Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2895/11.3TXLSB-E.L1-5
Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA
Descritores: REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/14/2019
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: COMPETÊNCIA ATRIBUÍDA AO TEP
Sumário: – Com a actual redacção dada pela Lei 94/2017 de 23.8 ao Código Penal, entrada em vigor em 23.11.2017, ou seja já em vigor aquando da decisão condenatória, afigura-se que o regime de permanência na habitação se veio a consagrar também como forma de execução da pena, e não apenas como pena de substituição, cuja única natureza resultava da anterior redacção dada ao art.º 44º C.Penal.

– As alterações introduzidas no Regime de Permanência na Habitação (RPH) pela Lei 94/2017 de 23.08, implicam dever considerar-se ter o RPH atualmente natureza mista, do ponto de vista dogmático: de pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional ; de mera modalidade ou forma de execução da pena de prisão, uma vez que pode ser aplicada na fase de cumprimento de pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão, nos termos do art. 43º nº 1 c), C. Penal.

– Estando o arguido, como acontece nestes autos, em cumprimento de pena de prisão em que, passados cerca de 6 meses sobre o início do cumprimento da mesma, requer que a pena seja cumprida em regime de RPH, está-se perante a apreciação deste regime na sua vertente de regime de execução da pena e não de pena de substituição, sendo competente o TEP para apreciação desse requerimento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Conflito de Competência


1.–

No processo n.º 1200/14.1 PSLSB do juiz 22 do Juízo Central de Lisboa, foi proferido despacho, em 23.01.2019, declarando-se incompetente para apreciar o requerimento do arguido R. de “alteração do cumprimento da pena, para regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância”(fls. 986 a 990).

Remetidos os autos ao TEP, este declarou-se igualmente incompetente para o mesmo efeito, por despacho de 18.02.2019.

Foi suscitado pelo TEP o conflito negativo de competência.   

Uma vez que ambos os tribunais se atribuem mutuamente competência, negando a própria, estamos perante um conflito negativo de competência, tal como definido no art.º 115.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil.

Neste Tribunal foi cumprido o art. 36º, nº 1 CPP.

A Exm.ª PGA pronunciou-se no sentido de se dirimir o conflito atribuindo a competência ao tribunal da condenação, por se estar perante um pedido de alteração substancial da pena, nos termos do art.º 43 e 44º C. Penal.
                                                          
2.–

Resulta dos autos que o arguido foi condenado no processo n.º 1200/14.1 PSLSB, do juiz 22 do Juízo Central de Lisboa, na pena de 2 anos de prisão, por decisão de 26.01.2018, transitada em julgado em 7.6.2018 e iniciou o cumprimento da pena, em 23-7-2018, tendo vindo em 14.01.2019 requerer a alteração para o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância .

Nos termos do art.º 43º C.Penal, como se refere na decisão proferida em 23.01.2019, ( fls 6 e ss), com a actual redacção dada pela Lei 94/2017 de 23.8, entrada em vigor em 23.11.2017, ou seja já em vigor aquando da decisão condenatória, afigura-se que o regime de permanência na habitação veio a consagrar-se também como forma de execução da pena, e não apenas como pena de substituição, cuja única natureza resultava da anterior redacção dada ao art.º 44º C.Penal.    

A natureza mista deste instituto é assinalado no Ac. Rel. Évora de 22.11.2018 proferido no processo 1029/18.2 PCSTB.E2, em cujo sumário se pode ler:

