Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ONDINA CARMO ALVES | ||
Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO PLANO DE RECUPERAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/26/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | 1.–O conteúdo do iter negocial constante do artigo 17º-F do CIRE, exige que o Plano de Recuperação seja elaborado tendo em consideração o que consta do artigo 195º do CIRE, permitindo aos credores aferirem da pertinência e vantagens das propostas apresentadas pelo devedor, por forma à obtenção da sua aprovação e, ao juiz, em momento ulterior, efectuar sobre o mesmo o seu pronunciamento positivo ou negativo. 2.–O princípio da igualdade de credores, previsto no artigo 194º, nº 1 e 2, do CIRE, aplicável ao processo de revitalização, permite que um plano de recuperação possa estabelecer diferenciações entre os credores, desde que justificadas por razões objectivas, apenas estando vedada a possibilidade de, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em idênticas circunstâncias. 3.–A violação do princípio da igualdade dos credores, no plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, constitui uma violação grave, não negligenciável, das regras aplicáveis ao seu conteúdo, impondo a lei, ao Juiz, no caso de inexistir o consentimento do lesado, o dever de recusar a sua homologação (artigos 192º, 194º e 215º do CIRE). (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.
I.–RELATÓRIO:
SOCIEDADE TURÍSTICA, LDA., com sede na Rua ….., veio, em 16.12.2016, ao abrigo do disposto nos artigos 17.º-A a 17ª-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, intentar processo especial de revitalização. Alegou para tanto, reunir os pressupostos legalmente previstos para dar início a este processo. A requerente requereu a nomeação de administrador judicial provisório, que indicou, e instruiu o processo com os documentos mencionados no nº 1 do artigo 24º do CIRE, em conformidade com o disposto no artigo 17.º-C, n.º 3, b) do CIRE. Na sequência da apresentação deste requerimento, teve lugar o seguinte iter processual: 1)–Em 21.12.2016, foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 3, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. 7)–Em 20.01.2017, ALEXANDRA …., MANUELA …., ROSA ….., LÚCIA ….., FÁTIMA ….., ISABEL … MADALENA …, LUÍS ….., ROSALINA …. , SARA ….. CARLOS ….., JOSÉ …., JESUS …., MARTA …, MARÌLIA …., na qualidade de ex. trabalhadoras da requerente, vieram impugnar a lista provisória de créditos, por dela não constarem os seus créditos sobre a requerente, que enumeraram, impugnando ainda os créditos a favor de Maria ......e Sofia ....., da sociedade Construções , Lda. e da Secretaria Regional da Energia, Ambiente e Turismo. 8)– Em 26.01.2017, foi ordenada a notificação do ALP para se pronunciar, o que este fez, por requerimentos de 06.02.2017 e de 17.02.1017 9)– Em 23.02.2017, foi proferido Despacho, incidente sobre as impugnações apresentadas: a)––No tocante à impugnação apresentada por PEDRO .....e ALEXANDRA …., MANUELA …., ROSA ….., LÚCIA ….., FÁTIMA ….., ISABEL … MADALENA …, LUÍS ….., ROSALINA …. , SARA ….. CARLOS ….., JOSÉ …., JESUS …., MARTA …, MARÌLIA, entendeu o Tribunal a quo julgar improcedente a impugnação dos créditos de Sofia ....., Fátima …, Construções, Lda., e Secretaria Regional da Energia, Ambiente e Turismo, invocando que: “Na realidade, se, por um lado, a devedora confessa a existência dos créditos (ao elencá-los na lista que juntou com o requerimento inicial), por outro lado, dos documentos juntos com as reclamações e com a resposta do sr. Administrador judicial provisório decorre que os reclamantes são titulares dos créditos que o sr. administrador judicial provisório reconheceu. De salientar que o sr. administrador judicial provisório, no que respeita aos créditos reclamados por Sofia ..... e Maria ......reconheceu os créditos atribuindo-lhes, correctamente, a natureza subordinada (ao invés da natureza garantida indicada na lista de créditos apresentada pelo devedora), atenta a qualidade de sócia-gerente da devedora e de sócia da devedora, respectivamente, das reclamantes. b)– No tocante à impugnação apresentada por PEDRO .....no que respeita ao seu próprio crédito, o Tribunal a quo considerou: (…) constando da relação de credores junta com o articulado que deu início a este processo especial de revitalização o crédito de Pedro Manuel Pinto Ranito, não pode este deixar de ser reconhecido, atendendo a que a devedora confessou a existência da dívida (arts. 352.º e 458.º do Código Civil). Aliás, conjugando o teor do balancete da devedora, do qual constam créditos a trabalhadores e indemnizações, embora de forma genérica, com a relação de credores junta pela devedora, não se vislumbra qualquer fundamento para não reconhecer o crédito pelo valor inscrito nessa relação. Entendemos, porém, que, quanto ao valor excedente, assiste razão ao sr. Administrador judicial provisório. Na realidade, Pedro …., devendo tê-lo feito, não apresentou reclamação de créditos nos termos do art. 17.º-D, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pretendendo, agora, em sede de impugnação da lista provisória que lhe seja reconhecido um crédito de montante diverso do incluído não na lista provisória (por falta de reclamação), mas na relação de credores apresentada pela devedora. A impugnação apresentada, na parte em que o montante do crédito excede o inscrito na relação de credores junta pela devedora, não pode senão deixar de ser entendida como uma reclamação de créditos intempestivamente deduzida e, como tal, não pode ser apreciada por se ter extinto, pelo decurso do prazo, o direito de reclamar os referidos créditos. c)– No tocante à impugnação apresentada por ALEXANDRA …., MANUELA …., ROSA ….., LÚCIA ….., FÁTIMA ….., ISABEL … MADALENA …, LUÍS ….., ROSALINA …. , SARA ….. CARLOS ….., JOSÉ …., JESUS …., MARTA …, MARÌLIA, no que respeita aos seus próprios créditos, exarou o Tribunal a quo, no seu despacho, o seguinte: (…) conjugando o balancete da devedora, do qual constam créditos a trabalhadores e indemnizações, com a relação de credores junta pela devedora, não se vislumbra qualquer fundamento para não reconhecer os créditos pelos valores inscritos nessa relação, pelo que a impugnação apresentada terá que ser julgada procedente. 10)–Em 27.03.2017, o credor PEDRO ….. não se conformando, interpôs recurso que, por despacho de 08.05.2017, não foi admitido, por se entender que tal decisão só poderia ser sindicada no recurso da decisão final. – Votaram credores representando 90,41% dos créditos constantes da lista definitiva de credores. – Votaram favoravelmente o plano de recuperação credores representando 99,98% dos votos emitidos (€ 2.405.702,72), sendo mais de metade dos votos emitidos correspondente a créditos não subordinados (52,04%), não se considerando as abstenções. – Votou contra credor representando 0,02% dos votos emitidos. O credor PEDRO .....no pedido de não homologação que formulou pôs em causa, entre outros fundamentos, o cumprimento das normas aplicáveis ao conteúdo do plano. Entende o tribunal que o pedido de não homologação do plano de recuperação deduzido por PEDRO .....