Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
54/12.7PARGR.L1-3
Relator: VASCO FREITAS
Descritores: ERRO NOTÓRIO
PROVA PROIBIDA
IN DUBIO PRO REO
REGIME PARA JOVENS DELINQUENTES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: 1. Os vícios do artigo 410º nº2 do CPP terão de ser ostensivos e passíveis de detecção através do mero exame do texto da decisão recorrida, sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.

2. O regime de proibições de prova consagrado na nossa legislação processual penal faz uma distinção entre proibições de produção e proibições de valoração de prova. No que respeita às normas processuais penais que prescrevem a proibição do testemunho-de-ouvir-dizer estamos claramente no domínio das proibições de valoração de prova.

3. Em regra, a testemunha depõe sobre factos, pertinentes ao objecto da prova e dos quais possua conhecimento directo (cfr. art. 128º). O que bem se compreende dadas as exigências

4. As exigências próprias dos princípios de imediação, de igualdade de armas e da regra da cross-examination justificam que o depoimento indirecto não possa ser eficaz como meio de prova, a menos que se verifiquem determinados condicionalismos.

5. Desde logo, terá de resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, sendo que as vozes ou rumores públicos se encontram expressamente afastados pelo nº 1 do art. 130º do C. Penal. Em segundo lugar – e exceptuadas as hipóteses de impossibilidade de inquirição daquelas pessoas expressamente consagradas na lei (morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas) -, é imprescindível que o juiz chame a depor a pessoa a quem a testemunha ouviu relatar os factos que transmite ao tribunal para que o depoimento indirecto possa ser valorado.

a. Até ao momento da constituição formal de arguido nos termos do artigo 59º nº 1 do Código de Processo Penal o processo de obtenção de diversas declarações, incluindo as do então suspeito, e posterior arguido, logra cobertura legal nos termos dos artigos 55º, nº 2 e 249º, nºs 1 e 2, als. a) e b) do mesmo diploma.

b. É a constituição de arguido que limita a fronteira na admissibilidade das denominadas "conversas informais", pois que é a partir daí que as suas declarações só podem ser recolhidas, e valoradas, nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas, ou quaisquer outras provas, recolhidas informalmente.

c. A proibição do artigo 129º do Código de Processo Penal visa os testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, mas não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP.

d. O depoimento de autoridades policiais em relação a declarações prestadas no processo, ou sejam as declarações formais, não tem relevância prática em virtude da proibição de produção de prova a que se reporta o artigo 356º nº 7 do CPP.


6. O princípio in dubio pro reo é uma emanação do princípio da presunção de inocência e surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal. O que está em causa não é uma qualquer dúvida subjectiva, mas sim uma dúvida razoável e insanável, que seja objectivamente perceptível no contexto da decisão proferida, de modo a que seja racionalmente sindicável.

7. Pressupondo a violação deste princípio um estado de dúvida no espírito do julgador, deve a mesma ser tratada, como erro notório na apreciação da prova.

8. O tribunal deve apreciar e fundamentar expressamente, do ponto de vista substancial, se existe ou não justificação para aplicar o Regime para Jovens Delinquentes, em particular a atenuação especial que nele vem prevista. Não o tendo feito, verifica-se omissão de pronúncia, geradora da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 374º do C.P.P..

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:


 I- RELATÓRIO:


Na Instância Local, Secção Criminal, J l, da Comarca dos Açores, Ribeira Grande , em processo comum com intervenção de juiz singular, foram submetidos a julgamento os arguidos R.M., L.M., E.M., N.C.. e N.L. devidamente identificados nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu absolver este último e condenar, os arguidos R.M., L.M. e E.M. pela prática em co-autoria material e na forma consumada, um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos arts. 203.°, n.° 1, e 204.°, n.° 2, al. e), ambos do CP., na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e acompanhada de regime de prova assente em plano individual de readaptação social que preveja a inscrição dos arguidos no Centro de Emprego, e ainda a obrigação de prestarem 200 horas de trabalho a favor da comunidade em instituição adequada a definir pela DGRS, nos termos dos artigos 52.°, 53.° e 54.°, do Cod. Penal e o arguido N.C.. pela prática de 1 crime de receptação p. e p. pelo art.° 231.°, n.° l, do mesmo diploma, na pena de 100 dias de multa taxa diária de 6,00 €, o que perfaz um total de € 600,00 (seiscentos euros), substituindo-se a mesma por 100 (cem) horas de trabalho a favor da comunidade, ao abrigo do disposto no artigo 48.° do CP.

Inconformados com a sentença, dela interpuseram recurso os arguidos, R.M., L.M., E.M. e N.C., pugnando pela sua absolvição do crime pelos quais foram condenados, ou caso tal não se entenda, a atenuação especial da pena através da aplicação do regime especial para jovens, para o que apresentaram as seguintes conclusões:

1. A sentença de que se recorre condenou os Arguidos com base unicamente, nas declarações prestadas pelo agente da PSP. P.S. e nos autos de apreensão juntos aos autos, por se ter entendido que tais conversas integram as diligências de investigação, e como tal, são admissíveis como prova;
2. Com todo o respeito, não podemos concordar com tal entendimento, pois estamos sem qualquer dúvida perante uma "conversa informal'" entre o agente da PSP e arguido R.M. e nunca uma diligência de investigação, pelo que tais declarações não são admissíveis como prova nesta parte;
3. Na verdade, as declarações do agente reproduziram uma conversa informal que o mesmo terá tido com o arguido R.M. não vertida em auto e em momento anterior à constituição como arguido daquele;
4. Tais declarações não são, por isso, admissíveis como prova, nos termos do disposto no artigo 356°. n.° 7 e 357°, n.° 2, ambos do CPP;
5. Este é o entendimento da Jurisprudência maioritária, vide Acórdão proferido pela Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães, em 2011/04/11, no âmbito do processo n.° 625/2007. disponível em www.dgsi.pt: "...Se a conversa do requerido, com os órgãos de polícia criminal, ocorre antes de ter sido constituído arguido por maioria de razão não poderão tais conversas ser usadas como meio de prova. Usá-las com tal fim violaria, flagrantemente, tal estatuto. O arguido só fala se quiser, quando quiser e perante quem quiser. Admitir as conversas informais seria (ainda que provenientes de uma fase em que não tivesse sido constituído arguido) o mesmo que estar a obrigar o arguido a falar contra a sua própria vontade...";
6. E ainda conforme o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 2010/05/31, proferido no âmbito do processo n.°670/2007, disponível em www.dgsi.pt: "«...O princípio da legalidade do processo e o estatuto do arguido (cf, v.g., os arts. 2. °. 56. °e ss., 262. °e ss., 275. °, 355. ° a 357. °, com especial destaque para o n." 7 do art. 356. ° e n.° 2 do art. 357. °), impedem que sejam consideradas como prova depoimentos de órgãos de polícia criminal, encarregados de actos de investigação, referindo declarações do arguido (ou de alguém que devesse ser constituído como tal - cf arts. 58.° e 59." do C.P.P.), mesmo que sob a forma de conversas informais, a esses órgãos de polícia criminal encarregados de actos de investigação, quando essas declarações não forem reduzidas a auto.

Entendimento contrário implicaria que pudessem ser tomadas em conta, para efeitos de prova, declarações do arguido que não o poderiam ser se constantes de auto cuja leitura não fosse permitida em audiência nos termos dos art. 357.°..".

7. Por seu turno, quanto aos autos de apreensão, nada provam, na medida em que os Arguidos não residem sozinhos nas suas habitações, pelo que os objectos podem ter sido trazidos por qualquer pessoa que aí resida.

