Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SIMÕES DE CARVALHO | ||
Descritores: | SEGREDO DE CORRESPONDÊNCIA TELECOMUNICAÇÕES | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/15/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I - As mensagens que, depois de recebidas, ficam gravadas no receptor deixam de ter a natureza de comunicação em transmissão, nesta perspectiva, são comunicações recebidas, pelo que deverão ter o mesmo tratamento da correspondência escrita já recebida e guardada pelo destinatário tal como acontece na correspondência efectuada pelo correio tradicional, iferenciar-se-á a mensagem já recebida mas ainda não aberta da mensagem já recebida e aberta. II - Na apreensão daquela rege o Artº 179° do C.P.Penal, mas a apreensão da já recebida e aberta não terá mais protecção do que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário. III - As mensagens escritas - SMS - que o arguido remeteu ao queixoso via telemóvel, cujo conteúdo foi copiado pela PJ e junto aos autos, constituem um meio de prova lícito e não_ configuram, de forma alguma, um caso de intromissão na vida privada do mesmo. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal (5°) do Tribunal da Relação de Lisboa: No processo comum singular n.° 682/03.1TDLSB da 2ª Secção do 5° Juízo Criminal de Lisboa, por sentença de 16-05-2007 (cfr. fls. 152 a 163), no que agora interessa, foi decidido: «Tudo visto e ponderado, julgo procedente as acusações do Ministério Público e do assistente e, em consequência, condeno o arguido (A) pela prática dos crimes de: - ameaças previsto e punido pelo art°. 153° n°s. 1 e 2 do CP numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, o que perfaz o montante de € 960,00; - um crime de injúrias previsto e punido pelo art°. 181º n° 1 do CP, numa pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, o que perfaz o montante global de € 720,00. Em cúmulo jurídico, condeno o arguido em 180 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, o que perfaz a multa de € 1.440,00 ou 120 dias de prisão subsidiária. Condeno, ainda, o arguido em 2 UC de taxa de justiça e nas custas do processo, com o mínimo de procuradoria. Acresce a condenação do arguido no pagamento de 1 % da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 13º n° 3 do D.L. n° 423/91 de 30/10. Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização cível condenando o arguido a pagar ao assistente o montante de € 2.500,00. Custas cíveis na proporção do decaimento. Remeta boletim ao DSIC. Notifique. Deposite.» O arguido (A) não aceitou esta decisão e dela recorreu (cfr. fls. 170 a 181), extraindo da motivação as seguintes conclusões: «I Segundo entende o recorrente, a sentença recorrida é nula pois encontra-se a sua fundamentação numa verdadeira proibição de prova, ilicitamente valorada. II De acordo com o disposto nos artigos 268° e 269, n.° 1, alínea c) do CPP, artigos 32º, n.° 4 e 34º, n.° 4 da CRP, artigo 17°, n.° 2 da Lei n.° 91/97 de 1 de Agosto e artigo 4° da Lei n.° 41/2004 de 18 de Agosto, é da competência do Juiz de Instrução Criminal, em fase de Inquérito, ordenar ou autorizar quer o fornecimento de facturação detalhada das chamadas e mensagens escritas recebidas por um telemóvel em certo dia, quer a identificação do número chamador e informação acerca da identidade dos titulares dos números chamadores, quer, em especial, a divulgação, para efeitos processuais penais válidos, do conteúdo de tais mensagens escritas. III O que não sucedeu no caso concreto, como facilmente se comprova atentas as primeiras folhas dos presentes autos, que descrevem a forma como foi obtido o conteúdo das mensagens que se encontram na base da condenação do recorrente, as declarações do assistente, o depoimento das testemunhas e a própria motivação da decisão recorrida. IV Apenas a Polícia Judiciária interveio na obtenção das referidas mensagens, sem qualquer participação de um Juiz de Instrução ou sequer de um magistrado do Ministério Público. V Pelo que, não tendo, como prescreve o artigo 187º do CPP, tais gravações sido ordenadas ou autorizadas através de despacho proferido pela entidade competente, existe nulidade daquela prova assim obtida e