Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3453/2008-5
Relator: SIMÕES DE CARVALHO
Descritores: SEGREDO DE CORRESPONDÊNCIA
TELECOMUNICAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - As mensagens que, depois de recebidas, ficam gravadas no receptor deixam de ter a natureza de comunicação em transmissão, nesta perspectiva, são comunicações recebidas, pelo que deverão ter o mesmo tratamento da correspondência escrita já recebida e guardada pelo destinatário tal como acontece na correspondência efectuada pelo correio tradicional, iferenciar-se-á a mensagem já recebida mas ainda não aberta da mensagem já
recebida e aberta.
II - Na apreensão daquela rege o Artº 179° do C.P.Penal, mas a apreensão da já recebida e aberta não terá mais protecção do que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário.
III - As mensagens escritas - SMS - que o arguido remeteu ao queixoso via telemóvel, cujo conteúdo foi copiado pela PJ e junto aos autos, constituem um meio de prova lícito e não_ configuram, de forma alguma, um caso de intromissão na vida privada do mesmo.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal (5°) do Tribunal da Relação de Lisboa:

No processo comum singular n.° 682/03.1TDLSB da 2ª Secção do 5° Juízo
Criminal de Lisboa, por sentença de 16-05-2007 (cfr. fls. 152 a 163), no que agora interessa, foi decidido:
«Tudo visto e ponderado, julgo procedente as acusações do Ministério Público e do assistente e, em consequência, condeno o arguido (A) pela prática dos crimes de:
- ameaças previsto e punido pelo art°. 153° n°s. 1 e 2 do CP numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, o que perfaz o montante de € 960,00;
- um crime de injúrias previsto e punido pelo art°. 181º n° 1 do CP, numa pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, o que perfaz o montante global de € 720,00.
Em cúmulo jurídico, condeno o arguido em 180 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, o que perfaz a multa de € 1.440,00 ou 120 dias de prisão subsidiária.
Condeno, ainda, o arguido em 2 UC de taxa de justiça e nas custas do processo, com o mínimo de procuradoria.
Acresce a condenação do arguido no pagamento de 1 % da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 13º n° 3 do D.L. n° 423/91 de 30/10.
Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização cível condenando o arguido a pagar ao assistente o montante de € 2.500,00.
Custas cíveis na proporção do decaimento.
Remeta boletim ao DSIC.
Notifique.
Deposite.»

O arguido (A) não aceitou esta decisão e dela recorreu (cfr. fls. 170 a 181), extraindo da motivação as seguintes conclusões:

«I Segundo entende o recorrente, a sentença recorrida é nula pois encontra-se a sua fundamentação numa verdadeira proibição de prova, ilicitamente valorada.
II De acordo com o disposto nos artigos 268° e 269, n.° 1, alínea c) do CPP, artigos 32º,
n.° 4 e 34º, n.° 4 da CRP, artigo 17°, n.° 2 da Lei n.° 91/97 de 1 de Agosto e artigo 4° da Lei n.° 41/2004 de 18 de Agosto, é da competência do Juiz de Instrução Criminal, em fase de Inquérito, ordenar ou autorizar quer o fornecimento de facturação detalhada das chamadas e mensagens escritas recebidas por um telemóvel em certo dia, quer a identificação do número chamador e informação acerca da identidade dos titulares dos números chamadores, quer, em especial, a divulgação, para efeitos processuais penais válidos, do conteúdo de tais mensagens escritas.
III O que não sucedeu no caso concreto, como facilmente se comprova atentas as primeiras folhas dos presentes autos, que descrevem a forma como foi obtido o conteúdo das mensagens que se encontram na base da condenação do recorrente, as declarações do assistente, o depoimento das testemunhas e a própria motivação da decisão recorrida.
IV Apenas a Polícia Judiciária interveio na obtenção das referidas mensagens, sem qualquer participação de um Juiz de Instrução ou sequer de um magistrado do Ministério Público.
V Pelo que, não tendo, como prescreve o artigo 187º do CPP, tais gravações sido ordenadas ou autorizadas através de despacho proferido pela entidade competente, existe nulidade daquela prova assim obtida e valorada.
VI Nulidade qualificada que resulta em verdadeira proibição de prova. Isto porque é da competência do Juiz de Instrução Criminal ordenar ou autorizar a intercepção, gravação e registo do conteúdo das conversações ou comunicações, bem como a obtenção dos chamados dados de tráfego, na medida em que está em causa uma ingerência nas telecomunicações – em sentido lato – abrangida por uma garantia de inviolabilidade e sigilo com consagração constitucional, sendo, pois, o transcrito consentimento in casu prestado pelo assistente nos autos do processo absolutamente ineficaz.
VII Entendimento espelhado no pensamento de autores como Gomes Canotilho e Vital Moreira.
VIII Para quem, como sucede no presente caso, a violação do segredo da correspondência ou das comunicações constitui inadmissível ataque ao direito à reserva da vida, estabelecendo-se no nº 4 do artigo 34° da CRP a sua inviolabilidade.
IX Tal sigilo só cederá nos termos e de acordo com o preceituado na legislação processual penal, o que, como se viu, não aconteceu no caso concreto do presente processo.
X Ora, da reserva da vida privada resulta, igualmente, a proibição de utilização de provas obtidas com violação de tal direito, conforme assumido na CRP no n.° 8 do artigo 32º, ao determinar a nulidade de tais provas, e no CPP nº n.e 3 do artigo 126°.
XI Assim, a utilização da transcrição das mensagens efectuada pela Polícia Judiciária, sem intervenção do Ministério Público ou Juiz de Instrução Criminal, e depois valorada quer pela acusação quer pelo tribunal a quo é nula por violação de todas as normas referidas.
XII As provas nulas são proibidas, ou seja, não têm efeitos no processo, pois está em causa o efeito dissuasor das proibições de prova, pretendendo-se evitar o sacrifício dos direitos, liberdades e garantias das pessoas por parte das autoridades judiciárias, órgãos de Policia Criminal e, inclusive, particulares, pelo que as mensagens escritas obtidas da forma descrita não podem ser utilizadas no processo, não podendo, por isso, servir para fundamentar qualquer decisão. Tal prova, processualmente, não existe...
XIII Para além da nulidade do referido acto, a prova ilicitamente obtida inquina os actos que dela dependeram e os que afectou, o que se verificou face a toda a prova produzida em audiência de julgamento no presente processo.
XIV É, pois, também, o regime – e a violação do regime – do n.° 8 do artigo 32° da CRP e dos n.°s 1 e 3 do artigo 126º do CPP que aqui estão em causa.
XV O recurso a prova proibida constitui erro de direito, sendo que o regime das proibições de prova difere do das nulidades: o facto de o seu conhecimento poder ser oficioso, até à decisão final, só se convalidando, pois, com o trânsito em julgado da decisão.
Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada, devendo o arguido ser absolvido quer do pagamento da pena de multa em que foi condenado quer do respectivo pedido de indemnização cível, assim se fazendo JUSTIÇA».
Admitido o recurso (cfr, fls. 185), e efectuadas as necessárias notificações, apresentaram resposta o M° P° (cfr. fls. 189 a 198) e o assistente (B) (cfr. fls. 199 a 206), em que concluíram:

I — O MºPº

«Sempre que é enviada uma mensagem escrita, via telemóvel, a mesma fica gravada no equipamento do receptor. Como tal está implícito que o arguido consentiu na gravação da mensagem.
Como a gravação ocorreu com o consentimento, e mais do que isso, por iniciativa e expressa vontade do arguido, que desencadeou todo o mecanismo de gravação, também não se pode falar em gravação ilícita nem em intromissão na vida privada nem lhe é aplicável regime normativo de escutas dos art.°s 187º e segs do C.P.P.
Contrariamente ao alegado pelo recorrente, a PJ não teve qualquer intervenção na gravação e obtenção das mensagens escritas em discussão nestes autos.
A PJ limitou-se a reduzir a escrito a denúncia que lhe foi apresentada e a receber e reduzir a escrito os meios de prova que lhe foram trazidos pelo assistente (cfr as 2 a 16 dos autos) em conformidade com o preceituado nos artº nºs 246° e 55°, n° 2, ambos do CPP.
Por todo o exposto, afigura-se-nos que o documento referenciado pelo recorrente nas suas alegações de recurso, de fls 16, constitui um meio de prova legalmente válido, pelo que a douta sentença deverá ser mantida negando-se, dessa forma, provimento ao recurso.
Contudo V.Ex.as, decidindo, farão, como sempre JUSTIÇA»

II — O assistente (B).

«l. As alegações da ora Recorrente têm por base a nulidade da sentença por esta decidir com base em proibição de prova, ilicitamente valorada.
2. A identificação do arguido, ora Recorrente, é feita com base na suspeição do Recorrido e na posterior inquirição deste e do seu pai que confirma que aquele número de telemóvel pertencia à data dos factos ao Recorrente.
3. O Recorrido autorizou a Polícia Judiciária a aceder e transcrever o conteúdo das mensagens escritas que recebia no seu telemóvel.
4. Os artigos 187° a 190º e 268° e 269º do C.P.P. não são aplicáveis à transcrição das mensagens em causa e que fazem prova nos presentes autos.
5. Pois, a transcrição de tais mensagens não carece de autorização judicial por não gozar da aplicação do regime de protecção específico de reserva da correspondência e das comunicações implicada no art.° 190º do C.P.P.
6. Ao contrário do alegado pelo Recorrente "as mensagens que depois de recebidas ficam gravadas no receptor deixam de ter a natureza de comunicação em transmissão; são comunicações recebidas pelo que deixarão de ter o mesmo tratamento da correspondência escrita, já recebida e guardada pelo destinatário".
7. Pelo que, não existe in casu qualquer proibição na obtenção/valoração da prova obtida porque esta não foi obtida ilicitamente.
8. Não existe qualquer nulidade da prova obtida e valorada, nem proibição de prova, mantendo esta os seus efeitos no processo e está em absolutas condições de fundamentar a decisão, tal como foi feito.
9. Assim, não foi afectada a prova produzida em audiência de julgamento, em virtude de não haver nulidade da prova, nem da sua obtenção.
10. A Polícia Judiciária não necessitava, assim, da intervenção do Juiz de Instrução para obter as referidas mensagens,
11. podendo, assim, as mensagens escritas obtidas nos presentes autos e da forma como o foram, ser utilizadas no processo e servirem para fundamentar a decisão.
12. Não se encontrando inquinada toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
13. Andou, pois, bem a, aliás, douta sentença recorrida ao decidir como o fez e com base na prova trazida aos autos.
Termos em que deverão V. Exas., Venerandos Desembargadores, não dar provimento ao recurso, confirmando em pleno a sentença proferida como é de Direito e fazendo-se assim a acostumada JUSTIÇA!!!»

Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exmª' Procuradora-Geral Adjunta teve vista no processo (cfr. fls. 220), relegando o seu parecer para audiência.
Proferido o despacho preliminar e não havendo quaisquer questões a decidir em conferência, prosseguiram os autos, após os vistos dos Exmºs Desembargadores Adjuntos, para julgamento em audiência, nos termos dos Artºs 419° e 421 ° do C.P.Penal.
Realizado o julgamento com observância do formalismo legal, cumpre, agora, apreciar e decidir.
O objecto do recurso, em face das conclusões da respectiva motivação, reporta-se:
- à pretensa nulidade da sentença impugnada, por a mesma encontrar a sua fundamentação numa verdadeira proibição de prova, ilicitamente valorada.
No que ora interessa, é do seguinte teor a sentença recorrida:

«2. Fundamentação da Matéria de Facto

(...)


3- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICO-PENAL

O arguido vem acusado da prática de um crime de ameaças previsto e punido pelo arco. 153º, n° 1 do CP.
Dispõe este preceito legal que quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
Por sua vez, o n° 2 refere que se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
São elementos constitutivos do tipo legal em causa:
- o anúncio de que o agente pretende infligir um mal que constitua crime;
- que esse anúncio provoque receio, medo, inquietação ou lhe prejudique a sua liberdade de determinação;
- que o agente tenha actuado com dolo.
Trata-se de um crime de resultado, o que significa que para que se encontre preenchida a ilicitude contida na norma incriminadora é necessário que o agente passivo sinta medo, receio, ou que a acção do agente lhe retire a sua capacidade de determinação e de liberdade.
Provado ficou que o assistente era o único utilizador do telemóvel, embora propriedade da "Eurest" e que o telemóvel do arguido foi por ele utilizado até Maio/03 altura em que o ofereceu ao pai.
E se dúvidas existissem quanto à prática do ilícito pelo arguido teriam sido dissipadas com o depoimento do pai do arguido que disse que sabia que foi o filho quem enviou as mensagens constantes dos autos ao assistente condenando a conduta do filho, mas há que se compreender que ele estava desorientado por ter ficado desempregado e com a sua vida pessoal destabilizada, porque, segundo a testemunha, o assistente pressionou-o a demitir-se.
Ora, da discussão da causa ficou, ainda, provado que com o teor das mensagens recebidas o assistente sentiu medo e receio pela sua vida, segurança e integridade física, bem como da de sua mulher e filho.

Vem, ainda, o arguido acusado da prática de um crime de injúria na pessoa do assistente previsto e punido pelo art°. 181 o, n° 1 do CP.
Preceitua o n° 1 do referido artigo que quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, será punido com prisão até 3 meses ou multa até 120 dias.
Provado ficou que o arguido, nas mensagens que dirigiu ao assistente, proferiu as expressões:
- "filho da puta, quando te apanhar levas um tiro nos cornos que te fodo. Se tiveres algum problema podes ligar".
- "a seguir a ti vai a tua mulher e o teu filho, ó porco de merda".
- "a melhor coisa que tens a fazer é meter baixa ou umas férias para não teres um dissabor na tua vida, meu paneleiro".
- "cabrão, já podes ir para casa que a mula da tua mulher já lá está. É mesmo boa, só é pena ser por pouco tempo".

Ora, tais expressões traduzem uma forma de ofensa ao seu destinatário e o arguido, não ignorando que tais expressões iam atingir a honra e consideração do assistente, quis proferi-las e atingir a honra do mesmo, o que fez.
E não se diga, como alega o arguido, que tais expressões não assumem dignidade penal. Ao agir da forma descrita, quando podia e devia ter agido de outro modo, tendo consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei, a conduta do arguido é-lhe ético-juridicamente censurável.

Cometeu, pois, o arguido os crimes que lhe são imputados.

*
4- MEDIDA DA PENA

Resta-nos, pois, determinar a medida concreta da pena, dentro da respectiva moldura penal abstracta, com recurso aos critérios do art°. 71° do Código Penal, sendo a pena concreta função do binómio culpa do agente - exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou
contra ele.
O crime de ameaças é punido, no caso dos autos, com uma pena de prisão até 2 anos ou
com pena de multa até 240 dias.
O crime de injúrias é punido com uma pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa
até 120 dias.
Há que ter em conta que o assistente por causa do teor das mensagens teve que alterar o
seu modo de vida, sentindo medo que as ameaças se concretizassem na sua pessoa e da sua mulher e seu filho de 10 anos de idade.
Reconheça-se, ainda, que as palavras utilizadas, constituindo, sem equívocos, ofensa não tiveram grande gravidade, em termos objectivos e no plano das consequências.
O dolo é directo.
Face ao exposto, ponderando o grau de ilicitude do facto, o dolo do arguido, o circunstancialismo em que as palavras foram ditas e o facto de o arguido não ter antecedentes criminais por este tipo de ilícito, entende-se adequado optar por uma pena não privativa da liberdade, por a pena de multa se mostrar suficiente para promover a recuperação do arguido, bem como para satisfazer as exigências de reprovação deste ilícito e de prevenção de outros - artº. 40º, no 1 do C. Penal.
Atendendo à sua situação económica fixa-se o quantitativo diário em E 8,00.
*
5- PEDIDO CÍVEL

