Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
408/11.6TDLSB-A.L1-9
Relator: GUILHERMINA FREITAS
Descritores: SEGREDO PROFISSIONAL
QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO FOI CONHECIDO
Sumário: I - O arguido não pode vir suscitar o incidente de quebra de segredo profissional da CMVM quando as diligências probatórias que requereu – tendo em vista a junção aos autos por esta entidade da prova documental a que respeita o incidente de quebra de segredo – não lhe foram deferidas por despacho judicial transitado em julgado.

II - Pressuposto necessário para que haja lugar à intervenção deste tribunal superior, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 135.º do CPP, é que a prova que se pretende obter mediante a quebra do segredo profissional tenha sido previamente admitida.

III - Não o tendo sido, não pode este tribunal da Relação tomar conhecimento do suscitado incidente de quebra do dever de segredo profissional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Nos autos com o n.º 408/11.6TDLSB, que correm termos na 3.ª secção do 4.º Juízo Criminal de Lisboa, veio o arguido JF..., melhor id. nos autos, o qual se encontra pronunciado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de manipulação de mercado p. p. pelo art. 379.º, n.ºs 1 e 2, do CVM, suscitar, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 135.º do CPP, incidente de dispensa de sigilo profissional.
2. Alega, para tanto, o seguinte (transcrição):

O Arguido veio requerer, com a sua contestação constante a fls._ , que fosse remetida aos autos, pela C.M.V.M, os documentos respeitantes a: (i) comprovativos de transacções efectuadas entre 16 de Abril de 2009 e 31 de Dezembro de 2009; e (ii) comprovativos de cotações e transacções diárias efectuadas desde 20 de Julho de 2008 até 31 de Dezembro de 2008 (inclusive).

Através do requerimento de fls.,, o Arguido veio justificar a apresentação da requerida prova documental.

Em consequência, o Tribunal de Julgamento, por despacho de fls._ , ordenou o cumprimento, pela C.M.V.M. da junção aos autos dessa prova documental.

Sucede que, em resposta a esse despacho, veio a C.M.V.M. escudar-se no segredo profissional, não tendo remetido esses mesmos elementos ao Tribunal de Julgamento.

Por sua vez, o Tribunal de Julgamento, por despacho de fls._ , optou por não suscitar oficiosamente o incidente de prestação da requerida prova, tendo entendido que não existia suprema relevância.

0 que legítima o Arguido a fazê-lo, por via do presente incidente e nos termos dos argumentos que, de imediato, se passarão a expor.

Salvo melhor entendimento, encontram-se preenchidos todos os requisitos legais de forma a que a recusa da C.M.V.M. seja considera como ilegítima e, independentemente dessa ilegitimidade, que os documentos em questão sejam tidos como imprescindíveis para a descoberta da verdade material. Vejamos.

Cumpre referir, desde logo, que tais documentos resultaram de uma investigação, que no caso concreto incidiu sobre o Arguido.

