Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
74/23.6T9SRQ.L1-5
Relator: LUÍSA MARIA DA ROCHA OLIVEIRA ALVOEIRO
Descritores: RESERVA NATURAL INTEGRAL DA MONTANHA DO PICO
OFENSA AO AMBIENTE
CONTRAORDENAÇÕES
COIMA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
I. A Reserva Natural Integral da Montanha do Pico suscita grande interesse geológico e apresenta condições ecológicas particulares que justificam especiais medidas destinadas a garantir a sua conservação, a salvaguarda das formações botânicas naturais e da vegetação autóctone e a manutenção do equilíbrio paisagístico num ecossistema vulnerável e frágil.
II. A prática de atos que consubstanciam contraordenações qualificadas como graves (art.º 149º, nº 4 do Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril) e punidas na forma negligente, têm consequências ambientais relevantíssimas que impõem uma disciplina capaz de assegurar a sua defesa vigorosa, mormente perante um espaço grandioso e único a nível nacional,
III. As sanções previstas para cada uma das contraordenações visa dissuadir adequadamente a prática de condutas que ofendem o ambiente e os correspondentes interesses e valores protegidos,
IV. A aplicação, in casu, da norma do art.º149º, nº 4, al. h) do Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril, não enferma da arguida inconstitucionalidade pois não contende, por qualquer forma, com o princípio da proporcionalidade ou qualquer outro princípio constitucionalmente previsto e protegido, mostrando-se a coima aí prevista adequada e proporcional à natureza dos bens tutelados, à gravidade da infração que se destina a sancionar e à importância dos objetivos visados pelo normativo em causa, ou seja, a proteção e preservação daquela área protegida dos Açores.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. Nos presentes autos de contraordenação em que é arguida a recorrente AA foi proferida, em 06.11.2023, a seguinte sentença:
“Em face de tudo o exposto, nos termos das disposições e fundamentos acima referidos, decide o Tribunal:
1. Julgar totalmente improcedente a presente impugnação judicial de contraordenação interposta por AA.
2. Confirmar na integra a decisão recorrida”.
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2. Inconformada, a recorrente AA interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
“A) O presente recurso vem interposto da sentença que condenou a arguida pela violação do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto Legislativo Regional n.º 20/2008/A de 9 de julho, aplicável por via do artigo 12.º do Anexo à Portaria n.º 52/2008 (a prática de campismo fora dos locais expressamente indicados para esse fim); e violação do disposto na alínea 1) do n.º 3 do artigo 8.º do Decreto Legislativo Regional n.º 20/2008/A de 9 de julho, aplicável por via do artigo 12.º do Anexo à Portaria n.º 52/2008 (o corte de vegetação arbórea e arbustiva), em cada uma das infrações no valor de 2.000€ e em cúmulo no valor 1.000€.
B) Entendendo que o artigo 149.º, n.º 4, alínea h) do Decreto Legislativo Regional n.º 15/2012/A de 2 de abril, segundo a interpretação normativa que lhe foi conferida pelo tribunal a quo, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18° da Constituição da República Portuguesa, sendo o direito em colisão o previsto no artigo 66.º 2 c)º da CRP.
C) Dos factos: o primeiro “crime” da arguida é ter montado uma tenda no chão/terra numa montanha e aí ter pernoitado, sendo que o segundo “crime” da arguida se traduz em ter arrancado uns galhos/partido uns pequenos galhos de um arbusto para se aquecer
D) Ora o comportamento pelo qual vem acusada é sancionado nos termos do artigo 22.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 50/2006 de 29 de agosto, se praticadas por pessoas singulares, de (euro) 2.000 a (euro) 20.000 em caso de negligência e de (euro) 4.000 a (euro) 40.000 em caso de dolo.
E) Perante tal montante mínimo questionamo-nos de facto se o legislador tem noção do nível de vida do português comum, imagine-se que um qualquer cidadão deste país leva um filho menor a subir a montanha, por passeio, se o menino por mera curiosidade tem o azar de partir um galho de um arbusto ou mesmo tropeçar e danificar o arbusto pode ser condenado em 2.000€ de coima por negligência…
F) A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. (art.º 18°, 2 CRP).
G) Na análise do princípio da proporcionalidade não será despiciendo considerar que à data dos factos o salário mínimo nacional era de 600 euros mensais, quantia que, segundo o Estado, será a estritamente necessária para a subsistência das pessoas e deveria igualmente constituir um ponto de referência para o estabelecimento de sanções.