é intempestivo, porquanto foi apresentado em momento posterior à aprovação do plano de recuperação. Face ao disposto no art. 17.º-F, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o pedido de recusa de homologação do plano deve ser efectuado antes do exercício do direito de voto – negativo – (logo que seja conhecido, naturalmente, o conteúdo do plano) ou em simultâneo (neste sentido, com o qual se concorda (…) Ora, o credor PEDRO .....não se manifestou nem em momento anterior ao exercício do direito de voto, nem em simultâneo com este (aliás, não votou), no sentido de se opor à homologação do plano, apenas tomando tal posição após conhecimento do resultado da votação e aprovação do plano, pelo que é claramente intempestivo o seu pedido de recusa de homologação. No entanto, por se tratar de questão de conhecimento oficioso, nos termos do art. 215.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o tribunal não deixará de apreciar da conformidade do plano com as regras procedimentais e as normas aplicáveis ao seu conteúdo. 19)– Na mesma data - 30.06.2017 - foi proferida Decisão, na qual se apreciou a conformidade do plano com as regras procedimentais e as normas aplicáveis ao seu conteúdo, entendendo o Tribunal a quo, na aludida decisão que, no caso em apreço, não se verificava violação não negligenciável de normas procedimentais, porquanto não foram desrespeitadas regras imperativas, nem se verificou a lesão efectiva e inadmissível de direitos dos credores. Consta, assim, do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Face ao exposto, nos presentes autos de processo especial de revitalização, nos termos do art. 17.º-F, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, recuso a homologação do plano de revitalização da devedora SOCIEDADE TURÍSTICA, LDA., pessoa colectiva n.º 512021597, com sede na Rua Joaquim Serra, lote 189, r/c direito, 2870-345 Montijo, constante do requerimento de 24/04/2017 (fls. 480 a 491 do processo em papel). Custas pela devedora com taxa de justiça reduzida a ¼ - arts. 17º-F, n.º 7, e 302.º, n.º 1, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas –sendo o valor da acção para efeitos de custas equivalente ao da alçada da Relação, nos termos do art. 301.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Registe, notifique e publicite nos termos dos arts. 37.º e 38.º, ex vi n.º 6, do art. 17.º-F, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. vii.–Só se assim não suceder, legítimo é então concluir, estar-se na presença de uma diferença de tratamento que, porque não explicada, é em última análise arbitrária discricionária ou discriminatória, que é o mesmo que dizer não objetivamente justificada, impondo-se portanto ao juiz o dever de recusar oficiosamente a homologação do plano de recuperação. viii.–No caso dos autos e como se vislumbra do Plano aprovado, a recuperação assume-se de longe como a melhor solução, mais satisfatória no interesse dos credores, o que é visível da votação a rondar os 100%.
xii.–O princípio da igualdade também se concretiza no tratamento de forma diferente, de realidades diversas, traduzindo-se na ideia geral de proibição do arbítrio. xiii.–Entre as “razões objetivas” que justificam a diferenciação dos credores, nos termos do n.º 1 do artigo 194.º do CIRE, destaca-se a diferenciação entre créditos garantidos e privilegiados, créditos comuns e créditos subordinados, prevista no artigo 47.º do mesmo diploma legal. xiv.–Decorrendo da lei, que em primeiro lugar é dado pagamento aos créditos com garantias ou privilégios creditórios e o remanescente, se o houver, será distribuído pelos créditos comuns (artigos 174.º, 175.º e 176.º do CIRE),
xvi.–Não se destila dos autos, que tenha havido violação de qualquer norma imperativa, já que o legislador não nos impõe um prazo para tal pagamento de créditos laborais. xvii.–Ao contrário do que sustenta o Tribunal “a quo”, não existem violações dos direitos laborais dos trabalhadores, nem contenda com as garantias legais de que estes beneficiam. xviii.–Todos os créditos são tratados da mesma maneira, não existindo um diferente tratamento, pois todos estão a ser pagos eme regime prestacional de forma igual, contínua e sucessiva. xix.– O facto de uns serem pagos na totalidade em períodos mais alargados, prende-se com critérios meramente quantitativos, com o maior ou menor crédito, sendo certo que todos recebem mensalmente e proporcionalmente ao seu crédito, apenas terminando mais cedo o pagamento a alguns credores, porque o seu crédito é menor.
xxi.–Ao não homologar o acordo, o Tribunal recorrido, está a consentir a violação do princípio da igualdade, discriminando positivamente este credor, em manifesto menosprezo pela praticamente unanimidade de todos os restantes trabalhadores, xxii.–O Tribunal “a quo”, teria de ter aferido a extensão dos pagamentos à luz da norma legal, sendo de questionar qual a razão de ciência que aponta para considerar excessivo o prazo. xxiii.–É que, para além de nada prescrever a lei, não cabendo ao intérprete distinguir, também olvida a decisão da 1ª Instância, que a dilação no tempo resulta da necessidade de assegurar em simultâneo a recuperação da empresa, binómio que não seria possível com pagamento aos trabalhadores em prazo inferior, como resulta das demonstrações financeiras que alicerçam o próprio PER aprovado xxiv.–É que o faseamento dos pagamentos no tempo, foi aceite unanimemente por todos, em reconhecimento claro, de que a viabilização do plano seria a melhor forma de obter o ressarcimento dos seus créditos. xxv.–A sentença em causa, faz tábua rasa dum acordo pautado pela consensualidade, e da própria posição do Administrador Judicial Provisório, que sustentam a forma justa e igualitária como foram tratados todos os trabalhadores, bem como os seus créditos, cuja volumetria diversa, conduz a que terminem em tempos também diferentes os respetivos pagamentos, em claro respeito pelo princípio da igualdade. xxvi.–Não ocorreu pois, uma violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano que impedia a homologação do plano de revitalização aprovado, com 99,98 % dos votos, já que o plano de pagamentos não estabelece quaisquer discriminações qualitativas entre credores. xxvii.–Todos os trabalhadores foram tratados da mesma maneira, e se os pagamentos de uns créditos de uns trabalhadores terminam mais cedo do que outros, essa situação apenas se ficou a dever à diferente quantidade do crédito laboral detido pelos mesmo. xxviii.–No próprio Plano fica demostrado o circunstancialismo objetivo que permitiu uma diferenciação assente em premissas meramente quantitativas e de viabilização do próprio Plano aprovado. xxix.–A sentença sob a égide do recurso, deveria ter interpretado as normas dos artigos 194º, 215º e 17º F, nº 5 do CIRE, no sentido de que não existiu a violação do princípio da igualdade e que a empresa só será viável, respeitando a vontade dos credores que votaram o Plano em quase 100%, xxx.