Prescreve o art°. 129° do CP que a indemnização de perdas e danos emergentes de um
crime é regulada pela lei civil.
Para o "quantum" indemnizatório terá o julgador de se socorrer das regras estabelecidas no Código Civil, designadamente das contidas nos art°s. 483° e seguintes e 562° e seguintes.
Nos termos do art°. 483º do CC "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém ... fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito são, pois, a violação de um direito, a ilicitude do facto danoso, o nexo de imputação do facto ao agente, o dano, um nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.



Dentro dessa obrigação de indemnizar incluem-se, de acordo com o arco. 496º, n° 1 do CC, os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado "que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito".
Estes danos, tradicionalmente, designados de danos morais, resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação), verificando-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime, de personalidade (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 85 e 86 - edição de 1976).
Provado ficou que com a sua conduta o arguido teve intenção de perturbar o assistente no seu sentimento de segurança, atemorizar e criar no mesmo a expectativa de que os factos por si anunciados se iriam produzir, o que conseguiu e que a conduta do arguido causou ao assistente receio pela sua vida, segurança e integridade física, bem como da de sua mulher e filho.
Resultou, ainda, provada a violação, por parte do arguido, do direito à honra e consideração do assistente, violação essa decorrente de um acto voluntário e ilícito do arguido.
O assistente sentiu-se humilhado e vexado com a expressões proferidas pelo arguido.
Não sendo estes prejuízos avaliados em dinheiro, a atribuição de uma soma pecuniária correspondente legitima-se, não pela ideia de indemnização ou reconstituição, mas pela de compensação (Mota Pinto, ob. cit.).
O demandante civil peticiona a condenação do arguido/demandado no pagamento de uma indemnização de € 4.500,00 por danos patrimoniais (referente aos dias de férias não gozados no valor de € 352,01) e não patrimoniais.
Conforme Pires de Lima e Antunes Varela (CC anotado, volume I, 1982, 3ª edição, pág. 474) o "montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida".
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, tendo em conta as circunstâncias de cada caso concreto.
É evidente não serem admissíveis nos presentes dias as parcas indemnizações que se fixavam no passado e que, por vezes, acrescentam aos vexames sofridos um novo agravo, traduzido nos montantes irrisórios arbitrados.
"In casu", o arguido é empresário e pessoa de média condição social e económica, enquanto que o assistente disse ser gestor hoteleiro, o que não pode deixar de ser ponderado na fixação do montante indemnizatório.
Mas, por outro lado, há que retirar a consequência de nem toda a matéria alegada no pedido cível ter sido dada como provada, designadamente, que nos dias 9/1/03, pelas 15h46m; 10/1/03, pelas 12h38m e 16h11m; 13/1/03, pelas 12h26m, 12h29m, 18h20m e 18h25m; 14/1/03 pelas 13h08m e 13h19m, o assistente recebeu as mensagens cujo teor constam dos art°s. 22°, 23º, 26º, 27° e 28° da acusação particular e que aqui se dão por reproduzidas.
Não se provou, também, que o veículo automóvel do assistente foi riscado e pintado com spray pelo arguido na mesma semana, duas vezes na mala, riscado duas vezes na totalidade da lateral esquerda e riscado e pintado na lateral direita, tendo havido prejuízos com a pintura veículo.

Bem como não se provou que o assistente efectuou despesas correspondentes às diversas deslocações efectuadas do emprego para casa e vice versa, durante o horário de trabalho, estimadas em € 100,00.
Tudo ponderado, fixa-se em € 2.500,00 a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais a suportar pelo demandado civil....».