H) O princípio da proporcionalidade cumprir-se-á adequando as sanções à realidade económica nacional e ao interesse que a norma visa proteger e não a qualquer outra realidade platónica.
I) Termos em que deve ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 149.º, n.º 4, alínea h) do Decreto Legislativo Regional n.º 15/2012/A de 2 de abril.
J) Com todas as consequências legais”.
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3. O Ministério Público apresentou Resposta, concluindo do seguinte modo:
“1. A arguida recorre da decisão final alegando para tanto que, o artigo 149.º, n.º 4, alínea h) do Decreto Legislativo Regional n.º 15/2012/A de 02.04, na interpretação normativa que lhe foi conferida pelo Tribunal a quo é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade.
2. A punição das contraordenações, tal como refere o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 13/2015, de 15 de Outubro que: “O advento do Direito de mera ordenação social resulta de um desiderato legislativo de descriminalização de condutas censuráveis que não colidam necessariamente com o quadro valorativo fundamental da sociedade contemporânea, estabelecendo-se um ordenamento sancionatório alternativo e diferente do direito criminal.
3. O direito ao ambiente e à qualidade de vida são valores que impõem uma efectiva e real protecção e que justificam a existência de coimas de valor elevado em matéria contraordenacional, pelo que os mesmos têm tutela constitucional, termos do artigo 66.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, nas alíneas d) e e) do artigo 9.º.
4. Tem sido entendimento do Tribunal Constitucional de que assiste discricionariedade de desde de que as coimas não sejam excessivas.
5. In casu, estão em causa interesses sociais relevantes a nível ambiental que impõem uma disciplina capaz de assegurar a sua defesa, tanto mais que com a legislação implementada na protecção do Parque Natural da Ilha do Pico representa o reconhecimento da presença de fenómenos naturais, aspectos estéticos e elementos geomorfológicos singulares de extrema importância.
6. O artigo 22.º, n.º 3, alínea a), da citada Lei n.º 50/2006, ex vi artigo 8.º do Decreto Legislativo Regional 20/2008/A de 9 de Julho e artigo 149.º, n.º 4, alínea h) do Decreto Legislativo Regional 15/2012/A de 2 de Abril, ao punir, em caso de negligência, as contraordenações leves “a) Se praticadas por pessoas singulares, de (euro) 500 a (euro) 2500 em caso de negligência e de (euro) 1500 a (euro) 5000 em caso de dolo;” de qualquer inconstitucionalidade, designadamente, não ofendendo o invocado princípio da proporcionalidade, limitando-se ao necessário e sendo perfeitamente adequado e proporcional à importância dos objectivos visados pelos normativos em causa”.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJETO DO RECURSO
Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”.
O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação, pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art.º412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ, de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt).
Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do CPPenal).
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Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, cumpre apreciar a inconstitucionalidade material da norma do art.º 149º, nº 4, al. h) do Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
1. A Arguida e um amigo desta, de seu nome BB, este último residente na …, iniciaram subida pedestre na Reserva Natural da Montanha do Pico pelas 18 horas e 45 minutos no dia 12 de setembro de 2019, com vista a efetuar pernoita na Cratera, único sítio onde é autorizado o acampamento.
2. Tal não se verificou, tendo a Arguida acampado junto ao marco n.º 14.
3. A Arguida fez uma pequena fogueira, formando um amontoado de rochas e destruindo partes de exemplares da espécie Erica Azorica (Urze), para utilizar como combustível para lume.
4. A Arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada.
5. A Arguida não tinha, à data dos factos, antecedentes contraordenacionais ambientais.
DO RECURSO DE IMPUGNAÇÃO
6. A subida é ingreme, quando iniciaram a subida estava muito nevoeiro e vento e estava má visibilidade.
7. No posto da Montanha entregaram à arguida e ao seu amigo BB, um equipamento de rastreio de GPS.
8. Na altura da entrega, a arguida foi advertida que o salvamento lhe poderia ser imputado, sendo que nessa ocasião, a equipa do posto da Montanha relatou um episódio de um resgate que ascendeu a 2.000 euros.
9. O cansaço da subida determinou que a Arguida não conseguisse subir até ao ponto onde se proponha subir.
10. A Arguida montou a tenda e fez a fogueira para se aquecer.
11. À data dos factos, a arguida era …, tinha … anos e dependia financeiramente dos pais.