–As normas legais em compaginação não densificam o conceito de dilação dos créditos de natureza laboral. Propugna, por isso, a apelante, que o recurso seja julgado procedente por provado, e revogada a sentença do Tribunal a quo, com todas as consequências legais daí advindas. O credor/recorrido, PEDRO …., apresentou contra-alegações, em 14.08.2017, propugnando pela improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida, com todas as legais consequências e formulou as seguintes CONCLUSOES: i.– A Recorrente veio interpor recurso de apelação da sentença que não homologou o plano de recuperação apresentado. ii.–Antes de mais urge referir que, conforme consta da sentença recorrida, o ora Recorrido não foi notificado do Plano de recuperação, nem tão pouco que este se encontrava a votação, razão pela qual não votou. iii.–Sendo certo que, oportunamente, manifestou a sua intenção de participar nas negociações, tendo, inclusivamente, ocorrido uma reunião na cidade da Horta entre o ora Respondente e o Sr. Administrador Provisório. iv.–Este facto, não poderia ter sido ignorado pelo Sr. Administrador da Insolvência. v.–Os votos expressos que aprovaram o Plano foram aqueles a quem o Sr. Administrador entendeu notificar do Plano e da sua votação e são pouco mais do que os das sócias – cujos créditos dizem respeito a suprimentos supostamente realizados mas sobre os quais não foi apresentado qualquer documento de suporte e que foram objecto de impugnação. vi.–Bem como pelo credor Construções Lda. cujo crédito – supostamente relativo a obras realizadas no Hotel H. - foi reconhecido apenas e tão só com base num contrato de empreitada, não tendo sido emitida uma única factura! vii.–Pelo que não colhe e é absolutamente irrelevante a alegação relativa à percentagem de votos que aprovaram o plano. viii.–Assim como não colhe o argumento de que o plano permitiria manter os postos de trabalho da recorrida pois, como é sabido, esta procedeu a um despedimento colectivo no Hotel H., já julgado ilícito e transitado em julgado, tendo mantido apenas uma única funcionária. ix.–O referido Despedimento foi julgado ilícito em primeira instância e confirmado em todas as instâncias de recurso, única e exclusivamente, pela actuação ilegal da gerência da requerente. x.–No que se refere aos fundamentos para a não homologação do Plano e que determinaram o recurso a que se responde, é certo que a lei permite que sejam propostas diferenciações entre credores, mas não como as que foram plasmadas no Plano apresentado, pelo que bem andou o tribunal a quo ao não proceder à sua homologação. xi.–O Plano refere que “não haverá distribuição de dividendos durante o período do plano”, sendo que atendendo a que a requerente não tem praticamente actividade neste momento, esta medida não tem qualquer impacto na recuperação da empresa, pois não haverá dividendos a distribuir. xii.–Na verdade, o Hotel H. encontra-se “arrendado” a terceiros, ao que se sabe por um valor irrisório, sendo que até há bem pouco tempo o Hotel M. encontrava-se encerrado por tempo indefinido. xiii.–Não consta do plano qualquer medida para dinamizar ou rentabilizar a actividade da requerente, nem tão pouco existe um plano de negócios. xiv.–O “plano” consiste única e exclusivamente no faseamento dos pagamentos aos credores, em especial aos trabalhadores, sem qualquer justificação. xv.–Com efeito, a requerente tem património imobiliário no valor de vários milhões de euros. xvi.–Património este que seria mais do que suficiente para pagar a todos os credores. xvii.–Saliente-se que a requerente, ao contrário do que sucede na maior parte dos casos, não tem dívidas à banca, Finanças ou Segurança Social (que apenas reclamou o montante que pagou ao ora respondente relativamente ao seu subsídio de desemprego). xviii. –Os presentes autos têm por único objectivo protelar ao máximo o pagamento aos credores e manter o património da sociedade intacto, em especial no que se refere aos créditos dos trabalhadores. xix.–Paradigmático disso é o facto de ter sido “proposto” um período de um ano de carência para pagamento aos trabalhadores e bem assim prazos de pagamento absolutamente inaceitáveis. xx. –O ora respondente tem 66 anos de idade. xxi.–A cumprir-se o plano, terá 76 anos de idade quando finalmente forem pagos os seus créditos laborais - o que é absolutamente inaceitável. xxii.–Por outro lado, e atendendo a que é um credor privilegiado e com privilégios creditórios imobiliários, não se entende como pode ter condições de pagamento menos favoráveis que os outros credores. xxiii.–Nomeadamente a Segurança Social – cujo crédito emerge precisamente do subsídio de desemprego pago ao ora respondente. xxiv.–Na verdade, o plano de pagamento ao ora requerente e aos restantes trabalhadores – que, repete-se, são credores privilegiados - em nada difere do plano de pagamento aos credores comuns - o que é de todo inaceitável. xxv.–De salientar que o ora recorrido há muito intentou a competente acção executiva para pagamento dos seus créditos salariais, tendo sido penhorado o imóvel onde funcionava o Hotel H.. xxvi.–Acresce que o plano não refere nem contempla os juros – que constam da impugnação e das sentenças proferidas no processo de impugnação do despedimento, sendo que relativamente a outros credores ora prevê o pagamento de juros vencidos e vincendos ora menciona que haverá perdão de juros. xxvii.–Referindo apenas o plano o pagamento do capital, não sendo esta omissão inocente. xxviii.–É, assim, por demais evidente que o “plano” apresentado não visa a recuperação da empresa mas apenas uma forma de protelar os pagamentos aos únicos credores que, de facto, poderiam requerer a insolvência da requerente. xxix.–Na realidade, a situação do ora respondente, bem como dos restantes credores, seria mais favorável e ficaria mais salvaguardada se não fosse aprovado o plano de recuperação. xxx.–Efectivamente, repete-se, caso a requerente vendesse o seu património imobiliário teria meios de pagar a todos os credores. xxxi.–Sendo ainda certo que, no âmbito de um processo de insolvência, a situação do ora respondente seria seguramente mais favorável que um pagamento faseado em prestações semestrais em 10 anos e com um ano de carência! xxxii.–Pelo que entende o ora respondente que o plano não poderia ser homologado, como não foi, e bem. xxxiii.–Na decisão recorrida, considerou o tribunal a quo excessiva e injustificada a previsão de um período de carência de um ano para o pagamento dos créditos laborais, que englobam créditos salariais e indemnizatórios, e que apenas foi estabelecido, nos mesmos moldes para os créditos comuns. xxxiv.–Quanto ao crédito do Instituto da Segurança Social não é estabelecido um período de carência, não se justificando a sua previsão para outros credores privilegiados como os trabalhadores nem para o credor garantido. xxxv.–Por outro lado, prevê o vencimento da primeira prestação ao credor Secretaria Regional de Energia, Ambiente e Turismo – Direcção Regional do Turismo dos Açores em Janeiro de 2018, ou seja, em data fixa, sendo que para os restantes a data de vencimento depende da data da homologação do plano. xxxvi.–O que significa que o “período de carência” deste credor corresponde a metade do período de tempo previsto para os trabalhadores. xxxvii.–Por outro lado, não se justifica “a diferenciação entre os trabalhadores em função do montante do respectivo crédito. xxxviii.