8. A posse de alguns dos objectos furtados não permite concluir, per si, que foram os Arguidos R.M.. L.M. e E.M. os autores do furto.

9. E muito menos que o Arguido N.C.. tenha adquirido a bicicleta que lhe foi apreendida.

10. Aliás, seria impossível aos Arguidos ter transportado 5 conjuntos de patins em linha e 23 bicicletas do local onde ocorreu o furto até às suas residências (cerca de 8 Km).

11. A decisão recorrida retira conclusões não susceptíveis de o serem, tanto por falta de provas, como por não caber no domínio da livre convicção do Tribunal, em Processo Penal, a presunção daquilo que não se encontra provado:

12. Nenhuma prova havendo que permita concluir com certeza que os Arguidos praticaram os factos que lhes são imputados, impõe-se a sua absolvição, em nome do princípio do in dúbio pro reo.

13. Sem prescindir, na determinação da medida concreta da pena a aplicar aos arguidos, a Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo" decidiu pela não aplicação aos arguidos do regime penal especial para jovens delinquentes, constante do Decreto-Lei n.° 401/82. de 23 de Setembro, nem fundamentou a razão pela qual não aplicou aos arguidos tal regime especial para jovens:

14. Na data dos factos, os Arguidos tinham entre 18 e 20 anos de idade, e eram todos primários (a condenação do Arguido E.M. constante do seu registo criminal foi por factos praticados em momento posterior ao dos presentes autos), pelo que a sua ressocialização tem de ser prioritária na determinação da pena e sua medida, sendo, por isso, de aplicar o regime especial para jovens, e por via disso, ver a pena de prisão que lhes foi aplicada ser atenuada, nos termos dos artigos 72.° e 73.° CPenal.

15. Por outro lado. a condição que foi imposta aos arguidos como condição de suspensão de execução das penas de prisão aplicáveis aos referidos Arguidos, nomeadamente, a prestação de 200 horas de trabalho a favor da comunidade, é manifestamente exagerada e desproporcional.

16. A ser aplicada pena de prisão aos Arguidos, a mesma não deve ser sujeita a tal condição, aliás, nem a Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo" fundamentou a razão para impor tal condição;
17. Da mesma forma, deve o Pedido de Indemnização Civil ser julgado improcedente, por não provado.

18. A sentença de que ora se recorre violou o disposto nos artigos 356°, n.° 7. 357°, n.°2 e 127°, todos do CPP e artigo 9º CP e o disposto na Lei n.°401/81, de 23 de Setembro, nomeadamente, os artigos 1º, n.°2 e 4º.

Por todo o exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida, absolvendo-se os arguidos dos crimes que lhe foram imputados e do pedido de indemnização civil, caso não seja esse o V. entendimento, deverá ser aplicado aos arguidos R.M., L.M. e E.M., o regime especial para jovens, e ser a pena especialmente atenuada, e em relação ao arguido N.C.., a pena de multa ser reduzida, da mesma forma, não deverá ser imposta condição de suspensão da execução da pena de prisão.

A V. Exas. caberá melhor decisão, como é de JUSTIÇA.”
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Na resposta, o MºPº defendeu a confirmação da sentença recorrida e a consequente improcedência do recurso, defendendo a inexistência de valoração por parte do Tribunal de qualquer depoimento proibido, da inaplicabilidade do regime especial para jovens e da justeza da medida  das penas aplicadas.

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Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no nos seguintes termos:

1. Recorrem os arguidos R.M., L.M., E.M. e N.C.. da sentença condenatória de fls. 188-199v.º que os condenou, os três primeiros, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova, e o último, pela prática de um crime de receptação, numa pena de multa substituída por trabalho a favor da comunidade.

2. Nas conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso deste tribunal (artigo 410.º do CPP), os arguidos suscitam a questão da valoração do depoimento do agente da PSP ouvido como testemunha, com base no facto de este ter obtido conhecimento dos factos através de uma conversa informal com o arguido Rúben Medeiros, e a questão da não aplicação do regime penal dos jovens adultos, que o tribunal não conheceu nem fundamentou, e questionam ainda a condição imposta para a suspensão da execução da pena de prisão.

3. O recurso foi interposto em tempo, a decisão é recorrível e não se mostra presente motivo de ordem processual que obste ao seu conhecimento.

4. À data da prática dos factos (27.1.2012), o arguido R.M. tinha 19 anos de idade, o arguido L.M., 20 anos, o arguido E.M., 18 anos e o arguido N.C.., 20 anos.

5. Vista a sentença recorrida, verifica-se que esta não se pronunciou sobre a aplicação do regime penal dos jovens adultos, instituído pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.

6. De acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Penal, aos maiores de 16 anos e menores de 21 anos são aplicáveis normas fixadas em legislação especial, que são as que constam do Decreto-Lei n.º 401/82.

7. Nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), a sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

8. A omissão da pronúncia sobre a aplicação do regime penal dos jovens adultos, que é obrigatória, constitui uma nulidade da sentença subsumível à previsão deste preceito, de conhecimento oficioso ou mediante arguição (artigo 379.º, n.º 2, do CPP), em recurso, como resulta de jurisprudência assente.

9. Em consequência, ao conhecer desta nulidade, poderá este tribunal alterar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que proceda ao suprimento do vício verificado, ou, considerando-se que esta alteração pode afectar o direito de defesa, incluindo o de recurso (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, na redacção da Lei Constitucional n.º 1/97), determinar que a questão seja apreciada no tribunal recorrido.

10. Quanto aos demais fundamentos do recurso, acompanha-se a resposta do Ministério Público no tribunal a quo, devendo a sentença recorrida, que merece inteira concordância, ser mantida.
Nesta conformidade, emite-se parecer no sentido da improcedência do recurso, sem prejuízo do conhecimento da nulidade de omissão de pronúncia quanto à aplicação do regime penal dos jovens adultos, nos termos acima expostos.”

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Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., tendo sido apresentada resposta na qual os recorrentes sustentando nos termos já expostos a sua procedência.

Cumpre decidir.

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 II- FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 27 de Janeiro de 2012, durante a noite, R.M., L.M. e E.M., em comunhão de intentos e esforços e depois de previamente combinarem a forma de actuarem, dirigiram-se a um contentor que se encontrava no parque de estacionamento do estabelecimento «Continente Modelo» propriedade de «INSCO — Insular de Hipermercados, S-A.» sito na Rua Adolfo Coutinho de Medeiros, Conceição, Ribeira Grande, estroncaram o fecho da porta do contentor com uma barra de ferro, por onde entraram, e do seu interior retiraram, fazendo seus, dois conjuntos de patins, capacete e protetores Spiderman no valor de 46,82 €, três patins em linha Hello Kitty tamanho 30/33 no valor de 71,46 €, seis bicicletas Alu Susp Team Sport R26 18 Ve Shim H no valor de 504 €, quatro bicicletas Alum Susp Team Tyl8/Revo Tfa 200 no valor de 308 €, seis bicicletas ACO Susp GKX R24 18 VEL H FS200 no valor de 325,50 €, cinco bicicletas Ruça Roda 10' no valor de 256,60 € c duas bicicletas manutenção magnética Promaster YM02 no valor de 150 €, tudo no montante de 1.662,38 €.

2. Os arguidos R.M., L.M. e E.M. agiram de modo livre, deliberado e consciente, pretendendo fazer seus os objectos pertença da ofendida, bem sabendo que os mesmos lhe não pertenciam e que agiam contra a vontade da legítima proprietária dos mesmos e, ainda, que as suas condutas eram socialmente desvaliosas e criminalmente puníveis.