MAIS SE APUROU QUE:
12. Atualmente a Arguida é … e aufere o salário mínimo nacional.
13. A Arguida paga 160 euros a título de renda e não detém empréstimos.
(…)
1. Da responsabilidade contraordenacional
Tendo em conta a matéria de facto dada por provada importa agora verificar se a Arguida, ora recorrente, praticou a contraordenação constante da decisão administrativa (ora acusação).
A Arguida veio acusada da prática das seguintes contraordenações:
a) Violação do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto Legislativo Regional n.º 20/2008/A de 9 de julho, aplicável por via do artigo 12.º do Anexo à Portaria n.º 52/2008 (a prática de campismo fora dos locais expressamente indicados para esse fim); e
b) Violação do disposto na alínea 1) do n.º 3 do artigo 8.º do Decreto Legislativo Regional n.º 20/2008/A de 9 de julho, aplicável por via do artigo 12.º do Anexo à Portaria n.º 52/2008 (o corte de vegetação arbórea e arbustiva);
A Reserva Natural da Montanha do Pico encerra um conjunto de valores naturais que determinaram a sua classificação como reserva integral, através do Decreto n.º 79/72, de 8 de março, tendo sido posteriormente reclassificada e integrada no Parque Natural do Pico, criado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 20/2008/A, de 9 de julho.
A preservação dos valores naturais em presença na Reserva Natural da Montanha da Ilha do Pico exige um controlo dos acessos e a aplicação de regras de comportamento compatíveis com os objetivos inerentes à classificação daquela parte do território como área protegida.
Nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto Legislativo Regional n.º 20/2008/A de 9 de julho é interdito a prática de campismo fora dos locais expressamente indicados para esse fim, sendo que apenas é permitida a montagem de tenda para pernoitar, na Cratera.
Por seu turno, nos termos da alínea 1) do n.º 3 do artigo 8.º do Decreto Legislativo Regional n.º 20/2008/A de 9 de julho necessita de parecer prévio o corte de vegetação arbórea e arbustiva.
As aludidas condutas são punidas como contraordenações ambientais graves, nos termos do artigo 149.º, n.º 4, alínea h) do Decreto Legislativo Regional n.º 15/2012/A de 2 de abril, sendo as mesmas punidas nos termos do artigo 22.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 50/2006 de 29 de agosto, se praticadas por pessoas singulares, de (euro) 2.000 a (euro) 20.000 em caso de negligência e de (euro) 4.000 a (euro) 40.000 em caso de dolo.
No caso dos autos, ficou provado que a Arguida e um amigo desta, de seu nome BB, este último residente na Ilha, iniciaram subida pedestre na Reserva Natural da Montanha do Pico pelas 18 horas e 45, minutos no dia 12 de setembro de 2019, com vista a efetuar pernoita (facto n.º 1), sendo que, tal não se verificou, tendo a Arguida acampado junto ao marco n.º 14 (facto n.º 2).
Resultou ainda provado que a Arguida fez uma pequena fogueira, formando um amontoado de rochas e destruindo partes de exemplares da espécie Erica Azorica (Urze), para utilizar como combustível para lume (facto n.º 3) e que, em ambos os casos, a Arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada (facto n.º 4).
Em suma, a arguida montou a tenda em lugar que não estava autorizada e procedeu ao corte de arvoredo, sem o devido parecer prévio, tendo atuado sem observar o cuidado a que estava obrigada, donde decorre que se encontram preenchidos os elementos do tipo objetivo e subjetivo das duas contraordenações de que a arguida vinha acusada.
(…)
Conclui-se, deste modo, que a conduta da arguida abarca todos os elementos objetivos e subjetivos da contraordenação da qual vinha acusada, pelo que, não se verificando, in casu, qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, a mesma terá, necessariamente, que ser responsabilizada pela sua conduta.
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2. Da medida da Coima
Mantendo-se a condenação imposta pela autoridade administrativa importa agora apurar a coima concreta a aplicar.
Nesse conspecto, importa ter presente o disposto no artigo 75.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, nos termos do qual, «não é aplicável aos processos de contraordenação instaurados e decididos nos termos desta lei a proibição de reformatio in pejus, devendo essa informação constar de todas as decisões finais que admitam impugnação ou recurso.»