–Acresce que em face do art. 336.º do Código do Trabalho, o pagamento de créditos laborais, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, através do Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, pelo que não é minimamente justificada a diferença de tratamento entre os diversos credores trabalhadores. xxxix.–A mera diferença de valor do crédito não legitima o diverso tratamento dado a cada um dos trabalhadores, sendo que igual critério não foi utilizado no que respeita aos credores comuns. xl.–Dos dezasseis trabalhadores incluídos na lista de credores, decorrido o período de carência, três deles seriam pagos em 3 anos, outros três seriam pagos em 5 anos, nove seriam pagos em 7 anos e um único seria pago em 10 anos, ou seja, dos dezasseis trabalhadores, dez deles só viriam a receber na íntegra os seus créditos em 7 e 10 anos, dilação de pagamento manifestamente excessiva. xli.–E é excessiva não só pelo retardamento do pagamento do crédito que implica para os trabalhadores afectados, que nele não consentiram, como no confronto quer com as condições de pagamento estabelecidas para o credor garantido, cujo crédito no valor de € 672.339,65 (mais do triplo do valor dos créditos laborais), se prevê seja pago até Janeiro de 2021 (em menos de 5 anos), quer as condições de pagamento estabelecidas para os credores comuns, cujos créditos no valor de € 615.117,88, se prevê sejam pagos em 9 (o credor Construções, Lda. – pois que o período de carência se integra no prazo de 10 anos fixado) e 10 anos (os demais credores comuns), com início na mesma data que os trabalhadores. xlii.–Correspondendo os créditos dos trabalhadores a cerca de 1/3 quer do crédito garantido, quer dos créditos comuns, o plano de recuperação proposto pela devedora podia e deveria ter acautelado a situação daqueles de modo a permitir o pagamento dos seus créditos num prazo menos dilatado e, em simultâneo, a recuperação da devedora. ” xliii.–Ora, na ponderação do interesse público de recuperação das empresas e manutenção de postos de trabalho com o interesse público do cumprimento do princípio da igualdade dos credores, no caso em apreço, deverá prevalecer o segundo. xliv.–O plano prestacional previsto para pagamento dos créditos laborais no confronto com o plano de pagamentos do crédito garantido e dos créditos comuns não pode deixar de entender-se como violador do princípio da igualdade entre credores, na medida em que acarreta limitações aos direitos laborais dos trabalhadores, não consentidas, ao estabelecer um período de carência e uma dilação de pagamento excessivos (sem a contrapartida de qualquer garantia de pagamento), que contendem com as garantias legais de que estes beneficiam e que não podem ser derrogadas, violação essa que não é negligenciável.” xlv.–Com efeito, o Plano, para além de violar de forma não negligenciável, nomeadamente o Princípio da Igualdade, não satisfaz os interesses dos credores, mas apenas e tão só os das sócias da Recorrente. xlvi.–Pelo que bem andou o tribunal a quo ao não homologar o Plano de Recuperação em causa nos autos, devendo a decisão ser mantida, com todas as legais consequências. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a ponderação da questão atinente: À NÃO HOMOLOGAÇÃO DA DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CREDORES QUE APROVOU, EM PROCESSO DE REVITALIZAÇÃO, O PLANO DE RECUPERAÇÃO, E A VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DE REGRAS RESPEITANTES AO CONTEÚDO DO PLANO, PREVISTA NO ARTIGO 215º APLICÁVEL ex. vi. DO ARTIGO 17º-F, Nº 5 DO CIRE. O que implica a análise: a)- DO CONTEÚDO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO (aplicação do artigo 195º, nº 2 do CIRE) E A VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS MATERIAIS DA RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO; b)-DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS CREDORES. III.–FUNDAMENTAÇÃO. A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo a sentença recorrida considerado provado, o seguinte: 1.–Sociedade Turística Imobiliária, Lda., com a matrícula n.º 512021597, é uma sociedade por quotas, com o capital social de € 249.398,95, cujo objecto social consiste na exploração de actividades turísticas, compra, venda e revenda de propriedades. 2.–Mostra-se inscrito a favor de Sociedade Turística Imobiliária, Lda., o prédio urbano sito na Rua …., descrito na Conservatória do Registo Predial da Horta sob o n.º 747/19971105 e na matriz sob o artigo 1485, com o valor patrimonial de € 3.217.380. 3.–Sobre o referido imóvel encontram inscritas: hipoteca voluntária a favor de Região Autónoma dos Açores, registada em 12/12/1997, para garantia do pagamento do valor de € 1.595.687,31; penhora a favor de Pedro … registada em 05/01/2017, para garantia da quantia de € 141.923,62. 4.–No imóvel descrito em 2) encontra-se instalado o Hotel H., cuja exploração foi cedida a terceiro a título oneroso. 5.–Mostra-se inscrito a favor de Sociedade Turística Imobiliária, Lda., o prédio urbano sito na Rua Engenheiro …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca do Campo sob o n.º 507/19880706 e na matriz sob o artigo 383, com o valor patrimonial de € 2.287.010. 6.–Sobre o referido imóvel encontra-se inscrita hipoteca voluntária a favor de Região Autónoma dos Açores, registada em 04/12/1997, para garantia do pagamento do valor de € 1.431.147. 7.–No imóvel descrito em 5) encontra-se instalado o Hotel M., em actividade e em exploração pela devedora. 8.–Sociedade Turística Imobiliária, Lda., tem ao seu serviço oito trabalhadores. 9.–No ano de 2013, Sociedade Turística Imobiliária, Lda., apresentava um activo de € 2.489.946,24, um passivo de € 1.710.785,77, um capital próprio de € 779.160,47 e um resultado líquido do exercício negativo de € 414.077,84. 10.–No ano de 2014, Sociedade Turística Imobiliária, Lda., apresentava um activo de € 2.235.079,89, um passivo de € 1.646.579,18, um capital próprio de € 588.500,71 e um resultado líquido do exercício negativo de € 169.167,42. 11.–No ano de 2015, Sociedade Turística Imobiliária, Lda., apresentava um activo de € 2.285.970,92, um passivo de € 1.674.664,63, um capital próprio de € 611.306,29 e um resultado líquido do exercício de € 42.549,36. 12.–Na lista definitiva de créditos junta aos autos na sequência da decisão sobre as impugnações que recaíram sobre a lista provisória mostram-se relacionados créditos sobre a devedora no valor global de € 2.660.971,76, sendo € 219.429,93 de natureza privilegiada (correspondentes aos créditos de 16 trabalhadores por força de despedimento ilícito, a título de indemnizações por antiguidade e de remunerações não pagas), € 672.339,65 de natureza garantida, € 615.117,88 de natureza comum e € 1.154.083,70 de natureza subordinada. 13.