3. Na posse das bicicletas referidas os arguidos R R.M., L.M. e E.M. venderam a N.C.. por preço não determinado uma bicicleta marca TEAM de cor branca com o número de quadro GWSR3129, um garfo de bicicleta de com branca marca TEAM, um volante de bicicleta de cor preta com autocolante com código de barras e inscrição BIC MTB 24M 18V Ty18 Revo, o qual adquiriu tais objectos sabendo que os mesmos tinha sido retirados da posse do proprietário contra a sua vontade, uma vez que conhece os arguidos R.M., L.M. e E.M. há vários anos e sabe que os mesmos não tinham possibilidades económicas de adquirirem tais objectos.

4. O arguido N.C.. agiu de modo livre, deliberado e consciente, pretendendo enriquecer o seu património com o valor dos objectos pertença da ofendida, bem sabendo que os arguidos R R.M., L.M. e E.M., tinham obtido os mesmos através da prática de um crime de furto e, ainda, que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.

5. Os arguidos R.M., L.M. e E.M., N.C.. e N.L.não têm antecedentes criminais.

6. Por sentença proferida em 13.11.2012, e transitada em julgado em 14.12.2012, no âmbito do Processo Sumário n.° 619/12.7PCRGR, que correu termos no 2° Juízo deste Tribunal, foi o arguido E.M. condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.°. 204.°. n.° 2, alínea e), 22.°, n.°1 e 2, alínea a) e e3.°, todos do C.P., na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade.

7. Os arguidos declararam aceitar, em caso de condenação, a substituição da pena principal por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Consignou-se que não se provaram os seguintes factos:

a) A N.L. os arguidos R.M., L.M. e E.M. venderam por preço não determinado uma bicicleta de cor vermelha marca EMT Evolution e selim preto e branco marca TEAM de cor branca com o número de quadro PORFSD10G2064, o qual adquiriu tal objecto sabendo que o mesmo tinha sido retirado da posse do proprietário contra a sua vontade, uma vez que conhece os arguidos R.M., L.M. e E.M. há vários anos e sabe que os mesmos não tinham possibilidades económicas de adquirirem tal objecto.
b) O arguido N.L.. agiu de modo livre, deliberado e consciente, pretendendo enriquecer o seu património com o valor dos objectos pertença da ofendida, bem sabendo que os arguidos R.M., L.M. e E.M., tinham obtido os mesmos através da prática de um crime de furto e, ainda, que a sua conduta era socialmente desvaliosa e criminalmente punível.

A motivação da decisão de facto foi explicada como segue:

Em sede de valoração da prova, a regra fundamental é a constante do artigo 127.° do Código de Processo Penal, segundo a qual a prova é apreciada "segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal".

Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas.

Comecemos desde logo por realçar que os arguidos recusaram validamente a prestar declarações no uso do seu direito ao silêncio.

No entanto, em sede de audiência de discussão e julgamento foi proferida prova segura de que foram os arguidos R.M., E.M. e L.M. que praticaram os factos descritos em 1) dos factos provados.

Assim, o tribunal formou a sua convicção, relativamente à matéria de facto provada dos pontos 1) a 4), com base nas declarações do agente da PSP, P. S., que apreendeu na residência do arguido R.M. o material descrito no auto de busca e apreensão de a fls. 10, e a quem o arguido confirmou que foi ele o autor do furto do contentor em causa juntamente com os arguidos E. M.c L.M.. O depoimento desta testemunha foi claro, convincente, objectivo não revelando qualquer má vontade contra os arguidos e demonstrando conhecimento directo sobre os factos sobre os quais prestou depoimento.

Conjuntamente com esta prova, atendeu-se ainda aos autos de apreensão de fls. 10, 29 e 30 (apreensões feitas aos arguidos R R.M., L.M. e E.M.), e ainda de fls. 12 (apreensão feita ao arguido N.C..) e ainda fotografias de fls. 11 e 13 a 15.

Não se diga que o depoimento da testemunha P.S. não é legalmente admissível como meio de prova e que não pode ser valorado pelo Tribunal pelo facto de os arguidos não terem prestado declarações, pois que não estamos perante o disposto no art° 356°,7 CPP, mas antes estarmos perante uma diligência de busca em que o arguido R.M. confirma ao agente, colaborando com a autoridade policial, que tinha sido ele o autor do furto, conjuntamente com os arguidos E.M, e L.M..

E que, não resulta dos autos que estejamos perante " conversas informais", entre arguido e agente policial, e antes traduzem as diligências de investigação a que a autoridade policial procedeu e que levou às apreensões realizadas.

Na verdade, o que o art° 356°, 7 CPP proíbe é o depoimento, por parte do agente de autoridade, sobre o conteúdo de declarações por si recolhidas e cuja leitura não é permitida. Ora a testemunha P.S. não foi ouvido sobre o conteúdo de declarações prestadas nos autos e por si recolhidas, mas foi inquirido sobre o conteúdo de diligências a que procedeu e o que se passou nessas diligências.

Conversa informal e como tal proibida (conversa sem as formalidades da recolha de prova), será apenas o conhecimento investigatório obtido directamente e apenas do arguido, pelo agente policial, de modo deliberado e com violação das regras de produção de prova (principio da legalidade), após a existência de processo/ inquérito no âmbito deste e sem ser constituído arguido.
Estando excluído das conversas informais o conhecimento que adveio ao agente policial quer do arguido quer de outra fonte permitida, ou as prestadas espontaneamente pelo arguido limitando-se o agente policial a ouvir, pois que se o arguido tem o direito a não prestar informações (que o possam incriminar) nada o impede de o fazer voluntária e conscientemente, ou as recolhidas em investigação mesmo do arguido no âmbito das medidas cautelares nos termos do art° 249° CPP.

Assim a situação não se enquadra na proibição do n°7 do art° 356 CPP, e como resulta do depoimento da testemunha insere-se na recolha dos elementos necessários á efectivação da busca.

A situação descrita, poderia também ser enquadrada no depoimento por " ouvir dizer". Só que cremos, mesmo sendo assim, não se trata de prova proibida. O depoimento indirecto, de "ouvir dizer" é livremente apreciado pelo tribunal como os demais depoimentos desde que, seja identificada a pessoa de quem se ouviu dizer e essa pessoa seja chamada a depor (art° 129°1 CPP e salvo a situação excepcional de impossibilidade de chamamento), e só não valerá como meio de prova se a pessoa não for chamada a depor, ou o depoente não identificar a fonte do seu conhecimento ( art° 129°3 CPP).

A testemunha P.S. indicou a sua fonte: o arguido R.M..

Ora, estando todos os arguidos presentes em audiência aquando dessa prestação de depoimento, que se remeteram ao silêncio, não ocorre proibição de valoração do seu depoimento. Na verdade, a prova por ouvir dizer, quando reportada a afirmações produzidas extraprocessualmente pelo arguido é passível de livre apreciação pelo tribunal quando o arguido se encontra presente em audiência e por isso com plena possibilidade de a contraditar, ou seja defender.

Assim, tudo isso ocorreu durante a realização de uma busca domiciliária consentida, e o arguido R.M. que o disse está presente na audiência, e no exercício do seu direito ao silencio não presta declarações, bem como os demais arguidos.

O Tribunal Constitucional, por ac. n° 440/99 de 8/7 in DR II série de 9/11/99 expendeu que " o art°129°l (conjugado com o art° 128°1) CPP, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorara livremente os depoimentos indirectos de testemunhas que relatem conversas tidas com um co-arguido, que chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva o direito de defesa do arguido. Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal forma não é inconstitucional."

