ficou espantadíssima por lhe haver sido dado ler que haviam estado três médicas, sendo que a suposta 3ª médica teria estado em representação da sinistrada.

Sucede que uma tal irregularidade, mesmo a ter-se verificado, o que, de todo, se não infere dos autos, designadamente do referido laudo de junta médica, mostra-se extemporaneamente arguida já que o momento adequado para a imputação da mesma seria o previsto no n.º 1 do art. 199º do Código de Processo Civil, ou seja, no Tribunal de 1ª instância e não apenas agora perante este Tribunal da Relação, tanto mais que a sinistrada compareceu a essa junta médica e foi notificada do resultado da mesma via CITIUS na data certificada de 28/03/2016.

Ora, não tendo deduzido tal irregularidade no momento adequado, “sibi imputet”, devendo arcar com as consequências decorrentes de uma tal omissão.

Relativamente à circunstância de, alegadamente, se ter levado a efeito a junta médica que teve lugar em 7 de setembro de 2016 sem que a Autora/apelante tivesse sido notificada do resultado daquela outra junta médica, dir-se-á que, ainda que tal correspondesse à realidade e ainda que fosse essencial para a realização desta última o conhecimento pela Autora/apelante do resultado da anterior junta médica de 28 de março de 2016, o certo é que tendo esta, enquanto sinistrada, comparecido pessoalmente a essas diligências de forma a ser examinada pelos senhores peritos médicos, deveria a mesma ter suscitado a questão perante o Tribunal a quo e não apenas neste momento ou fase de recurso, pelo que também se mostra extemporânea a arguição de uma tal irregularidade processual, sendo certo que a mesma se não verifica já que, como resulta dos autos, a Autora/apelante e o seu ilustre mandatário foram notificados do resultado do exame por junta médica que teve lugar em 28 de março de 2016 ainda nesse mesmo dia via CITIUS (v. fls. 452 a 458 dos autos).

Improcede, pois, nesta parte o recurso em causa.

§ Omissão de pronúncia da sentença recorrida quanto a questões suscitadas pelo perito médico da sinistrada atinentes a incoerências, insuficiência e omissão de avaliação, análise e pronúncia das lesões reais por parte da junta médica de especialidade de ORL.
Em síntese, alega e conclui a Autora/apelante que a sentença recorrida não se pronunciou quanto às questões suscitadas pelo senhor perito médico por si indicado e em sua representação, quanto às incoerências, insuficiência e omissão de avaliação, análise e pronúncia das lesões reais e efetivas por parte da Junta Médica da especialidade

Tal omissão de pronúncia configura, no entanto, uma nulidade de sentença prevista no art. 615º n.º 1 d) do Código de Processo Civil e como nulidade de sentença que é, a arguição da mesma deveria obedecer ao formalismo estabelecido no art. 77º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, ou seja, deveria ter sido arguida de forma expressa e em separado no próprio requerimento de interposição de recurso que, como se sabe, deve ser dirigido ao Tribunal a quo.

Verifica-se, porém, que no requerimento de interposição do recurso em causa, a Autora/apelante nada refere quanto à verificação de uma tal omissão de pronúncia.

A razão de ser desta exigência processual advém dos princípios de celeridade e economia processuais de que se mostra imbuído todo o Código do Processo do Trabalho. Com efeito, a observância do estabelecido neste último dispositivo legal permitirá ao próprio juiz que profere a decisão recorrida a apreciação ou conhecimento de eventuais nulidades de que a mesma possa enfermar e, nessa medida, possa proceder à sua sanação antes da subida do processo em recurso para o Tribunal ad quem.

Ora, vem sendo entendimento unânime da jurisprudência dos tribunais superiores o de que a arguição de nulidades da sentença sem observância do disposto no referido art. 77º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, leva a que a mesma se tenha ou deva ter por extemporânea ou intempestiva, não devendo, portanto, ser objeto de apreciação por parte do Tribunal ad quem, (cfr., entre muitos outros, os doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/2006, de 07/05/2009 e de 15/09/2010, proferidos respetivamente nos processos números 06S574, 09S3363 e 245/05.4TTSNT.L1.S1).

Não se vendo motivos para se alterar este entendimento jurisprudencial que também por nós vem sendo perfilhado, considera-se extemporânea a arguição de nulidade da sentença por omissão de pronúncia feita pela Autora/apelante apenas nas suas alegações e conclusões de recurso dirigidas a este Tribunal da Relação, não se procedendo, portanto, ao conhecimento da mesma nesta sede.

· Da alegada insuficiência da Incapacidade Permanente Parcial (IPP) atribuída à sinistrada face ao acervo da prova produzida e carreada para o processo e consequências daí decorrentes tendo em consideração a sentença recorrida.
A este propósito, conclui a Autora/apelante que a IPP de 9,76% fixada na sentença recorrida atende apenas a parte das lesões existentes e documentadas nos autos, sendo que da análise do acervo da prova produzida e carreada para o processo, tal IPP resulta num valor superior a 20%, requerendo, por isso, que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que atenda à totalidade das lesões da sinistrada e que, consequentemente, fixe uma IPP no valor correspondente às mesmas.

