Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
508/14.0TBLNH-A.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: COMPETÊNCIA
TRIBUNAL ARBITRAL
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
SEGURADORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:


“I- No domínio da LAV, na falta de assinatura do contrato que contém a cláusula compromissória ou do compromisso, o decisivo é que a convenção de arbitragem conste de uma proposta escrita, que esta proposta seja aceite por escrito e que a aceitação seja comunicada ao proponente. A aceitação não tem de se referir especificamente à convenção de arbitragem, bastando a aceitação da proposta contratual no seu conjunto.
II - Deve entender-se que constitui uma convenção escrita, a que resulta de uma troca de mensagens de correio eletrónico.
III - Deve considerar-se suficiente a existência de uma remissão para um documento que contenha a convenção feita no contrato assinado pelas partes ou na troca de correspondência.
IV – Se o corretor de seguros já trabalhava com o mercado respetivo há vários anos, conhecendo bem as apólices aí praticadas nessa modalidade de responsabilidade civil de transportador rodoviário, com vários clientes a subscreverem apólices do mesmo mercado, para além de que a própria Autora já vinha contratando há vários anos, por intermédio de outros corretores, os seguros do dito mercado, conhecendo bem as condições gerais destes contratos; sendo que todas elas remetem para arbitragem em Londres, sede daquele mercado, a declaração pelo Corretor – por conta e em representação da tomadora de seguro – em email, na sequência da receção da Apólice e Condições Gerais, de que “concordo com tudo”, significa aceitação da cláusula compromissória incluída nas referidas “Condições”.
V - O princípio da autonomia da cláusula compromissória significa que a validade e eficácia daquela deve ser apreciada separadamente da validade e eficácia do contrato em que está inserida.
VI - Com o que se dá letra ao chamado princípio da “competência-competência” estabelecido no artigo 18º, n.º 1, da LAV, que, “em poucas palavras significa que o tribunal arbitral tem plena competência para resolver todas as questões que se colocam no processo arbitral ou relativas ao processo arbitral, quer sejam de natureza substantiva relativas ao mérito da causa, quer sejam de natureza processual.”.
VII - Por tudo isto se diz que o tribunal arbitral tem competência própria para concluir se tem competência para conhecer o litígio.”.
VIII - Com uma exceção, decorrente da aplicação da doutrina do artigo 5º, n.º 1, da LAV: se for manifesta – isto é, óbvia, evidente – a invalidade, a ineficácia ou a inaplicabilidade da convenção de arbitragem, o juiz pode declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a exceção deduzida em processo judicial.
IX – O advérbio manifestamente pretende significar o respeito pelo princípio da competência-competência, o juiz apenas pode conhecer daqueles vícios se eles forem tão evidentes que praticamente não careçam de demonstração, por outras palavras, só em casos excecionais e evidentes pode o juiz obviar à remessa do processo para a arbitragem.
X - Relativamente às convenções de arbitragem que constituam cláusulas contratuais gerais, importará ter em consideração, por força do disposto no artigo 2º, n.º 4, 1ª parte, da LAV, o regime jurídico daquelas, designadamente quanto à sua inclusão no contrato, à sua interpretação e à proibição de certas cláusulas “abusivas”.
XI - Não cobra porém aplicação o RCCG, em matéria de exceção de preterição de tribunal arbitral, em quanto exceda a previsão do artigo 5º, n.º 1, da LAV. XII - O “ónus da prova da comunicação adequada e efectiva”, cometido “ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”, no n.º 3 do artigo 5º, da LCCG, não se casa com a exigência do caráter manifesto da invalidade, ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem, em sede inoperatividade da exceção de preterição de tribunal arbitral.
XIII - Não obstante tal ónus de prova, da ausência da comunicação aí prevista apenas poderá o tribunal conhecer mediante invocação do aderente.
XIV - Para efeitos de procedência da exceção de preterição de tribunal arbitral, por nulidade reportada à previsão do artigo 19º, alínea g), da LCCG, importará ser manifesto que o local de funcionamento daquele tribunal, envolve graves inconvenientes para a A./tomadora de seguro, sem que os interesses da Seguradora o justifiquem.”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação


I – A, S. A., intentou ação declarativa, com processo comum, contra B, com sede no Reino Unido, pedindo a condenação da Ré a assumir a responsabilidade proveniente do contrato de seguro, celebrado com a A. que referencia, bem como a pagar a quantia de € 17.384,90, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Alegando, para tanto e em suma, que durante a execução de dois contratos de transporte internacional, celebrados pela A. com a empresa C, sediada na Alemanha, e a S – cujos serviços haviam sido contratados pela BE, Lda., enquanto expedidora – respetivamente, ocorreram “roubos” de mercadoria, sendo que os riscos de tais sinistros se encontravam cobertos pelo contrato de Seguro CMR, celebrado pela A. com a ora Ré.

Declinando porém aquela qualquer responsabilidade, por, alegadamente, não se encontrar preenchida a cláusula de roubo prevista no ponto (6), alínea a) do contrato de seguro.

Isto, depois de, a título de questão prévia, ter a A. afirmado a competência internacional dos tribunais portugueses, nos termos do disposto no artigo 62º, alínea c), do Código de Processo Civil, consistindo o “elemento poderoso de conexão” no facto de a A. ser sediada em Portugal, para além de a transportadora – face ao contrato de seguro – se reger não só pela Convenção CMR, mas também pela lei portuguesa.

Contestou a Ré seguradora, arguindo a nulidade da sua citação, a incompetência absoluta dos tribunais portugueses, por preterição de tribunal arbitral, a funcionar em Londres, a sua ilegitimidade passiva e a ilegitimidade ativa da A.

Deduzindo, no mais, impugnação.

Remata com a declaração da nulidade da sua citação, “com as legais consequências”; a declaração da incompetência dos tribunais portugueses para a presenta ação, absolvendo-se a Ré da instância; o julgamento das partes como ilegítimas, “absolvendo-se a Ré da instância e do pedido” (sic); a total improcedência da ação, por não provada, absolvendo-se a Ré do pedido.

Houve réplica da A., sustentando estar sanada eventual nulidade da citação da Ré, e pugnando pela improcedência das arguidas exceções.

Sendo, por despacho reproduzido a folhas 75 v.º, com que a Ré se conformou, considerado prejudicado o conhecimento da eventual nulidade da citação.

O processo seguiu seus termos – sendo dispensada a audiência prévia – com início de saneamento – julgando-se “os tribunais portugueses de prima facie, os competentes para dirimir o litígio”, mas – por se tratar de “questão diferente” – ordenando a notificação das partes para “indicarem e fazerem junção aos autos dos meios de prova que dispuserem sobre a excepção de incompetência de foro arbitral, com os limites constantes do art. 293º do N.C.P.C.”.

Ao que aquelas corresponderam nos termos que de folhas 128-130 e 133-137, respetivamente, se alcançam.

Vindo, em continuação de saneamento, a ser proferido o despacho reproduzido a folhas 165-172, julgando “totalmente improcedente a excepção de incompetência absoluta aduzida pela Ré e (…) competente para o julgamento da causa o Tribunal da Secção de Competência Genérica da Instância Local da Lourinhã (comarca de Lisboa Norte) da República de Portugal”.

E, bem assim, julgando “totalmente improcedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade activa e passiva arguidas pela Ré.”.

Tendo-se ainda procedido à indicação do objeto do litígio e à enunciação dos temas de prova.

Inconformada, recorreu a Ré.

Sendo que, por despacho reproduzido a folhas 208-209, não foi admitido o recurso na parte em que tinha por objeto o decidido quanto à matéria da arguida exceção de ilegitimidade.

O que foi acatado pela Ré.

A qual, nas suas alegações, formulou as seguintes, “aperfeiçoadas”, conclusões:

“A. Os factos dados como provados relativamente à exceção da incompetência absoluta dos tribunais portugueses por preterição do foro arbitral pecam por omissão, porquanto da analise das várias peças processuais, existem outros factos igualmente essenciais que deveriam ter sido levados aos factos demonstrados, designadamente os factos alegados nos art.s 36° a 39° do requerimento probatório com a referência 20691353 de 02.10.2015 e no documento número sete da mesma peça processual, os quais não foram impugnados pela Recorrida.

