Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2747/10.4TBBRR.L1-2
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
ALVARÁ
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I. O art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil enfatiza o poder específico da Relação de alterar a decisão relativa à matéria de facto, nomeadamente com a utilização da expressão “deve alterar”.
II. Num contrato de empreitada, o prazo para a execução da obra é fixo quando se utiliza, na sua estipulação, o termo “impreterivelmente”.
III. Comprovado o incumprimento por parte da empreiteira, pela não realização integral da prestação a que se obrigara, assiste ao dono da obra a faculdade de resolver o contrato de empreitada, nos termos do art. 432.º, n.º 1, do Código Civil.
IV. Perante uma situação de incumprimento definitivo da obrigação, deixa de fazer sentido o apelo à interpelação admonitória a que se refere o art. 808.º, n.º 1, do Código Civil.
V. O alvará (para o exercício da construção) não é suscetível de ser objeto de direitos privados, estando fora do comércio jurídico, nomeadamente nos termos do disposto no art. 202.º, n.º 2, do Código Civil.
VI. Reconhecido o facto ilícito gerador de responsabilidade civil e não sendo questionada a gravidade do dano, há lugar à fixação da indemnização, por um dano de natureza não patrimonial.
VII. Justificando-se que as partes correspondam, no desenrolar da ação judicial, às exigências da boa fé processual, com a densidade conferida pela jurisprudência, é necessário, no entanto, na delimitação concreta da litigância de má fé, alguma compreensão ou tolerância, designadamente na forma como cada uma das partes acautela os seus interesses, de modo a não prejudicar a tutela jurisdicional efetiva, consagrada constitucionalmente como um direito fundamental.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

“A” – Construções, Lda., instaurou, em 20 de agosto de 2010, no 1.º Juízo Cível da Comarca do Barreiro, contra “B”, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que o Réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 147 420,46, acrescida dos juros de mora à taxa supletiva para as operações comerciais, sobre a quantia de € 78 114,46, desde 31 de dezembro de 2009, e sobre a quantia de € 69 306,00, a partir da data da condenação.
Para tanto, alegou em síntese, ter celebrado com o R., em julho de 2008, um contrato de empreitada, através do qual se comprometeu a construir uma moradia, pelo preço de € 162 800,00, o qual seria pago faseadamente; o R. não procedeu ao pagamento nos prazos acordados e a certa altura viu-lhe vedada a entrada na obra; o R. veio a comunicar-lhe a resolução do contrato, por incumprimento; tem a receber ainda a quantia de € 37 661,67, por trabalhos realizados, e de € 27 553,72, respeitantes a trabalhos correspondentes a alterações solicitadas pelo R.
Citado, contestou o R., alegando que sempre cumpriu as suas obrigações contratuais, ao contrário da A., que, designadamente, abandonou a obra em 24 de julho de 2009, motivando a resolução do contrato, quando apenas estavam executados 66 % dos trabalhos, e concluindo pela sua absolvição do pedido.
Em reconvenção, pediu a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de € 148 986,51, a título de danos materiais e morais, pelo incumprimento do contrato, pedido que viria a ampliar para a quantia de € 149 690,29 (fls. 822).
Pediu, ainda na contestação, que a A. fosse condenada em multa e indemnização não inferior a € 5 000,00, como litigante de má fé.
Replicou a A., impugnando a reconvenção e a litigância de má fé.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação, foi proferida em 17 de setembro de 2013, a sentença que condenou o R. a pagar à A. a quantia que se liquidar ulteriormente, relativa aos trabalhos que a esta prestou para além dos que foram convencionados, a compensar, nos termos da resolução do contrato com a importância, também a liquidar ulteriormente, que o primeiro tenha pago a mais à segunda, acrescida de juros legais, à taxa comercial supletiva, desde a citação até integral pagamento, e condenou a A. a pagar ao R. a quantia de € 42 109,53, acrescida da quantia que se liquidar ulteriormente relativa a juros e imposto de selo, nos termos determinados, tudo acrescido de juros legais, a liquidar desde a notificação da reconvenção até integral pagamento.

Inconformada com a sentença, recorreu a Autora e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:

a) A A. não incumpriu com nenhum dever contratual.
b) O R. resolveu ilegalmente o contrato de empreitada.
c) A livrança e o mútuo não foram celebrados devido a qualquer incumprimento da A.
d) A A. não abandonou a obra.
e) A condenação da A. ficou a dever-se a uma errónea apreciação da prova produzida, quer testemunhal, quer documental, nomeadamente quantos aos quesitos 5.º-A, 5.º-B, 34.º, 40.º, 47.º, 48.º, 51.º e 55.º.
f) O quesito 3.º da base instrutória deve ser dado como provado.
g) Foi o R. que incumpriu com as obrigações emergentes do contrato de empreitada, designadamente ao proceder à sua rescisão sem justa causa.
h) Mesmo que se entenda ter havido incumprimento do prazo, tal incumprimento foi relevado.
i) A rescisão do contrato teria de operar através da interpelação admonitória a que se refere o art. 808.º do CC, o que não foi observado pelo R.
j) Ao rescindir o contrato, o R. violou as obrigações emergentes do contrato e violou ainda os artigos 406.º, n.º 1, e 808.º, n.º 1, do CC.

Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida no que tange à condenação da A.