Cada uma das contraordenações é punida nos termos do artigo 22.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 50/2006 de 29 de agosto, com uma moldura abstrata de 2.000 a (euro) 20.000, uma vez que, está em causa negligência.
Nos termos do artigo 18º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro e do artigo 20º da Lei nº 50/2006, de 29 de agosto, na determinação da medida da coima deve atender-se à gravidade da contraordenação, à culpa do agente, à sua situação económica e ao benefício económico que este retirou da prática da infração, à conduta anterior e posterior do agente e às exigências de prevenção, à existência de coação, falsificação, falsas declarações, simulação ou outro meio fraudulento utilizado pelo agente, bem como a existência de atos de ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da infração.
No caso dos autos, importa ter presente a ilicitude média das condutas da arguida pois, pese embora a sua relativa gravidade, das mesmas não advieram consequências excessivamente nefastas para o meio ambiente.
Pondera-se também a culpa do agente, sendo que a mesma agiu com negligência, não tendo, por conseguinte, agido com dolo.
Ao nível das exigências de prevenção geral, pondera-se a importância da repressão de condutas que contribuam para por em causa a flora e fauna bem como o ambiente em geral, especialmente quando tais condutas são perpetradas em plena Reserva Natural.
De facto, é importante reprimir tais condutas e criar uma consciencialização comunitária para a gravidade de tais condutas.
Ao nível das exigências de prevenção especial, pondera-se a inserção da arguida e o facto de não ter antecedentes à data dos factos.
Nessa medida, à semelhança do que concluiu a entidade administrativa, afigura-se-nos como adequado e justo para o caso, a coima de 2.000 euros por cada contraordenação.
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3. Cúmulo Jurídico e Atenuação Especial da Pena
Estando em causa um concurso de infração, importa proceder ao cúmulo, nos termos dos artigos 19.º do RGCO e 27.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto.
A moldura abstrata tem como mínimo a mais das elevadas coimas e como limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso.
No caso, a moldura abstrata do cúmulo é de 2.000 a 4.000 euros.
Nos termos do artigo 23-A, n.º 1 da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, a pena pode ser especialmente atenuada quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima; sendo que, nesse caso, os limites mínimos e máximos da coima são reduzidos a metade, nos termos do artigo 23-B da aludida Lei.
No caso dos autos, pondera-se as dificuldades físicas que a arguida enfrentou aquando da subida à montanha do Pico, as quais, pese embora não afastem a responsabilidade contraordenacional, atenuam a ilicitude da conduta.
Ademais, a arguida agiu apenas com negligência, ao nível da culpa, donde se conclui por uma culpa atenuada.
Tudo considerado, e à semelhança da decisão administrativa, aplicamos a atenuação especial da coima, passando a moldura abstrata do cúmulo a 1.000 a 2.000 euros.
Quanto à concreta coima, pondera-se todos os elementos já acima ponderados aquando da determinação da medida da pena e aquando da atenuação especial da pena, sendo que, em especial, pondera-se a negligência e o facto de não ter antecedentes criminais e, assim, concordando com a entidade administrativa, opta-se pela coima única de 1.000 euros”.
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Apreciação do recurso
Inconstitucionalidade material da norma do art.º 149º, nº 4, al. h) do Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril
A recorrente suscita a inconstitucionalidade do art.º 149º, nº 4, al. h) do Decreto Legislativo Regional n.º 15/2012/A, de 2 de abril, por violação do princípio da proporcionalidade consagrado no art.º 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Cumpre, antes de mais, referir que a declaração de inconstitucionalidade das normas cabe ao Tribunal Constitucional.
Podendo, apenas, os tribunais judiciais recusar a aplicação de normas com base na sua inconstitucionalidade, o que não é o caso em análise.
Vejamos.
A norma do art.º 149º, nº 4, al. h) do Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril (estabelece o regime jurídico da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade), consagra que:
“4 - Quando ocorram na Rede de Áreas Protegidas dos Açores e quando sejam interditos ou condicionados nos termos dos diplomas de classificação ou reclassificação ou do plano de ordenamento respetivo, constitui contraordenação grave, nos termos do disposto na Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, aprovada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, a prática dos atos e atividades seguintes:
(…)
h) Quando outra punição mais grave não seja aplicável, a violação de qualquer das normas específicas aplicáveis concretamente à área protegida onde a violação ocorra”.