B. Assim deveria ter sido levado aos factos provados que o representante da Autora, a D seguros, já trabalhava com o mercado do L há vários anos, conhecendo bem as apólices aí praticadas na modalidade de seguros de responsabilidade civil transportador, com vários clientes a subscreverem apólices do mercado do L.

C. Assim como dar-se como demonstrado que a própria Autora já vinha contratando há vários anos, por intermédio de outros corretores, os seguros do mercado L, conhecendo bem as condições gerais destes contratos; sendo todas elas remetem para arbitragem em Londres, sede do mercado L.

D. Igualmente, existe erro de tradução na alínea A. dos factos dados como provados dos termos "APÓLICE A NUMERO 12/E/04228" e "TERMOS E CONDIÇÕES DO SEGURO/Sujeito aos Termos e Condições da Apólice de Seguro de Transportes (Transassurance)”   cuja correção se pretende, tendo sido oportunamente impugnada a tradução para a língua portuguesa do documento de folhas 24-27.

E. O Tribunal a quo veio considerar nula a clausula de arbitragem, por não ter obedecido à forma escrita, em violação com o disposto no art. 2°, n.º 2 da LAV.

F. O contrato de seguro in casu inclui claramente nas condições gerais uma cláusula arbitral compromissória e foi transmitido ao mediador de seguros, em representação da Recorrida, juntamente com as condições particulares, notas de debito e crédito e outras informações complementares (alínea C. dos factos provados).

G. As condições particulares, que a Recorrida reconhece ter conhecimento, remetem expressamente para os termos das condições gerais (transassurance).

H. O documento n.º 4, junto com a refª 20691353 de 02.10.15 uma carta da Ré à D Corretores, enviada na mesma data que as condições particulares, gerais e recibos de prémios, expressamente invoca que as condições particulares estão sujeitas aos termos das condições gerais em anexo.

I. E no próprio corpo do email enviado a 01.10.2012, se chama a atenção para o envio das condições em anexo (cf. doc 1 junto com a refª 20691353).

J. O representante da Recorrida expressamente aceita ter recebido todos os documentos, como vem expressamente concordar com tudo, salvo uma questão de cálculo.

K. O representante da Recorrida inequivocamente revela ter conhecimento não só do conteúdo das condições particulares, assim como das condições gerais e da clausula compromissória, (Cf. doc. 6 da refª 20691353 de 02.10.2016, em que o representante da Autora afirma "Eu concordo com tudo, menos quanto à forma como se faz o cálculo (…)”)

L. Sendo que tal aceitação revela a perfeição do negócio jurídico e se deverá refletir na esfera jurídica da Recorrida em virtude do disposto nos art.s 217 do CC, art. 17º e 31º, n.º 1 da LCS. (vide AC RL processo 1934/12.5TBSC-A.L1-1 de 30-06-2015 in www.dgsi.pt).

M. Ao considerar nula a clausula de arbitragem, por não escrita, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 20, n.º 2 da LAV, art.s 17º, 29° e 31 ° da LCS, art. 31º do DL 144/2006.

N. De igual modo, veio o Tribunal a quo considerar que o contrato de seguro celebrado teria sido verbalmente negociado em junho de 2012, só tendo sido formalizado em Outubro de 2012, com isto concluindo também pela nulidade da clausula compromissória.

O. Tal conclusão é contrária aos documentos existentes nos autos, designadamente os documentos numero dois, três e sete juntos com a refª 20691353 de 02.10.2015, o qual revela claramente que a 25.09.2012, a representante da Recorrida e a Recorrente não haviam ainda acordado na celebração de qualquer contrato de seguro e das notas de débito e crédito para a primeira fração do prémio datadas de 25.09.2012.

P. O presente contrato de seguro foi celebrado com efeito retroativo, previsto e possível ao abrigo dos art.s 39º e 42º, n.º 2 da LCS.

Q. O Tribunal a quo, ao considerar nula a clausula compromissória, também por esta via, violou o disposto nos art.s 39º e 42º, n.º 2 e 59º da LCS e excedeu a pronuncia.

R. O Tribunal a quo foi mais longe e veio aferir também da eficácia da clausula compromissória perante a Autora.

S. Estendo a aplicação do regime especial constante do art. 5º DL 446/85 de 25.10 (RCCG) e em consequência o não cumprimento do dever de informação e comunicação que recaía sobre a Recorrente, pelo que a cláusula seria igualmente inválida (art 3º, 21 ° e ss da LCS).

T. A aqui Recorrente comunicou as condições gerais à representante da Recorrida, DCorretores, que as aceitou expressamente.

U. Segundo as regras da interpretação do negócio jurídico impostas pelo Código Civil (artigos 217° e seguintes), o envio por parte da Recorrente das condições gerais e a concordância da mediadora de seguros que atua em representação da Recorrida valem como uma aceitação expressa das declarações negociais e levam à conclusão e perfeição do negócio (artigo 224° e seguintes do CC). (Neste sentido Ac. da Relação de Guimarães n.º 170/09.2.TBVVD.G1 de 09-02-2012 e do Supremo Tribunal de Justiça proc. n.º 620/11.8TTLSB. L1.S1 de 11-02- 2015)

V. O que revela a eficácia da clausula compromissória, cuja decisão em sentido contrario, viola o disposto nos art.s 3º, 17º, 23º, n.ºs 2 e 3 e 31° da LCS, art. 5º, n.º 1 da RCCG, arts. 217 ° e ss e 224° do CC

W. Não valendo igualmente o argumento da questão económica das partes, como limitação da eficácia das clausulas contratuais gerais. (AC RL de 22.09.2015 Proc 1212/14.5T8LSB.L1- in www.dgsi.pt; AC da RP de 01-10-2015 proc. n.º 588/13.6TVPRT.P1)

Sem prescindir,

X. Estando em causa um pacto atributivo de jurisdição, ainda que remeta para um tribunal arbitral, deveria ter sido tomado em conta o disposto no art. 59° do CPC e art. 230 do Reg. (CE) 44/2001, por efetivamente se tratar de situação transfronteiriça, já que as partes não estão domiciliadas no mesmo Estado-membro - Portugal e Reino Unido (Acórdão da RL 06.10.2015 Proc. 1001/10.6TVLSB.L2-1, in www.dgsl.pt.ACRPde01.10.2015, Proc.588/13.6TVPRT.P1.in www.dgsi.pt. o qual reflete a posição dominante do TJUE, nesta matéria)

Y. O Regulamento n. ° 44/2001 prevê os pactos de jurisdição, afastando, do seu âmbito espacial, material e temporal, o obstáculo da alínea c) o n. ° 3 do artigo 94 do CPC, e é taxativo quanto às condições de existência e de validade formal do pacto, identificadas no art. 23°, os quais se encontram igualmente cumpridos no objeto em litigio.

Z. Pelo que também por esta via, se deveria ter considerado válida e eficaz, a clausula compromissória, tendo igualmente a decisão proferida violado o disposto nos art. 59° do CPC e 23° do Reg. 44/2001.”.

Remata com a alteração da decisão.

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

II- Entregues que foram às Exm.ªs Adjuntas, cópias das peças processuais consideradas relevantes, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:

- se ocorre o erro de tradução apontado pela Recorrente;

- se é de alargar a matéria de facto provada com interesse para a apreciação da (in)competência absoluta dos tribunais portugueses para a presenta ação;

- se se verifica a exceção de preterição do tribunal arbitral voluntário.


***

Considerou-se assente, na primeira instância – e presente a retificação determinada no já citado despacho de folhas 208-209 – que:

A. A A. contratou o seguro e a R. emitiu a respectiva apólice, nos termos constantes de fls. 24-27, intitulado "APÓLICE A NÚMERO/12/E/0422B" e que aqui se tem por integralmente reproduzido, onde figura, para além do mais, "TERMOS E CONDIÇÕES DO SEGURO/Sujeito aos Termos e Condições da Apólice de Seguro de Transportes (Transassurance)”      para vigorar entre 01.07.2012 e 30.06.2013;

B. A contratação de seguro e a formalização do documento referido em Factos A.) resultou de negociação entre a R e DCorretores, esta por conta e em representação da Autora;

C. Em 01.10.2012, a R remeteu a DCorretores o documento referido em Factos A.) e o documento de fls. 63-79, intitulado "Transassurance/Condiçôes Gerais de onde consta, para além do mais que aqui se tem por integralmente reproduzido, em Item 14.: "Qualquer conflito ou diferendo entre o segurado e o segurador que surgir em consequência desta apólice ou em relação a ela, ou a respeito do seu incumprimento, terminação, constituição ou validade, e que surgir durante a vigência deste seguro ou depois de o mesmo ter terminado ou expirado, será submetido a uma comissão de arbitragem na forma que aqui se estabelece";”.