Também inconformado com a sentença, recorreu o Réu e, tendo alegado, extraiu em resumo as seguintes conclusões:

a) Foi dado como indevidamente provado o quesito 2.º.
b) Não deveria o Recorrente ter sido condenado a pagar à Recorrida os trabalhos que foram executados a nível dos tetos falsos e rampa de acesso à garagem.
c) A conduta da Recorrida, manifestada ao longo dos autos, evidencia uma flagrante má fé.
d) Desde logo, porque omitiu o documento de fls. 140 a 142, correspondente a um caderno de encargos assumido pela Recorrida, que fazia parte integrante do contrato.
e) Por outro lado, alegou facto que não correspondia à verdade, nomeadamente quanto à colocação de estores nas janelas.
f) A sentença recorrida violou o art. 456.º do revogado CPC e art. 542.º do NCPC.

Pretende o Réu, com o seu provimento, a alteração da sentença recorrida, de modo a ser absolvido do pedido e a condenar-se a A., como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor.

Contra-alegou apenas o R., no sentido de ser negado provimento ao recurso da A.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Nos recursos interpostos, para além da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, está em discussão, essencialmente, a imputação do incumprimento do contrato de empreitada, o dano e a litigância de má fé.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. A sentença deu como provados os seguintes factos:

1. Por escrito denominado “contrato de empreitada”, de 8 de julho de 2008, constante de fls. 22 a 31, a A. comprometeu-se a construir uma moradia “isolada”, sita na Rua ... – ..., freguesia de ..., ..., mediante o pagamento pelo Réu do valor global de € 162 800,00, acrescido de IVA, nos seguintes termos: I – Com a assinatura do contrato, € 15 000,00; II – Com o enchimento das fundações, € 10 000,00; III – Com o enchimento das muralhas, € 12 000,00; IV – Com a primeira placa e pilares, € 12 000,00; V – Com a segunda placa e pilares, € 12 000,00; VI – Com a terceira placa, € 12 000,00; VII – Com o assentamento do telhado, € 12 000,00; VIII – Levantamento de paredes exteriores e interiores, € 8 000,00; IX – Tubagens de águas, esgotos, eletricidade, € 13 000,00; X – Reboco exterior, € 10 000,00; XI – Reboco interior, € 10 000,00; XII – Assentamento de pavimentos, € 8 000,00; XIII – Colocação de madeiras, € 10 000,00; XIV – Colocação de alumínios e portas interiores, € 10 000,00; XX – Pinturas interiores e exteriores, € 8 000,00; XXI – Acabamentos, € 800,00.
2. O valor de € 162 800,00 não incluía os trabalhos extras que fossem solicitados pelo R.
3. Dos trabalhos orçamentados e constantes do acordo, a A. realizou o enchimento das fundações, muralhas, placas e pilares e o levantamento das paredes exteriores e interiores.
4. Dos trabalhos orçamentados e constantes do acordo, a A. não procedeu à colocação de portas interiores, nem aos acabamentos.
5. Em execução do acordo descrito em 1., o R. entregou à A. a quantia de € 124 000,00.
6. Por carta de 31 de agosto de 2009, o R. declarou à A. resolver o acordo descrito em 1., nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 64 e 65.
7. Entre A. e R. foi ainda trocada a correspondência constante de fls. 59, 62 e 63, 68 e 69
8. A A. emitiu e remeteu ao R. as faturas n.º s 145 e 146, constantes de fls. 66 e 67.
9. Por escritura pública, lavrada em 08.03.2010, na agência da ... do Banco “C”, o R. confessou-se devedor a essa instituição bancária da quantia de € 35 000,00, a título de empréstimo, tendo no mesmo ato e para garantia desse financiamento declarado ainda constituir a favor do Banco “C” hipoteca sobre o prédio urbano indicado em 1.
10. Dos trabalhos constantes do acordo descrito em 1. e orçamentados a fls. 140 e 141, quando a A. deixou a obra, encontravam-se executados os seguintes: - O telhado estava concluído faltando apenas montar as janelas velux; - As tubagens da água; - Os esgotos no interior estavam concluídos e no exterior tinha as tubagens, faltando fazer o seu encaminhamento para as ligações finais; - A parte elétrica estava concluída faltando apenas colocar as tomadas, espelhos e interruptores e fechar o quadro; - A execução e montagem de aquecimento central por sistema de piso radiante e aquecimento e piscina com apoio de energia solar, estava executado em menos de metade; - O reboco interior e exterior encontrava-se quase completo; - O pavimento de uma casa de banho e as rampas para a garagem e a garagem estavam pavimentadas em metade; - Os alumínios estavam colocados faltando aplicar em algumas peças os vedantes; - As pinturas interiores mostravam-se apenas iniciadas, em percentagem não concretamente apurada e nas exteriores apenas foram experimentadas as cores.
11. Para além dos trabalhos constantes do acordo descrito em 1. e orçamentados no a fls. 140 e 141, a A. executou tetos falsos, que não ficaram totalmente acabados (sala de estar, casa de banho e cozinha), apenas tendo ficado totalmente montado o teto de uma casa de banho; aceitou alterar a passadeira de acesso à entrada principal da moradia (resposta ao quesito 2.º da base instrutória).
12. Pelo menos a partir de meados de agosto de 2009, a A. deixou de ter livre acesso à obra, por esse acesso lhe ter sido vedado pelo R., depois da A. se ter ausentado da obra, sem qualquer comunicação ao dono a obra, em finais de julho de 2009.
13. Chegaram a ser acordadas duas reuniões para tentar obter um acordo entre o dono da obra e o construtor, nos dias 8 e 10 de setembro de 2009, sem que o legal representante da A. tenha comparecido (resposta aos quesitos 5.º-A e 5.º-B).
14. Após a saída da obra por parte da A., ficaram retidos na obra vários materiais e equipamentos, entre eles, andaimes em quantidade não apurada, uma betoneira, martelos elétricos, um misturador, uma retificadora de corte, um guincho, dois carrinhos de mão e dois depósitos de água.
15. A A. teve de alugar, por necessitar de executar outras obras, pelo menos, andaimes e um guincho.
16. A partir de 24 de julho de 2009, a A. deixou de fazer deslocar trabalhadores para a obra.