Pelo que não pode parte dessa investigação ser sonegada, ou sequer escolhida de acordo com critérios cuja justificação inexiste, sendo certo que esses documentos têm a sua "origem" num processo de averiguações com fins de investigação criminal que levaram à denúncia e acusação do Arguido.
10º
Acresce que, essa mesma prova documental revela-se determinante para a defesa do Arguido no que concerne aos factos acusatórios - com especial ênfase ao contraditório dos artigos 65° a 75º e 86º a 118º - e, simultaneamente, para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa.
11º
Doutro modo, é evidente a utilidade probatória, designadamente para a prova dos artigos 82º a 169° da contestação apresentada pelo Arguido, bem como assim para protecção dos seus direitos legal e constitucionalmente consagrados.
12º
Ora, o fim do processo penal, contido no seu objecto, é a busca da verdade material e não está submetido ao princípio dispositivo ou da iniciativa das partes próprio do processo civil.
13º
Como se refere em "Direito Processual Penal" -- Lições do Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias, coligidas por Maria João Antunes, Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, Secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-9, páginas 21 e seguintes, "A realização da justiça e a descoberta da verdade material (ou mesmo só da primeira, já que também perante ela surge a descoberta da verdade como mero pressuposto) constituem, por consenso praticamente unânime, finalidade do processo penal. E assim é, por certo, logo no sentido de que o processo penal não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça e de verdade (…) Por outro lado, não obstante a descoberta da verdade material ser uma finalidade do processo penal não pode ela ser admitida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processual válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas.".
14º
E, acrescenta mais adiante: "(...) o esclarecimento da situação jurídica material em caso de conflito supõe, não só a garantia formal da preservação do direito de cada um nos processos judiciais, mas a comprovação objectiva de todas as circunstâncias, de facto e de direito, do caso concreto - comprovação inalcançável sem uma audiência esgotante de todos os participantes processuais. Isto significa que a actual compreensão do processo penal, à luz das concepções do Homem, do Direito e do Estado que nos regem, implica que a declaração do direito do caso penal concreto não seja apenas tarefa do juiz ou do tribunal (concepção «carismática» do processo) e se encontrem em situação de influir naquela declaração do direito, de acordo com a posição e função processuais que cada um assuma.(...) O direito de audiência é a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado-de-direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do Processo como «com-participação» de todos os interessados na criação da decisão.".
15º
Pelo que se impõe, por si só, que sejam juntos aos autos os documentos que foram requeridos pelo Arguido em momento próprio.
16º
Inexiste a preponderância de qualquer valor que permita manter o invocado dever de segredo, sendo que a imposição da junção dos documentos pretendidos não viola qualquer normativo, nomeadamente o artigo 354° do C.V.M..
17º
Pelo contrário, a privação de produção de meios de prova necessários ou úteis à decisão da causa, que um dos sujeitos processuais (in casu, o Arguido) tinha direito a efectuar face aos elementos probatórios apresentados por outro sujeito processual oponente (o M.P.), frustra o due processo of law, a boa decisão da causa na apresentação e exame em audiência, de toda a prova relevante a ser submetida ao princípio do contraditório.
18º
Deste modo, impõe-se a quebra do invocado segredo, o que, data vénia, se requer nos termos e para os efeitos previstos no artigo 135º do C.P., seja por via da recusa ilegítima seja por via de os interesses em jogo são superiores dados que esses documentos são imprescindíveis para a descoberta da verdade material (quebra do segredo).”
3. Por despacho de fls. 555 dos autos, a Sr.ª Juiz, que já se havia pronunciado pela legitimidade da escusa apresentada pela CMVM (fls. 536 a 541 dos autos), ordenou a remessa de certidão a este tribunal da Relação, tendo em vista decisão sobre o incidente suscitado.
4. Nesta Relação foram os autos com vista ao Digno Procurador Geral Adjunto, afim de ser assegurado o contraditório, o qual apôs o seu visto.
5. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II. Fundamentação
Conforme resulta dos elementos constantes do apenso remetido a este tribunal da Relação, onde vem suscitado o incidente de quebra de sigilo profissional, com a contestação o arguido JF... requereu, no âmbito da prova que arrolou, que o tribunal oficiasse à CMVM para efeitos de:
a) Juntar aos autos os comprovativos de transacções efectuadas entre 16 de Abril de 2009 e 31 de Dezembro de 2009, devendo constar as entidades que nessas datas efectuaram compras e vendas com mais valias bolsistas, o número de transacções/operações com mais valias bolsistas, bem como o volume de ganho em cada, relativamente ao referido período;
b) Juntar aos autos os comprovativos de cotações e transacções diárias efectuadas desde 20 de Julho de 2008 até 31 de Dezembro de 2008 (inclusive);