valorada. VI Nulidade qualificada que resulta em verdadeira proibição de prova. Isto porque é da competência do Juiz de Instrução Criminal ordenar ou autorizar a intercepção, gravação e registo do conteúdo das conversações ou comunicações, bem como a obtenção dos chamados dados de tráfego, na medida em que está em causa uma ingerência nas telecomunicações – em sentido lato – abrangida por uma garantia de inviolabilidade e sigilo com consagração constitucional, sendo, pois, o transcrito consentimento in casu prestado pelo assistente nos autos do processo absolutamente ineficaz. VII Entendimento espelhado no pensamento de autores como Gomes Canotilho e Vital Moreira. VIII Para quem, como sucede no presente caso, a violação do segredo da correspondência ou das comunicações constitui inadmissível ataque ao direito à reserva da vida, estabelecendo-se no nº 4 do artigo 34° da CRP a sua inviolabilidade. IX Tal sigilo só cederá nos termos e de acordo com o preceituado na legislação processual penal, o que, como se viu, não aconteceu no caso concreto do presente processo. X Ora, da reserva da vida privada resulta, igualmente, a proibição de utilização de provas obtidas com violação de tal direito, conforme assumido na CRP no n.° 8 do artigo 32º, ao determinar a nulidade de tais provas, e no CPP nº n.e 3 do artigo 126°. XI Assim, a utilização da transcrição das mensagens efectuada pela Polícia Judiciária, sem intervenção do Ministério Público ou Juiz de Instrução Criminal, e depois valorada quer pela acusação quer pelo tribunal a quo é nula por violação de todas as normas referidas. XII As provas nulas são proibidas, ou seja, não têm efeitos no processo, pois está em causa o efeito dissuasor das proibições de prova, pretendendo-se evitar o sacrifício dos direitos, liberdades e garantias das pessoas por parte das autoridades judiciárias, órgãos de Policia Criminal e, inclusive, particulares, pelo que as mensagens escritas obtidas da forma descrita não podem ser utilizadas no processo, não podendo, por isso, servir para fundamentar qualquer decisão. Tal prova, processualmente, não existe... XIII Para além da nulidade do referido acto, a prova ilicitamente obtida inquina os actos que dela dependeram e os que afectou, o que se verificou face a toda a prova produzida em audiência de julgamento no presente processo. XIV É, pois, também, o regime – e a violação do regime – do n.° 8 do artigo 32° da CRP e dos n.°s 1 e 3 do artigo 126º do CPP que aqui estão em causa. XV O recurso a prova proibida constitui erro de direito, sendo que o regime das proibições de prova difere do das nulidades: o facto de o seu conhecimento poder ser oficioso, até à decisão final, só se convalidando, pois, com o trânsito em julgado da decisão. Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada, devendo o arguido ser absolvido quer do pagamento da pena de multa em que foi condenado quer do respectivo pedido de indemnização cível, assim se fazendo JUSTIÇA». Admitido o recurso (cfr, fls. 185), e efectuadas as necessárias notificações, apresentaram resposta o M° P° (cfr. fls. 189 a 198) e o assistente (B) (cfr. fls. 199 a 206), em que concluíram: I — O MºPº «Sempre que é enviada uma mensagem escrita, via telemóvel, a mesma fica gravada no equipamento do receptor. Como tal está implícito que o arguido consentiu na gravação da mensagem. Como a gravação ocorreu com o consentimento, e mais do que isso, por iniciativa e expressa vontade do arguido, que desencadeou todo o mecanismo de gravação, também não se pode falar em gravação ilícita nem em intromissão na vida privada nem lhe é aplicável regime normativo de escutas dos art.°s 187º e segs do C.P.P. Contrariamente ao alegado pelo recorrente, a PJ não teve qualquer intervenção na gravação e obtenção das mensagens escritas em discussão nestes autos. A PJ limitou-se a reduzir a escrito a denúncia que lhe foi apresentada e a receber e reduzir a escrito os meios de prova que lhe foram trazidos pelo assistente (cfr as 2 a 16 dos autos) em conformidade com o preceituado nos artº nºs 246° e 55°, n° 2, ambos do CPP. Por todo o exposto, afigura-se-nos que o documento referenciado pelo recorrente nas suas alegações de recurso, de fls 16, constitui um meio de prova legalmente válido, pelo que a douta sentença deverá ser mantida negando-se, dessa forma, provimento ao recurso. Contudo V.Ex.as, decidindo, farão, como sempre JUSTIÇA» II — O assistente (B). «l. As alegações da ora Recorrente têm por base a nulidade da sentença por esta decidir com base em proibição de prova, ilicitamente valorada. 