17. Dos trabalhos constantes do acordo descrito em 1. e orçamentados a fls. 140 e 141, a A. não concluiu os seguintes trabalhos: - colocação de pavimentos exteriores na passadeira de acesso à garagem, da garagem para a moradia e na entrada do portão exterior, bem como os pavimentos interiores das casas de banho, cozinha, garagem e casa das máquinas; - colocação de passadeira à volta da moradia; - a aplicação de parte de pedra de revestimento na moradia ficou por fazer (colunas frontais, parcialmente); - construção de caixa de esgoto e correspondente reboco; - construção da casota para bilhas de gás; - acabamentos das caixas do contador de água e luz.
18. Para concluir esses trabalhos, o R. teve de despender quantia não concretamente apurada.
19. Também não foram concluídos os trabalhos de instalação do aquecimento central por sistema de piso radiante e aquecimento de piscina com apoio de energia solar.
20. Para a conclusão desses trabalhos, o R. teve de despender a quantia de € 9 355,85.
21. A A. não concluiu o trabalho orçamentado e constante do acordo descrito em 1. da colocação de rodapés e roupeiros.
22. O R. suportou o custo de € 8 921,65, com a colocação de portas interiores, rodapés e roupeiros.
23. A A. não concluiu o trabalho orçamentado e constante do acordo descrito em 1. da instalação dos móveis da cozinha.
24. Os móveis da cozinha e a sua instalação foram pagos pelo R. em montante não apurado.
25. A A. não concluiu os seguintes trabalhos orçamentados e constantes do acordo descrito em 1.: - pinturas interiores e exteriores; - aplicação de teto falso; - montagem de janelas velux.
26. Na conclusão desses trabalhos, o R. despendeu a quantia de € 15 600,00.
27. Na aquisição das janelas velux, o R. despendeu a quantia de € 1 892,35.
28. A A. não concluiu os seguintes trabalhos orçamentados e constantes do acordo descrito em 1.: - colocação do portão elétrico na garagem; - colocação de tomadas e interruptores no interior da moradia; - montagem do videoporteiro; - ligação da bomba das águas pluviais.
29. O R. pagou por trabalhos de eletricidade a quantia de € 3 600,00 (instalação eléctrica nos tetos falsos, mão de obra respeitante à colocação de projetores, montagem de som ambiente e do portão da garagem e respetivo automatismo).
30. Quanto à porta de entrada e face ao orçamentado e do constante do acordo em 1., a A. não procedeu à forra da porta e respetivos acabamentos.
31. O R. suportou o custo de € 799,20, com a aquisição e montagem desses materiais, bem como o valor de € 72,00, com a aquisição da bomba para as águas pluviais.
32. A A. não concluiu a instalação de gás.
33. O que importou para o R. um custo de € 990,00.
34. O R. teve ainda que adquirir três vidros temperados, no valor de € 1 600,00.
35. A A. não folheou a porta da rua, nem fez os respetivos acabamentos e não colocou o portão exterior.
36. Pela colocação da porta da rua (porta de serviço junto ao portão), portão exterior e realização e colocação do gradeamento no muro principal, o R. despendeu a quantia de € 10 000,00.
37. A Autora não concluiu o trabalho orçamentado e constante do acordo descrito em 1. da aplicação de inox para gradeamento das escadas e varandas.
38. Na execução desses trabalhos, o R. despendeu a quantia de € 6 000,00 (resposta ao quesito 34.º).
39. Não foram construídas caixas de estores, tendo existido um acordo entre A. e R. no sentido de passarem a ser colocados blackouts.
40. A A. não colocou essas telas interiores.
41. Na respetiva colocação, o R. despendeu a quantia de € 7 896,00.
42. O R. pagou a quantia de € 1 500,00 ao técnico da obra, a título de honorários, pelo acompanhamento da obra a partir do momento em que a mesma entrou em administração direta e até ao seu final.
43. O R., para acabar a obra em administração direta, “alugou” um alvará, pelo qual pagou € 7 500,00 (resposta ao quesito 40.º).
44. O R. teve também que adquirir vedantes de alumínios, no valor de € 37,24.
45. A A. não concluiu os seguintes trabalhos orçamentados e constantes do acordo referido em 1.: - caixa do contador da água; - ligações dos esgotos e águas pluviais à rede municipal e ligação camarária da água à moradia.
46. Pelas canalizações exteriores, o R. despendeu a quantia de € 1 360,00, bem como a quantia de € 500,00, nas escavações para a ligação dos esgotos à rede camarária.
47. A A. não concluiu o trabalho orçamentado e constante do acordo descrito em 1. da colocação de todas as loiças sanitárias e torneiras.
48. Na execução desses trabalhos, o R. despendeu a quantia de € 722,40.
49. Para proceder aos pagamentos descritos, o R. teve de contrair um empréstimo no “C”, no valor de € 25 000,00, garantido por livrança, porque o Banco não libertava as últimas tranches do empréstimo inicial, por a obra estar atrasada (resposta ao quesito 47.º).
50. Bem como o empréstimo referido em 9. (resposta ao 48.º).
51. Com o desconto daquela livrança, o R. gastou ainda a quantia de € 547,36.
52. E com o empréstimo referido em 9., o R. suportou as seguintes despesas: - comissão de dossiê - € 278,85; - comissão de avaliação - € 220,00; - comissão de registos prediais - € 70,83, acrescido de imposto de selo; - comissão de formalização - € 81,73, acrescido de imposto de selo; - comissão de avaliação - € 115,00; - escritura - € 289,07; - registos - € 250,00; - impostos - € 210,00.
53. O R. viu-se ainda obrigado a recorrer a empréstimos de familiares (resposta ao quesito 51.º).
54. O R. é advogado.
55. A partir de agosto de 2009, o R. passou a residir e ter presença frequente no local da obra, assumindo a sua direção, de modo a que não se atrasasse mais.
56. Desde o recomeço da obra (meados de setembro) e durante cerca de cinco meses, o R. teve de assumir a direção dos trabalhos de construção da moradia (resposta ao quesito 55.º).
57. Em consequência dos factos descritos em 51º a 53º, o R. deixou de ter disponibilidade para exercer a sua profissão.
58. Em virtude disso, o R. foi obrigado a entregar os seus processos a colegas.
59. E deixou de poder angariar novos clientes.
60. A situação provocou no R. um estado depressivo.