E, dispõe o art.º 22º, nº 3, al. a) da mencionada Lei nº 50/2006, de 29 de agosto que:
“3 - Às contraordenações graves correspondem as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoas singulares, de (euro) 2.000 a (euro) 20.000 em caso de negligência e de (euro) 4.000 a (euro) 40.000 em caso de dolo;”.
O direito ao ambiente e à qualidade de vida são valores que têm tutela constitucional (cfr. art.º 9º, al. e) e 66º da CRP). Em matéria de ambiente são prementes as necessidades de prevenção, sendo o setor do ambiente aquele onde mais acentuada e compreensivelmente se faz sentir a tutela sancionatória do Estado, pelo que é natural que seja severa a punição dos ilícitos ambientais em matéria de contraordenações.
Apesar disso, “impõe-se a observância do princípio da proporcionalidade, sendo este, no ensinamento do Prof. Gomes Canotilho, um princípio normativo-constitucional, que se aplica a todas as espécies de actos dos poderes públicos e que vincula o legislador, a administração e a jurisdição, no sentido de evitar cargas coactivas excessivas ou actos de ingerência desmedidos na esfera jurídica dos particulares” (Acórdão do TRC de 27.05.2015, Proc. nº 504/14.8TALRA.C1).
Preceitua o art.º 18º da CRP que:
“1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
Como bem refere o Acórdão do TC nº 187/01, Proc. nº 120/1995 “o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito. Impõem-se, na realidade, limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado-legislador e o Estado-administrador adequar a sua projectada acção aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessária ou excessivamente restritivas. O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode, além disso, desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou "justa medida". Como se escreveu no citado Acórdão n.º 634/93, invocando a doutrina: "o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)."»
In casu, o preceito legal em crise consta do Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril, que transpõe para o ordenamento jurídico regional a Diretiva n.º 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (Diretiva Habitats), e a Diretiva n.º 2009/147/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens (Diretiva Aves).
A proteção da biodiversidade1 é alcançada através de dispositivos que resultam das diretivas europeias relevantes e da aplicação das diversas convenções internacionais em matéria da biodiversidade de que Portugal é signatário.
Considerando que os habitats naturais têm vindo a degradar-se continuamente e que um número crescente de espécies selvagens se encontra gravemente ameaçado pretendeu-se, assim, favorecer a manutenção da biodiversidade, nomeadamente através da criação de Zonas Especiais de Conservação (ZEC) e de Zonas de Proteção Especial (ZPE), tendo a Montanha da ilha do Pico (grandioso cone vulcânico, no cimo do qual se regista maior a altitude de Portugal) passado a constituir uma reserva integral, determinada pelo Decreto nº 79/72, de 8 de março.
A paisagem “é uma componente essencial do ambiente humano dos Açores e uma expressão da diversidade do seu património cultural e natural e base da sua identidade” (art.º4º, nº 2 do Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril) e o arquipélago dos Açores e a região oceânica que o rodeia são um importante repositório de biodiversidade, com relevância a nível planetário.
Consequentemente, necessita de uma adequada proteção que compense as naturais vulnerabilidades resultantes da pequena extensão dos ecossistemas insulares, do isolamento entre ilhas e em relação às regiões continentais, da fragmentação e perda de habitats e da fragilidade das espécies autóctones face a organismos invasores.
Neste enquadramento, assume especial importância a Reserva Natural Integral (arts. 33º, nº 1, al. a), 34º e 41º do Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril) da Montanha do Pico na medida em que suscita grande interesse geológico e apresenta condições ecológicas particulares que justificam especiais medidas destinadas a garantir a sua conservação, a salvaguarda das formações botânicas naturais (da vegetação autóctone dos Açores) e de manutenção do equilíbrio paisagístico num ecossistema2 cuja vulnerabilidade e fragilidade é agravada pela insularidade.
Por conseguinte, a gravidade da contraordenação tout court depende do bem, ou interesse, que tutela e do benefício retirado e do resultado ou prejuízo causado pelo agente.
No caso vertente, a recorrente, numa área de proteção integral3, acampou fora de local destinado para o efeito (o que tem impacto negativo sobre a paisagem, os habitats e as espécies) e fez uma fogueira, o que, para além da inerente destruição das espécies (destruiu partes de exemplares de plantas autóctones, da espécie Erica Azorica (Urze) para utilizar como combustível para lume), constitui um fator de agravamento do risco de incêndio na medida em que as fogueiras poderão facilmente desencadear e provocar incêndios de consideráveis dimensões e com consequências que poderão ser irreversíveis para a biodiversidade e para as pessoas, sobretudo, por se tratar de um local de difícil acesso.
