Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11749/17.9T8LSB.L2.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: AUDIÊNCIA PRÉVIA
CONHECIMENTO DO MÉRITO DA CAUSA
FALTA DE MANDATÁRIO
ADIAMENTO
JUSTO IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I– Deve aplicar-se à audiência prévia a regra geral prevista para as audiências de julgamento e que está consignada no artigo 603º, nº 1, do Código de Processo Civil, enquadrada na figura de cariz genérico e abrangente do justo impedimento consagrado no artigo 140º do mesmo diploma legal, o que significa que, existindo, comprovadamente, uma situação de justo impedimento que explica e justifica a ausência de um dos advogados ao acto judicial para o qual foi convocado, não existe outra alternativa que não o adiamento a determinar pelo juiz que preside à audiência.

II– Não faz sentido aplicar indiferenciadamente o disposto no artigo 591º, nº 3, do Código de Processo Civil, que determina que “não constitui motivo de adiamento a falta das partes ou dos seus mandatários”, quer à situação de falta não justificada – na qual o ausente faltou sem motivo, violando desse modo o dever de comparência que lhe incumbia (inclusive em termos deontológicos), e arcando nessa medida com as consequências negativas associadas à não comparência que lhe é imputável -; quer à situação de falta devidamente justificada, na qual o ausente só não compareceu por motivos que não lhe são imputáveis e que ocorreram de forma inesperada, não sendo passíveis de superação, não lhe dando margem para a conduta alternativa que pretendia adoptar (a comparência ao acto).

III– Não tendo podido o advogado comparecer a uma audiência na qual lhe competia assegurar a defesa dos interesses do seu cliente, no cumprimento do mandato forense que lhe foi conferido, devendo-se a sua imprevista ausência a imponderáveis motivos de saúde, verificados na véspera e que aconselham, em termos médicos, repouso absoluto, a lei não estabelece um regime (insensato) de absoluta indiferença pela impossibilidade objectiva de comparência do ausente, uma vez que o que está em causa é o exercício do contraditório pelas partes, não cabendo ao juiz aquilitar da maior ou menor utilidade da presença dos ilustres mandatários judiciais convocados para a diligência.

IV– Não é ainda aceitável que o juiz considere implicitamente que, tratando-se da possibilidade de discutir de facto e de direito o objecto de acção, perante a posição já antes assumida pelo julgador, a presença ou ausência de um ou mais advogados não faça nenhuma diferença prática, como se aquilo que pelos mesmos viesse a ser referido na audiência prévia não fosse minimamente relevante ou devesse à partida ser encarado como inconclusivo, inócuo ou a desconsiderar absolutamente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa(7ªSecção ).


I–RELATÓRIO


Instauraram  A [ HORTÊNSE……… ] , viúva, cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de Luís …….., CF 1........7, residente na Vila ... ..., n.º .…, 1...-4...- Lisboa, representada pelo filho B  [ Luís ……..], divorciado, residente na Calçada ..., n.º ...- 2.º..., 1...-3...- Lisboa ;  C [ MARIA …… ]e marido D [ ROMÃO ……], casados no regime de comunhão de adquiridos, CF n.ºs 1........9 e 1........7, residentes na Praça ... ..., n.º... - 6.º..., 1...-0...-Lisboa; E [ AMÍLCAR ….. ] e mulher F [ MARIA N. ….] , casados no regime de comunhão de adquiridos, CF n.ºs 1........4 e 1........0, residentes na Praça ... ..., n.º... - 5.º ..., 1...-6...-Lisboa, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra G [ ISABEL…. ] e H [ COMÉRCIO ….., UNIPESSOAL, LDA. ], NIPC 5........7, com sede no Largo ..., n.º ..., 1...-1...-Lisboa.