***

2.2. Descrita a dinâmica processual e a matéria de facto dada como provada, importa conhecer do objeto dos recursos, definido pelas respetivas conclusões, e cujas questões jurídicas emergentes foram anteriormente destacadas.
A sentença recorrida foi proferida em 17 de setembro de 2013, sendo aplicável, por isso, o Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho (art. 7.º).
De harmonia com o disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Sobre a modificabilidade da decisão relativa à matéria de facto, estabeleceu-se esse princípio geral, aproximado ao que se previa no art. 712.º, n.º 1, do CPC/1961, enfatizando-se o poder específico da Relação de alterar a decisão da matéria de facto, nomeadamente com a utilização da expressão “deve alterar” em vez da “pode ser alterada”, usada naquele Código, depois da reforma, entrada em vigor em janeiro de 1997, ter substituído a expressão “não podem ser alteradas (…), salvo: (…)”.
Por outro lado, neste âmbito, mantêm-se o mesmo ónus a cargo do recorrente, como decorre do disposto no art. 640.º do CPC.
A decisão sobre a matéria de facto vem impugnada, tanto pela A. como pelo R., constituindo dever proceder à reapreciação da prova, depois da audição da longa gravação (que apresentou alguma dificuldade, resultante da sua deficiente qualidade).

Começando pela impugnação da Autora, esta impugnou as respostas dadas aos quesitos 3.º, 5.º-A, 5.º-B, 34.º, 40.º, 47.º, 48.º, 51.º e 55.º da base instrutória, pugnando por uma resposta positiva para o primeiro e negativa para os restantes.

O quesito 3.º da base instrutória, que obteve uma resposta negativa, era do seguinte teor:

“Os trabalhos não foram concluídos no prazo acordado entre as partes em virtude das alterações introduzidas pelo Réu ao projeto aprovado pela Câmara Municipal?”

Relativamente a este quesito, consignou-se na decisão recorrida que a resposta negativa decorre de “nenhuma prova ter sido feita” (fls. 889).
Não obstante a fundamentação expressa, a A. não indicou qualquer meio de prova, constante do processo ou da gravação nele realizada, que impusesse decisão diversa da recorrida, como era obrigatório especificar, de harmonia com o respetivo ónus de alegação consagrado na alínea b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC.
A A. limita-se a fazer referência às alterações introduzidas no projeto aprovado, mas não especifica qualquer prova no sentido de que essas alterações foram a causa da não conclusão dos trabalhos no prazo acordado, sendo certo ser esta a questão relevante do quesito.
Por isso, não se justifica a alteração.

No tocante aos quesitos 5.º-A e 5.º-B da base instrutória, com uma resposta conjunta positiva baseada nos depoimentos das testemunhas “D” e “E” (fls. 886).
Na verdade, a testemunha “D”, pai do R. e que declarou ter estado sempre na obra a partir de junho de 2009, fez expressa referência aos factos. Por outro lado, a testemunha “E”, arquiteta do projeto, declarou ter-se deslocado várias vezes à obra, inclusive para a reunião do dia 8 de setembro de 2009.
Para além de não ter apresentado qualquer meio de prova que contrariasse a resposta, a A. também não alegou razões válidas que descredibilizassem tais depoimentos, para não poderem ser considerados.
Por outro lado, acresce que a resposta não especifica o tipo de “acordo” e, por isso, acaba por ser indiferente se o mesmo estava relacionado com a “medição da obra”, como alegou a A., para depois concluir que as testemunhas faltaram à verdade, sem contudo precisar onde ocorria essa falha, nomeadamente na resposta dada.
Assim, não há motivo para qualquer alteração.

Relativamente ao quesito 34.º, com resposta integralmente positiva, esta baseou-se no depoimento da testemunha “F”, que prestou um depoimento “credível, pela forma como a testemunha se exprimiu, sabendo explicar o trabalho que fez, com clareza, e pelo qual, naturalmente, teve de ser pago” (fls. 886).
Na verdade, a testemunha, com a profissão de serralheiro civil, descreveu especificadamente os trabalhos que executou na obra, em finais de 2009, e que lhe foram pagos por cheque, no valor de “cerca de seis mil euros”.
Para além da razão de ciência demonstrada, a testemunha depôs com aparente segurança, isenção e imparcialidade, prescindindo o mandatário da A. de a instar.
A A., no sentido de retirar credibilidade, refere-se ao documento de fls. 244, apresentado com a contestação, o qual, designadamente, não se encontra assinado.
Esta alegação improcede, na medida em que a resposta positiva se baseou, exclusivamente, no depoimento da testemunha, desvalorizando, expressamente, qualquer documento, como o referido, o qual, apesar de várias omissões, tem, no entanto, agrafado um cartão a identificar “F” (a testemunha), trabalhos a executar e número de telemóvel.
Consequentemente, não há fundamento para a alteração.