***

II – 1 – Do apontado erro de tradução.

1. No confronto da “impugnação” deduzida pela Ré – vd. folhas 107-108 – relativamente à tradução de segmentos do documento n.º 1 junto com a petição inicial – “Policy Schedule Number A /12/D/0422B” e “Terms and Conditions of Insurance – Subject to the terms and Conditions of the transassurance Policy” –considerou-se, no despacho de folhas 125-126, que “Nos termos do artigo 134º do N.C.P.C., ao tribunal cabe aferir da necessidade de tradução dos documentos juntos aos autos”, se concluiu, “compulsados estes (…) estarem obtidos os elementos necessários à instrução probatória do processo em condições de compreensibilidade plena pelo tribunal.”.

Determinando-se, “Assim sendo”, o prosseguimento dos autos.

Mais se consignando, em ulterior despacho de folhas 209-208 – no qual foi também recebido o recurso, nos já assinalados termos – que “Relativamente ao putativo "erro de tradução" da palavra "policy” desde já deixamos impresso que "Policy" significa, textualmente e em língua inglesa, "apólice" (quando se refira a relações de seguros), ou seja, representa o documento certificativo da relação de seguro e que patenteia as respectivas condições de cobertura (ilustrativamente, o "tomador do (…)”.

Renovando a Recorrente, em sede de alegações, e como visto, o seu entendimento quanto a ocorrer erro de tradução para a língua portuguesa do documento de folhas 24-27 – vertida na alínea A. dos factos dados como provados.

Sustentando que onde se lê "APÓLICE A NUMERO 12/E/0422B", deverá ler-se “CONDIÇÕES PARTICULARES NÚMERO A/12/D/0422B”, e onde se lê "TERMOS E CONDIÇÕES DO SEGURO/Sujeito aos Termos e Condições da Apólice de Seguro de Transportes (Transassurance)”, deverá ler-se “"TERMOS E CONDIÇÕES DO SEGURO/Sujeito aos Termos e Condições da Apólice (Transassurance)”.

Concede-se tratar-se este de ponto com eventual influência no exame da suscitada questão da incompetência absoluta dos tribunais portugueses por preterição de compromisso arbitral, e da nulidade/ineficácia do mesmo.

2. Nos termos do disposto no artigo 134º do Código de Processo Civil:

“1 - Quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte.

2 - Surgindo dúvidas fundadas sobre a idoneidade da tradução, o juiz ordena que o apresentante junte tradução feita por notário ou auten­ticada por funcionário diplomático ou consular do Estado respetivo; na impossibilidade de obter a tradução ou não sendo a determinação cumprida no prazo fixado, pode o juiz determinar que o documento seja traduzido por perito designado pelo tribunal.”.

E, como anotam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre,[1] “As peças do processo são escritas em Iíngua portuguesa. Mas tal não impede a junção de documentos pré-constituídos redigidos em língua estrangeira.

Já assim era no CPC de 1939, que, diversamente do de 1876, não exigia que o documento nessas condições fosse oferecido acompanhado da tradução para a língua portuguesa: quando a tradução não acompanhasse o documento, o juiz podia ordenar, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, que o apresentante a juntasse, o que ficava ao seu prudente arbítrio, visto que a língua do documento podia ser de tal modo familiar às partes e ao tribunal que a tradução fosse dispensável (ALBERTO DOS REIS, Comentário cit., II, p. 41).

O CPC de 1961 veio claramente estabelecer que a tradução, fosse espontaneamente feita pelo apresentante, fosse ordenada pelo juiz, podia ser feita por notário ou ser autenticada por funcionário diplomático ou consular "do Estado respetivo” o que simultaneamente representou clarificação e simplificação do regime do código anterior (…).

Maior foi a simplificação introduzida pelo DL 329-A/95: a intervenção do notário ou do funcionário diplomático ou consular é, num primeiro momento, dispensável e só se se suscitarem dúvidas fundadas sobre a idoneidade da tradução é que ela terá de ser feita ou autenticada naquelas condições.

Noutro ponto ainda foi então alterado o regime anterior à revisão do Código. Nele, quando fosse impossível obter a tradução, por falta de funcionário diplomático ou consular do Estado em causa e indisponibilidade de notário, o juiz devia designar perito para o efeito. Atualmente, determina-se que, quer nesse caso, quer no de a determinação judicial (a ordenar a tradução pelo funcionário ou pelo notário) não ser cumprida, o juiz pode determinar que o documento seja traduzido por perito designado pelo tribunal. Esta determinação depende assim do prudente arbítrio do juiz, tidas em conta as circunstâncias do caso.”.

Pois bem, socorrendo-nos do “Dictionary of English Language and Culture – with colour illlustrations” – Longman, pág. 2017 – temos:

“Policy also insurance policy – a written statement of the details of an agreement with an insurance company”.

Ou seja, em matéria de seguros a “Policy” é o documento escrito de onde constam os detalhes de um contrato com uma companhia de seguros…

E “Schedule – a planned list (…) a formal list (…) a list of details”.

O que introduz a ideia de no aludido documento constarem, “em lista” ou “clausulado” os tais “detalhes” do contrato.

Correspondendo ao que José Vasques[2] concetualiza como apólice: “o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador de seguro e a seguradora, de onde constam as respectivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas.”.

E em consonância com o esboço de definição no artigo 32º, n.º 1, da LCS: “O segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro…”.

Também em qualquer dicionário online correspondendo a “Policy” à palavra portuguesa “apólice”, ou “condições da apólice.[3]

Ponto sendo, porém, que para a expressão “Policy Schedule”, apenas se encontrou a (única) tradução “Condições Particulares da apólice.[4]

Mas, por outro lado, não se trata, no documento n.º 1 junto com a petição inicial, apenas de condições particulares – entendidas como “as que se destinam a responder em cada caso às circunstâncias específicas do risco a cobrir” – e por contraponto às condições gerais “que se aplicam a todos os contratos de seguro de um mesmo ramo ou modalidade” – e às condições especiais, “que, completando ou especificando as condições gerais, são de aplicação generalizada a determinados contratos do mesmo tipo”.[5]

Com efeito, para além das condições particulares relativas ao “Ano da apólice”, “Serviços segurados”, “Riscos segurados”, com definição do “Deduzível” (franquia) do “Limite da indemnização”, e “Àrea de actividade comercial”, ponto é que se incluem condições claramente “especiais”, como são as relativas a “Condições, Garantias & Exclusões”, para além da remissão para “definições” não constantes do documento, e que – como se alcança no confronto do documento n.º 1 junto com a contestação – estão integradas em Condições Gerais: “na secção 4…na secção 5…na secção 8 (A) e (B)…no que respeita aos parágrafos (A) (a) & (b)…no que respeita aos parágrafos (A) (c)-(d) & (B)”.

Para além de se referir, v.g., no n.º 7 das sobreditas “Condições, Garantias & Exclusões”, que Esta apólice exclui…”.

E, no n.º 9, queEste seguro exclui…”.

E, por último mas não de somenos, apenas às apólices – que não a condições particulares daquelas, autonomamente consideradas – se atribui um número, como in casu se verifica: “Number A/12/D/0422B”.

Concluindo-se assim, e sem necessidade de tradução por perito, pela melhor conformidade da tradução acolhida na 1ª instância.

Com improcedência, portanto, e nesta parte, das conclusões da Recorrente.

3. Por outro lado, e no tocante à expressão “Subject to the Terms and Conditions of the Transassurance Policy”, ponto é que não lográmos encontrar tradução específica para o vocábulo “transassurance”.

Apresentando-se-nos tal vocábulo como um composto do prefixo trans – que integra, v.g., o vocábulo inglês “transportation”, significando “transporte” – com a palavra “assurance”, que em francês significa “seguro”, tendo como sinónimo em inglês “assurence”.

Confrontando-nos pois, e no contexto contratual respetivo, com uma designação comercial para um grupo de condições relativas a um seguro de transportes.