Essencialmente alegaram que:
Na qualidade de senhorios, remeteram à Ré, na qualidade de arrendatária, em 5 de Janeiro de 2012, uma carta registada com aviso de recepção, onde comunicavam que pretendiam denunciar o contrato de arrendamento existente com efeitos a partir de 5 de Janeiro de 2017, em virtude de ter ocorrido transmissão de posições sociais, o que provocou alteração da titularidade do capital social da Ré em mais de 50%.
Mais referem que em 22 de Dezembro de 2016 e em 7 de Abril de 2017 foram remetidas novas cartas a dar conta da denúncia e respectivo pedido de desocupação da fracção locada, sendo que até à data a Ré não satisfez a pretensão dos Autores.
Concluem pedindo a declaração da validade da cessação do contrato de arrendamento comercial, por denúncia operada em 5 de Janeiro de 2012, com efeitos a partir de 5 de Janeiro de 2017 e a condenação da Ré a despejar a fracção locada e a entregá-la aos Autores completamente livre e devoluta de pessoas e bens.
Regular e pessoalmente citada, a Ré contestou, deduzindo defesa por excepção dilatória de erro na forma do processo e alegando que o contrato por ser não habitacional, não podia ser sujeito a denúncia. Invoca ainda a existência de abuso de direito dos autores na realização da denúncia do contrato de arrendamento, uma vez que a autora C, gerente da sociedade ré em 19/01/2010, cedeu nessa data a sua quota nessa mesma sociedade a uma outra empresa e vem agora denunciar o contrato com base também na cessão de quotas dessa mesma sociedade ré. Pelo que entende que a actuação dos Autores se insere no âmbito do instituto de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
Pugna pela improcedência da acção e a sua consequente absolvição, mais pedindo a condenação dos Autores como litigantes de má-fé em multa e indemnização não inferior a € 10.000,00, 
Notificados para o efeito, os Autores vieram responder à excepção deduzida, pugnando pela sua improcedência.
Foi designada audiência prévia – na sequência do acórdão do Tribunal da Relação de 20 de Dezembro de 2018 que considerou indevida a sua dispensa – existindo acordo de ambos os mandatários judiciais quanto à data designada – 9 de Abril de 2019.
Na véspera da diligência, o advogado do Réu comunicou a impossibilidade de comparência à audiência prévia, por motivos de doença, invocando portanto justo impedimento para tal e pedindo o seu adiamento.
Acontece que o juiz a quo considerou que tal audiência prévia não poderia ser adiada com fundamento em falta (ainda que justificada) de um ou de ambos os mandatários judiciais, fundamentando-se no disposto no artigo 591º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Indeferiu, nessa medida, o adiamente requerido pelo mandatário da Ré
De seguida e durante a mesma audiência prévia, foi proferida sentença que julgou a presente acção totalmente procedente, e, em consequência: considerou improcedente a excepção de erro na forma de processo invocada pela Ré na sua contestação; declarou validamente cessado o contrato de arrendamento para fins não habitacionais referido nos factos provados, por denúncia comunicada por carta remetida em 5 de Janeiro de 2012, com efeitos produzidos em 9 de Janeiro de 2017; condenou a  Ré H., a entregar aos Autores, livre e devoluto de pessoas e bens, o respectivo locado consistente na loja do prédio urbano sito na Largo ..., n.ºs ……, freguesia de Santa ..., Lisboa, inscrito sob o artigo n.º 2... na matriz predial urbana da freguesia de São ..., e descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o n.º 1...; absolveu os os Autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé (cfr fls. 153 a 162).
Apresentou a Ré recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr fls. 178).
Juntas as competentes alegações, a fls. 164 a 172, formulou a Ré apelante as seguintes conclusões:  
1.Veio o I.M. signatário, na qualidade de mandatário da ré e ora recorrente, à data de 08.04.2019, deduzir requerimento - Ref. 22499623 - aos presentes no qual invocava que por “justo impedimento”, por razões médicas, fazendo acompanhar o referido requerimento do competente atestado médico, não poderia estar presente na diligência que se encontrava agendada para o dia de 09.04.2019.
2. A única pronúncia subsequente do douto Tribunal refere-se e enforma Despacho, que foi notificado no dia 09.04.2019, na mesma notificação na qual vem a recorrente notificada da douta sentença ora em crise.
3.“1.–O advogado que pretenda adiar o julgamento por motivo de doença súbita e inesperada que não lhe permita estar presente em audiência final deverá, antes do início dessa diligência, requerer o seu adiamento justificando aí logo a verificação duma situação de justo impedimento (Art. 603º n.º 1 e Art. 140º n.º 1 do C.P.C.).
4.Em momento ANTERIOR ao início da prática do acto judicial para o qual o mandatário se encontrava impossibilitado, sempre implicaria que o douto Tribunal tivesse determinado a remarcação da data de diligência que se encontrava agendada.
5.Não só in casu, o douto Tribunal não o fez, como mais, pronunciou-se de mérito, em total prejuízo para com a recorrente e, em clara VIOLAÇÃO da doutrina, jurisprudência, lei processual e Fundamental, obstaculizou o acesso à justiça e o Direito de usar de um mecanismo e fase processual própria – diligência de audiência de partes, para discussão de matéria de Direito.
6.E assim, não só obstaculizou o acesso à JUSTIÇA na sua plenitude, como termina o processo proferindo sentença de mérito surpresa.
7.“V- Na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.” in Ac. TR de Coimbra, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e7f82f9be7f375f08