E, por isso, foi proferida a decisão que se deixou transcrita no início do presente acórdão.


Vejamos:

O âmbito dos recursos delimita-se pelas conclusões da motivação em que se resumem as razões do pedido. Sendo as conclusões proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação (cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Edição de 1981, Pág. 359).

Assim, no que concerne à única questão suscitada, torna-se forçoso, desde logo, salientar que, de acordo com o disposto no Art.' 32°, n.° 8 da C.R.P., são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral de pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
De igual modo, não pode deixar de se ter em conta a inviolabilidade do domicílio e da correspondência consagrada no Art.º 34° da supra mencionada Lei Fundamental.
Por seu turno, o Artº 126°, n.° 3 do C.P.Penal estipula que são nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
Desta forma, consideram-se meios irregulares e não legais de produção de prova todos os que violem ou ofendam, de qualquer modo, aintegridade física ou moral das pessoas, atingindo-as na sua liberdade de vontade e de decisão, perturbando-as na sua capacidade de avaliação e de memória, iludindo-as, condicionando-as ou limitando-as, através de ameaças ou de medidas inadmissíveis, ou violando a sua própria intimidade.
Estão, pois, cobertos pela proibição os processos de narcoanálise, o detector de mentiras, os meios que exerçam coacção sobre as pessoas ou levem ao erro, enfim, todos os procedimentos que provoquem dores físicas ou morais, os que enganem ou iludem, como sejam os microfones ou aparelhos de registo de voz ou de imagem não autorizados, ou quaisquer outros do mesmo tipo e que conduzam aos mesmos resultados.
Aos métodos de prova proibidos em termos absolutos (n.°s 1 e 2), vêm a seguir os métodos proibidos sem o consentimento dos respectivos titulares,
consagrados no n.° 3 da sobredita norma.
Isto é, aqui já não há uma proibição absoluta, mas meramente relativa, já que, estando apenas em causa direitos disponíveis, é sempre possível utilizar os meios aí referidos se houver consentimento válido para tal (cfr. M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I Volume, 2a Edição - 1999, Pág. 663 e segs.).
In casu, sustenta o recorrente a nulidade da leitura dos cartões de telemóvel,
quer porque não autorizada ou validada, quer porque não acatada a estatuição dos Art.°s 187° e 188° para que remete o Artº' 190°, todos do C.P.Penal.
Ora, o que este último normativo prevê e regula por remissão para os artigos
antecedentes é a intercepção e a gravação da transmissão das conversações ou comunicações efectuadas por qualquer meio diverso do telefone, designadamente pelo correio electrónico ou por outras formas de transmissão de dados por via telemática.
Como em qualquer outra comunicação, também as comunicações por via
electrónica ocorrem durante certo lapso de tempo. Começam quando entram na rede e acabam quando saem da mesma. É a sua intercepção neste lapso de tempo o objecto do preceito.
Quando o momento do seu recebimento já pertence ao passado, qualquer contacto com a comunicação feita não tem qualquer correspondência com a ideia de intercepção a que se reportam os Art.°s 187° a 190° do sobredito Código.
As mensagens que, depois de recebidas, ficam gravadas no receptor deixam de ter a natureza de comunicação em transmissão.
Nesta perspectiva, são comunicações recebidas, pelo que deverão ter o mesmo tratamento da correspondência escrita já recebida e guardada pelo destinatário.
Tal como acontece na correspondência efectuada pelo correio tradicional, diferenciar-se-á a mensagem já recebida mas ainda não aberta da mensagem já recebida e aberta.
- Na apreensão daquela rege o Artº' 179° do C.P.Penal, mas a apreensão da já recebida e aberta não terá mais protecção do que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário.