2. A identificação do arguido, ora Recorrente, é feita com base na suspeição do Recorrido e na posterior inquirição deste e do seu pai que confirma que aquele número de telemóvel pertencia à data dos factos ao Recorrente. 3. O Recorrido autorizou a Polícia Judiciária a aceder e transcrever o conteúdo das mensagens escritas que recebia no seu telemóvel. 4. Os artigos 187° a 190º e 268° e 269º do C.P.P. não são aplicáveis à transcrição das mensagens em causa e que fazem prova nos presentes autos. 5. Pois, a transcrição de tais mensagens não carece de autorização judicial por não gozar da aplicação do regime de protecção específico de reserva da correspondência e das comunicações implicada no art.° 190º do C.P.P. 6. Ao contrário do alegado pelo Recorrente "as mensagens que depois de recebidas ficam gravadas no receptor deixam de ter a natureza de comunicação em transmissão; são comunicações recebidas pelo que deixarão de ter o mesmo tratamento da correspondência escrita, já recebida e guardada pelo destinatário". 7. Pelo que, não existe in casu qualquer proibição na obtenção/valoração da prova obtida porque esta não foi obtida ilicitamente. 8. Não existe qualquer nulidade da prova obtida e valorada, nem proibição de prova, mantendo esta os seus efeitos no processo e está em absolutas condições de fundamentar a decisão, tal como foi feito. 9. Assim, não foi afectada a prova produzida em audiência de julgamento, em virtude de não haver nulidade da prova, nem da sua obtenção. 10. A Polícia Judiciária não necessitava, assim, da intervenção do Juiz de Instrução para obter as referidas mensagens, 11. podendo, assim, as mensagens escritas obtidas nos presentes autos e da forma como o foram, ser utilizadas no processo e servirem para fundamentar a decisão. 12. Não se encontrando inquinada toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento. 13. Andou, pois, bem a, aliás, douta sentença recorrida ao decidir como o fez e com base na prova trazida aos autos. Termos em que deverão V. Exas., Venerandos Desembargadores, não dar provimento ao recurso, confirmando em pleno a sentença proferida como é de Direito e fazendo-se assim a acostumada JUSTIÇA!!!» Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exmª' Procuradora-Geral Adjunta teve vista no processo (cfr. fls. 220), relegando o seu parecer para audiência. Proferido o despacho preliminar e não havendo quaisquer questões a decidir em conferência, prosseguiram os autos, após os vistos dos Exmºs Desembargadores Adjuntos, para julgamento em audiência, nos termos dos Artºs 419° e 421 ° do C.P.Penal. Realizado o julgamento com observância do formalismo legal, cumpre, agora, apreciar e decidir. O objecto do recurso, em face das conclusões da respectiva motivação, reporta-se: - à pretensa nulidade da sentença impugnada, por a mesma encontrar a sua fundamentação numa verdadeira proibição de prova, ilicitamente valorada. No que ora interessa, é do seguinte teor a sentença recorrida: «2. Fundamentação da Matéria de Facto (...) 3- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICO-PENAL O arguido vem acusado da prática de um crime de ameaças previsto e punido pelo arco. 153º, n° 1 do CP. Dispõe este preceito legal que quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. Por sua vez, o n° 2 refere que se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. São elementos constitutivos do tipo legal em causa: - o anúncio de que o agente pretende infligir um mal que constitua crime; - que esse anúncio provoque receio, medo, inquietação ou lhe prejudique a sua liberdade de determinação; - que o agente tenha actuado com dolo. Trata-se de um crime de resultado, o que significa que para que se encontre preenchida a ilicitude contida na norma incriminadora é necessário que o agente passivo sinta medo, receio, ou que a acção do agente