8.“O Tribunal da Relação de Évora, em acórdão muito recente - de 25.10.2012 e retirado do site www.dgsi.pt - decidiu que ,”…tendo a sentença recorrida sido proferida em sede despacho saneador sem do facto ter sido dado conhecimento prévio às partes e ao invocar nela fundamento não alegado pelas partes, concluindo por uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, violou o disposto no artº 3º, nº 3 do CPC, constituindo a sentença recorrida uma decisão-surpresa”.”
9.Ora aqui e na verdade, não foi permitida às partes a discussão de facto e de direito, não se assegurou o Princípio do Contraditório, proferiu-se uma decisão surpresa.
10.Aliás tanto que assim o é, que a recorrente tem todo o interesse na realização da diligência de audiência de partes, porquanto sempre seria na mesma que se iria discutir matéria de Direito, essencial que é para a boa decisão de mérito.
11.“ A convocação da audiência prévia para o fim previsto no art. 591º, nº 1, al. b) visa assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisões-surpresa (art. 3º, nº 3), pelo que se nos afigura que o juiz só poderá dispensar, nestes casos, a audiência prévia, ao abrigo do disposto nos arts. 6º e 547º, se aquele conhecimento assentar em questão suficientemente debatida nos articulados.”
12.Ora, a audição das partes quanto à matéria de facto e de direito constitui uma formalidade legalmente imposta pelo artigo 591.º n.º 1 al. b) do C.P.C., cuja violação acarreta a nulidade da decisão o que, desde já se invoca, com todas as consequências legais daí decorrentes, requerendo-se a procedência por provado do presente recurso.
13.Ademais, nenhuma das partes compareceu na audiência e, razão pela qual, tal qual conforme havia já ocorrido anteriormente, razão pela qual se recorreu já anteriormente para este douto Tribunal superior,
14.Assim, veio o douto Tribunal a quo, proferir decisão surpresa, sem realizar audiência de partes, mudando-lhe a “roupagem”, mas sendo o “traje” final o mesmo, i e, decisão surpresa sem permitir às partes beneficiarem do imperativo categórico legal da audiência de partes.
15.Termos em que se requer a declaração da nulidade derivada da falta de discussão de facto e de direito em sede de audiência prévia, por manifesta violação do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 4, 591.º, n.º 1, alínea b), 592.º e 593.º, n.º 1, do CPC, e artigo 20.º, n.º 4, da CRP,  com a necessária anulação de todos os atos subsequentes, devendo nessa conformidade os autos baixar à primeira instância.
16.No quanto concerne à errónea forma de processo, recorde-se apenas a jurisprudência citada: “I - A errada indicação da forma do processo constitui uma nulidade principal, de conhecimento oficioso até à sentença final se não houver despacho saneador (fixando a prolação deste o termo final de tal conhecimento), e traduz-se em regra numa excepção dilatória sanável cujo regime pode ser sintetizado do seguinte modo: a petição inicial é sempre aproveitada, passando-se da forma errada para a forma legal (mediante a prática dos actos que forem estritamente necessários para esse efeito) e apenas se anulam os actos que não possam ser aproveitados, isto é, os actos que sejam incompatíveis com a nova forma processual ou que atribuam menos garantias ao réu (arts. 193.º, n.º 4, 199.º, 202.º e 206.º, n.º 2, do CPC),
17.Termos em que também por esta razão, deverá o recurso ora em causa merecer provimento e assim ser revogada a decisão surpresa que colide com o exercício do Contraditório, tudo o que se requer em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA!
18.No quanto concerne à denúncia e ao dar-se tal facto por provado – em decisão surpresa e sem produção de prova – diga-se apenas que o problema das decisões surpresas é exactamente o problema de não se permitir às partes exercerem o seu contraditório,
19.“Ora, no caso dos autos, está provado que os Autores remeteram à Ré uma carta registada com aviso de recepção em 05/01/2012, no âmbito da qual declararam pretender pôr termo ao arrendamento não habitacional existente, com efeitos a partir de 05/01/2017.” – tal não enforma a Verdade Material dos Factos nem se encontra devidamente provado nos autos.
20.É que como bem indica a sentença em crise: “Tal como explicitam José António de França Pitão e Gustavo França Pitão: “Uma vez efetuada essa denúncia, os efeitos do contrato de arrendamento têm-se por cessados desde o momento em que a declaração opera os seus efeitos, cessando as obrigações do senhorio e do arrendatário.”.
21.Uma vez efectuada a denúncia e nos presentes autos não se provou efectivamente e para além de qualquer dúvida inatacável, que existiu uma “denúncia efectuada”.
22.Isto porquanto para que uma denúncia se considere “efectuada” a mesma carece de ser integralmente dada por boa na esfera jurídica do seu destinatário, sendo a notificação ora em causa o acto receptício pelo qual se dá conhecimento da alegada denúncia do contrato, a mesma só poderá produzir efeitos quando do seu destinatário for a mesma conhecida.
23.Pelo que é manifestamente falso que se possa dar por provado que a denúncia foi efectivamente realizada.
24.Vir o douto Tribunal alegar que: “Como tal, mostrando-se válida a denúncia operada pelos Autores em 05/01/2012, cujos efeitos se produziram em 09/01/2017, o contrato em causa tem-se como cessado, tal como resulta do disposto no artigo 1079.º do CC.”
25.É estar a concluir através de um facto não dado por provado e concluir sobretudo – sem qualquer prova que corra nesse sentido – que o contrato se mostra cessado e assim determinar a procedência de toda uma acção de despejo, merece por parte deste douto Tribunal a devia monção de censura e a procedência por provado do presente RECURSO, o que respeitosamente se requer!
Não houve resposta.