A Relação do Porto no seu ac. de 9/11/2011 proc. 11263/08.3TDPRT.P1 decidiu que "não constitui depoimento indirecto o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu a arguida dizer, ainda que esta, em audiência, opte por não prestar declarações".

No caso dos autos é apropriado e adequada face á similitude dos factos o decidido pelo STJ ac. de 13/7/2011, in www.dgsi.pt/jstj:

"I - Não integra o conceito de «depoimento indirecto» o depoimento de uma testemunha, militar da GNR, que investigou o(...) e as suas causa, limitando-se a referir o resultado de informações que recolheu no decorrer e no desenvolvimento da sua actividade funcional de investigação, transmitindo ao tribunal uma série de elementos factuais recolhidos através de várias fontes que identifica, e que o tribunal valorou no âmbito dos poderes de apreciação do art.127.ºdo CPP."
Entendimento este que cremos, se insere na linha orientadora do STJ expressa no ac. de 15/2/2007 (Juiz Cons. Maia Costa), WWW.dgSJ.pt/jstj: "1- Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de "ouvir dizer", pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de "conversas informais" mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.

II - Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas "conversas", que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria "colmatado" ilegitimamente através da "confissão por ouvir dizer" relatada pelas testemunhas.

III - Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.

IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter noticia: compete-lhe praticar "os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova", entre os quais, "colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime " (art. 249.º do CPP).

V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.

VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas "conversas informais" ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende "suprir" o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a "confissão" informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.

VII - O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.' do CPP. "Quanto a esta valoração cremos ser importante o ensinamento expresso no acórdão do STJ citado pelo Ilustre PGA de 27/6/2012 proc. 127/10.0JABRG.G2S1) in wuw.dgsi.pt/jstj do seguinte teor.

X - O depoimento indirecto refere-se a um meio de prova e não aos factos objecto de prova, pois o que está em causa não é o que a testemunha percepcionou, mas sim o que lhe foi transmitido por quem percepcionou os factos.
Assim, o depoimento indirecto não incide sobre os factos que constituem objecto de prova, mas sim sobre algo diferente, ou seja, sobre um depoimento que se ouviu.

XI - Como a validade do depoimento está condicionada à possibilidade do referendado ser chamado a depor, o juiz deve proceder a tal chamamento, quanto mais não seja por força do princípio da descoberta da verdade material.
A omissão deste dever, sem justificação, consubstancia nulidade, nos termos do art. 120°, n.° 2, ai d), do CPP.

XII - O depoimento indirecto deve ser objecto de valoração quando a testemunha referendada comparecer, existindo, então, a necessidade de, com observância do princípio da livre apreciação da prova, conjugar e cotejar o depoimento indirecto e o depoimento directo, esclarecendo eventuais contradições ou convergência.

XIII - A testemunha referendada no depoimento indirecto pode não comparecer ou, comparecendo, recusar-se, de forma ilegal, a prestar depoimento. Em qualquer uma dessas hipóteses, assegurado que está o princípio da imediação com a valoração da credibilidade e da fiabilidade dos depoimentos, ou do próprio comportamento processual da testemunha, os depoimentos directo e inditecto, devem ser livremente valorados.

XIV - Na disciplina legal do art. 129.º do CPP é suficiente a tentativa de realização do contraditório e não é de exigir a efectiva consumação de tal princípio para que o depoimento indirecto tenha potencialidade para ser valorado.

XV - As pessoas a quem se ouviu algo de relevante em termos de objecto do processo podem ser testemunhas (arts. 138.'e 348.' do CPP), assistente e partes civis (arts. 145.º, 346.º e 347° do CPP).
Por isso, não há motivo que leve a adoptar uma interpretação restritiva do art. 129.° do CPP, relegando o seu campo de aplicação unicamente para as testemunhas.

XVI - O n.°1 do art.129.° do CPP (conjugado com o n.°1 do art.128°) deve ser interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercido do seu direito ao silêncio.

XVII - O direito ao silêncio do arguido circunscreve-se a uma dimensão positiva que lhe confere a faculdade de se manter em silêncio ao longo de todo o processo e, em especial, na audiência de julgamento (arts. 61.°, n.°1, ai. d) e 343°, n.°1, in fine), sem que tal comportamento possa ser interpretado em seu desfavor. Colide com princípio da legalidade da prova (art. 125.° do CPP) a atribuição ao direito ao silêncio do efeito negativo de obstaculizar qualquer depoimento sobre o que o mesmo referiu anteriormente.

XVIII - A proibição do art. 129. ° do CPP visa os testemunhos que pretendam suprir o silêncio do arguido, mas não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, v.g. as providências cautelares a que alude o art. 249.° do CPP.

XIX - O relato de órgãos de policia criminal sobre afirmações ou contribuições do arguido (v.g. factos, gestos, silêncios, reacções) de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligências de prova (v.g. interrogatórios, acareações) e que não o devessem ser sobre tal formalismo, bem como no âmbito de actos de investigação e meios de obtenção de prova (v.g. buscas, revistas, exame são local do crime, reconstituição do crime, reconhecimentos presenciais, entregas controladas) que tenham autonomia técnico jurídica constituem depoimento válido e eficaz Por se mostrarem  alheias à tutela dos arts. 129.° e 357.° do CPP.

XX- A indicação feita pelos arguidos à entidade policial sobre o local onde ocorreu o homicídio pode e deve ser valorada em sede de depoimento da mesma entidade policial."
Atendeu-se, ainda ao depoimento da testemunha M.S., funcionário da ofendida que confirmou o desaparecimento do material, conjugando-se este depoimento com os documentos de fls. 23, 70 e 103.

Não se provou, no entanto, que os arguidos R.M., L.M. e E.M. venderam por preço não determinado ao arguido N.L. uma bicicleta de cor vermelha marca EMT Evolution e selim preto e branco marca TEAM de cor branca com o número de quadro PORFSD10G2064, uma bicicleta de cor vermelha marca EMT Evolution e selim preto e branco marca TEAM de cor branca com o número de quadro PORFSD10G2064. Na verdade, se atentarmos no auto de apreensão de fls. 16, verifica-se que a apreensão foi feita a B.A. e não a este arguido, em relação ao qual nenhuma prova foi feita.

Por fim, quanto aos antecedentes criminais por parte dos arguidos o tribunal tomou em consideração o Certificado de Registo Criminal juntos aos autos.”

O Direito:

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
- erro notório na apreciação de prova, com utilização de prova proibida e do princípio in dúbio pro reo
- medida da pena e omissão de pronuncia por o Tribunal não se ter pronunciado pela aplicabilidade do regime especial para jovens na determinação da pena.

a) Do erro notório na apreciação de prova, com utilização de prova proibida e do princípio in dúbio pro reo:

Embora os recorrentes não tenham identificado qual o vício que enfermava a decisão recorrida (o que poderia levar à rejeição do recurso nesta parte) afere-se da motivação do recurso que aqueles entendem que a decisão recorrida enferma do vício aludido na al. c) do nº 2 do art. 410º do C.P.P. por considerar que ocorreu erro notório na apreciação da prova, com utilização de prova proibida e violação do princípio in dubio pro reo.

Uma das vias admissíveis para provocar a sindicância da matéria de facto é a da invocação dos vícios da decisão (desta, e não do julgamento) - de resto, de conhecimento oficioso -, que podem constituir fundamento do recurso “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito” como expressamente permitido no nº 2 do art. 410º do C.P.P.