De qualquer modo, tratando-se de tradução, que não da interpretação do documento, temos que melhor será, onde se escreveu  "TERMOS E CONDIÇÕES DO SEGURO/Sujeito aos Termos e Condições da Apólice de Seguro de Transportes (Transassurance)”, passar a ler-se "TERMOS E CONDIÇÕES DO SEGURO/Sujeito aos Termos e Condições da Apólice Transassurance”, sem entre parêntesis, que inexistem no original traduzido

Nesta estrita medida procedendo, na parte relativa à tradução do doc. 1 junto com a petição inicial, as conclusões da Recorrente.

II – 2 – Do alargamento do elenco dos factos provados.

Pretende a Recorrente, e como visto, que: “Deveria (…) ter sido levado aos factos provados”:

“- O representante da Autora, a D seguros, já trabalhava com o mercado do L há vários anos, conhecendo bem as apólices aí praticadas nessa modalidade de responsabilidade civil transportador, com vários clientes a subscreverem apólices do mercado do L.

- A Autora já vinha contratando há vários anos, por intermédio de outros corretores, os seguros do mercado L, conhecendo bem as condições gerais destes contratos; sendo todas elas remetem para arbitragem em Londres, sede do mercado L.”.

E, desse modo, na alegada circunstância de tais factos haverem sido alegados pela Ré no seu requerimento probatório – relativo à matéria da exceção de incompetência – resultando ainda de email de 25-09-2012, remetido pela DCorretores à Recorrente, sem que tais factos e documento hajam sido impugnados pela A./recorrida.

Sendo que, pretende, “tais factos são fundamentais para se perceber o alcance das negociações, das comunicações efectuadas e do conhecimento das condições gerais, assim como da cláusula de arbitragem por parte da Autora, como se demonstrará.”.

Nas suas contra-alegações não questiona a Recorrida a verdade do assim alegado pela Recorrente quanto à não impugnação de tais factos e documento.

Sendo que tal ausência de impugnação se colhe no requerimento da A. reproduzido a folhas 144-145, onde aquela se limita a arguir a intempestividade do “requerimento probatório” da Ré, e a requerer a tradução dos documentos juntos com aquele.

Vindo a Ré a proceder à junção das correspondentes traduções – vd. folhas 153-164 – sem que dos elementos carreados para este caderno de recurso resulte ter a A. impugnado a tradução dos mesmos, e designadamente do “email” de 25-09-2012, dirigido pela DCorretores à Recorrente.

Atento o que em sede de forma da convenção de arbitragem e – vindo a ser caso disso – de comunicação e informação relativa a cláusulas contratuais gerais, se considerará infra, concedida pois a eventual pertinência dos factos referenciados – à luz das diversas soluções de direito possíveis – determina-se o aditamento ao elenco dos factos provados das seguintes alíneas:

“D. O representante da Autora, a D seguros, já trabalhava com o mercado do L há vários anos, conhecendo bem as apólices aí praticadas nessa modalidade de responsabilidade civil transportador, com vários clientes a subscreverem apólices do mercado do L.

E. A Autora já vinha contratando há vários anos, por intermédio de outros corretores, os seguros do mercado L, conhecendo bem as condições gerais destes contratos; sendo todas elas remetem para arbitragem em Londres, sede do mercado L.”.


*

 Com procedência, nesta parte, das conclusões da Recorrente.

Mais sendo porém – por se tratar de facto e documento não impugnados, com potencial interesse para o exame e decisão da causa – de aditar ao sobredito elenco, o facto seguinte:

“F. Em resposta ao referido em C. a D seguros enviou à Ré, em 2 de Outubro de 2012, o email de folhas 140 v.º, traduzido a folhas 159, no qual refere “Eu concordo com tudo, menos quanto à forma como faz o cálculo para o primeiro semestre. Compreendo como fez as contas, mas nestes dois casos especiais não pode ser feito dessa forma.

Como sabe, tem de ser a R a pagar a diferença do prémio de seguro, pelo que temos de fazer como indiquei infra, de modo a que isso não me traga problemas.

Concorda?”.

II – 3 – Da preterição do tribunal arbitral.

Constitui aquela uma exceção dilatória, cujo conhecimento depende de arguição da parte interessada, determinante da absolvição do Réu da instância, como se retira da articulação do disposto nos artigos 96º, alínea b), 99º, n.º 1, 576º, n.º 2 e 578º, todos do Código de Processo Civil.

Sendo que a submissão de "Qualquer conflito ou diferendo entre o segurado e o segurador que surgir em consequência desta apólice ou em relação a ela, ou a respeito do seu incumprimento, terminação, constituição ou validade, e que surgir durante a vigência deste seguro ou depois de o mesmo ter terminado ou expirado (…) a uma comissão de arbitragem na forma que aqui se estabelece", mostra-se prevista, como visto, na cláusula n.º 14, da Parte III da “Transassurance – Condições Gerais”, parcialmente transcrita em C. dos factos provados.

A invalidade de tal cláusula foi em primeira linha concluída, na decisão recorrida, considerando-se que “ao aderirem verbalmente ao contrato de seguro e ao ser lavrada apólice de onde consta uma remissão para cláusulas contratuais gerais, apenas e tão-somente, está correctamente conformada uma relação de seguro que, numa primeira abordagem, as compreende como definindo o seu conteúdo modular, ex vi art. 32.° da LCS (atendendo a que não há notícia que a A. haja invocado qualquer desconformidade, como lhe seria admitido ao abrigo do disposto no art. 35.°, 2.ª parte, da LCS), mas este procedimento não possui aderência aos requisitos de forma para constituição de uma convenção de arbitragem por via de cláusula compromissória, não preenchendo o requisito formal para a sua validade, atenta a respectiva autonomia enquanto figura jurídica negocial, pelo que a convenção de árbitros, preterindo o tribunal Estadual, está ferida de nulidade, ex vi 2.°/1 e 2 da LAV e art. 220.° do CC.”.

Sustentando a Recorrente “que se encontra preenchido o requisito da forma escrita quanto à cláusula compromissória”, por isso que – tanto quanto se logra alcançar nas suas – salvo o devido respeito – circunvolutórias alegações, o mediador de seguros da A. teria expressamente aceite e concordado com as “condições gerais”, nas quais se mostra incluída a cláusula em causa, sendo ainda que o contrato de seguro só foi “negociado” em Setembro/Outubro de 2012.

2. Nos termos do artigo 1º, n.º 1, da LAV – aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro) – “Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.”.

Podendo a convenção de arbitragem “ter por objecto um litígio actual, ainda que se encontre afecto a tribunal judicial (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória).”.

Dispondo-se no artigo 2º da mesma Lei que:

“1 - A convenção de arbitragem deve adoptar forma escrita.

2 - A exigência de forma escrita tem-se por satisfeita quando a convenção conste de documento escrito assinado pelas partes, troca de cartas, telegramas, telefaxes ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita, incluindo meios electrónicos de comunicação.

3 - Considera-se que a exigência de forma escrita da convenção de arbitragem está satisfeita quando esta conste de suporte electrónico, magnético, óptico, ou de outro tipo, que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação.

4 - Sem prejuízo do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, vale como convenção de arbitragem a remissão feita num contrato para documento que contenha uma cláusula compromissória, desde que tal contrato revista a forma escrita e a remissão seja feita de modo a fazer dessa cláusula parte integrante do mesmo.

5 – (…)

6 - O compromisso arbitral deve determinar o objecto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem.”.

Sendo que o artigo 3º da LAV fulmina com a nulidade “a convenção de arbitragem celebrada em violação do disposto nos artigos 1º e 2º”.

Como assinala Luís de Lima Pinheiro,[6] o sistema português segue a via do “regime comum para a forma da convenção de arbitragem na arbitragem interna e na arbitragem transnacional, enquanto outros dispõem de um regime especial exclusivamente aplicável à arbitragem transnacional.”.

Referindo Manuel Pereira Barrocas[7] que está assim a convenção de arbitragem “sujeita a forma especial, mas o sentido de forma escrita é muito amplo.

A exigência legal de forma escrita é integralmente respeitada, desde logo, na situação usual de a cláusula compromissória constituir uma cláusula de um contrato celebrado por escrito e assinado por ambas as partes. Do mesmo modo, no caso de o compromisso arbitral constar de um documento escrito assinado por ambas as partes. Mas o sentido amplo de forma escrita admite o preenchimento dessa exigência noutras situações.

Na verdade, a declaração de cada uma das partes pode constar de documentos distintos, como expressamente decorre do número 4. do artigo 2º da LAV.