Desta forma, a recorrente praticou atos contrários à necessária compatibilidade entre as atividades de turismo e lazer e os valores naturais protegidos e desrespeitou os valores ambientais e paisagísticos (apesar de lhe ter sido entregue um equipamento de rastreio de GPS e do conhecimento dos procedimentos a ter em conta dentro de tal espaço protegido) pelo que estamos perante contraordenações qualificadas como graves (art.º 149º, nº 4 do Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril) e punidas na forma negligente.
Conforme se escreve no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 13/2015, de 15 de outubro (publicado no Diário da República nº 202/2015, Série I de 2015.10.15) “o advento do Direito de mera ordenação social resulta de um desiderato legislativo de descriminalização de condutas censuráveis que não colidam necessariamente com o quadro valorativo fundamental da sociedade contemporânea, estabelecendo-se um ordenamento sancionatório alternativo e diferente do direito criminal. O direito de mera ordenação social é uma consequência da confluência de duas ordens de factores: a superação definitiva do modelo do Estado liberal, por um lado, e o conhecido movimento de descriminalização, por outro. Com a introdução do novo regime do ilícito de mera ordenação social assistiu-se à transformação dos então considerados ilícitos penais - as contravenções e as transgressões - em ilícitos não penais, para os quais passaram a ser cominadas sanções exclusivamente pecuniárias, mas de carácter não criminal”.
Nessa medida, um dos fundamentos para o estabelecimento de ilícitos contraordenacionais em matéria ambiental é a proteção do bem jurídico ambiente e a prevenção de perigos e eventuais danos que possam vir a incidir sobre bens ambientais.
A respeito do supra referido princípio da proporcionalidade e da sua relevância no domínio do ilícito de mera ordenação social, o Tribunal Constitucional considerou, no Acórdão nº 574/95, Proc. nº 357/94, que “quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há-de gozar de uma razoável liberdade de conformação (cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de Fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de Junho de 1995)), até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - "uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social", aqui, não faz exigências tão fortes. De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social”.
No caso em apreço, o preenchimento dos ilícitos contraordenacionais teve consequências ambientais e estão em causa interesses sociais relevantíssimos a nível ambiental, um espaço grandioso e único a nível nacional, que impõem uma disciplina capaz de assegurar a sua defesa vigorosa.
Face ao exposto, ponderando os interesses e valores que a norma protege, temos de concluir que as sanções previstas para cada uma das contra-ordenações (para as pessoas singulares €2.000,00 a €20.000,00, em caso de negligência, e de €4.000,00 a €40.000,00, em caso de dolo) são perfeitamente adequadas e proporcionais à natureza dos bens tutelados, à gravidade da infração que se destina a sancionar e à importância dos objetivos visados pelo normativo em causa, ou seja, a proteção e preservação das áreas protegidas dos Açores.
O facto de as coimas se situarem num patamar relativamente elevado visa cumprir a finalidade de dissuadir adequadamente a prática de condutas que ofendem o ambiente e, nessa medida, não são manifestamente excessivas ou desproporcionadas, razão pela qual a aplicação, in casu, da aludida norma do art.º149º, nº 4, al. h) do Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril, não enferma da arguida inconstitucionalidade pois não contende, por qualquer forma, com o princípio da proporcionalidade ou qualquer outro princípio constitucionalmente previsto e protegido, sendo, consequentemente, de improceder inconstitucionalidade invocada.
Assim sendo, terá o recurso que improceder.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
DN.
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Lisboa, 5 de março de 2024
Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro
Ester Pacheco dos Santos
Carla Francisco
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1. A biodiversidade ou diversidade biológica “é a variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo, inter alia, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte; compreende a diversidade dentro de cada espécie, entre as espécies e dos ecossistemas” (cfr. art.º 3º, al. l) do Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril.
2. “um complexo dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microrganismos e o seu ambiente não vivo, interagindo como uma unidade funcional” (cfr. art.º 3º, al. dd) do Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A, de 2 de abril.
3. Destinada a garantir a manutenção dos processos naturais em estado imperturbável, a preservação de exemplos de excecional relevância ecológica num estado dinâmico e evolutivo.