Esses vícios, os três que vêm enumerados nas alíneas deste preceito terão de ser ostensivos e passíveis de detecção através do mero exame do texto da decisão recorrida ( sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo), por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.

Centrando a nossa atenção naquele que vem invocado nas conclusões do recurso, ou seja o erro notório na apreciação da prova, este verifica-se “quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida” . Desdobra-se, pois, em erro na apreciação dos factos e em erro na valoração da prova produzida.

Verifica-se, igualmente, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis.

A notoriedade do erro exigida pela lei traduz-se numa incongruência que “há-de ser de tal modo evidente que não passe despercebida ao comum dos observadores, ao homem médio (...), ao observador na qualidade de magistrado, dotado de formação e experiência adequadas a um tribunal de recurso. Esse erro há-de ser evidente aos olhos dos que apreciam a decisão e seus destinatários, sem necessidade de argúcia excepcional (...)” ,  ,  .

A invocação que os recorrentes fazem deste erro-vício é perfeitamente despropositada e infundada.

De facto, o texto da decisão recorrida não evidencia qualquer erro dessa natureza, sendo que todos os factos provados e não provados se harmonizam, não se detectando qualquer conclusão arbitrária ou contrária às regras da experiência comum e não foi valorada qualquer prova proibida.

A decisão recorrida fez a indicação dos meios de prova e o respectivo exame crítico, fazendo uma reconstituição dos factos conjugando a prova produzida com as regras da experiência comum.

Os recorrentes alegam que o Tribunal “ a quo” teria fundamentado a sua convicção no depoimento da testemunha P.S., tendo esta no entanto limitado-se  a relatar ao Tribunal aquilo que o arguido R.M. lhe teria relatado. Por outro lado, alegam ainda que os objectos apreendidos nas suas habitações só por si não poderiam fundamentar a convicção de que os arguidos deles se teriam apoderado uma vez que, não vivendo sozinhos poderiam ter sido trazidos por qualquer pessoa que aí resida, sendo aliás impossível terem transportado 5 conjuntos de patins em linha e 23 bicicletas do local onde ocorreu o furto até às suas residências (cerca de 8 Km). O Tribunal perante estes elementos teria que absolver os arguidos atento o princípio in dubio pro reo, sendo que no entender dos recorrentes o Tribunal violou o disposto no artº 129º do CPP por ter valorado o depoimento indirecto da testemunha P.S.

Não tem razão os recorrentes, sendo que não há qualquer reparo a fazer quer quantio aos fundamentos expostos na decisão recorrida para fundamentar e valorar o depoimento da testemunha P.S., quer quanto aos termos expostos na resposta do MºPº junto da 1ª instância e aos quais aderimos por inteiro.

A problemática subjacente a esta questão prende-se com o regime de proibições de prova consagrado na nossa legislação processual penal, que faz uma distinção entre proibições de produção e proibições de valoração de prova. No que respeita às normas processuais penais que prescrevem a proibição do testemunho-de-ouvir-dizer estamos claramente no domínio das proibições de valoração de prova.

A credibilidade de um depoimento afere-se pela sua razão de ciência.

A fonte de conhecimento dos factos é um elemento da maior relevância para a apreciação da força probatória do depoimento.

Em regra, a testemunha depõe sobre factos, pertinentes ao objecto da prova e dos quais possua conhecimento directo (cfr. art. 128º)[3]. O que bem se compreende dadas as exigências próprias dos princípios de imediação, de igualdade de armas e da regra da cross-examination.

Aliás, são estas mesmas exigências que justificam que, também em regra, o depoimento indirecto não possa ser eficaz como meio de prova[4], a menos que se verifiquem determinados condicionalismos.
Desde logo, terá de resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, sendo que as vozes ou rumores públicos se encontram expressamente afastados pelo nº 1 do art. 130º do C. Penal. Em segundo lugar – e exceptuadas as hipóteses de impossibilidade de inquirição daquelas pessoas expressamente consagradas na lei (morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas) -, é imprescindível que o juiz chame a depor a pessoa a quem a testemunha ouviu relatar os factos que transmite ao tribunal para que o depoimento indirecto possa ser valorado.

Ouvida a pessoa que produziu as afirmações (ou não sendo possível a sua inquirição, nos casos previstos na lei), quer o seu depoimento, quer o da testemunha que as reproduziu, são apreciados de acordo com a regra geral contida no art. 127º do C.P.P., ou seja, sem restrições legais, mas de acordo com critérios lógicos e objectivos, devidamente explicitados de forma a permitir o controlo da sua correcção. Nada impede que uma e outra apresentem versões divergentes, cabendo ao tribunal determinar se existe fundamento para questionar a veracidade de uma ou, até, de ambas essas versões.

Por outro lado haverá que ter em conta a questão do valor probatório dos depoimentos dos agentes, face ao silêncio dos arguidos em audiência de julgamento que é o caso em apreço
É ponto assente que caso o arguido tenha optado por não prestar declarações em audiência que a leitura das suas declarações anteriormente prestadas no inquérito e na instrução não são permitidas.[5]

Porém, caso diferente se revela quando o conhecimento dos factos por parte dos agentes foi obtido por modo diferente das declarações dos arguidos.

E o STJ veio entender que será de considerar meio diferente da obtenção de prova entre aquela que foi obtida com base em declarações do arguido reduzidas a escrito, das obtidas através do que se terá passado no reconhecimento/ reconstituição.[6]
Aí se entende que no nº 7 do art. 356º não está abrangida a situação de as testemunhas, mesmo fazendo parte de órgão de polícia criminal, obterem conhecimento dos factos em autos de reconstituição do crime.

Assim não vislumbramos qualquer razão para não se considerar como válidos os argumentos expendidos a propósito da generalidade dos testemunhos indirectos em que se conclui pela inaplicabilidade da norma do art. 129º valorando-se o depoimento "indirecto" do órgão de polícia criminal, relativamente àquilo que “ouviu o arguido dizer”.

E nomeadamente quanto às declarações e conduta percepcionadas ao arguido numa fase prévia à sua constituição como tal.

Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2007 pressuposto do direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da constituição do arguido enquanto tal, ele assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, entre os quais, o de não se auto-incriminar. A partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia.... Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase depura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito.... O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP.

Até ao momento da constituição formal de arguido nos termos do artigo 59º nº 1 do Código de Processo Penal o processo de obtenção de diversas declarações, incluindo as do então suspeito, e posterior arguido, logra cobertura legal nos termos dos artigos 55º, nº 2 e 249º, nºs 1 e 2, als. a) e b) do mesmo diploma.

É esta constituição de arguido que limita a fronteira na admissibilidade das denominadas "conversas informais", pois que é a partir daí que as suas declarações só podem ser recolhidas, e valoradas, nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas, ou quaisquer outras provas, recolhidas informalmente.

Assim a proibição do artigo 129º do Código de Processo Penal visa os testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, mas não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP.

Na verdade, nestas providências a autoridade policial procede a diligências investigatórias, no âmbito do inquérito, em relação a infracção de que teve noticia.

Nos termos do artº 249º do CPP incumbe à autoridade policial "os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova", entre os quais, "colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime". Estas "providências cautelares" são fundamentais para investigar a infracção, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial deva praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249º, nº 1).

Nessa fase não há, ainda, inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos, sendo uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto, pelo que as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito.

Já quanto ao depoimento de autoridades policiais em relação a declarações prestadas no processo, ou sejam as declarações formais, as mesmas não tem relevância prática em virtude da proibição de produção de prova a que se reporta o artigo 356º nº 7 do CPP.