Se uma das partes propõe uma convenção de arbitragem por uma carta ou outro meio de comunicação escrita e a parte contrária a aceita por idêntico ou diferente meio de comunicação escrita, está preenchida a exigência legal de forma. Um escrito não significa necessariamente que seja em suporte de papel, bastando que seja suscetível de ser representado.

Como é sabido, no que respeita aos documentos eletrónicos, eles relevam no nosso ordenamento jurídico.

(…)

No entanto, a lei requer uma certa aparência mínima da existência de uma convenção de arbitragem, tal como se vê no artigo 2º, número 2, LAV.

Essa aparência deverá revestir a forma escrita, nem que seja por remissão por escrito para algum documento em que uma convenção de arbitragem esteja contida, tal como o número 4. do preceito permite.

Por isso, está correta a jurisprudência do Acórdão do STJ de 23 de Outubro de 2003, embora tirado na vigência da LAV de 1986, que reconhece a existência e validade de uma convenção de arbitragem celebrada oralmente, em princípio nula, mas confirmada por escrito dirigida à outra parte fazendo referência à convenção oralmente celebrada entre as partes, confirmando-a assim.

Sobre a matéria, é também interessante notar o Acórdão do mesmo alto tribunal de 17 de Junho de 1997 (…), em que se afirma a suficiência da aceitação tácita de um acordo escrito não assinado, contendo uma convenção de arbitragem.” (o grifado é nosso).

Por seu lado, Luís de Lima Pinheiro,[8] referindo-se à “importante influência harmonizadora exercida pelo artigo 2º da Convenção de Nova Iorque” (Sobre o Reconhecimento e a Execução das Sentenças Arbitrais Estrangeiras) – e concluindo que “há, em princípio coincidência entre as exigências de forma feitas pela Convenção de Nova Iorque, pela Lei-Modelo (da CNUDCI) e pela lei portuguesa”, esclarece que perante a Convenção de Nova Iorque “a convenção tem de ser escrita. Por convenção escrita entende-se "uma cláusula compromissória inserida num contrato, ou num compromisso, assinado pelas Partes ou inserido numa troca de cartas ou telegramas" (art. 2.°/2).

Na falta de assinatura do contrato que contém a cláusula compromissória ou do compromisso, o decisivo é que a convenção de arbitragem conste de uma proposta escrita, que esta proposta seja aceite por escrito e que a aceitação seja comunicada ao proponente. A aceitação não tem de se referir especificamente à convenção de arbitragem, bastando a aceitação da proposta contratual no seu conjunto.

VAN DEN BERG sugere ainda que se considere satisfeita a exigência de forma escrita quando o destinatário da proposta, embora não a aceite explicitamente, faça uma referência à convenção ou ao contrato que a contém num escrito posterior. Indo ao encontro desta sugestão, parece defensável que a aceitação possa ter tácita, desde que o facto concludente observe a forma escrita.

Certo é que não basta uma aceitação oral nem uma aceitação tácita que não resulte de um escrito, mesmo que tal aceitação corresponda aos usos do comércio num determinado sector da actividade económica.

(..)

A convenção só mencionou os meios de comunicação que eram conhecidos à época, mas isto não impede que a sua ratio permita abranger os novos meios de comunicação.

Nesta ordem de ideias, pode concluir-se que é necessário e suficiente que exista um registo das declarações escritas, seja em suporte de papel ou em suporte magnético (como uma disquete, um disco compacto ou um disco rígido). Assim, deve entender-se que constitui uma convenção escrita, no sentido da Convenção, a que resulta de uma troca de mensagens de correio electrónico ou mesmo de um clique num ícone contido num sítio da Internet que exprima a aceitação de uma cláusula geral aí visível.

Embora o ponto seja controverso, deve considerar-se suficiente a existência de uma remissão para um documento que contenha a convenção feita no contrato assinado pelas partes ou na troca de correspondência.” (idem, quanto ao grifado).

Feito este primeiro viaticum

3. Desde logo, e diversamente do pretendido pela Recorrente, não é possível extrair do email da D seguros, de 2 de Outubro de 2012 – em resposta à comunicação pressuposta em C dos factos provados – que, então, não teria sido ainda celebrado o acordo referido em A do mesmo elenco factual, ainda que de forma meramente verbal, como contempla o artigo 32º, n.º 1, da LCS.

De resto, apenas em sede de alegações de recurso veio a Recorrente pretender que o presente contrato de seguro foi celebrado com efeito retroativo”…a 01 de Julho de 2012.

E, de qualquer modo, o assim agora representado pela Recorrente não se casa com o alegado pela mesma – no seu requerimento de apresentação de meios de prova “sobre a exceção de incompetência do foro arbitral” – expressis et apertis verbis:

“18.Conforme correio electrónico de 01.10.2012, entre o Sr. P L (Diretor Geral da Ré) e o Sr. J M (corretor de seguros da Autora), foi enviada a apólice de seguro e demais documentação referente a este contrato de seguro, conforme doc. 1 que junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais), a saber:

(…)

40. A Ré remeteu todos os documentos e informações para o mediador de seguros da Autora, que atestou a sua receção e conhecimento, tendo-os aceite em nome da Autora, conforme correio electrónico de 02.10.2012.

41.Tinha assim 30 dias para invocar desconformidades entre o acordado e o conteúdo da apólice (cf. art. 35° da LCS), o que não sucedeu.” (grifado nosso).

Recordando-se corresponder a apólice de seguro à formalização do contrato de seguro que, na circunstância da não concomitância entre a celebração e a formalização – como assim é necessariamente o caso, sendo a coetaneidade estabelecida como mero “princípio” no artigo 34º, n.º 1, 1ª parte, da LCS – precederá necessariamente aquela última.

E que a D seguros – atuando em nome e representação da A./tomadora do seguro, como se prevê no artigo 31º, n.º 1, da LCS – ao manifestar, em 02-10-2012, na sequência da receção da apólice, que concordo com tudo, menos quanto à forma como faz o cálculo para o primeiro semestre, por entender dever “ser a R a pagar a diferença do prémio de seguro”, ficando “a aguardar a retificação dos recibos” – ponto que aqui não está em causa – se situa nos quadros do já citado artigo 35º da LCS.

Sendo também inconsequente, na perspetiva propugnada pela Recorrente, a circunstância de resultar do mesmo email que, em 02-10-2012, ainda não havia sido pago o prémio relativo ao 1º semestre do período inicial do contrato.

Com efeito, do disposto no igualmente convocado artigo 59º da LCS –“A cobertura dos riscos depende do prévio pagamento do prémio.” – não decorre que na ausência de tal prévio pagamento, o contrato de seguro já firmado se tenha por não celebrado.

Tratando-se, tão só, de fazer depender a produção de efeitos do contrato do pagamento do prémio.

Isto, naturalmente, sem prejuízo do disposto no artigo 61º da LCS, relativamente à “resolução automática do contrato, a partir da data da sua celebração”, no caso de “falta de pagamento do prémio inicial, ou da primeira fracção deste, na data do vencimento”, questão não suscitada nestes autos.

4. Como quer que seja – no que respeita à anterioridade do contrato de seguro verbal relativamente à sua formalização – ponto é que “Quando o mediador de seguros actue em nome e com poderes de representação do tomador do seguro, as comunicações, a prestação de informações e a entrega de documentos ao segurador, ou pelo segurador ao mediador, produzem efeito como se fossem realizadas pelo tomador do seguro ou perante este, salvo indicação sua em contrário.”, cfr. cit. artigo 31º, n.º 1, da LCS.

Provado estando que “A contratação de seguro e a formalização do documento referido em Factos A.) resultou de negociação entre a R e D Correctores, esta por conta e em representação da Autora;”.

Resultando assim – e em consonância com o que se expôs supra em 2, quanto ao conceito amplo de “forma escrita” da convenção de arbitragem – que pelo menos com a troca de emails entre a A. – representada pela D seguros – e a Ré, se salvaguardou a exigência legal da redução a “escrito” da cláusula compromissória em causa.

Com efeito, ainda que a apólice haja sido antecedida por contrato de seguro verbal, ponto é que para além das pela Ré nominadas – na comunicação de 01-10-2012 - “Condições Particulares”, assinadas por representante daquela, foram na mesma data, e conjuntamente, enviadas à D as “Condições Gerais” da apólice, integrando a cláusula compromissória em causa.