E a mensagem recebida em telemóvel, atenta a natureza e finalidade do aparelho, é de presumir que uma vez recebida foi lida pelo seu destinatário.
Deste modo, na sua essência, a mensagem mantida em suporte digital depois de recebida e lida terá a mesma protecção da carta em papel que tenha sido recebida pelo correio e que foi aberta e guardada em arquivo pessoal.
Tratando-se de meros documentos escritos, estas mensagens não gozam de aplicação do regime de protecção da reserva da correspondência e das comunicações (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 29-03-2006, relatado pelo Exm.º Desembargador Ribeiro Martins, in www.dgsi.pt).
Daí que, em nossa opinião, ao contrário do que se sustenta na motivação do recurso ora em apreciação, às mensagens escritas - SMS - que o arguido remeteu ao queixoso via telemóvel, cujo conteúdo foi copiado pela PJ e junto aos autos, constituem um meio de prova lícito e não configuram, de forma alguma, um caso de intromissão na vida privada do mesmo.
Subsequentemente, olvida o recorrente as limitações imanentes aos direitos fundamentais, maxime a de que ninguém tem o direito de enviar mensagens de SMS - injuriosas e ameaçadoras - através do seu telemóvel.
Como acertadamente salienta a Digna Magistrada do M° P° em Instância, a mais elementar experiência de vida em sociedade possibilita saber que, sempre que é enviada uma mensagem escrita, via telemóvel, a mesma fica gravada no equipamento do receptor.
Assim, quem remete uma mensagem escrita de um telemóvel para outro mais do que consentir na gravação do texto que elaborou, quer efectuar uma gravação, quer que aquilo que escreve fique gravado, por forma a ser visualizado mais tarde.
Pelo contrário, quem se depara com o seu telemóvel transformado em registo de injúrias e ameaças é que presumivelmente não consente o comportamento da pessoa que, de forma abusiva, faz e grava as mensagens.
O comportamento do arguido é em tudo equivalente a mandar uma carta com o conteúdo das mensagens que remeteu para o telemóvel do assistente.
De facto, a comunicação electrónica de um texto não pode deixar de ser equiparada a uma simples comunicação postal.
E, relativamente a essa carta, torna-se forçoso salientar que ninguém, de forma séria, ousará sustentar que a mesma nunca se revelará susceptível de utilização como prova de um eventual ilícito.
Daí que não se logre vislumbrar qualquer fundamento para a alegação de que a prova ora em causa foi obtida com violação da reserva da vida privada do arguido e sem o seu consentimento.