No caso em apreço e antes do mais verifica-se que na decisão recorria, as afirmações prestadas pelo arguido R.M., presenciadas pela testemunha P.S., foram efectuadas durante uma busca efectuada em que o aquele confirma ao agente, colaborando com a autoridade policial, que tinha sido ele o autor do furto, conjuntamente com os arguidos E. M. e L.M..

Ou seja aquilo que o Tribunal refere é que foi constatado pela testemunha P.S. no local, num momento em que se procurava apurar indícios criminais, numa fase ainda prévia à do inquérito.

E assim sendo, o seu depoimento deve ser valorado, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, já que não se referem a factos que lhe foram transmitidos, mas sim daquilo que directamente assistiu, resultando da sua percepção directa.

 Nesse sentido veja-se o Ac desta Relação de 21/09/10, processo nº 20/11.0GASSJ.P1, citado aliás pelo MºPº junto da 1ª instância no qual se refere que: Os órgãos de polícia criminal, na estrita medida em que deponham sobre a actividade investigatória que realizaram, nomeadamente buscas e apreensões, ainda que levada a cabo com a colaboração ou a informação de suspeitos, não depõem sobre matérias proibidas, já que depõem, não sobre factos que lhes tenham sido transmitidos, antes, sobre o resultado da sua percepção directa, colhida durante a realização da actividade investigatória autónoma, embora sequencial. Portanto, nesta perspectiva, não se trata de depoimento indirecto, sujeito ao regime do artigo 129.º do CPP .
Nessa estrita medida, os depoimentos dos agentes policiais constituem meio de prova processualmente válido e admissível, a valorar, como a demais prova testemunhal, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
(…)”.
Entendemos também que o artigo 129º do CPP deve harmonizar-se com o regime previsto no art. 249º do mesmo Código. Com efeito, dispõe a lei neste último preceito que os agentes de autoridade devem “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição” (art. 249º, 2, al. b) do CPP). Não faria sentido que os elementos assim recolhidos não pudessem ser livremente valorados, nos termos do art. 127º do CPP. Se a lei permite a recolha de elementos, é porque tal recolha não pode ser entendida como prova proibida, como parece óbvio.”

Por outro lado, o Tribunal não teve apenas em consideração o depoimento da testemunha P.S., mas igualmente autos de apreensão de fls. 10, 29 e 30 (apreensões feitas aos arguidos R.M., L.M. e E. M.), e ainda de fls. 12 (apreensão feita ao arguido N.C..) e ainda fotografias de fls. 11 e 13 a 15.

Ora da conjugação destes factos que não foram contraditados pelos arguidos, presentes na audiência, forçoso será de concluir que a conclusão a que o Tribunal “ a quo” chegou, se reveste de toda a lógica, não ocorrendo qualquer violação das regras de experiência comum ou de valoração indevida de prova proibida.

Os arguidos não prestaram declarações sendo certo que por tal não podem ser prejudicados.

No entanto ao fazerem-no, não foi apresentada qualquer explicação ao Tribunal para os objectos furtados e encontrados na sua posse, o que legitimou e fortaleceu a convicção deste quanto à prática dos ilícitos de que vinham acusados.

Ao remeterem-se ao silêncio – que, não os podendo desfavorecer, também não os pode favorecer -, adoptando uma estratégia de defesa que é lícita, implica a aceitação das consequências daí advenientes, ou seja, a valoração da prova produzida sem o contributo da sua versão dos factos que a poderia infirmar, esclarecer ou pôr em dúvida.

Não se verifica, pois, qualquer erro notório na apreciação da prova.

Refira-se que os recorrentes não impugnaram a matéria de facto com a alegação de erro de julgamento, ou pelo menos não o fizeram com a observação  dos requisitos formais previstos no artº  formais indicados no nº 3 do art. 412º do C.P.P., ou seja com a delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados, com especificação das provas que, em seu entender, impõem  decisão diversa da recorrida, limitando-se a fazer um juízo de valor sobre o teor dos depoimentos prestados,  especificações estas que hão-de ser feitas de acordo com o estabelecido no nº 4 do preceito acima referido.

Uma impugnação nestes moldes, sem concretização dos pontos incorrectamente julgados e assente apenas numa apreciação sincopada da prova produzida, não pode conduzir senão à rejeição da pretensão apresentada.

No que concerne à violação do princípio in dúbio pro reo dispõe o art. 32º da CRP no seu nº 2, a de que “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…)”.
 “A presunção de inocência é também uma importantíssima regra sobre a apreciação da prova, identificando-se com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a culpabilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado o esforço processual para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade. Se a final da produção de prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido impõe-se uma sentença absolutória”[7].

O princípio in dubio pro reo é, pois, uma emanação do princípio da presunção de inocência e surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal.

Pressupondo a violação deste princípio um estado de dúvida no espírito do julgador, deve a mesma ser tratada, nesta perspectiva, como erro notório na apreciação da prova.

Assim sendo, para que se possa afirmar a existência de erro notório na apreciação da prova por violação do princípio in dubio pro reo, terá de resultar de forma evidente do texto da sentença recorrida - por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, ou então dos juízos lógicos que possam ser efectuados sobre a factualidade em apreço, ou a prova documental plena que não haja sido atendida - que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.

O que está em causa não é uma qualquer dúvida subjectiva, mas sim uma dúvida razoável e insanável, que seja objectivamente perceptível no contexto da decisão proferida, de modo a que seja racionalmente sindicável.

É que este princípio “não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.”( Ac. STJ 12/7/05, proc. nº 05P2315).

Ora no que a este aspecto concerne, também não se denota que tenha subsistido – ou devesse ter subsistido - qualquer dúvida que houvesse sido resolvida em desfavor dos recorrentes e subsequentemente ter-se violado o princípio “ in dubio pro reo”.
Note-se que o que está em causa não é uma qualquer dúvida subjectiva, mas sim uma dúvida razoável e insanável, que seja objectivamente perceptível no contexto da decisão proferida, de modo a que seja racionalmente sindicável.

Isto dito, não colhe a pretensão dos recorrentes na alteração da matéria de facto no sentido apontado.

b) Da medida da pena e omissão de pronuncia por o Tribunal não se ter pronunciado pela aplicabilidade do regime especial para jovens na determinação da pena.

Os recorrentes insurgem-se, ainda, contra o facto de o Tribunal não ter atenuado especialmente a pena, por aplicação de regime especial de jovens.

Começaremos por conferir a fundamentação de direito constante da decisão recorrida, na parte relativa à determinação da medida concreta das penas:

Cumpre determinar a pena concretamente aplicável aos arguidos pela prática dos crimes acima analisados, atendendo às penas abstractamente aplicáveis, aos critérios de escolha e medida da pena e às suas finalidades.

“Quanto às finalidades das penas, estabelece o artigo 40.°, n.° 1 do Código Penal que "A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade."

A protecção dos bens jurídicos, sendo estes determinados por referencia à ordem axiológica jurídico-constitucional, implica a rejeição de uma limitação da intervenção penal assente numa qualquer ordem transcendente e absoluta de valores, fazendo assentar a referida legitimação unicamente em critérios funcionais de necessidade (e de consequentemente utilidade) social. Por isso a aplicação da pena não mais pode fundar-se em exigências de retribuição ou de expiação da culpa, sem qualquer potencial de utilidade social, mas apenas em propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada. — Cfr. Figueiredo Dias, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 1, Fascículo 1, 1991, Aequitas, Editorial Notícias, página 17 e 18.