–Foi junto aos autos o plano de recuperação apresentado pela devedora, acompanhado de balanços previsionais, demonstração de resultados previsionais e de demonstração previsional dos fluxos, cuja cópia consta de fls. 480 a 491 (processo em papel) e que se dá por reproduzido, descrevendo a situação económico-financeira da empresa, a sua situação actual, as perspectivas futuras e a viabilidade estratégica, e contendo as seguintes propostas de regularização do passivo: “Notas prévias: 1-Ao presente plano aplica-se a cláusula de «salvo regresso de maior fortuna»; 2-Não haverá distribuição de dividendos durante o período do plano; 3-Este plano aplica-se a todos os créditos mesmo aqueles que não tenham sido reconhecidos por ainda não se encontrarem vencidos. O capital mutuário à data do trânsito em julgado incluirá os valores da totalidade dos créditos vencidos e vincendos, é sobre este valor que incidirá as condições de pagamento previstas no plano. A)-Estado: A.1)-Segurança Social – Pagamento da totalidade da dívida (capital e juros), em sede de processo executivo, através de acordo prestacional, em 120 prestações mensais e sucessivas; – Juros vencidos e vincendos à taxa legal em vigor; – A formalização do acordo será efectuada junto da Secção de Processo Executivo competente e deverá ser concretizado no mês da votação do plano de revitalização, vencendo-se a 1.ª prestação no final do mês seguinte; – Garantias: a analisar no âmbito da execução fiscal; – Pagamento integral dos valores referentes a custas processuais devidas no âmbito de acções executivas que se encontram suspensas na respectiva secção de processo executivo, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado de sentença homologatória do plano de recuperação, devendo tal pagamento ser efectuado junto da secção de processo executivo na qual se encontra; – As acções executivas pendentes para cobrança de dívidas à segurança social não são extintas e se mantêm suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até o integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser autorizado; A.2)–Secretaria Regional de Energia, Ambiente e Turismo – Direcção Regional do Turismo dos Açores: Plano Actual da dívida: Resolução do Conselho do Governo n.º 135/2014, de 1 de Outubro de 2014, publicada no Jornal Oficial, I Série, n.º 108 Incentivo ao Hotel M. Prestação Montante (€) Data vencimento 9.ª 84.795,64 02/01/18 10.ª 89.783,62 02/01/19 11.ª 89.783,62 02/01/20 12.ª 99.530,13 02/01/21 Resolução do Conselho do Governo n.º 135/2014, de 1 de Outubro de 2014, publicada no Jornal Oficial, I Série, n.º 108 Incentivo ao Hotel H.
Prestação Montante (€) Data vencimento 12.ª 118.903,44 02/01/18 Plano proposto caso tenha aceitação por parte da Secretaria de Estado do Turismo dos Açores. Hotel M. – passar de 4 para 6 prestações, terminando em 2023. Hotel H. – passar de 1 para 4 prestações, terminando em 2022. B)–Credores Subordinados: Sofia …. e Maria ….: –Pagamento de 100% do capital em 5 anos com prestações anuais; –Perdão total de juros vencidos e vincendos; –Início de pagamentos: após o final dos pagamentos aos restantes credores. C)–Fornecedor Construções, Lda.: – Pagamento de 100% do capital com as seguintes prorrogativas: pagamento dívida em 10 anos com 1 ano de carência, sendo que o ano de carência será para reparação de anomalias e defeitos verificados nas obras de construção e reparações, findo este prazo, verificando-se as reparações, inicia-se o prazo de 9 anos para pagamento da dívida em prestações semestrais; no que tange à continuidade das obras orçamentadas o pagamento será efectuado mediante os prazos de execução e autos de medição; – Perdão total de juros vencidos e vincendos relativos às obras efectuadas e executadas anteriormente, desistindo a requerente da acção em contencioso judicial.
D)–Créditos da execução da sentença do Supremo Tribunal de Justiça referente aos ex-colaboradores. Pagamento de 100% do capital com as seguintes prorrogativas: Pagamento da totalidade da dívida em prestações semestrais com 1 ano de carência, 30 dias após o despacho de homologação do PER; – Dívidas até € 3.000,00 em 3 prestações semestrais; – Dívidas de € 3.001,00 a € 5.000,00 em 6 prestações semestrais; – Dívidas de € 5.001,00 a € 8.000,00 em 10 prestações semestrais; –Dívidas de € 8.001,00 a € 12.000,00 em 14 prestações semestrais; –Dívidas de € 12.001,00 a € 18.000,00 em 18 prestações semestrais; – Dívidas superiores a € 18.001,00 em 20 prestações semestrais. E)–Restantes credores – Pagamento de 100% do capital com as seguintes prorrogativas: pagamento da totalidade da dívida em 10 anos com prestações semestrais e com 1 ano de carência, 20 prestações semestrais iguais e sucessivas, a primeira com vencimento nos 30 dias seguintes ao período de carência, após o despacho de homologação do plano; – Perdão total de juros vencidos e vincendos.” 14.– De acordo com o ponto II do plano de recuperação, “a finalidade deste plano de recuperação é apresentar um conjunto de medidas, cuja concretização permita gerar um fluxo monetário superior ao que seria possível de obter caso não fossem apresentadas e que permita assim assegurar o pagamento das dívidas aos credores por parte do devedor. Visa, ainda, através da aplicação das medidas nele propostas, assegurar o seguinte: 1. Cumprir as obrigações assumidas perante os credores; 2. Suportar a transição da «crise internacional»; 3. Redimensionar a estrutura de gastos da empresa; 4. Adaptar o negócio à conjuntura económica e perspectivá-lo de forma a tirar proveito da sua evolução futura; 5. Aumentar a rentabilidade dos activos e a valorização da sua multifuncionalidade.” 15.– Nos pontos III e IV do acordo ressalta-se que “desde 2014, a sociedade tem efectuado beneficiações e remodelações nas duas unidades hoteleiras, tanto no Hotel M. como no Hotel H., de forma a melhorar e adequar à actual procura e exigência que se tem feito sentir desde a abertura do espaço aéreo dos Açores às companhias aéreas low cost, as quais têm dinamizado significativamente o turismo nos Açores”; “para além da crise financeira e crise do sector, a requerente para ser competitiva teve de proceder a investimentos superiores a um milhão de euros”; “este esforço financeiro acarretou custos elevadíssimos, os quais originaram encargos e despesas financeiras as quais não foram acompanhadas pela respectiva receita”; “a requerente optou por explorar um dos hotéis e proceder à cedência de exploração do outro hotel, com vista à redução de custos estruturais a curto prazo”. B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. DA NÃO HOMOLOGAÇÃO DA DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CREDORES QUE APROVOU, EM PROCESSO DE REVITALIZAÇÃO, O PLANO DE RECUPERAÇÃO, E A VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DE REGRAS RESPEITANTES AO CONTEÚDO DO PLANO, PREVISTA NO ARTIGO 215º APLICÁVEL ex. vi. DO ARTIGO 17º-F, Nº 5 DO CIRE. a)–DO CONTEÚDO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO (aplicação do artigo 195º, nº 2 do CIRE) E A VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS MATERIAIS DA RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO A finalidade do processo especial de revitalização, criado pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, mostra-se definida no nº 1 do artigo 17º-A, que estatui: O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização. Para que o processo de revitalização possa ter lugar, necessário se torna a verificação dos seguintes requisitos: i)–Que o