Quanto ao quesito 40.º, com resposta parcialmente positiva, aquela baseou-se, designadamente, nos depoimentos das testemunhas “G”, subgerente da do “C”, na Agência da ..., e “H”, assistente de cliente na mesma Agência.
Na verdade, pelo exercício das suas funções, ambas as testemunhas demonstraram conhecer o facto, recordando as testemunhas o montante pecuniário e o seu destino. Aliás, isso mesmo é também confirmado pela testemunha “D”.
A A., pretendendo retirar credibilidade aos depoimentos das primeiras duas testemunhas, limita-se a lançar interrogações, sem a indicação de qualquer meio de prova que contrariasse a resposta dada, o que é inidóneo para provocar a alteração da resposta dada.
Acresce que o termo “alugou” foi utilizado entre aspas de forma a significar que não lhe foi atribuído o sentido jurídico próprio.
Por isso, carece de justificação a alteração.

No que concerne ao quesito 47.º, com resposta integralmente positiva e a adição do esclarecimento de que o “Banco não libertava as últimas tranches do empréstimo inicial, por a obra estar atrasada”, a resposta baseou-se nos depoimentos das duas testemunhas referidas na resposta ao quesito 40.º.
De novo, a A. não especifica qualquer meio de prova que contrarie a resposta dada ao quesito 47.º.
Por outro lado, o documento de fls. 289, um “aviso de débito de despesas” do “C” para o R., também é de molde a confirmar a resposta positiva, sendo irrelevante, para este efeito, o período a que respeitava o empréstimo (11/12/2009 a 9/3/2010), “garantido” pela livrança.
Assim, não se justifica qualquer alteração.

Relativamente ao quesito 48.º, que mereceu uma resposta integralmente positiva, baseada nos documentos de fls. 290 a 305 e nos depoimentos das mesmas duas testemunhas antes mencionadas, também não se justifica qualquer modificação.
Com efeito, as mesmas testemunhas, com a razão de ciência já identificada, depuseram no sentido da afirmação do facto, também referido pela testemunha “D”. Por sua vez, os documentos especificados vão, igualmente, no sentido da veracidade do facto.
A A., para além de não indicar qualquer meio de prova, que se opusesse à realidade do facto, insistiu apenas nalgumas interrogações, quedando-se, depois, por extrair um mero juízo, sem consistência em qualquer prova.

Quanto ao quesito 51.º, com resposta integralmente positiva, baseou-se a sua prova, ainda, nos depoimentos das duas testemunhas que se vêm referindo.
A A., mais uma vez, não identifica qualquer meio de meio prova que contradiga a resposta afirmativa dada e, por outro lado, o juízo da “matemática”, que formula, também é insuficiente para alterar a resposta, dado não se poder afirmar que as despesas do R. se limitaram à quantia de € 63 846,69.
Por isso, não há motivo para alteração.

No tocante ao quesito 55.º, com resposta parcialmente positiva, baseada no depoimento de várias testemunhas identificadas a fls. 888, a A., novamente, omite a especificação do meio de prova que possa contradizer a convicção extraída pelo Juiz, fazendo, claudicar a alegação.
Por outro lado, a A. retira ainda ilações a partir de factos cuja veracidade não ficou demonstrada, designadamente quanto à data da conclusão da obra consignada no “livro de obra”, não se podendo esquecer as vicissitudes ou anomalias ocorridas com tal livro, referidas em vários depoimentos.
Consequentemente, é manifesto que não se justifica qualquer alteração.

Nestes termos, improcede totalmente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto arguida pela A.

Passando à impugnação do Réu, está em causa a resposta parcialmente positiva ao quesito 2.º da base instrutória, pretendendo-se a sua modificação, nomeadamente nos termos especificados a fls. 957, com fundamento nos depoimentos das testemunhas “E” e “D”, já anteriormente mencionadas.
Conforme resulta da fundamentação da decisão recorrida, a resposta positiva, considerada como “ponto possível de objetividade”, na ausência de uma perícia, baseou-se nos depoimentos das testemunhas “I” e “E” (fls. 884).
A questão de facto suscitada concentra-se no estado da obra quando a A. a deixou definitivamente.
Embora a testemunha “E”, arquiteta do projeto, tenha ido várias vezes à obra, daí lhe advindo conhecimento direto dos factos, o seu depoimento, contudo, não permite a alteração da resposta, na medida em que, quanto ao teto falso, declarou estar a fazer uma “interpretação profissional” e, quanto à rampa, estar a “falar aleatoriamente”.
Sendo assim, como a testemunha declarou, o seu extenso depoimento apresenta-se nessa parte algo inconsistente, para além de revelar alguma parcialidade em favor do R., que ficou patente durante o depoimento, não permitindo a alteração da resposta. Opiniões ou dados aleatórios não exprimem certezas de veracidade dos factos e, por isso, não são idóneos para modificar o sentido da decisão proferida.
Por outro lado, o depoimento da testemunha “I”, arquiteto e acompanhante da obra, nomeadamente por contrato celebrado com o R., prestou depoimento em que se referiu às alterações introduzidas em obra, como os tetos falsos e a rampa de acesso à moradia.
O R., para a modificação da resposta num sentido negativo, indica ainda o depoimento da testemunha de “D”. Mas este depoimento, porém, não pode ser levado em conta, neste âmbito, porque não se apresenta credível, considerando a restante prova, para além de ter prestado “um depoimento muito emocional, por vezes excessivo” (fls. 880), a que, certamente, não é alheia a circunstância de ser pai do R., falando, frequentemente, em “nós” no que à obra se referia, o que lhe retira alguma imparcialidade.
Assim, perante a prova produzida e na ausência de prova pericial, justificável atendendo à especialidade da matéria, não se surpreende qualquer erro na formação da convicção da Juiz, a qual acompanhou cuidadosa e ativamente o desenrolar da prova e numa matéria de particular complexidade, e, por isso, não há motivo, também, para a modificação da resposta dada ao quesito 2.º.