lhe retire a sua capacidade de determinação e de liberdade. Provado ficou que o assistente era o único utilizador do telemóvel, embora propriedade da "Eurest" e que o telemóvel do arguido foi por ele utilizado até Maio/03 altura em que o ofereceu ao pai. E se dúvidas existissem quanto à prática do ilícito pelo arguido teriam sido dissipadas com o depoimento do pai do arguido que disse que sabia que foi o filho quem enviou as mensagens constantes dos autos ao assistente condenando a conduta do filho, mas há que se compreender que ele estava desorientado por ter ficado desempregado e com a sua vida pessoal destabilizada, porque, segundo a testemunha, o assistente pressionou-o a demitir-se. Ora, da discussão da causa ficou, ainda, provado que com o teor das mensagens recebidas o assistente sentiu medo e receio pela sua vida, segurança e integridade física, bem como da de sua mulher e filho. Vem, ainda, o arguido acusado da prática de um crime de injúria na pessoa do assistente previsto e punido pelo art°. 181 o, n° 1 do CP. * 4- MEDIDA DA PENAResta-nos, pois, determinar a medida concreta da pena, dentro da respectiva moldura penal abstracta, com recurso aos critérios do art°. 71° do Código Penal, sendo a pena concreta função do binómio culpa do agente - exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. O crime de ameaças é punido, no caso dos autos, com uma pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. O crime de injúrias é punido com uma pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias. Há que ter em conta que o assistente por causa do teor das mensagens teve que alterar o seu modo de vida, sentindo medo que as ameaças se concretizassem na sua pessoa e da sua mulher e seu filho de 10 anos de idade. Reconheça-se, ainda, que as palavras utilizadas, constituindo, sem equívocos, ofensa não tiveram grande gravidade, em termos objectivos e no plano das consequências. O dolo é directo. Face ao exposto, ponderando o grau de ilicitude do facto, o dolo do arguido, o circunstancialismo em que as palavras foram ditas e o facto de o arguido não ter antecedentes criminais por este tipo de ilícito, entende-se adequado optar por uma pena não privativa da liberdade, por a pena de multa se mostrar suficiente para promover a recuperação do arguido, bem como para satisfazer as exigências de reprovação deste ilícito e de prevenção de outros - artº. 40º, no 1 do C. Penal. Atendendo à sua situação económica fixa-se o quantitativo diário em E 8,00. * 5- PEDIDO CÍVELPrescreve o art°. 129° do CP que a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil. Para o "quantum" indemnizatório terá o julgador de se socorrer das regras estabelecidas no Código Civil, designadamente das contidas nos art°s. 483° e seguintes e 562° e seguintes. Nos termos do art°. 483º do CC "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém ... fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação". Os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito são, pois, a violação de um direito, a ilicitude do facto danoso, o nexo de imputação do facto ao agente, o dano, um nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado. Dentro dessa obrigação de indemnizar incluem-se, de acordo com o arco. 496º, n° 1 do CC, os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado "que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". Bem como não se provou que o assistente efectuou despesas correspondentes às diversas deslocações efectuadas do emprego para casa e vice versa, durante o horário de trabalho, estimadas em € 100,00. E, por isso, foi proferida a decisão que se deixou transcrita no início do presente acórdão.
O âmbito dos recursos delimita-se pelas conclusões da motivação em que se resumem as razões do pedido. Sendo as conclusões proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação (cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Edição de 1981, Pág. 359). Assim, no que concerne à única questão suscitada, torna-se forçoso, desde logo, salientar que, de acordo com o disposto no Art.' 32°, n.° 8 da C.R.P., são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral de pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. |