Condições que, recebidas pela D, mereceram a sua total concordância, expressa em email de resposta.

Destarte se operando a convalidação de anterior acordo verbal quanto à cláusula compromissória.

E presente aqui – no que interessa ao alcance da sobredita declaração de convergência da D Corretores – que esta mediadora de seguros “já trabalhava com o mercado do L há vários anos, conhecendo bem as apólices aí praticadas nessa modalidade de responsabilidade civil transportador, com vários clientes a subscreverem apólices do mercado do L.”, para além de que a própria Autora “já vinha contratando há vários anos, por intermédio de outros corretores, os seguros do mercado L, conhecendo bem as condições gerais destes contratos; sendo (que) todas elas remetem para arbitragem em Londres, sede do mercado L.”.

Posto o que a declaração da D, no email de 01-10-2012, dirigido à Ré por conta e em representação da A. – de concordar com tudo o constante da documentação enviada pela R. – “Condições Gerais” incluídas – menos com a forma como faz o cálculo para o primeiro semestre, aponta impressivamente no sentido de ter pretendido confirmar, também, a adesão à convenção de arbitragem.

E contra o assim concluído, não se busque apoio no princípio da autonomia da cláusula compromissória.

Aquele está consagrado no artigo 18º, n.º 2, da LAV, disposição nos termos da qual “Para os efeitos do disposto no número anterior, uma cláusula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como um acordo independente das demais cláusulas do mesmo”.

Significando, “que a validade e eficácia da cláusula compromissória deve ser apreciada separadamente da validade e eficácia do contrato em que está inserida”.[9]

Ora, na linha argumentativa que vimos seguindo não se pretendeu estabelecer a validade formal da cláusula compromissória em causa, em função da validade da celebração verbal do contrato de seguro em cujas “Condições Gerais” aquela se inclui.

Tendo sido, diversamente, apreciada a verificação do requisito da redução a escrito de tal cláusula.

E isso, assim, sem convocar o Regulamento (CE) 44/2001 – no qual a Recorrente igualmente procura conforto para a posição que neste ponto defende –cujo artigo 23º se reporta a requisitos de validade do pacto de jurisdição, consabidamente coisa diversa da convenção de arbitragem, cfr. artigos 94º e 97º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Quanto ao que converge, aparentemente, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 11-02-2015,[10] quando considera, com citação de Lima Pinheiro, que “A competência diz-se convencional quando atribuída por convenção das partes, constituindo um pacto de jurisdição se versar sobre a jurisdição nacional competente e é susceptível de ter um efeito atributivo de competência ou um efeito privativo de competência: “Tem um efeito atributivo quando fundamenta a competência dos tribunais de um Estado que não seriam competentes por aplicação dos critérios de competência legal. Tem um efeito privativo quando suprime a competência dos tribunais de um Estado que seriam competentes por aplicação dos critérios de competência legal”.

5. Por último, e quanto a este ponto, importará ainda assinalar que o já citado artigo 18º da LAV, dispõe, no seu n.º 1, que “O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.”.

Com o que se dá letra ao chamado princípio da “competência-competência” (Kompetenz-Kompetenz na nomenclatura alemã, de onde provém o conceito), que, “em poucas palavras significa que o tribunal arbitral tem plena competência para resolver todas as questões que se colocam no processo arbitral ou relativas ao processo arbitral, quer sejam de natureza substantiva relativas ao mérito da causa, quer sejam de natureza processual.”.

E “Por tudo isto se diz que o tribunal arbitral tem competência própria para concluir se tem competência para conhecer o litígio. É este duplo nível de competências que dá nome ao princípio da competência-competência.”.

Consagrando dessa forma tal princípio “a autonomia da jurisdição arbitral relativamente à jurisdição dos tribunais estaduais.”.[11]

Assim, e como assinalava João Luís Lopes dos Reis,[12] no domínio da anterior LAV, mas com plena atualidade, “a questão da  validade, a questão da eficácia, mesmo a questão da aplicabilidade da convenção de arbitragem ao litígio submetido ao tribunal judicial, estão subtraídas à jurisdição do juiz.

(…)

Com uma excepção: a que decorre da aplicação da doutrina do artigo 12º, n.º 5, da LAV. Se for manifesta – isto é, óbvia, evidente – a invalidade, a ineficácia ou a inaplicabilidade da convenção de arbitragem, o juiz pode declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a excepção.”.

Sendo lugar paralelo daquele artigo 12º, n.º 5, na atual LAV, o artigo 5º, n.º 1, disposição nos termos da qual – e sob a epígrafe “Efeito negativo da convenção de arbitragem”“O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível." (grifado nosso).

Em anotação a tal normativo referindo Manuel Pereira Barrocas[13] que “O advérbio manifestamente pretende significar o respeito pelo princípio da competência-competência (…) O juiz apenas pode conhecer daqueles vícios se eles forem tão evidentes que praticamente não careçam de demonstração, ou seja, inexiste razão jurídica ou prática para o juiz observar o princípio da competência-competência, remetendo as partes para a arbitragem. Dito por outras palavras, só em casos excecionais e evidentes pode o juiz obviar à remessa do processo para a arbitragem.

Se assim não for, compete sempre ao árbitro, e só a ele, a decisão relativa à existência, validade, eficácia ou exequibilidade da convenção de arbitragem e, subsequentemente, à resolução do litígio respetivo.”. (idem quanto ao grifado).

Tendo o Supremo Tribunal de Justiça decidido, em Acórdão de 09-07-2015,[14] que “Basta uma plausibilidade de vinculação das partes à convenção de arbitragem para que, sem mais, cumpra devolver ao tribunal arbitral voluntário apreciação da sua própria competência, nos termos do art. 21º, nº1, da LAV, só podendo o tribunal judicial deixar de proferir a absolvição da instância se for manifesta, clara, patente a invalidade ou a inexequibilidade da cláusula;” (grifado nosso).

Ora, de quanto se vem de expender no tocante à observância da forma escrita exigida para a convenção arbitral, resulta que, em qualquer caso, nunca se trataria de uma óbvia e evidente postergação daquela.

E tanto assim que, na sentença recorrida, a ausência da forma prescrita foi concluída na consideração da celebração verbal do contrato de seguro – projetada como sendo anterior de vários meses ao envio da apólice, com as “Condições Gerais” respetivas – descartando a possibilidade de se considerar convalidada a correspondente cláusula compromissória com o envio da apólice com aquelas “Condições”, e ignorando o teor da “resposta” da D e as circunstâncias profissionais desta.


*

Procedendo assim, também neste segmento, as conclusões da Recorrente.


6. Em sede de “eficácia” da cláusula compromissória, considerou-se na sentença recorrida, que "De todo o modo, sucede in casu que a demandada/proponente, pura e simplesmente não realizou absolutamente nenhum acto destinado à transmissão prévia à aderente ou seu representante (art. 17.°/1 da LCS) do conteúdo das cláusulas contratuais gerais a que reporta o documento e que pretendia (e pretende, nesta instância) produzisse efeitos na relação de seguro, também na dimensão do foro arbitral.

De facto, a R. remeteu ao representante da A. que efectuou a contratação o conteúdo das cláusulas contratuais gerais, mas apenas na altura em que entregou a apólice, assim depois de a contratação se achar concluída e o contrato se achar já há vários meses em produção de efeitos (cfr. Factos A.) a C.)), não tendo existido nenhuma medida de cumprimento apreensível do dever de ministração de informações pré-contratuais sobre o conteúdo das cláusulas contratuais gerais que conformariam estipulações específicas da convenção.

Abstraindo da questão da nulidade que viemos de referir e declarar (supra, C.)), se o procedimento contratual seguido por A. e R. que viemos de definir seria passível de impor o que, por conteúdo convencionado, se aplicasse a disciplina constante das cláusulas contratuais gerais, atendendo a que foi verbalmente acordado ou, ao menos, foi feito constar da apólice a sua aplicabilidade sem reacção da A., tomadora do seguro, gerando um efeito de consolidação do contrato de seguro nos termos do art. 35.° da LCS, temos que existe a montante destas incidências uma outra viciação do procedimento contratual que impõe a ineficácia das cláusulas contratuais gerais pré-elaboradas e, por inerência, da cláusula compromissória que delas consta.”.