II–FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado em 1ª instância:
1.Encontra-se registada a favor dos Autores, a aquisição do prédio urbano sito no Largo ..., n.º ……, freguesia de Santa ..., Lisboa, inscrito sob o artigo n.º 2... na matriz predial da freguesia de São ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o n.º 1....
2.Em 13/09/1939, por escritura pública lavrada no 2.º Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 105 e seguintes do livro de notas para escritura diversas n.º 2...-C, foi declarado pelos anteriores proprietários do imóvel referido no ponto anterior que davam de arrendamento ao anterior arrendatário, a loja do prédio urbano descrito em 1) que se destinava a estabelecimento de farmácia.
3.Em data que não foi possível apurar, mas que se situa no ano de 2001, a Ré declarou tomar de arrendamento o imóvel referido no ponto anterior, com o acordo dos respectivos senhorios, mantendo-se como objecto do acordo a exploração de farmácia.
4.Em 11/03/2009, foi acordada entre os senhorios do mesmo imóvel e a aqui ré a alteração das cláusulas terceira (passando a ser a renda mensal no montante de € 650,00) e nona (obras) do acordo referido em 3), com o teor constante de fls. 31 e 32 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
5.Os Autores remeteram à ré em 05/01/2012 uma carta registada com aviso de recepção, com o teor constante de fls. 34 que se dá por integralmente reproduzido, tendo a mesma sido recepcionada pela Ré em 09/01/2012, no âmbito do qual comunicaram que pretendiam pôr termo ao acordo firmado “nos termos do disposto no alínea c) do artigo 1101º do Código Civil, pelo facto de ter ocorrido transmissão de posições sociais que implicam alteração de titularidade do respectivo capital social da sociedade em mais de 50%, pelo que o contrato de arrendamento terminará em 2017 (cinco anos após o recebimento da comunicação).”
6.Pela Ap. 62/20011109, foi registada na Conservatória do Registo Comercial a constituição da sociedade ré, sendo a única sócia a aqui autora C, titular da quota única no montante de € 175000,00 (cento e setenta e cinco mil euros) e gerentes da mesma a referida C, D, E e F.
7.Pela menção de depósito 92 de 19/01/2010 foi registada na Conservatória do Registo Comercial, a transmissão da quota única referida no ponto anterior para a sociedade CFLG – Centro Farmacêutico do Largo ..., Lda.
8.Pela ap. 2/20100129, foi registada a cessação de funções de gerente da totalidade das pessoas referidas no ponto 6).
9.Pela ap. 4/20100129, foi registada a designação como gerente da sociedade ré de Pedro …….. .
10.Pela menção de depósito 3570 de 10/05/2010 foi registada na Conservatória do Registo Comercial, a transmissão da quota única referida nos pontos 6) e 7) para Pedro ……..  .
11.Pela menção de depósito 3571 de 10/05/2010 foi registada na Conservatória do Registo Comercial, a transmissão da quota única referida nos pontos 6), 7) e 10) para a sociedade Bruno ….. , Lda.
12.Em 22/12/2016, os Autores remeteram, através do seu Mandatário, carta registada com aviso de recepção para a Ré, e por esta recebida em 23/12/2016, com o teor constante de fls. 38 onde declararam que “a 05 de janeiro de 2012, foi remetido a V. Exas uma carta, com aviso de receção, comunicando, antecipadamente, a denúncia do contrato de arrendamento com efeitos para 05 de Janeiro de 2017”, solicitando “que o imóvel seja entregue, na data indicada supra, aos proprietários livre e devoluto de encargos de pessoas e bens. Não sendo entregue o locado, sem outro aviso, será intentada a respectiva ação de despejo.”
 