Nestas condições, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto deduzida pelo Réu.

2.3. Delimitada a matéria de facto provada, sem qualquer modificação em relação ao que foi decidido pela 1.ª instância, interessa agora, entrando na parte substantiva dos recursos, apreciar a resolução do contrato, por incumprimento, e as suas consequências.
A sentença recorrida, com efeito, declarou a resolução do contrato de empreitada, por incumprimento da empreiteira, e condenou o R. a pagar à A. uma quantia correspondente aos trabalhos prestados para além dos convencionados, assim como condenou, também, a A. a pagar ao R., designadamente, a quantia de € 42 109,53, por danos emergentes do declarado incumprimento contratual.
A A., no recurso, impugna o incumprimento do contrato e, por consequência, a licitude da sua resolução, assim como os danos emergentes.
Por sua vez, o R., no seu recurso, impugna a sua condenação no pagamento de quantia a liquidar ulteriormente.

Nesta parte, a procedência do recurso do R. estava dependente da alteração da decisão relativa à matéria de facto, nomeadamente da resposta ao quesito 2.º da base instrutória (facto n.º 11).
Como esse pressuposto não se verifica, dada a improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, e porque também não foi alegado qualquer outro motivo, para a revogação da sentença recorrida, não há fundamento legal para se revogar a decisão recorrida na parte correspondente.

A relação contratual estabelecida entre a A. e o R. subsume-se, efetivamente, a um contrato de empreitada, como foi qualificado na sentença recorrida, o que não vem questionado pelas partes.
De acordo com a noção disponibilizada pelo art. 1207.º do Código Civil (CC), a empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.
Por efeito desse contrato, o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado com o dono da obra, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art. 1208.º do CC).
Especificamente, em 8 de julho de 2008, A. e R. celebraram o contrato de empreitada, constante de fls. 22 a 31, e complementado pelo orçamento de fls. 140 e 141, respeitando à construção de uma moradia “isolada”, sita na freguesia da ..., concelho de ..., pelo preço de € 162 800,00, acrescido de IVA.
De harmonia com a cláusula 3.ª, n.º 3, do contrato, “a obra deverá ser concluída, impreterivelmente, até um ano após a data de emissão da licença de construção”.
Por outro lado, e nos termos da cláusula 4.ª do contrato, o pagamento do preço, pelo dono da obra, era feito faseadamente, de acordo com o programa financeiro estipulado, não contemplando o preço acordado os trabalhos extras que viessem a ser solicitados pelo dono da obra.
Decorre dos autos que, a partir de 24 de julho de 2009, a A. deixou de fazer deslocar trabalhadores para a obra, quando a mesma ainda estava bastante incompleta, como decorre das especificações constantes da matéria de facto. É também certo que, pelo menos, a partir de meados de agosto de 2009, a A. deixou de ter livre acesso à obra, por isso lhe ter sido vedado pelo R., depois daquela se ter ausentado da obra, sem qualquer comunicação ao dono da obra, em finais de julho de 2009 (facto n.º 12).
O prazo para a execução da obra era fixo, como decorre dos termos utilizados no contrato, nomeadamente da palavra “impreterivelmente”.
Na prática, admitindo-se que o início da obra ocorreu no dia 10 de julho de 2008, como se afirma na sentença, reportando ao “Livro de Obra”, o termo do prazo de execução da obra da moradia correspondia ao dia 10 de julho de 2009.
Nessa data, porém, não só a obra não estava concluída como também, a partir de julho de 2009, a A. deixou de fazer deslocar trabalhadores para a obra, sem qualquer comunicação ao dono da obra.
Neste circunstancialismo e depois de uma troca de correspondência entre os contraentes, o R., por carta de 31 de agosto de 2009, resolveu o contrato de empreitada, por “incumprimento culposo” da A., nos termos de fls. 64/65.
Deste modo, comprovado o incumprimento por parte da empreiteira, porquanto não realizou integralmente a prestação a que se obrigara contratualmente, assistia ao dono da obra a faculdade de resolver o contrato de empreitada, nos termos do art. 432.º, n.º 1, do CC. A resolução do contrato, baseada no incumprimento do outro contraente, corresponde a um ato jurídico lícito, sujeito às consequências legais próprias do caso.
Na verdade, não tendo a empreiteira concluído a obra até 10 de julho de 2009 e tendo suspendido a sua execução, nomeadamente a partir de julho de 2009, sem qualquer explicação ao dono da obra, a empreiteira não cumpriu o contrato de empreitada.
Ao contrário do que se alega, o teor da carta do R. para a A., de 24 de agosto de 2009, constante a fls. 62/63, não é contraditório com a declaração de resolução do contrato, na medida em que aquela missiva se destinava, sobretudo, a informar a A. das condições de acesso à obra, de modo a “prosseguir o trabalho” necessário à “conclusão da obra”. A conduta incumpridora da A., não retomando a execução da obra depois de a ter suspendido por sua exclusiva vontade, manteve-se, não obstante a carta de fls. 62/63. Por isso, apesar da abertura do dono da obra, no sentido do prosseguimento da obra pela A., esta, contudo, não se predispôs a retomar os trabalhos para a conclusão da construção da moradia e, por isso, dando maior motivação à subsequente vontade declarada de resolução do contrato de empreitada, concretizada uns dias depois.
Por outro lado, a empreiteira, não tendo logrado provar que a falta de cumprimento não procedia de culpa sua, não afastou a presunção de culpa, consagrada no art. 799.º, n.º 1, do CC.
Tendo a obrigação da empreiteira um prazo fixo, por acordo expresso das partes, aquela incorreu em incumprimento após o simples decurso do prazo sem a realização integral da prestação.
Esse incumprimento é definitivo e acarreta os efeitos jurídicos correspondentes a tal situação jurídica. Deixando a prestação de ser possível após o decurso do prazo fixado, não há mora do devedor, pois esta pressupõe a possibilidade de realização da prestação, depois desta não ter sido efetuada no tempo devido (art. 804.º, n.º 1, do CC).
Perante uma situação de incumprimento definitivo da obrigação, deixa de fazer sentido o apelo à interpelação admonitória a que se refere o art. 808.º, n.º 1, do CC. Com efeito, a interpelação admonitória, tal como está regulada, e através da qual o credor intima o devedor a cumprir dentro de um prazo razoável, a definir conforme as circunstâncias, sob a expressa cominação de incorrer no não cumprimento da obrigação, apenas se justifica no caso do devedor se encontrar numa situação de mora.
Neste contexto, não pode deixar de se reconhecer a pertinência da resolução do contrato de empreitada, por incumprimento da empreiteira, reconhecida na sentença recorrida.