devedor, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente; ii)–Que ainda seja susceptível de recuperação. Com a regulamentação no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, do processo especial de revitalização, visou-se a promoção da recuperação das empresas, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que, evidentemente, a sua recuperação se mostre viável. Os artigos 17º-A a 17º-H do CIRE destinam-se a estabelecer negociações entre devedor e credores para a conclusão de acordo de revitalização, visando também o processo de revitalização, nos termos previstos no artigo 17º-I, a homologação de um acordo de recuperação que foi alcançado extrajudicialmente antes de iniciado o processo em causa. Considera-se no artigo 17º-B do CIRE em situação económica difícil, o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente, por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito. Todavia, tal dificuldade séria para cumprir pontualmente as obrigações não pode implicar uma impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, pois neste caso o devedor encontrar-se-á já em situação de insolvência. Nos termos do nº 1 do artigo 17º-C do CIRE, o processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele, por meio da aprovação de um plano de recuperação. O requerimento a comunicar que o devedor pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação, deverá ser entregue pelo devedor no tribunal competente para declarar a insolvência respectiva e dirigida ao juiz, juntando a declaração ali mencionada. Recebido o requerimento, o juiz, de harmonia com a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE, procede à nomeação do administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações. Tal despacho, que é notificado ao devedor e publicado no portal Citius, tem efeitos processuais, efeitos sobre o devedor e efeitos em relação aos credores. Relativamente ao devedor, nos termos do nº 1 do artigo 17º-D do CIRE, logo que receba a notificação do despacho a nomear o administrador judicial provisório, deverá aquele comunicar aos credores que não subscreveram a declaração escrita, que foi dado início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso. Com a prolação do despacho do juiz a nomear o administrador judicial provisório, de acordo com o nº 2 do artigo 17º-E do CIRE, o devedor fica impedido de praticar actos de especial relevo, tal como se mostram definidos no artigo 161º do CIRE, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida, por parte do administrador judicial provisório. Estatui o nº 7 do artigo 17º-D do CIRE que os credores que decidam participar nas negociações devem apresentar declaração ao devedor, por carta registada. E podem fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações. Em relação aos credores, o despacho com a nomeação do administrador judicial provisório implica que começa a correr, a partir da sua publicação no Citius, o prazo de 20 dias para que qualquer credor reclame os seus créditos, incluindo os credores que assinaram a declaração com a manifestação de vontade de encetarem negociações e referida no nº 1 do art. 17º-C do CIRE. Considerando que a lei não prevê um modo particular de impugnação da lista provisória de créditos para o processo especial de revitalização, a impugnação pelos credores interessados será realizada como no processo de insolvência comum, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualidade dos créditos reconhecidos, como dispõe o nº 1 do artigo 130º do CIRE. As reclamações são remetidas ao administrador judicial provisório, que tem um prazo de 5 dias para elaborar uma lista provisória de créditos que, apresentada na secretaria do tribunal, será publicada no portal Citius. Após a publicação, a lista pode ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, convertendo-se em definitiva, caso o não seja, conforme decorre dos nºs 2 a 4 do artigo 17º-D do CIRE. Terminado o prazo para as impugnações, as mesmas serão apreciadas pelo juiz, estabelecendo o nº 5 do artigo 17º-D do CIRE um outro prazo de dois meses para que os declarantes concluam as negociações encetadas, prazo esse que pode ser prorrogado verificadas certas circunstâncias, o que sucedeu no caso concreto – v. Ponto 11 do Relatório supra. As negociações encetadas no âmbito do processo de revitalização podem conduzir à aprovação unânime de um plano de recuperação conducente à revitalização do devedor em que intervenham todos os credores, mas também podem tais negociações terminar com a aprovação do plano sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores. O plano de recuperação considera-se aprovado quando reúne a maioria dos votos prevista no nº 1 do artigo 212º do CIRE - uma maioria de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções - sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida. Pode suceder que, no decurso das negociações, o devedor ou a maioria dos credores concluam antecipadamente que não é possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D, o administrador judicial provisório deve comunicar o encerramento do processo negocial ao tribunal, nos termos do nº 1 do artigo 17º-G do CIRE, tendo o administrador judicial provisório de verificar previamente se o devedor já está em situação de insolvência e, após ouvir o devedor e os credores, e requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º do citado diploma, com as necessárias adaptações, sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência. Mas, pode também suceder que as negociações terminem com a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, com unanimidade e com intervenção de todos os credores ou sem que tal unanimidade seja obtida, mas observados que sejam os requisitos cumulativos previstos para a participação e votação. Aprovado o plano de recuperação deverá este ser remetido ao tribunal para homologação ou recusa pelo juiz, nos termos do nº 5 do citado artigo 17º-F do CIRE, observando-se, quanto aos motivos de recusa, o disposto nos artigos 215º e 216º do mesmo diploma, vinculando a decisão do juiz igualmente os credores que não tenham participado nas negociações. No caso vertente, as negociações terminaram com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, pelos credores que representavam a maioria legalmente prevista. A decisão de recusa, por parte do Tribunal a quo, de homologação do Plano de recuperação foi antecedida de requerimento nesse sentido apresentado pelo credor, Pedro …., sendo que esta sua pretensão, não foi atendida, por intempestiva – v. Ponto 18 do Relatório supra. É que, nos termos do disposto no artigo 216.º, n.º 1, do CIRE, qualquer credor que pretenda requerer a recusa de homologação do plano de recuperação, deve fazê-lo, caso se verifiquem os seguintes requisitos: i)–ter manifestado nos autos a sua oposição, antes da aprovação do plano ii)–Demonstre em termos plausíveis, uma de duas situações: a.–que a sua situação ao abrigo do plano ficará desfavorecida face à ausência de qualquer plano; b.