“I– As alterações introduzidas no Regime de Permanência na Habitação (RPH) pela Lei 94/2017 de 23.08, implicam dever considerar-se ter o RPH atualmente natureza mista, do ponto de vista dogmático. De pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional. De mera modalidade ou forma de execução da pena de prisão, uma vez que pode ser aplicada na fase de cumprimento de pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão, nos termos do art. 43º nº 1 c), C. Penal.
II– Diferentemente do que sucede relativamente à substituição da pena principal por pena de substituição em sentido próprio, em que o juízo de adequação e suficiência é reportado às finalidades das penas tal como estabelecidas no art. 40º do C. Penal, o critério legal de aplicação do RPH em alternativa à execução em meio prisional, é reportado – corretamente, em nosso ver – às finalidades específicas da execução da pena de prisão tal como estabelecidas no art. 42.º C. Penal, que define claramente como orientação específica da execução da pena de prisão, a reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
III– Tendo o tribunal de condenação optado pelo cumprimento efetivo da pena de prisão, o que se impõe agora decidir é se a opção pelo RPH, que, legitimamente, merece os favores do legislador, satisfaz de forma adequada e suficiente a orientação para a reintegração social do recluso acolhida no art. 42.º CP como finalidade primeira da execução da prisão, sendo que só muito residualmente deixará de aplicar-se o RPH por exigências de prevenção geral.”

Porém, há que notar que, diversamente do que sucede no acórdão citado, no presente caso não se está perante uma situação a apreciar em sede de sucessão de leis no tempo, nos termos do art.º 371º-A CPP, já que o acórdão condenatório é anterior à entrada em vigor da Lei 94/2017 e esta decisão, caso o entendesse justificado, teria tido já a oportunidade e obrigatoriedade legal de averiguar da aplicabilidade e eventual substituição da pena de prisão por alguma das penas de substituição legalmente previstas.
Assim, a lei prevê um regime híbrido, relativamente ao RPH, de previsão de uma pena de substituição e também de forma de execução da pena de prisão.

O RPH, a aplicar em fase da condenação, se o julgador optar por esta como pena de substituição se as razões e finalidades de execução da pena se mostrarem, através dela, realizadas.

O mesmo poderá suceder se o arguido em sede de cumprimento da pena pretender ver substituída a pena de prisão pela de RPH, uma vez que se mostrem verificados os mesmos pressupostos de realização de execução das penas.

Quer o arguido, que ainda não tenha sido condenado, caso em que esperará ou requererá a substituição da prisão por RPH, a decidir pelo tribunal da condenação, nos termos do art.º 43º CP, quer após condenação em que não tenha ainda iniciado o cumprimento da pena, nos termos do art.º 371º-A CPP, quer no caso de, tendo sido o RPH, o regime escolhido em sede de condenação, se verifique alguma das circunstâncias previstas no art.º 44º CP, deverá o tribunal da condenação apreciar e decidir da substituição de uma pena de prisão não superior a 2 anos por este regime, assim como da eventual verificação dos pressupostos de revogação do mesmo, nos termos do art.º 44º C.Penal.

Em todas estas situações há que fazer apelo à natureza deste regime, enquanto pena de substituição.

Porém, estando o arguido, como acontece nestes autos, em cumprimento de pena de prisão em que, passados cerca de 6 meses sobre o início do cumprimento da mesma, requer que a pena seja cumprida em regime de RPH, está-se perante a apreciação deste regime na sua vertente de regime de execução da pena e não de pena de substituição.

Como tal, compete ao TEP a apreciação do requerimento em causa, resultando do disposto no art.º 138º,n.º 2 CEPMPL que :

“ 2– Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.”

Trata-se, efectivamente, de um pedido de modificação e substituição do regime de cumprimento da pena de prisão em meio prisional pelo regime de cumprimento no modo de permanência na habitação.

Digamos, em conclusão, que a averiguação da pretensão do requerente e do momento processual em causa determinará a natureza do que está em causa, se se trata de decidir da possibilidade de aplicar uma pena de substituição ou das consequências de incumprimento da mesma, ou se se trata de decidir acerca do regime de cumprimento de pena, já em fase de cumprimento de execução da pena.

No primeiro caso, compete ao tribunal da condenação a respectiva decisão, no segundo caso compete ao TEP.   
      
3.–
Decide-se por isso, dirimir o conflito negativo atribuindo a competência para a decisão relativa ao requerimento de cumprimento da pena de prisão já iniciada, em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, ao TEP.
Sem tributação.
Cumpra o art. 36.º, n.º 3 CPP.


Lisboa, 14-05-2019




Filomena Lima