Por efeito do referido incumprimento contratual, a empreiteira tornou-se responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra, de harmonia com o princípio geral de responsabilidade do devedor consagrado no art. 798.º do CC.
O prejuízo ou dano indemnizável pode compreender o dano emergente e o lucro cessante (art. 564.º, n.º 1, do CC).
Neste caso, estando apenas em causa o dano emergente, questiona-se a sua medida, nomeadamente o preço que teve de pagar para a conclusão da obra, despesas realizadas e a indemnização por danos não patrimoniais.
Neste âmbito, ficou provado que o R., para proceder ao pagamento de obras por si executadas, dado a A. ter deixado a obra incompleta, contraiu um empréstimo (intercalar), no valor de € 25 000,00, subscrevendo para o efeito uma livrança, em virtude da entidade bancária não ter libertado as últimas parcelas do empréstimo inicial, por a obra estar atrasada, bem como um empréstimo posterior, em 8 de março de 2010, no valor de € 35 000,00, por efeito do qual veio a suportar diversos encargos (factos n.º s 9, 49, 50, 51 e 52).
Face ao contexto factual descrito, é possível observar-se um nexo de causalidade adequada entre, por um lado, o incumprimento do contrato de empreitada, imputável à empreiteira, e, por outro, a realização das despesas bancárias. Na verdade, estando a obra atrasada e por isso não disponibilizando a entidade bancária o capital necessário, já contratualizado, para o seu prosseguimento e conclusão, é compreensível o recurso a um financiamento bancário extraordinário, que, naturalmente, implica a oneração do orçamento primitivo da obra.
Independentemente do teor constante do Livro de Obra, o certo é que a obra, sob administração direta do R., durou cerca de cinco meses, a partir de meados de setembro de 2009 (facto n.º 56). Nestas circunstâncias, não causa qualquer perplexidade a data da subscrição da referida livrança e a outorga do contrato de mútuo, no valor de € 35 000,00, e, por isso, não se mostra quebrado o nexo de causalidade entre o incumprimento imputável à empreiteira e o dano consubstanciado no pagamento dos encargos bancários.
De qualquer modo, sempre se dirá ainda que a A., para formular um juízo distinto, considera factos que não foram dados como provados, designadamente quanto à percentagem da obra executada pela A. e à conclusão efetiva da obra. Por isso, não sendo as suas premissas verdadeiras, a conclusão extraída, logicamente, também não é verdadeira, não podendo infirmar o juízo sobre o nexo de causalidade.

Ainda no âmbito do dano patrimonial, a A., para além de impugnar a despesa com o técnico da obra, improcedente também pelas razões aduzidas, discordou ainda da condenação no pagamento da quantia de € 7 500,00, a título do denominado aluguer do alvará de construção.
Na verdade, ficou provado que o R., para acabar a obra, em administração direta, “alugou” um alvará, pelo qual pagou a quantia de € 7 500,00 (facto n.º 43), tendo esta despesa sido computada, na sentença recorrida, no âmbito da indemnização atribuída ao R., em consequência do incumprimento do contrato de empreitada.
Em face da prova produzida, o R., prosseguindo e concluindo a obra sob administração direta, despendeu a referida quantia, pela utilização de um alvará, pertencente a terceiro (“aluguer” do alvará, nos termos da sentença recorrida).
A impugnação feita pela A. baseia-se, em especial, na alegada impossibilidade legal do aluguer do alvará.
Na verdade, o exercício da atividade da construção depende da habilitação por alvará a conceder pelo Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário, ficando o seu titular autorizado a executar os trabalhos enquadráveis nas habilitações no mesmo relacionadas, sendo certo ainda que a concessão depende do preenchimento dos requisitos da idoneidade, capacidade técnica e capacidade económica e financeira, como resulta do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, e 7.º, ambos do DL n.º 12/2004, de 9 de janeiro, que estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade da construção. Nesta regulação, segundo o respetivo preâmbulo, tomou-se como objetivo essencial criar as condições para que o título habilitante para a atividade da construção, designado por alvará, passe a oferecer a credibilidade que o coloque como documento bastante para atestar a capacidade das empresas para o exercício da atividade.
Nessa perspetiva, ficou estipulado no art. 4.º, n.º 2, do DL n.º 12/2004, que “o alvará é intransmissível a qualquer título e para qualquer efeito”.
Decorre desta norma legal que o alvará não pode ser objeto de qualquer transmissão, designadamente por compra e venda ou aluguer, sob pena de subversão do seu regime e da afetação da competência legal da autoridade pública.
Como tal, o alvará não é suscetível de ser objeto de direitos privados, estando fora do comércio jurídico, nomeadamente nos termos do disposto no art. 202.º, n.º 2, do CC.
Por isso, não podendo o alvará de construção ser objeto de contrato de aluguer, é indiferente que o R. tenha despendido o que quer que seja, a esse título, para efeitos do cômputo da indemnização.
Nessa medida, e ao contrário do entendimento da sentença recorrida, importa então excluir do valor da indemnização a quantia de € 7 500,00, resultante do alegado “aluguer” do alvará.
A A. impugna ainda também a atribuição da indemnização a título de danos morais, que a sentença recorrida fixou em € 6 000,00, nomeadamente com fundamento da inexistência do incumprimento contratual.
Esta alegação, com a tónica na ausência de facto ilícito, não procede porque, como se viu, a A. não só suspendeu a execução da obra como também incorreu em incumprimento do contrato de empreitada, dando causa à sua resolução, por iniciativa do dono da obra.
Deste modo, reconhecido o facto ilícito gerador de responsabilidade civil e não sendo questionada a gravidade do dano, tal como prevê o art. 496.º, n.º 1, do CC, carece de fundamento a impugnação da efetivação da responsabilidade civil, por dano de natureza não patrimonial.
Por tudo quanto se expôs, procede apenas parcialmente a apelação da Autora, havendo que deduzir à indemnização arbitrada a quantia de € 7 500,00, por ser indevida.