–que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar. Defendem LUÍS CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, Vol. II, Quid Juris, 123 (nota 4) que, «embora a formulação do texto deixe margem para algumas dúvidas, parece-nos suficiente o voto em contrário na deliberação de aprovação para se considerar preenchida a oposição manifestada nos autos». É aliás, admissível defender-se que são realidades distintas, o “voto contra” e a oposição à aprovação do plano de recuperação, na perspectiva de fundamentar o pedido formulado ao juiz para que recuse a homologação do plano, devendo o pedido de recusa ser formulado logo que a proposta de plano de insolvência seja conhecida. Sucede, porém, que se prevê, no artigo 215.º do CIRE, a possibilidade de o juiz recusar oficiosamente a homologação do plano de recuperação. Como acima ficou dito, após a aprovação do plano de recuperação este será remetido ao tribunal para homologação ou recusa pelo juiz, nos termos do nº 5 do citado artigo 17º-F do CIRE, observando-se, quanto aos motivos de recusa, o disposto nos artigos 215º e 216º do mesmo diploma, vinculando a decisão do juiz igualmente os credores que não tenham participado nas negociações. Com efeito, o CIRE confere ao juiz, mesmo contra a vontade unânime dos credores, o dever de recusar a homologação do plano conducente à revitalização, caso verifique, designadamente, a ocorrência de uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a sua homologação. Trata-se de um poder/dever que o julgador dispõe de recusar a homologação do plano de recuperação, apenas em situações de “violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, pois como salienta MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência 2ª ed., 291, as violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano. Normas procedimentais são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram apresentadas. Normas relativas ao conteúdo são, por sua vez, as respeitantes à parte dispositiva do plano e aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar. Acresce que, como esclarecem LUÍS A. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, ob. cit., 118-120, são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem ser afastadas com o consentimento do protegido. Insurge-se a apelante contra a sentença recorrida que decidiu não homologar o Plano de Recuperação, tendo aduzido, em suma, duas ordens de razões: Vejamos se assim se deve entender. O artigo 195º do CIRE encontra-se inserido no seu Titulo IX, para onde nos remete directamente o preceituado no artigo 17º-F, nº5, onde se predispõe o seguinte: «O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, (…), aplicando com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no titulo IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º.». Sucede que a unidade do sistema jurídico, impõe que as leis se interpretem umas às outras, o que no caso em apreço conduz à asserção de que não contendo as regras especificas relativas ao PER – constantes dos artigos 17º-A a 17º-I, qualquer dispositivo especifico de onde deflua quais os items a observar aquando da elaboração do «plano» e remetendo o artigo 17º-F, nº5, para o Titulo IX, respeitante ao «Plano de Insolvência», embora se destacando o que preceituam os artigos 215º e 216º, igualmente insertos naquele Titulo, mas não afastando a aplicação de todos os outros que o enformam. Sufraga-se, assim, o entendimento defendido, aliás, pela jurisprudência da 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça (secção agora especializada para decidir sobre matérias de natureza comercial – artigo 42º, nº 2 da LOFTJ) – Ac. de 25.11.2014 (Pº 414/13.6TYLSB.L1.S1) - ao referir que “Embora sejam realidades diversas, porque o Plano de Revitalização é uma demarche pré-insolvencial e o Plano de Insolvência, insere-se já neste processo declarativo, não se anulam quer na forma, quer na substância, nem obedecem a um critério pré-definido, porque as situações variam, resultando daquele artigo 195º que nos ocupa, a enunciação dos elementos que o «plano» deverá conter, por forma a elucidar todos aqueles que nele irão intervir, com vista á sua aprovação e subsequente homologação pelo juiz. Dispõe o nº 2 do citado artigo 195º do CIRE, sobre o conteúdo do plano, que este deve indicar: –As alterações, de forma clara, dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores; –A sua finalidade, descrevendo as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou a executar, e conter todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente: a)- A descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor. b) -A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através da liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade. c) -No caso de se prever a manutenção em actividade da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiro, e pagamentos aos credores à custa dos respectivos rendimentos, plano de investimentos, conta de exploração previsional e demonstração previsional (…). d) -O impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência. e) -A indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação. Tendo em consideração o conteúdo do iter negocial constante do artigo 17º-F do CIRE, é manifesto que a elaboração do Plano de Recuperação deverá ser o mais exaustivo e esclarecedor possível, de modo a permitir, por um lado, aos credores, aferirem da pertinência e vantagens das propostas apresentadas pelo devedor, por forma à obtenção da sua aprovação; por outro lado, ao juiz para, em momento ulterior, efectuar sobre o mesmo o seu pronunciamento positivo ou negativo – v. a propósito CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª ed., 2013, 174 e Ac. TRL de 09.06.2016 (Pº 17154/15.4T8SNT-A.L1-2), de que foi relatora a ora aqui também relatora. Entende-se, assim, que o plano de revitalização deverá ser elaborado tendo em consideração o que consta do artigo 195º do CIRE, com as devidas adaptações, face à situação particular de cada empresa e às especificações aí propostas. No caso vertente, o Plano de Recuperação analisa de forma aceitável, quanto às principais linhas estratégicas revitalizantes, incluindo os pilares em que considera que a sua revitalização deve assentar; orientações para a revitalização, indicando os vectores em que assentam os requisitos para a sua operacionalização, sendo parco na justificação do período de carência, bem como no impacto expectável das alterações que devem constar do Plano com o objectivo da revitalização da devedora, requerente do processo especial de revitalização. Pode, todavia, inferir-se do Plano apresentado pela devedora/apelante, que o mesmo consubstancia um plano de pagamento, diferido no tempo, com perdão total dos juros, relativamente a alguns credores, nada se aduzido, quanto a esta matéria, nos créditos dos ex. trabalhadores da requerente. b)- DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS CREDORES Estatui ainda o artigo 217º do CIRE que: “Com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência, independentemente de tais créditos terem sido ou não, reclamados ou verificados...”. Da evidenciada consagração da regra geral da tutela dos interesses dos credores e dos direitos de terceiros, reveste de particular relevância a regra ínsita no nº 2 do artigo 192º, da qual decorre que, quer os credores, quer os terceiros, só podem ser atingidos se se verificar um dos seguintes requisitos: i.