Temos, portanto, que à declaração de aplicação, na relação de seguro, de um regime de cláusulas contratuais gerais (Factos A.) e B.)) não se associa um procedimento mínimo adoptado pela predisponente (ora R.), prévio à formalização e constituição da relação de seguro, destinado a obter "o consentimento são e consciente do aderente" (ora A.) sobre a aplicabilidade do conteúdo dessas estipulações, que se pudesse dizer representar uma "comunicação" (...) "realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, [tornasse] razoavelmente possível o conhecimento completo e efectivo" do conteúdo do clausulado predisposto (…). Estamos, pois, perante a conclusão inevitável que a R., predisponente, não logrou "provar ter observado o ónus da ( ... ) prévia comunicação individualizada, integral e efectiva" das cláusulas contratuais gerais, pelo que, ex vi art. 8.°, al. a) do RCCG, "a lei considera essas cláusulas ( ... ) não escritas" (…).”.

7. Como dá nota Luís de Lima Pinheiro,[15] “Relativamente às convenções de arbitragem que constituam cláusulas contratuais gerais, haverá que contar com o controlo das cláusulas contratuais gerais estabelecido por alguns sistemas nacionais, designadamente quanto à sua inclusão no contrato, à sua interpretação e à proibição de certas cláusulas “abusivas”.”.

Assim sendo que o artigo 2º, n.º 4, da LAV transcrito supra – ao admitir como convenção de arbitragem a remissão feita num contrato para documento que contenha uma cláusula compromissória, fá-lo “Sem prejuízo do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.”.

Temos para nós, porém, que um tal segmento normativo – de resto reportado à matéria da forma, na denominada “convenção de arbitragem por referência”[16] – não cobra aplicação, em matéria de exceção de preterição de tribunal arbitral, em quanto exceda a previsão do artigo 5º, n.º 1, da LAV.

Dito de outro modo, o princípio da kompetenz-kompetenz estabelecido no artigo 18º, n.º 1, da LAV, não comporta outras exceções ao efeito negativo da convenção de arbitragem, perante o tribunal estadual, para além das expressamente previstas no artigo 5º, n.º 1, da mesma LAV.

Quando aquele normativo da LAV se refere à ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem “não estamos propriamente no âmbito da validade. O ato é originariamente válido, mas no decurso do tempo perdeu os seus efeitos (por ex. a convenção de arbitragem foi revogada pelas partes ou caducou ou foi celebrada a título condicional ou deixou de existir o litígio, etc.)”.[17]

E “a convenção de arbitragem será ineficaz quando se encontra sujeita a uma condição suspensiva e este ainda não ocorreu ou carece uma das partes da convenção de uma autorização legal (…) para que possa tornar-se eficaz”.[18]

Também, “Sobre a inexequibilidade importa constatar que, quanto aos efeitos, ela pode apresentar semelhanças com a nulidade, dado que a nulidade da convenção de arbitragem determina a sua inexequibilidade. Simplesmente, inexequibilidade no sentido do preceito legal sob comentário pretende ir para além do mero efeito da nulidade e representar uma figura autónoma.

(…)

A inexequibilidade traduz uma situação de impossibilidade de facto para cumprir a convenção de arbitragem que, todavia, é válida e vinculativa. A situação de inexequibilidade pode resultar de ausência insanável de inteligibilidade em geral ou de impossibilidade fática de execução, tal como por exemplo a no­meação de árbitros que tenham falecido ou que nunca existiram.”.

Ora a uma tal ineficácia ou inexequibilidade – entendidas nos termos que se deixaram gizados – não é recondutível a “exclusão” da cláusula compromissória por eventual ausência de comunicação da mesma, nos termos previstos na articulação dos artigos 5º, n.ºs 1 e 2, e 8º, alínea a), da LCCG.

Nem, desde logo, a atuação do “ónus da prova da comunicação adequada e efectiva”, cometido “ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”, no n.º 3 daquele artigo 5º, se casaria com a exigência do caráter manifesto da invalidade ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem, em sede inoperatividade da exceção de preterição de tribunal arbitral.

Manifestando sensibilidade a tal incongruência havendo o Supremo Tribunal de Justiça ponderado, em Acórdão de 28-05-2015,[19] que “12. O afastamento da convenção de arbitragem poderá apenas ter origem na demonstração da ausência de negociação prévia ou de comunicação adequada e efetiva.”.

8. Não deixará de se assinalar, conquanto assim apenas marginalmente, que não obstante o ónus de prova estabelecido no n.º 3 do artigo 5º da LCCG, da ausência de tal comunicação apenas poderá o tribunal conhecer mediante invocação do aderente, como é jurisprudência pacífica. Vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-01-2007,[20] 25-05-2006[21] e 09-10-2003.[22]

Sendo que confrontada com a alegação, na contestação da Ré, da existência de uma cláusula compromissória, integrante das “Condições Gerais” – de que foi junto exemplar, com aquele articulado – e de ter o contrato sido “negociado” “com a D Corretores, na qualidade de mediadora de seguros, em nome e por conta da Autora”, limitou-se esta, na sua resposta, e no que a tais “Condições”, respeita, a dizer: “Ora, é a primeira vez que a A. tem conhecimento de tal documento, porquanto nunca o assinou ou sequer teve na sua posse”.

E, perante a alegação da Ré, no seu requerimento probatório sobre a exceção de preterição do foro arbitral, de que “a Autora nunca comunicou directamente com a Ré…”, e “Conforme correio electrónico de 01.10.2012, entre o Sr. PL (Director Geral da Ré) e o Sr. JM (corretor de seguros da Autora), foi enviada a apólice de seguro e demais documentação referente a este contrato de seguro”, limitou-se “ao abrigo do princípio do contraditório”, e como visto já, a arguir a “intempestividade da apresentação do requerimento probatório pela ré”.

Na sequência do que veio a 1ª instância a dar como provado – sem impugnação a propósito – que "C. Em 01.10.2012, a R remeteu a D Corretores o documento referido em Factos A.) e o documento de fls. 63-79, intitulado "Transassurance/Condiçôes Gerais (…)”.

Ou seja, a A. concedendo ter o contrato sido celebrado com a imediação da D, por conta e em representação da A., que nunca teve contactos com a Ré, não alegou, em momento algum, que aquela última não tivesse comunicado previamente à D a cláusula compromissória assim em causa.

Que a D, porventura, não haja entregue as “Condições Gerais” em que aquela se integra à própria A., ou mesmo que lhe não haja dado notícia da cláusula compromissória, é já questão que ultrapassando os quadros da falta de comunicação das cláusulas contratuais gerais ao aderente – apenas poderá interessar à matéria da responsabilidade do mediador de seguros, e em particular do corretor de seguros, por infração dos seus deveres, e designadamente de informação, para com o cliente, cfr. artigos 28º e 29º, da LCS, 31º, alíneas a) e e) e 32º, do Decreto-Lei n.º 144/2006 de 31 de Julho, que procede à transposição da Diretiva n.º 2002/92/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Dezembro, relativa à mediação de seguros.

De qualquer modo ponto é que não arguiu a Recorrente o excesso de pronúncia da sentença recorrida…

Mas sendo igualmente certo que, como resulta do que se expendeu supra em 4. - designadamente quanto a ter resultado “A contratação de seguro e a formalização do documento referido em Factos A.) (…) de negociação entre a R e D Corretores, esta por conta e em representação da Autora;”, e que a D Corretores “já trabalhava com o mercado do L há vários anos, conhecendo bem as apólices aí praticadas nessa modalidade de responsabilidade civil transportador, com vários clientes a subscreverem apólices do mercado do L.”, para além de que a própria Autora “já vinha contratando há vários anos, por intermédio de outros corretores, os seguros do mercado L, conhecendo bem as condições gerais destes contratos; sendo (que) todas elas remetem para arbitragem em Londres, sede do mercado L.” – a salvaguarda dos interesses visados com o dever de comunicação consagrado no artigo 5º da LCCG poderá revelar-se assegurada…ao menos em termos de não ser possível equacionar a manifesta postergação daqueles.

O que, é sustentável, obstaria à verificação da hipótese ressalvada no artigo 5º, n.º 1, última parte, da LAV.