III–QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1– Falta do mandatário judicial da Ré à audiência prévia. Indeferimento do pedido de adiamento. Comunicação da impossibilidade de comparência, feita na véspera da diligência, acompanhada de comprovativo médico onde se prevê o tempo de repouso absoluto aconselhado. Justo impedimento. Regra geral aplicável a todas as audiências judiciais.
2– Acção de despejo. Denúncia do arrendamento.

Passemos à sua análise:  
1– Falta do mandatário judicial da Ré à audiência prévia. Indeferimento do pedido de adiamento. Comunicação da impossibilidade de comparência, feita na véspera da diligência, acompanhada de comprovativo médico onde se prevê o tempo de repouso absoluto aconselhado. Justo impedimento. Regra geral aplicável a todas as audiências judiciais.
Na sequência do acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 20 de Dezembro de 2018 (cfr. fls. 121 a 132), o juiz a quo designou audiência prévia, nos termos do artigo 591º do Código de Processo Civil que, com a concordância das partes, seria realizada no dia 9 de Abril de 2019 (cfr. fls. 143).
Acontece que na véspera da dita audiência prévia – no dia 8 de Abril de 2019 -, o mandatário judicial da Ré apresentou requerimento nos seguintes termos: “...vem por justo impedimento informar V. Excia. que não pode estar presente na diligência agendada para o dia 9 de Abril de 2019, em virtude de ter sido acometido de doença inesperada” (cfr. fls. 151/verso).