c) Juntar aos autos pedido de autorização judicial e de consentimento do arguido para efeitos de quebra de sigilo bancário e de divulgação de conversas havidas no âmbito da sua vida privada, devendo para o efeito, e a fim de prestar semelhante informação, ser também notificado o "Deutsche Bank", devendo também ser junto todo o processo de averiguações desde o respectivo despacho proferido pelo presidente da C.M.V.M., até à sua conclusão, e que não tenha ainda sido junto aos autos.
Sobre tal requerimento recaiu o despacho judicial de 28/3/2014 (fls. 487 a 489), no qual foi decidido, o seguinte (transcrição parcial):
“Assim, e no que concerne ao requerimento de prova que acompanha a contestação, constatou-se o seguinte:
- No que respeita ao solicitado sob alínea a), no tocante aos comprovativos de transacções efectuadas entre 16 de Abril de 2009 e 31 de Dezembro de 2009, já constava tal informação dos autos, a fls. 91-95 do apenso A, volume 1, informação já prestada pela CMVM a fls. 306. No que concerne ao demais solicitado, mais concretamente entidades que nessas datas efectuaram compras e vendas com mais-valias bolsistas, logo a fls. 306 a CMVM informou não dispor da informação requerida;
- Relativamente ao solicitado sob alínea b), na resposta de fls. 306 referiu a CMVM remeter a informação solicitada a qual, contudo, apenas juntou efectivamente aos autos com o requerimento de fls. 316. Nessa ocasião, certamente por lapso, não foi junta aos autos em suporte de papel a dita documentação, cuja junção aos autos agora se determinou, no início do presente despacho;
- Finalmente, quanto ao solicitado sob a alínea c), mais concretamente no que respeita à junção de pedido de autorização judicial e de consentimento do arguido para de quebra de sigilo bancário e de divulgação dos registos fonográficos relativos a conversas em que o arguido foi interveniente, resulta claro da posição expressa pela CMVM a fls. 306 e seguintes que a referida entidade não efectuou tal pedido de autorização judicial, por entender que a mesma não se revelava necessária, entendendo ainda que o consentimento do arguido já havia sido prestado aquando da subscrição dos contratos firmados com a instituição bancária "Deutsche Bank", cujas cópias constam do apenso A, designadamente a fls. 495-496.
Perante o expresso em tal resposta de fls. 306 e seguintes, e o vertido no articulado de contestação, onde o arguido afirma de forma reiterada que não deu qualquer autorização prévia à utilização de tais registos fonográficos (cfr. artigos 8.°, 22.°, 38.°, 42.°, 59.°, 65.°), afigura-se que a repetição de tal diligência de prova configuraria um acto inútil, como já se deixou expresso no despacho de fls. 469.
Assim, relativamente às questões supra elencadas, mantém-se nos seus precisos termos o despacho exarado nos autos a 12.03.2014, o qual não padece de qualquer nulidade, uma vez que as diligências probatórias solicitadas constituiriam mera repetição de outras já anteriormente efectuadas.
Finalmente, no que tange ao último segmento da alínea c) do requerimento de prova, verifica-se que, de facto, tal diligência não foi realizada.
Assim, em oficio por mim assinado, com nota de urgente e menção da data designada para julgamento, determino se requisite à CMVM, a título devolutivo, da totalidade do processo de averiguações que determinou a participação criminal que deu origem aos presentes autos, desde o seu despacho inicial e até à sua conclusão, com excepção dos elementos documentais que já tenham sido juntos a estes autos.
Notifique.”
Resulta, assim, do despacho acabado de transcrever que relativamente ao requerimento probatório apresentado pelo arguido com a contestação somente foi deferido o último segmento da alínea c), ou seja, aquele em que era requerido que se oficiasse à CMVM para juntar aos autos “todo o processo de averiguações desde o respectivo despacho proferido pelo presidente da C.M.V.M., até à sua conclusão, e que não tenham ainda sido juntas aos autos.”
Tal despacho foi notificado ao arguido e tanto quanto é possível apreender dos elementos constantes do apenso do presente incidente de quebra de segredo profissional com o mesmo se conformou o requerente, não tendo dele interposto qualquer recurso na parte em que não lhe foi deferido o por si requerido (sob as alíneas a), b) e primeira parte da al. c) do requerimento probatório junto com a contestação), pelo que transitou em julgado.
Em resposta ao determinado no despacho judicial de 28/3/2014, ou seja, à requisição “a título devolutivo, da totalidade do processo de averiguações que determinou a participação criminal que deu origem aos presentes autos, desde o seu despacho inicial e até à sua conclusão, com excepção dos elementos documentais que já tenham sido juntos a estes autos”, veio a CMVM dizer o seguinte (fls. 517 a 518):
“Na sequência do pedido de documentação remetido por V/ Exa. à CMVM, referenciado em epígrafe, no qual se solicita a esta Comissão o envio da totalidade do processo de averiguações que determinou a participação criminal que deu origem ao processo n.° 408/11.6TDLSB, desde o despacho inicial até à sua conclusão e salvo documentos já enviados, vimos por este meio informar V/ Exa. que os documentos relativos aos factos objeto da participação foram enviados pela CMVM ao Ministério Público, conjuntamente com a referida participação criminal de indícios de crime de manipulação de mercado, para fundamentação da mesma. Foi designadamente enviada a deliberação do Conselho Diretivo da CMVM de 24/09/2009, que decidiu a abertura do processo de averiguações preliminares (fls. 1), bem como da Informação n.° 92/2009/DAI/CMVM que a fundamentou.