Subjacente à protecção jurídica de bens jurídicos está a chamada finalidade de prevenção geral positiva que juntamente com a prevenção especial positiva ou ressocialização constituem as finalidades das penas no nosso ordenamento jurídico.

A pena tem por fundamento e limite a medida da culpa, não podendo ultrapassá-la (cfr. artigos 40.u, n.° 2 e 71.°, n.° 1 do Código Penal).

Na verdade, "(...) à culpa, a que se reconhece a dignidade de pressuposto irrenunciável de toda e qualquer punição, caberá a função, única mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e em todos os casos inultrapassável da pena (...)" in Manuel Lopes Maia Gonçalves, "Código Penal Português, Anotado e Comentado", Almedina, 2004, 16* edição, pág. 176.

Para a determinação da medida concreta da pena, nos termos do artigo 71.° do Código Penal, atender-se-á à culpa do agente e às exigências de prevenção, ponderando ainda todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as circunstâncias previstas nas diversas alíneas do artigo 71.°, n.° 2 do Código Penal.

O limite superior da pena é pois o da culpa do agente. O limite mínimo é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.

Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras da prevenção especial de socialização; é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade.

Da pena a aplicar aos arguidos R.M., E. M. e L.M.:

Ao crime de furto qualificado nos termos do n.° 2 do artigo 204.° do Código Penal corresponde, em abstracto, a pena de prisão de 2 (dois) até 8 (oito) anos.

Atendendo aos critérios supra explanados há a considerar, o grau de ilicitude do facto, que é mediano, quer no que toca ao desvalor da acção, com a conduta criminosa dos arguidos a revelar forte energia criminosa; e ainda o dolo dos arguidos, que reveste a forma de dolo directo. A desfavor do arguido E. valora-se ainda o facto de contar com uma condenação por furto qualificado, pese embora essa condenação seja posterior à data da prática dos factos destes autos. A favor dos arguidos L.M. e R.M. pondera-se o facto de os mesmos não terem antecedentes criminais.

De considerar, ainda, as exigências de prevenção geral que se fazem sentir relativamente a infracções desta natureza, as quais se revelam acentuadas face ao significativo número de crimes desta natureza que vêem sendo cometidos nesta comarca. Na verdade, não se poderá esquecer que o ilícito em causa, pela frequência inquietante que assume na actualidade, e especialmente no nosso país, gera na comunidade um forte sentimento demandando uma solene punição do agente a fim de ser recuperada a confiança na vigência e validade da norma violada.

Deste modo, julgo adequado a aplicação aos arguidos R.M., E. M. e L.M. de uma pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão.
Aqui chegados, cumpre apreciar a possibilidade ou não de suspensão da execução das penas de prisão aplicadas.

Dispõe, nesta sede, o artigo 50°, n.°1, do Código Penal, que: "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam deforma adequada e suficiente as finalidades da punição".

Assim, o pressuposto material do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, sendo que este prognóstico terá como ponto de partida, não a data da prática do crime, mas antes o momento da decisão [neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/05/01, in CJ, tomo II, p. 201].

Resulta da factualidade provada que os arguidos E.M. e L.M. não têm antecedentes criminais, que o arguido R.M. foi condenado posteriormente aos factos em análise e que nunca foram colocados numa situação e reclusão. Entende o Tribunal que, atentas as circunstâncias em que o crime foi praticado, as finalidades da punição se podem realizar com a simples censura e ameaça da pena de prisão, e uma vez que a pena de prisão não excede os cinco anos, entende-se que a sua execução deve ser suspensa nos termos do supra citado 50.°, n.°1. Relativamente ao período de suspensão da pena de prisão, a mesma terá o período de 2 (dois) anos c 2 (dois) meses, atento o disposto no citado n.° 5 do artigo 50.°.

Porém, entende o tribunal que a suspensão da execução da pena de prisão terá que ser sujeita a regime de prova, com vista a permitir a reinserção dos arguidos na sociedade no sentido de não voltarem a praticar, no futuro, mais crimes.

Nestes termos, decide o tribunal determinar a suspensão da execução das penas de prisão aos arguidos R.M., L.M. e E. M. acompanhada de regime de prova assente em plano individual de readaptação social que preveja a inscrição dos arguidos no Centro de Emprego, e ainda a obrigação de prestarem 200 (duzentas) horas de trabalho a favor da comunidade em instituição adequada a definir pela DGRS, nos termos dos artigos 52.°, 53.° e 54.°, todos do Código Penal.

Da pena a aplicar ao arguido N.C..:

Ao crime de receptação, nos termos dos artigos/ 231.°, n.°1 do Código Penal, corresponde, em abstracto, pena de prisão de 1 (um) mês até 5 (cinco) anos ou pena de multa de 10 (dez) a 600 (seiscentos) dias.

A determinação da medida concreta far-se-á de acordo com os princípios acima referidos atendendo-se também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor e contra o agente.

In casu, temos que a favor do arguido devemos atender:
- à sua condição social;
- à ausência de antecedentes criminais;
- ao facto de se encontrar social inserido.
- ao facto de ter devolvido o bem que adquiriu ao seu proprietário.
No que concerne às necessidades de prevenção geral, entendemos que as mesmas se situam num grau reduzido, sendo que, quanto as necessidades de prevenção especial são igualmente irrelevantes.
Deste modo, tudo ponderado, julgo adequada a pena de 100 (cem) dias de multa.

Resta, ainda, nos termos do art. 47°, n° 2, do Cód. Penal, fixar o quantum diário da multa, para o que se tem de atender à situação económica do condenado e aos seus encargos pessoais, de tal modo que o efeito da pena se faça sentir mas sem que coloque em risco a sobrevivência do arguido e, bem assim, que não seja de tal modo desproporcionada que o arguido não tenha possibilidades de a cumprir, mesmo que em prestações.
No caso em apreço, entende-se fixar o quantum diário em €: 6 (seis euros).

Tudo ponderado, julgo adequada e ajustada, nos termos do disposto no artigo 47° do Cód. Penal, a pena de 100 (cem) dias de multa à razão diária de €: 6 (seis euros) o que perfaz a multa global de €: 600 (seiscentos euros).

Nos termos do disposto no n.°1 do artigo 48° do Código Penal, pode o Tribunal ordenar, a requerimento do condenado, a substituição da pena de multa por dias de trabalho, sempre que conclua que esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Em audiência de discussão e julgamento, o arguido manifestou a vontade de, caso fosse condenado, a pena a ser aplicada fosse substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.

Ora, no caso concreto dos autos, e porque as finalidades da punição saem realizadas de forma adequada e suficiente, e o arguido consentiu na prestação de trabalho a favor da comunidade em caso de condenação, decide-se substituir a pena de multa de 100 dias, aplicada ao arguido N.C.., por 100 horas de trabalho a favor da comunidade, ao abrigo do disposto no artigo 48.° do CP.”
Do exposto resulta que o Tribunal não teve em atenção a eventual aplicação do regime especial para jovens, prevista no art. 4º do DL nº 401/82 de 23/9 ( RJD ) uma vez que os arguidos à data dos factos teriam entre 18 a 19 anos de idade.

E, assim sendo, deveria o tribunal recorrido apreciar e fundamentar expressamente, do ponto de vista substancial, se, no caso, existia ou não justificação para aplicar o RJD (abstractamente aplicável tendo em conta a idade de ambos os recorrentes), em particular a atenuação especial que nele vem prevista. Não o tendo feito, verifica-se omissão de pronúncia, geradora da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 374º do C.P.P.[8].