- se houver consentimento do próprio visado, ou, ii.-quando a afectação for expressamente autorizada pelas normas legais integradas no título IX do CIRE. Por outro lado, dispõe o artigo 194º n.º 1 do CIRE que o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. E, por sua vez, o n.º 2 refere que o tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável. Defendem LUÍS A. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, ob. cit., 46, que “O princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência. A sua afectação traduz, por isso, seja qual foi a perspectiva, uma violação grave - não negligenciável - das regras aplicáveis”. Infere-se, assim, do citado normativo que está vedado no plano, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias idênticas, sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação. Não está, no entanto, em causa uma ideia de identidade formal absoluta, tanto mais que, de acordo com o artigo 47º, nºs 1, 2 e 4 a) a c) do CIRE, se distinguem três classes de créditos: i)- os créditos garantidos e privilegiados – que são os que beneficiam, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente; ii)-os créditos subordinados; iii)-os créditos comuns. E, esta classificação condiciona, necessariamente, a posição de cada um dos credores de ver o seu crédito satisfeito face às regras de pagamento estipuladas no artigo 172º e seguintes do CIRE. Ademais, mesmo entre credores inseridos na mesma classe, não se poderá afastar a possibilidade de existirem diferenciações, se estas assentarem em circunstâncias objectivas que justifiquem um tratamento diferenciado. O consentimento dos credores pode ser dado de forma expressa ou tácita, configurando-se como consentimento tácito o voto favorável à aprovação do plano pelo credor lesado. Mas o voto contrário é suficiente para preencher a manifestação de desacordo pelo credor lesado. Se, porventura, o Plano de Insolvência afecta, parcial ou totalmente, as garantias dos credores, em situação de igualdade, não estabelecendo qualquer diferença entre eles, há que concluir que o mesmo vincula também os que não aderiram ao mesmo, desde que aprovado pela maioria exigida. A este propósito, referem os supra citados autores, CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, ob. cit., 55 que: “a dispensa da exigência do acordo de cada um dos credores que perca garantias ou privilégios, bastando a observação da maioria comum, constitui um importante instrumento de facilitação da aprovação de planos de insolvência”. Na verdade, se não se consagrasse a dispensa da concordância do credor para que o plano o vinculasse, facilitando deste modo a aprovação dos planos de insolvência ou de recuperação, seriam frequentes os obstáculos a tal aprovação, contribuindo para o inêxito do objectivo para o qual se propôs o CIRE. Há, pois, que concluir que o princípio da igualdade dos credores proíbe apenas que no Plano de insolvência ou de Recuperação, se façam diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objectivos relevantes. Importa, assim, ter presente a classificação de créditos prevista no artigo 47º do CIRE («garantidos» e «privilegiados», «subordinados» e «comuns»), correspondente a uma ordem ou preferência que, em suma, se traduz em dar pagamento em primeiro lugar aos créditos garantidos e privilegiados, em segundo lugar aos créditos comuns e, finalmente, aos créditos subordinados, conforme decorre da lei, com expressa consagração nos artigos 174º a 177º do CIRE. No caso em análise, e ainda que se excluam os créditos atinentes ao Estado (Segurança Social e Secretaria Regional de Energia, Ambiente e Turismo), consta no Plano de Recuperação, em relação aos créditos dos credores subordinados, do fornecedor Construções, Lda., dos ex.trabalhadores da devedora e demais credores, distintas propostas: – Dívidas até € 3.000,00 em 3 prestações semestrais; – Dívidas de € 3.001,00 a € 5.000,00 em 6 prestações semestrais; – Dívidas de € 5.001,00 a € 8.000,00 em 10 prestações semestrais; – Dívidas de € 8.001,00 a € 12.000,00 em 14 prestações semestrais; – Dívidas de € 12.001,00 a € 18.000,00 em 18 prestações semestrais; – Dívidas superiores a € 18.001,00 em 20 prestações semestrais. Tal significa que resulta do plano aprovado, que uns credores obtêm a satisfação da totalidade do seu crédito de capital, num espaço de tempo mais curto (5 anos), sem período de carência (créditos subordinados);outros credores (comuns)obtêm a totalidade do seu credito de capital num período mais dilatado (10 anos), com carência de 1 ano, efectuando-se uma estratificação com relação ao montante da dívida, o que apenas é efectuado, com relação aos créditos dos ex.trabalhadores (privilegiados), não demonstrando o Plano de Revitalização qualquer plausível razão para tal ocorrência. O conteúdo do plano contém, portanto, como é manifesto, um tratamento desigual entre os credores, sem que dele conste uma justificação material e fundamentada para cabal compreensão da diferenciação de tratamento entre credores da devedora, como, de resto, a lei o impunha. Aliás, e nem sequer, com relação aos créditos subordinados que, como é sabido, o seu pagamento deverá ser efectuado depois do pagamento dos créditos garantidos, privilegiados e comuns, se aduzem, com clareza e de forma consistente, as razões para a aplicação de um regime específico, consubstanciado em tão flagrante benefício. Não se encontrando consubstanciadas no plano de recuperação aprovado, com objectividade, rigor e clareza, as razões da diferenciação de tratamento entre os credores da devedora, designadamente em relação aos créditos dos ex.trabalhadores, créditos esses, aliás, com privilégios creditórios, como a lei o impõe. De resto, e como se refere no Ac. TRL de 22.10.2015 (Pº 2936/14.2T8SNT.L1-2) no qual a aqui relatora foi ali 1ª adjunta, “Deve ser recusada a homologação de plano de revitalização aprovado em PER que consubstancie desrespeito injustificado do princípio da igualdade entre credores e cause grave prejuízo a credores face à situação em que se encontrariam se não houvesse plano de revitalização. Neste conspectu, e não sendo possível identificar um fundamento racional e objectivo, justificador da distinção entre os credores, patente no plano de recuperação apresentado, há que concluir que a aprovação do plano de recuperação consubstancia uma violação grave, nomeadamente do princípio da igualdade, não negligenciável, das regras aplicáveis, prejudicando os credores, ex.trabalhadores da devedora/requerente, face àquilo a que poderiam razoavelmente aspirar se tal plano não existisse.
Improcede, por conseguinte, tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso da devedora/apelante, razão pela qual se confirma a decisão recorrida, mantendo-se a não homologação do Plano. A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Custas pela apelante.
Lisboa, 26 de Outubro de 2017
Ondina Carmo Alves - Relatora Pedro Martins Arlindo Crua
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Decisão Texto Integral: |