Por seu turno, decorre da sentença recorrida que, ao fixar como assente que em resultado do sinistro em causa a Autora ficou afetada de raquialgia residual (sem indicação vertiginosa) e que, em consequência disso, ficou afetada de uma IPP de 9,76% (v. pontos 2 e 3 dos factos tidos por provados naquela sentença), extraindo depois as consequências jurídicas daí decorrentes, a Mma. Juíza do Tribunal a quo, na fixação de tais sequelas e incapacidade permanente, ancorou-se na «… opinião, maioritária, dos Sr.s Peritos nos autos de exame por junta médica – incluindo de especialidade – e pareceres para que remetem (fls. 521, 484, 449-450, 185) dos autos [os quais se encontram conforme ao capítulo IV, 10. b) e I, 1.1.1, b) da tabela nacional de incapacidades, aprovada em anexo ao DL n.º 352/2007, de 23-10]», como resulta da fundamentação que deu em relação a tal matéria de facto.

Vejamos, no entanto, se, como defende a Autora/apelante, o acervo de elementos de prova juntos ao processo, permitia ir mais além em termos de determinação, quer das sequelas decorrentes das lesões sofridas pela sinistrada no acidente de que foi vítima em 23 de setembro de 2009 e que ninguém coloca em dúvida tratar-se de acidente de trabalho na vertente “in itinere”, quer em termos de grau de incapacidade permanente delas decorrente, face às que foram fixadas na sentença recorrida.

Como decorre do que já tivemos oportunidade de afirmar no precedente relatório, na tentativa de conciliação com que se encerrou a fase conciliatória do presente processo, apenas houve discordância entre as partes quanto ao grau de incapacidade de que a sinistrada e aqui Autora/apelante AAA ficara portadora na sequência do referido acidente de trabalho.

Ora, tendo sido oportunamente requerido exame médico por junta médica com vista a determinação dessa incapacidade, cabe, sem dúvida, ao juiz, realizadas as perícias a que se deva proceder, proferir decisão de mérito fixando a natureza e o grau de tal incapacidade. É o que decorre do disposto nos arts. 138º a 140º do Código de Processo do Trabalho.

A realização de perícias destina-se, como se sabe, à perceção ou apreciação de factos por peritos, sempre que sejam necessários conhecimentos especiais que o juiz não domine, de forma que este, posteriormente, possa pronunciar-se de uma forma cabal sobre determinada realidade da vida.

As perícias, designadamente as feitas por junta médica, constituindo, portanto, elementos de prova estão, também elas, sujeitas ao princípio basilar da livre apreciação pelo juiz (art. 389º do Código Civil e 607º n.º 5 do Código de Processo Civil), mesmo quando o respetivo laudo tenha sido emitido por unanimidade. Com efeito, as asserções e conclusões dos senhores peritos contidas nos respetivos laudos não se podem sobrepor àquele princípio, devendo o julgador, ao invés, exercer sobre elas um juízo crítico, segundo a sua experiência, a sua prudência e o seu bom senso, podendo até mesmo delas divergir desde que o faça fundamentadamente.

Impõe-se, por isso, ao julgador que, no desempenho das funções que lhe competem e sobretudo no exercício do mencionado juízo crítico, leve em consideração não só as perícias colegiais ou singulares que, porventura, tenham sido levadas a efeito na pessoa do sinistrado, mas também todos os elementos probatórios, designadamente exames ou pareceres complementares ou pareceres técnicos que tenham sido carreados para o processo e que se mostrem relevantes na decisão da causa, ainda que em ações com a natureza da agora em presença se possa dar natural prevalência à prova recolhida através de exames periciais feitos por junta médica atendendo à colegialidade da sua composição e consequentemente à solidez das opiniões ou pareceres emitidos pelos senhores peritos sobre as questões relativamente às quais foram chamados a pronunciar-se.

Posto isto e revertendo mais concretamente ao caso em apreço, verificamos que a Mma. Juíza do Tribunal a quo ao proferir a sentença recorrida e ao fixar nela quais as sequelas de que a Autora ficou portadora em consequência das lesões que sofreu no acidente de que foi vítima em 23 de setembro de 2009, bem como a incapacidade de que ficou afetada em termos permanentes, se ateve essencialmente na opinião, maioritária, emitida pelos senhores peritos no auto de exame por junta médica realizada em 7 de dezembro de 2016 e cujo laudo consta de fls. 521-522, este, por sua vez, por referência ao exame por junta médica levada a efeito em 7 de novembro de 2016 e cujo laudo consta de fls. 484-485 e este também, por sua vez, por referência à junta médica de especialidade de otorrinolaringologia realizada em 28 de março de 2016 cujo laudo consta de fls. 449-450 bem como ao exame de neurocirurgia que se mostra junto a fls. 185, exames a que se fez expressa referência no precedente relatório.