Juntou a declaração de fls. 152, emtida em papel timbrado do Centro de Enfermagem da ..., onde pode ler-se:
“DECLARAÇÃO.
António ……, licenciado em Medicina e portador da Cédula Profissional nº 2...2 da Ordem dos Médicos, atesta por sua honra profissional que José …….., portador do cartão de cidadão nº 0.......9ZY1, válido até 31 de Janeiro de 2022, foi tratado hoje neste centro a uma cólica renal e que lhe foi aconselhado repouso absoluto para os próximos três (3) dias”.
Tal declaração encontra-se assinada (assinatura ilegível).

Consta da acta da audiência prévia do dia 9 de Abril de 2019 o seguinte:
“Após se aguardar alguns minutos pela comparência das partes e de seus mandatários, foi aberta a audiência, pelas 14:20 horas, tendo o requerimento que antecede sido presente ao Mm.º Juiz, que, após análise do mesmo, face à ausência dos Ilustres mandatários das Partes, proferiu o seguinte:
DESPACHO
O Ilustre Mandatário da ré veio juntar requerimento em que junta um comprovativo de doença que o impede de comparecer nesta diligência.
Porém, de acordo com o disposto no artigo 591.º, n.º 3, do CPC, não constitui motivo de adiamento da presente audiência prévia, a falta das partes ou dos seus mandatários, não distinguindo a lei entre faltas justificadas ou não justificadas. Aliás, a realização da audiência prévia em caso de falta injustificada das partes ou dos seus mandatários decorreria sempre das regras gerais do processo civil, não sendo necessária a previsão expressa do referido n.º 3 do artigo 591.º se o legislador quisesse restringir o não adiamento da audiência prévia apenas aos casos de falta injustificada das partes ou seus mandatários. Não se aplica, assim, à audiência prévia o regime consagrado para o adiamento da audiência de julgamento previsto no artigo 603.º, n.º 1 do CPC. De facto, compreende-se a diferença de regime aplicável atento o facto da audiência prévia poder ser dispensada nos casos legalmente previstos. Porém, tal não sucederá nos casos em que o princípio do contraditório seja gravemente posto em causa com a realização da audiência na ausência de mandatário de parte que esteja impedido de comparecer. No entanto, no presente caso, já foi disponibilizado às partes a realização do contraditório por escrito quanto ao conhecimento da totalidade do mérito da causa, destinando-se a presente audiência prévia a facultar às partes a discussão de facto e de direito no que respeita ao objecto da acção, tal como consta do despacho que procedeu à marcação desta audiência.
Por outro lado, apesar de ter sido junto aos autos um atestado médico pelo ilustre Advogado da ré, de acordo com o qual o mesmo deve permanecer em situação de repouso absoluto por três dias, de tal atestado não decorre a impossibilidade do Ilustre Advogado em substabelecer em Colega que pudesse comparecer nesta diligência.
Desta forma, entendemos que não tem cabimento o adiamento da audiência prévia nos termos da referida disposição legal.
Por outro lado, as partes foram convocadas para comparecerem pessoalmente nesta diligência ou se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais. Do lado dos autores, apesar de ter sido junta procuração com poderes especiais às suas Ilustres mandatárias, ninguém compareceu neste Tribunal para esta diligência. Por outro lado, quanto à ré, não se encontra justificada a falta do legal representante da própria ré, uma vez que o respectivo mandatário não dispõe de poderes especiais.
Atenta a falta de presença das partes ou, no caso dos autores, das suas mandatárias, importa condenar cada uma das partes em multa processual pela falta de comparência à presente diligência para a qual foram notificados para comparecer pessoalmente.
Deste modo, determino a realização da presente audiência prévia e, face à falta de comparência dos autores e da ré, todos com residência ou sede na cidade de Lisboa, condeno cada uma das partes na multa processual de 1 UC”.
 
Seguidamente, procedeu o juiz a quo ao conhecimento do mérito da causa do que resultou a procedência da presente acção de despejo e a condenação da Ré no pedido.