É que não obstante as penas aplicadas não serem de prisão efectiva, sendo ambas substitutivas da pena determinada em concreto, é bom não olvidar que para a opção desta há que ter em conta a moldura penal abstracta, no âmbito da qual o julgador fará funcionar os elementos da determinação da pena a que se refere o artº 71º do Cod. Penal.

Ora, recaindo a atenuação especial da pena sobre os limites daquela, forçoso será de concluir que a apreciação da eventual aplicação deste instituto terá que ser anterior ao da determinação da pena que em concreto será aplicada.

Não o tendo feito, incorreu o Tribunal “ a quo” na nulidade de omissão de pronuncia e que em princípio deveria por aquele ser suprida.

No entanto, consideramos que no caso em apreço, que não há fundamento para a aplicação daquele instituto, pelo que evitando-se a prática de actos inúteis, não se justifica o envio dos autos à 1ª instância para tal fim, podendo ser apreciada a neste Tribunal.

De facto, no caso em apreço, não poderemos deixar de realçar, a ausência de confissão, de arrependimento, e o grau de ilicitude revelado na perseverança dos seus intentos, culminado com a prática dos crimes em apreço nos autos.

É que a atenuação especial resultante da aplicação do regime para jovens delinquentes, para além da idade, torna-se necessário estar-se perante diminuição acentuada, não só da culpa do agente, mas também da ilicitude do facto ou da necessidade da pena.

Como se expressou o acórdão do STJ, de 23-02-2000, processo n.º 1200/99-3.ª, SASTJ, n.º 38, pág. 75, «É na acentuada diminuição da ilicitude e/ou da culpa e/ou das exigências da prevenção que radica a autêntica ratio da atenuação especial da pena».

A atenuação especial dos arts. 72.º e 73.º do CP, aplica-se como é óbvio quer  a adultos como jovens adultos, mas relativamente a estes - e, aí, a diferença -, essa atenuação especial pode fundar-se não só no princípio da culpa (caso em que essa atenuação especial se fundará nos arts. 72.º e 73.º do CP) como, também ou simplesmente, em razões de prevenção especial (ou seja, de reintegração do agente na sociedade).

Ora é o que ocorre no caso em apreço, só existe como factor favorável a idade, sendo que perante a gravidade da ilicitude e da culpa, conjugados com a falta de arrependimento, ausência da confissão nos termos referidos, conclui-se forçosamente, não ser aquela suficiente,  não estando como tal reunidas as condições da aplicação daquele instituto.

Improcede assim este argumento recursório.

Por outro lado também não consideramos ser de censurar, e analisando as considerações expendidas no segmento acima transcrito, nenhuma incorrecção se vislumbra na determinação da medida concreta da pena, tendo sido devidamente ponderada as circunstâncias relevantes para o efeito (de que se salientam as prementes exigências de prevenção,) e não se mostrando, tendo em conta a moldura abstracta aplicável, desajustada ou desproporcional à culpa do recorrente a pena encontrada.

E por outro lado não há de igual modo reparos a fazer relativamente à suspensão da pena de prisão aplicada, atenta a idade dos arguidos ser possível formular o imprescindível juízo de prognose positiva e revelando-se apta a satisfazer as finalidades da punição.

Refira-se que conforme se refere no Ac STJ de 17/06/99, proc. nº 390/99, a não existência de séria razões que da atenuação especial da pena resultem vantagens de ressocialização para o jovem delinquente, não é contraditório com os fundamentos da suspensão da pena previstos no artº 50º nº 1 do Cod. Penal.

No que se refere à prestação de trabalho a favor da comunidade imposto aos recorrentes R.M., L.M. e E.M., como regras de conduta que condicionam a suspensão da pena de 2 anos e 2 meses de prisão em que foram condenados, teremos que referir da impossibilidade  da sua aplicação.

Com efeito não é juridicamente admissível condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à prestação de trabalho, “mesmo que em instituições de solidariedade social e ainda que dispondo do consentimento do condenado” (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime).

Conforme Ac. da Rel. de Évora de 20/01/15 in www.dsji.ptAs consequências jurídicas do crime encontram-se submetidas ao princípio da legalidade e da tipicidade (art. 29º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e art. 1º do Código Penal), que abrange a definição das penas, as condições da sua aplicação, o controlo das fontes, a proibição da retroactividade, a proibição da analogia contra reo.
A “suspensão da execução da prisão” e a “prestação de trabalho a favor da comunidade” são duas penas de substituição de diferente natureza, que o Código Penal prevê e trata nos arts 50º a 57º e arts 58º e 59º, respectivamente.
Condicionar a suspensão da prisão a uma prestação de trabalho comunitário redundaria numa “mistura arbitrária – e violadora, por conseguinte, do princípio da legalidade da pena – de duas diferentes penas de substituição, cada qual com o seu sentido e os seus pressupostos próprios” (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 354).

Do exposto resulta pois que haverá reformular nesta parte a decisão recorrida, mantendo-se no restante quanto ao regime aplicado e referente à suspensão da pena.

Por último, tendo em atenção o período de tempo refletido na pena de 100 dias de multa aplicada ao arguido N.C.. de modo algum se poderá considerar excessivo as horas de trabalho a favor da comunidade fixada pelo Tribunal, devendo-se ter em conta o critério utilizado pelo legislador na correspondência entre a multa e a prestação de trabalho a favor da comunidade que nos termos do artigo 48.º, n.º 2, do Código Penal, é a estabelecida no artigo 58.º, n.º 3, do mesmo diploma, ou seja, um dia de multa corresponde a uma hora de trabalho[9].

*

III- DECISÃO:

Por todo o exposto, os Juízes desta Relação decidem revogar a decisão na parte em que condicionou a suspensão da pena de prisão aplicada aos recorrentes R.M., L.M. e E.M. à prestação de trabalho comunitário, mantendo-se em tudo o mais a sentença a decisão recorrida.
Vai cada um dos recorrentes condenado em 3UC´s de taxa de justiça.
Processado em computador e revisto pela 1º signatário – art. 94 nº 2 do CPP).


Lisboa, 17 de Junho de 2015

(Vasco Freitas)
(Rui Gonçalves)

[1] cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335  e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2]Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3]O conhecimento directo dos factos é aquele que a testemunha adquiriu por se ter apercebido imediatamente deles através dos seus próprios sentidos, ao passo que no testemunho indirecto ( também denominado de testemunho de ouvir dizer ou, na expressão anglo-saxónica, de hearsay evidence rule ) a testemunha não percepcionou imediatamente os próprios factos, tendo adquirido o seu conhecimento através de um terceiro.
[4]“O que se pretende com a proibição do chamado depoimento indirecto (…) é que o tribunal não acolha como prova um depoimento que se limita a reproduzir o que se ouviu a outra pessoa que é possível ouvir directamente”. ( cfr. Ac. STJ de 6/5/99, CJ , ano VII, t. II, pág. 207 )
[5]Ac. do STJ de 24.02.93  in C.J. Tomo I, pag. 202
[6]Ac. de 11.12.1996, in BMJ 462/299.
[7] Cfr. “Constituição Portuguesa Anotada” de Jorge Miranda – Rui Medeiros, t. I, pág.356.
[8] cfr., entre outros, Acs. STJ 23/11/04, proc. nº 05P896, 19/11/08, proc. nº 08P3776, 16/5/07, proc. nº 1492/07-3ª Secção e 23/5/07, proc. nº 1405/07-3ª Secção ( os dois últimos em www.stj.pt ).
[9] Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência nº13/2013 , DR, I Série de 17-10-2013