Sucede que se efetivamente se constata a inexistência de divergência entre os senhores peritos médicos que integraram tais juntas médicas de 7 de dezembro e 7 de novembro de 2016 quanto a sequelas do foro de neurocirurgia de que a sinistrada e ora Autora/apelante tenha ficado portadora em consequência das lesões por si sofridas no referido acidente, mostrando-se os mesmos concordantes com as descritas no exame daquela especialidade que figura de fls. 185 dos autos (raquialgias cervicais e lombares residuais), bem como com a incapacidade de que, relativamente às mesmas, a sinistrada ficou afetada, ou seja, uma IPP de 4% atribuída com base no Capítulo I – 1.1.1, b) da TNI, já o mesmo se não verifica em relação às sequelas do foro de otorrinolaringologia, sendo que se verifica subsistirem dúvidas quanto às sequelas desta área da medicina, de que a sinistrada tenha ficado portadora, dúvidas que se não mostram dissipadas nos diversos exames por junta médica a que esta foi submetida, designadamente o da referida especialidade realizada em 28 de março de 2016.

Com efeito, tendo-se solicitado ao Tribunal a quo a realização de exames complementares de diagnóstico de forma a proceder-se a exame médico por junta médica da referida especialidade, verifica-se que tendo a sinistrada sido submetida a tais exames complementares, designadamente os que figuram de fls. 112, 116 a 127, 176 a 177 verso, 186 a 188, 278 a 288, 319 a 322 e 365 a 369 dos autos, exames que revelam alterações importantes ao nível do equilíbrio (vertigens), hipoacusia e acufenos post-traumatismo, o certo é que submetida a sinistrada a junta médica da especialidade de otorrinolaringologia em 28 de março de 2016 – junta realizada a pedido da junta médica inicialmente designada nos autos – os senhores peritos médicos nada referem no respetivo laudo quanto à existência ou não de algumas daquelas sequelas (hipoacusia e acufenos), sendo que, por outro lado, embora tivessem notado «haver uma disfunção vestibular complexa (periférica e central) envolvendo as diversas vertentes de equilíbrio inclusive a integração central. Alterações que têm demonstração/tradução eletrofisiológica», depois, sem tecerem qualquer consideração para o efeito, integram estas sequelas num síndroma vertiginoso moderado ao abrigo do Capítulo IV 10, b), atribuindo à sinistrada o mínimo de incapacidade previsto nesse Capítulo, número e alínea (0,06), em posição completamente divergente da que figurava no auto de exame de otorrinolaringologia de fls. 186 a 188 que considerara estar a sinistrada afetada de um síndroma vertiginoso severo, com objetivação eletrofisiológica e com queda ao solo, enquadrável no referido Capítulo IV 10 c) e atribuído à sinistrada o máximo de incapacidade ali previsto (0,25).

Ora, exigia-se que, no mínimo, as juntas médicas que foram chamadas a pronunciar-se sobre a globalidade das lesões e sequelas que afetavam a sinistrada e a pronunciar-se sobre as incapacidades de que a mesma ficara efetivamente portadora em consequência do acidente dos autos – estamos a reportar-nos às juntas médicas levadas a efeito, respetivamente, em 7 de setembro e em 7 de dezembro de 2016 – tivessem esclarecido cabalmente não só a razão de ser da desconsideração das referidas hipoacusia e acufenos, como também a razão de ser do significativo abaixamento em termos de valorização da situação vertiginosa com objetivação eletrofisiológica.

Dado que o esclarecimento desses aspetos se revela importante tendo em vista a fixação das sequelas e da incapacidade permanente global de que a sinistrada ficou portadora em consequência do sinistro de que foi vítima em 23 de setembro de 2009 e uma vez que, quando foi proferida a sentença recorrida subsistiam as dúvidas que demandam tais esclarecimentos, não poderemos deixar de anular essa sentença, de forma que os autos baixem à 1ª instância para que seja convocada a junta médica, tendo em vista a obtenção do esclarecimento dos aspetos anteriormente suscitados, se necessário mediante prévia realização de exames complementares de diagnóstico, proferindo-se, de seguida, nova sentença que se pronuncie sobre a natureza e grau de incapacidade de que a sinistrada esteja afetada em consequência do mencionado sinistro.

Decisão

Nestes termos acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação de Lisboa em anular a sentença recorrida de modo que os autos baixem à 1ª instância para que seja, de novo, convocada a junta médica, tendo em vista a obtenção do esclarecimento dos suscitados aspetos, se necessário mediante prévia realização de exames complementares de diagnóstico, proferindo-se, depois, nova sentença que se pronuncie sobre a natureza e grau de incapacidade de que a sinistrada esteja afetada em consequência do acidente de que foi vítima em 23 de setembro de 2009 e que constitui objeto dos presentes autos.

Custas pelo vencido a final.

Lisboa, 2017.07.06

José António Santos Feteira (relator)

Filomena Maria Moreira Manso

José Manuel Duro Mateus Cardoso