Na apelação do R., foi também ainda impugnada a absolvição da A., como litigante de má fé, que, nos termos da sentença, assentou expressamente na circunstância de não se terem provado muitos dos factos que a A. alegara e daí não resultar necessariamente serem os mesmos falsos.
O regime da responsabilidade por litigância de má fé, regulado no art. 542.º e seguintes do CPC, segue de muito perto o regime jurídico que, anteriormente, estava previsto no CPC/1961.
Na verdade, a parte não deve deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, como também deve abster-se de alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa. A omissão desses deveres, com dolo ou negligência grave, consubstancia uma situação de litigância de má fé na ação, que faz incorrer a parte em certas sanções, nomeadamente multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
No caso vertente, o R. fundamenta a sua alegação, para a condenação da A. como litigante de má fé, em três situações.
A primeira refere-se à omissão do documento que consubstancia o orçamento da obra, que o R. juntou com a contestação. Esta situação, no entanto, apresenta-se sem relevância, pois podia o R. juntar o documento, como sucedeu, retirando facilmente o efeito da sua omissão, que, por sua vez, não está demonstrada que tivesse sido dolosa ou gravemente negligente.
Em segundo lugar, o R. especifica um trabalho não executado e que a A. negou estar contemplado no contrato, o qual ficou provado (facto n.º 39). Não obstante a divergência processual verificada, esta não se afigura como tendo sido cometida com dolo ou negligência grave, sendo fácil, nomeadamente num contrato complexo, como é o de empreitada, poderem surgir algumas discrepâncias entre os outorgantes, sem que, com isso, possam estar eivados de um espírito de má fé. Para além disso, as alterações introduzidas ao projeto aprovado, quer ainda antes do início da obra quer no seu decurso, como os autos dão nota, assim como as muitas vicissitudes que acompanharam a empreitada, tornaram mais propícia a existência de tais discrepâncias, numa tentativa compreensível de acautelar os respetivos interesses.
Por fim, o R. invoca ainda a situação do orçamento para a colocação de uns estores. Todavia, da materialidade provada na ação, antes descrita, não emerge, especificamente, a caracterização da situação apontada pelo R., não sendo possível, por consequência, formular um juízo sobre a má fé imputável à A.
Assim, em face das circunstâncias concretas dos autos, quer por omissão da prova do elemento subjetivo, quer também, em parte, por falta da prova do elemento objetivo, o comportamento da A., na ação, não é apropriado para tipificar, com certeza, um caso de litigância de má fé.
Justificando-se que as partes correspondam, no desenrolar da ação judicial, às exigências da boa fé processual, com a densidade conferida pela jurisprudência, é necessário, no entanto, na delimitação concreta da litigância de má fé, alguma compreensão ou tolerância, designadamente na forma como as partes acautelam os seus interesses, de modo a não prejudicar a tutela jurisdicional efetiva, consagrada constitucionalmente como um direito fundamental (art. 20.º da Constituição da República Portuguesa).
Nestas condições, sem prejuízo da admissibilidade da lide temerária, decidiu bem a sentença recorrida, ao não condenar a A. como litigante de má fé, como pretendia a parte contrária.

Nestes termos e no demais antes afirmado, improcede integralmente a apelação do Réu.
2.4. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:
(…)

2.5. A A. e o R., ao ficarem vencidos por decaimento, são responsáveis pelo pagamento proporcional das custas, em ambas as instâncias, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Conceder provimento parcial ao recurso da Autora e, por consequência, alterando a decisão recorrida, condenar aquela a pagar ao Réu a quantia de € 34 609,53 (trinta e quatro mil seiscentos e nove euros e cinquenta e três cêntimos), e confirmando no demais.

2) Negar provimento ao recurso do Réu, confirmando a decisão recorrida.

3) Condenar a Autora e o Réu no pagamento proporcional das custas, em ambas as instâncias.

Lisboa, 6 de março de 2014

Olindo dos Santos Geraldes
Lúcia Sousa
Magda Geraldes