Nestes termos, mais nada nos resta senão deixar consignado que não se mostra ter sido violado o consagrado no Artº 126° do C.P.Penal.
Por outro lado, inexistem dúvidas de que a gravação das mensagens escritas ocorreu com o consentimento e, mais do que isso, por iniciativa e expressa vontade do arguido que desencadeou todo o mecanismo de gravação das mesmas.
Aliás, torna-se inequívoco que foi ele que quis deixar textos ameaçadores e injuriosos no telemóvel do assistente, ou seja, tal como podia ter escrito uma carta, optou pelo envio de diversos SMS.
Por conseguinte, ao contrário do sugerido, afigura-se-nos não competir, neste caso, tão somente ao Juiz de Instrução Criminal divulgar, para efeitos processuais penais, o conteúdo das mensagens recepcionadas no telemóvel do queixoso.
Além disso, verifica-se ser também inequívoco que a Polícia Judiciária não teve qualquer intervenção na gravação e obtenção dessas mensagens.
Porém, nesta ordem de ideias, do que não se pode duvidar é que compete ao assistente, na qualidade de ofendido e legítimo titular do equipamento onde as mensagens estavam armazenadas, denunciar os factos a quem de direito, divulgando e juntando à denúncia os meios de prova de que disponha.
É que, de facto, estabelece o Artº 49°, n.° 1 do C.P.Penal que, quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outra pessoa, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao M° P°, para que este promova o processo.
E, de acordo com o n.° 2 de tal normativo, considera-se feita ao M° P° a queixa dirigida a qualquer outra entidade que tenha a obrigação legal de a transmitir àquele.
Por sua vez, estabelece o Artº 246°, n.°s 1 e 3 do predito diploma de direito adjectivo penal que a denúncia pode ser feita verbalmente ou por escrito e não está sujeita a formalidades especiais (n.° 1), contendo a mesma, na medida do possível, a indicação dos elementos referidos nas alíneas do n.° 1 do Artº 243° (n.° 3).
Isto é, os factos que constituem o crime, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que o crime foi cometido e tudo o que puder ser averiguado acerca da identificação dos agentes e dos ofendidos, bem como os meios de prova conhecidos, nomeadamente as testemunhas que puderem depor sobre os factos.
Ora, resulta dos autos que foi o assistente, na qualidade de receptor das mensagens em questão e ofendido nos presentes autos, que apresentou queixa na Polícia Judiciária e levou até à mesma as mensagens registadas a partir do "SIM" do seu telemóvel, tendo-se limitado tal órgão de polícia criminal a reduzir a escrito a denúncia que lhe foi apresentada, bem como a transcrever e imprimir o conteúdo dos meios de prova que lhe foram voluntariamente trazidos pelo assistente (cfr. fls. 2 a 16).
Em face do que acaba de se expender, resulta, de forma patente, que a Polícia Judiciária actuou em conformidade com o preceituado nos Art.°s 246° e 55°, n°2, ambos do C.P.Penal.
Outrossim, compulsados os autos, não pode mesmo deixar de se salientar que a identificação do arguido foi feita com base na suspeição do assistente e na posterior inquirição deste e do pai daquele que confirma que o número de telemóvel em causa pertencia, à data dos factos, ao recorrente.
O que, aliás, veio a reiterar em sede de audiência de julgamento, referindo, ainda para mais, saber que foi o seu filho quem enviou as mensagens sub judice ao assistente.
Deste modo, à revelia do pretendido, não corresponde, pois, à realidade que este tenha sido identificado através da intercepção e gravação do conteúdo das mensagens escritas do telemóvel do assistente que tivesse de ser ordenada o autorizada pelo Juiz de Instrução Criminal, nos termos dos Artº 268° e 269°, n.° 1, alínea c) do C.P.Penal, 32°, n.° 4 e 34°, n.° 4 da C.R.P., 17°, n.° 2 da Lei n.° 91/97 de 1 de Agosto e 4° da Lei n.° 41/2004 de 18 de Agosto.
Pelo que, mais nada nos resta senão concluir que a prova em crise não foi ilicitamente obtida, nomeadamente por nem sequer se poder constatar a ocorrência de violação de alguma regra de proibição a ela atinente.
De igual modo, inexiste qualquer nulidade da prova obtida, dado que, in casu, não se nos afigura ser aplicável o regime das escutas telefónicas constante dos Art.°s 187° a 190° do C.P.Penal.
Podiam, assim, as mensagens escritas transcritas a fls. 16 dos presentes autos ser utilizadas no processo e servir para fundamentar a decisão, tal como foi feito pela Mma Juiz a quo.
Sendo, também, certo que, em virtude do que acaba de se exarar, não se encontra inquinada, de forma manifesta, toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento que, por conseguinte, continua a manter a sua validade.
In fine, reportando-nos ao consagrado nos Art.°s 26°, 32°, n.°s 4 e 8 e 34°, n.°s 1 e 4, todos da C.R.P., somos, ainda, da opinião que inexiste qualquer interpretação inconstitucional das normas processuais penais aduzidas pelo recorrente.
Nestes termos, surge, pois, claro e evidente carecer de fundamento a impetrada absolvição do arguido, quer do pagamento da pena de multa em que foi condenado, quer do respectivo pedido de indemnização cível.

Pelo exposto, acordam os juízes em negar provimento ao recurso, confirmando, na sua plenitude, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC
(processado e revisto pelo relator)
Lisboa 15 de Julho de 2008
José Simões de Carvalho
Margarida Bacelar
Calheiros da Gama