No recurso de apelação que oportunamente interpôs a Ré impuga, em primeiro lugar, a decisão do juiz a quo que se manifestou no sentido de indeferir o requerimento apresentado e não proceder ao adiamento da audiência perante a falta, previamente justificada através de documento idóneo, de um dos advogados das partes.

Apreciando:

É evidente que assiste inteira razão à Ré apelante.

O que está aqui verdadeiramente em causa é a verificação de uma situação de justo impedimento, genericamente prevista no artigo 140º do Código de Processo Civil, que obstou à comparência do advogado na diligência judicial para que tinha sido regulamente convocado, sendo que a respectiva data havia sido designada com prévio acordo de ambos os mandatários.

Ou seja, verificou-se um evento inesperado e imprevisto, de efeitos invencíveis ou insuperáveis, que impediu o mandatário judicial de comparecer ao acto processual ou de o praticar, diminuindo, comprimindo ou suprimindo substantivamente, por essa via, a plenitude do exercício das faculdades legais que assistiam à parte que representa, a qual, desse modo, se viu colocada numa situação de inegável e objectivo desfavorecimento em relação à contraparte.

Esta situação - que contende necessariamente com o estatuto de igualdade substancial entre as partes (que o juiz deverá, em qualquer circunstância, observar e fazer observar, em escrupuloso cumprimento do artigo 4º do Código de Processo Civil) – é extensível a todas as fases do processo em que a lei pressuponha a intervenção do mandatário judicial para exercer os direitos da parte em diligência judicial presidida pelo juiz.

Logo, haverá que aplicar ao regime próprio da audiência prévia a regra geral prevista para as audiências de julgamento e que está precisamente consignada no artigo 603º, nº 1, do Código de Processo Civil, enquadrada na figura, de cariz genérico e abrangente, do justo impedimento consagrado no artigo 140º do mesmo diploma legal.

O que significa que, existindo, comprovadamente, uma situação de justo impedimento que explica e justifica a ausência de um dos advogados ao acto judicial para o qual foi convocado, não existe outra alternativa que não o adiamento a determinar pelo juiz que preside à audiência.

É óbvio que não se aplica na situação sub judice o disposto no artigo 591º, nº 3, do Código de Processo Civil, na medida em que o preceituado nessa norma não afasta nem prejudica o efeito associado à prova do justo impedimento na comparência à audiência prévia.

Isto é, contrariamente ao que o juiz a quo sustentou, não tem cabimento nem é razoável aplicar indiferenciadamente o disposto no artigo 591º, nº 3, do Código de Processo Civil, que determina que “não constitui motivo de adiamento a falta das partes ou dos seus mandatários”, quer à situação de falta não justificada – na qual o ausente faltou sem motivo, violando desse modo o dever de comparência que lhe incumbia (inclusive em termos deontológicos), e arcando nessa medida com as consequências negativas associadas à não comparência que lhe é imputável -; quer à situação de falta devidamente justificada, na qual o ausente só não compareceu por motivos que não lhe são imputáveis e que ocorreram de forma inesperada, não sendo passíveis de superação, e não lhe dando margem para a conduta alternativa que pretendia adoptar (a comparência ao acto).

A cada uma destas duas situações, em si completamente diversas, tanto na sua natureza como quanto às suas características basilares, corresponderá necessariamente um regime desigual no tratamento que a lei lhe concede, não misturando nem confundindo comportamentos processuais absolutamente contrastantes.

Não tendo podido o advogado comparecer a uma audiência na qual lhe competia assegurar a defesa dos interesses do seu cliente, no cumprimento do mandato forense que lhe foi conferido, devendo-se a sua imprevista ausência a imponderáveis motivos de saúde verificados na véspera e que aconselham, em termos médicos, repouso absoluto, a lei não estabelece um regime (insensato) de inexplicável indiferença pela impossibilidade objectiva de comparência, como naturalmente se compreende.