A CMVM nota que os elementos truncados no relatório do Núcleo de Análise de Operações n.° 55-2009, junto à Informação n.° 92/2009/DAI/CMVM, constante de folhas 1 a 41 juntas à participação, respeitam a:
a) Informação relativa a quotas de mercado de intermediários financeiros que intervieram no título INAPA - Investimentos, Participações e Gestão, S.A. (INAPA) no período analisado;
b) Identificação de alguns investidores que realizaram transações sobre ações da INAPA e em relação aos quais não se identificaram quaisquer indícios de irregularidades;
c) Informação sobre metodologias internas da CMVM, não públicas, de deteção de irregularidades;

Ou seja, nas páginas truncadas encontra-se informação não pública, sem qualquer ligação aos factos participados, e que está sujeita ao dever de segredo profissional que impende sobre a CMVM (artigo 354.° do CdVM), assim se justificando o seu não envio conjuntamente com a participação criminal.”
Notificado do teor da resposta dada pela CMVM veio o arguido pugnar pelo levantamento do segredo profissional, nos termos previstos no art. 135.º do CPP, considerando que tais documentos são determinantes para a descoberta da verdade material, os quais resultaram de uma investigação que incidiu sobre a sua pessoa, não podendo parte dessa investigação ser sonegada.
Porém, por despacho judicial de fls. 536 a 541, proferido em 3/6/2014, concluiu-se pela legitimidade da escusa da CMVM em prestar as informações a que se alude nas alíneas a), b) e c) da resposta dada por esta entidade ao solicitado pelo tribunal, as quais se consideraram cobertas pelo segredo profissional e por entender que as mesmas não eram imprescindíveis para a descoberta da verdade não suscitou a Mmª Juíz, oficiosamente, o incidente a que alude o n.º 3 do art. 135.º do CPP.
Notificado deste último despacho veio, então, o arguido JF... suscitar o pedido de dispensa de sigilo profissional nos termos da transcrição supra efectuada, que importa agora apreciar.
Dispõe o art. 135.º do CPP que:
“1- Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.
2- Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento.
3- O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
4- Nos casos previstos nos nºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.
5- O disposto nos nºs 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso.”
Por sua vez, o art. 354.º do Código dos Valores Mobiliários, sob a epígrafe “Dever de segredo” dispõe que:
1 - Os órgãos da CMVM, os seus titulares, os trabalhadores da CMVM e as pessoas que lhe prestem, directa ou indirectamente, a título permanente ou ocasional, quaisquer serviços ficam sujeitos a segredo profissional sobre os factos e os elementos cujo conhecimento lhes advenha do exercício das suas funções ou da prestação de serviços, não podendo revelar nem utilizar em proveito próprio ou alheio, directamente ou por interposta pessoa, as informações que tenham sobre esses factos ou elementos.
2 - O dever de segredo mantém-se após a cessação das funções ou da prestação de serviços pelas pessoas a ele sujeitas.
3 - Os factos ou elementos sujeitos a segredo só podem ser revelados mediante autorização do interessado, transmitida à CMVM, ou noutras circunstâncias previstas na lei.
4 - O dever de segredo não abrange factos ou elementos cuja divulgação pela CMVM seja imposta ou permitida por lei.”
Analisado o requerimento apresentado pelo arguido a fls. 551 a 553 verifica-se que o mesmo suscita o incidente de dispensa de sigilo profissional da CMVM para que esta entidade remeta aos autos os documentos respeitantes a: (i) comprovativos de transacções efectuadas entre 16 de Abril de 2009 e 31 de Dezembro de 2009; e (ii) comprovativos de cotações e transacções diárias efectuadas desde 20 de Julho de 2008 até 31 de Dezembro de 2008 (inclusive).
Ou seja, o arguido suscita o incidente de quebra de segredo profissional para que a CMVM junte aos autos a prova documental a que alude nas alíneas a) e b) do requerimento probatório junto com a contestação, o qual nessa parte não lhe foi deferido por despacho de fls. 487 a 489, proferido em 28/3/2014, conforme supra referimos, por se ter considerado tais diligências probatórias mera repetição de outras já anteriormente efectuadas.
Com tal despacho se conformou o arguido, não tendo dele interposto qualquer recurso, tanto quanto nos é possível apreender das peças que instruem o apenso do incidente, pelo que o mesmo nessa parte transitou em julgado.
Não pode, pois, vir agora o arguido suscitar o incidente de quebra de segredo profissional da CMVM quando as diligências probatórias que requereu – tendo em vista a junção aos autos por esta entidade da prova documental a que respeita o incidente de quebra de segredo – não lhe foram deferidas por despacho judicial transitado em julgado.
Ora, pressuposto necessário para que haja lugar à intervenção deste tribunal superior, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 135.º do CPP, é que a prova que se pretende obter mediante a quebra do segredo profissional tenha sido previamente admitida.
Não o tendo sido, não pode este tribunal da Relação tomar conhecimento do suscitado incidente de quebra do dever de segredo profissional.

III. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em não tomar conhecimento do suscitado incidente de quebra do dever de segredo profissional.
Custas pelo incidente a cargo do requerente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.

Lisboa, 13 de Novembro de 2014
(processado e revisto pela relatora, a primeira signatária)

Guilhermina Freitas
Calheiros da Gama