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 Com procedência, neste plano e conformidade, das conclusões da Recorrente

9. Por fim, e no tocante à contradição – igualmente considerada na sentença recorrida – pela cláusula compromissória, da proibição, constante do artigo 19º, alínea g), da LCCG – de “cláusulas contratuais gerais que: Estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem” – é certo que Menezes Cordeiro,[23] com citação de Miguel Teixeira de Sousa, como também Ana Prata,[24] citando Raúl Ventura,[25] e José Manuel de Araújo Barros[26] – por igual com citação daquele – consideram extensiva a norma à cláusula contratual geral que se traduza em convenção de arbitragem.

Cominando o artigo 12º da LCCG, a nulidade da cláusula afrontadora de tal proibição.

É porém desde logo de ter em atenção que se trata, na citada alínea g), de cláusula relativamente proibida, posto que a proibição é “consoante o quadro negocial padronizado”.

O que significa, nas palavras de Almeno de Sá,[27] que “Quanto ao concreto horizonte de referência (…) que a valoração haverá de fazer-se tendo como referente, não o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o caracterizam, no interior do todo do regulamento contratual genericamente predisposto.”.

Não sendo pois “os interesses individuais dos intervenientes que directamente ganham relevo, mas os interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas em negócios da espécie considerada. Torna-se, por isso, essencial a consideração da situação de interesses contratual-típica e não meramente as vicissitudes particulares do negócio individual realizado.”.

Tornando-se “imprescindível, na valoração de uma cláusula relativamente proibida, contrapor o interesse da contraparte tipicamente afectado por tal cláusula àquele que por ela é assegurado ao utilizador. Nesta ponderação, haverá de concluir-se por uma violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder à "medida" do equilíbrio pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, em detrimento da contraparte do utilizador.”.

Sendo, pelo que respeita ao critério de avaliação do conteúdo proibido das cláusulas, a utilizar no domínio das proibições relativas, que importará proceder “a uma acabada ponderação de interesses, na consideração do “princípio da proporcionalidade”, tendo como preocupação primeira “determinar se o utilizador, através da cláusula ou cláusulas consideradas, procura levar a cabo, exclusivamente, interesses próprios, sem tomar em consideração, de forma minimamente ajustada ou razoável, os interesses da contraparte ou sem, no mínimo, lhe facultar uma adequada compensação.”.[28]

Também José Manuel de Araújo Barros,[29] no tocante à implicância da referência ao “quadro negocial padronizado” “Repisando a conclusão (…) de que, sendo a cláusula dirigida a uma generalidade de destinatários, a ponderação a efectuar terá de se situar no juízo do predisponente por referência a esse conjunto de pessoas, o que, remetendo necessariamente para o tipo de contrato, exclui das circunstâncias a considerar na avaliação da boa ou má-fé do predisponente aquelas que são exclusivas de cada um dos indivíduos que vieram a aderir àquele.”.

Ora confrontamo-nos com um contrato de seguro de responsabilidade civil da área dos transportes nacionais/internacionais de mercadorias, com “Âmbito territorial” nos “Países da União Europeia”, sendo seguradora uma empresa sediada em Londres.

Empresa que assim é suscetível de ser demandada por tomadores de seguros dessa espécie, sediados em diversos pontos da EU, para assumir responsabilidades relativamente a sinistros ocorridos em variados locais do espaço comunitário.

Sendo intuitivo que sem a definição da cláusula 14, alínea G), das “Condições Gerais” respetivas – “O lugar da arbitragem será Londres…” – incorreria a seguradora em exponencialmente maiores despesas em sede de contencioso com os seus clientes.

Mas tendo-se igualmente como certo que a fixação de Londres como lugar de arbitragem poderá implicar para o tomador de seguro despesas acrescidas com o processo arbitral, designadamente com deslocações.

Parte das quais, contudo, eventualmente também se verificariam quando a arbitragem se realizasse em Portugal e houvesse lugar a audiências para a produção de prova – cfr. artigo 34º, n.º 1, da LAV – que implicassem a deslocação ao nosso País de testemunhas ou peritos do estrangeiro.

Para além da possibilidade – quando a prova a produzir dependa da vontade de uma das partes ou de terceiros e estes recusem a sua colaboração –de uma parte “solicitar ao tribunal estadual competente que a prova seja produzida perante ele, sendo os seus resultados remetidos ao tribunal arbitral”, contemplando-se, designadamente, as “solicitações de produção de prova que sejam dirigidas a um tribunal estadual português, no âmbito de arbitragens localizadas no estrangeiro”, cfr. artigo 38º da LAV.

Sendo também que, no tocante aos honorários de juiz árbitro, perito e representante forense, nada permite concluir – diversamente do pressuposto na decisão recorrida – que aqueles excederão significativamente os que são praticados em local equidistante…ou mesmo em Portugal…

Não se tratando o tomador de seguro/empresa de transportes nacionais e internacionais de mercadorias, em princípio, de agente económico despojado de capacidade de litigância.

Do que tudo resulta não ser manifesto que o local de funcionamento do tribunal arbitral, definido na invocada cláusula 14 “envolva graves inconvenientes” para a A./tomadora de seguro, sem que os interesses da Seguradora o justifiquem.

Nem, logo, se verificando a “óbvia” nulidade, nessa considerada vertente, da cláusula compromissória.


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Com procedência, igualmente nesta parte, das conclusões da Recorrente.

IV – Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente, e revogam o despacho recorrido, julgando procedente a arguida exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, e absolvendo a Ré da instância.

Custas pela A./recorrida, que decaiu.


Lisboa, 2016-07-07

(Ezagüy Martins)

(Maria José Mouro)

(Maria Teresa Albuquerque)


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[1] In “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 3ª ed., Coimbra Editora, 2014, pág.
[2] In “Contrato de Seguro”, Coimbra Editora, 1999, pág. 97.
[3] V.g., in https://www.google.pt/search?q=google+tradutor&ie=utf-8&oe=utf 8&gws_rd=cr&ei=E7NmV4WiMqWWgAarp6qYCg; http://www.wordreference.com/enpt/schedule;
[4] In http://www.linguee.pt/portugues-ingles/search?source=auto&query=policy+schedule
[5] Cfr. José Vasques, in op. cit., pág. 31.
[6] In “Arbitragem Transnacional - A determinação do Estatuto da Arbitragem”, Almedina, 2005, pág. 214.
[7] In “Manual de Arbitragem”, 2ª ed., Almedina, 2013, págs. 159-160.
[8] In op. cit., págs. 92-94, 98.
[9] Apud Luís de Lima Pinheiro, in op. cit., pág. 120.
[10] Proc. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[11] Manuel Pereira Barrocas, in “Lei da Arbitragem Comentada”, Almedina, 2013, págs. 84-85.
[12] “A Excepção da Preterição do Tribunal Arbitral (voluntário), in ROA, Ano 58, Vol. III, págs. 1128-1129.
[13] Op. cit., pág. 49.
[14] Proc. 1770/13.1TVLSB.L1.S1, Relator: MÁRIO MENDES, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão daquele Tribunal, de 02-06-2015, Proc. 1279/14.6TVLSB.S1, Relator: GARCIA CALEJO, no mesmo sítio da Internet.
[15] In op. cit., pág. 91.
[16] Cfr. Manuel Pereira Barrocas, in “Lei da Arbitragem Comentada”, Almedina, 2013, pág. 40.
[17] Idem, pág. 50.
[18] Manuel Pereira Barrocas, in “Manual de Arbitragem”, citado, pág. 222.
[19] Proc. 2040/13.0TVLSB.L1.S1, Relator: JOÃO BERNARDO, no mesmo sítio da Internet.
[20] Revista n.º 4230/06 - 1.ª Secção, Relator: BORGES SOEIRO, acessível na base de dados da Procuradoria-Geral da República.

[21] Revista n.º 1016/06 - 2.ª Secção, Relator: PEREIRA DA SILVA, acessível na mesma base de dados.
[22] Revista n.º 1384/03 - 7.ª Secção, ARAÚJO DE BARROS, acessível na mesma base de dados.
[23] In “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, pág. 384.
[24] In “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, 2010, Almedina, págs. 452-453.
[25] “Convenção de Arbitragem e Cláusulas Contratuais Gerais”, in ROA, Ano 46, Abril de 1986, págs. 44-45.
[26] In “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, Almedina, 2ª Ed., Reimpressão, 2005, pág. 298.
[27] In “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, Almedina, 2ª Ed., Reimpressão, 2005, págs. 259-260.
[28] Ibidem, págs. 261-262.
[29] In op. cit., pág. 297.