Convirá, a este propósito, avocar o Assento (ora entendido como acórdão uniformizador de jurisprudência) de 3 de Abril de 1991 (secções criminais) segundo o qual “o atestado médico, para justificar a falta de comparência perante os serviços justiça de pessoa regularmente convocada ou notificada, referido no artigo 117º, nº 3, do CPP, não tem que indicar o motivo concreto que impossibilita essa comparência ou a torna gravemente inconveniente, mas apenas atestar que o faltoso se encontra doente e impossibilitado ou em situação de grave inconveniência, por doença, de comparecer”.

In casu, o atestado médico oportunamente apresentado revela a doença de que o mandatário judicial da Ré foi acometido – cólica renal – e o tempo durante o qual medicamente se aconselha repouso absoluto do paciente (três dias), o qual compreende a data da realização da audiência prévia nestes autos.

Por outro lado, tendo sido a procuração forense passada pela Ré exclusivamente em favor do Dr. José ….., conforme resulta da análise de fls. 73, não se compreende igualmente que impendesse sobre o ilustre causídico a obrigação de, numa situação de doença súbita e limitadora das suas capacidades físicas e intelectuais, diligenciar no sentido de substabelecer em qualquer outro colega, provavelmente distanciado da matéria que se discute nestes autos e apanhado de surpresa, para intervir num processo judicial cujos contornos desconheceria até aí.

Não colhe igualmente a justificação apresentada pelo juiz a quo no sentido de que “(...) compreende-se a diferença de regime aplicável atento o facto da audiência prévia poder ser dispensada nos casos legalmente previstos. Porém, tal não sucederá nos casos em que o princípio do contraditório seja gravemente posto em causa com a realização da audiência na ausência de mandatário de parte que esteja impedido de comparecer. No entanto, no presente caso, já foi disponibilizado às partes a realização do contraditório por escrito quanto ao conhecimento da totalidade do mérito da causa, destinando-se a presente audiência prévia a facultar às partes a discussão de facto e de direito no que respeita ao objecto da acção, tal como consta do despacho que procedeu à marcação desta audiência”.

Não podemos perfilhar tal entendimento e a lógica que lhe está subjacente.

O que está precisamente em causa é o exercício do contraditório pelas partes, não cabendo ao juiz aquilitar da maior ou menor utilidade da presença dos ilustres mandatários judiciais convocados para a diligência.

Não é ainda minimamente aceitável que o juiz considere implicitamente que, tratando-se apenas da possibilidade de discutir de facto e de direito o objecto de acção, e perante a posição já antes assumida pelo julgador, a presença ou ausência de um ou mais advogados não faça nenhuma diferença prática, como se aquilo que pelos mesmos viesse a ser referido na audiência prévia não fosse relevante (sob qualquer ponto de vista) ou devesse à partida ser encarado como inconclusivo, inócuo ou a desconsiderar absolutamente.

Se um deles – ou os dois – não podem comparecer por razões de doença incapacitante, antecipadamente comprovada, a sua falta é sempre relevante e obriga por si só ao adiamento da diligência face ao justo impedimento que configura.

A postura de absoluta e antecipada desconsideração pela posição que cada um dos mandatários entenda expressar no acto judicial para o qual é avocada a sua presença, eventualmente equiparando a sua tomada de posição sobre a questão jurídica em discussão a um exercício retórico dispensável e inútil, não faz de todo o menor sentido, como não pode deixar de ser.

Procede, portanto, a presente apelação, anulando-se as decisões proferidas na audiência prévia que teve lugar no dia 9 de Abril de 2019 e determinando a marcação de nova data para a sua realização.
2– Acção de despejo. Denúncia do arrendamento. Conhecimento prejudicado.
Face ao decidido supra, está necessariamente prejudicado o conhecimento das restantes questões jurídicas que se suscitam na presente apelação.

IV–DECISÃO: 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, anulando-se as decisões proferidas na audiência prévia que teve lugar no dia 9 de Abril de 2019 e determinando a marcação de nova data para a sua realização.
Sem custas, na medida em que a procedência da apelação não é imputável aos AA., nem os mesmos deduziram qualquer oposição ao requerido.


  
Lisboa, 11 de Dezembro de 2019.


Luís Espírito Santo
Isabel Salgado
Conceição Saavedra