Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6601/2007-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: SEGURO-CAUÇÃO
LEASING
ALD
PRÉMIO DE SEGURO
FALÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I. Declarada a falência, deixa de ter utilidade o prosseguimento da acção declarativa contra o falido, para o reconhecimento de créditos.
II. O contrato de seguro, tendo natureza formal, deve ser interpretado de acordo com as regras prevista nos art.º s 236.º e 238.º do Código Civil.
III. O contrato de seguro-caução tem a natureza jurídica da fiança.
IV. Sem dano, inexiste a responsabilidade civil.
(O.G.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
E, Financeira, S.A., que entretanto passou a denominar-se de Banco, S.A., Sociedade Aberta, instaurou, em 3 de Novembro de 1995, no então 11.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, designadamente contra T, S.A., e I S.A., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que as RR. fossem condenadas a pagar-lhe a quantia de 747 002$00, acrescida dos juros de mora vincendos ou, subsidiariamente, a quantia de 634 287$00, acrescida de juros de mora vincendos, e a 1.ª R. ainda a restituir-lhe o veículo de matrícula LX-75-04.
Para tanto, alegou, em síntese, que, por a R. T ter deixado de pagar as rendas vencidas em 10 de Setembro de 1994, 10 de Dezembro de 1994 e 10 de Março de 1995, a que se vinculara mediante contrato de locação financeira, celebrado em 27 de Agosto de 1992, tendo por objecto o veículo da marca Honda, modelo CBR, matrícula LX-75-04, resolveu tal contrato, sem que fossem pagas quaisquer quantias, incluindo pela R. I, que, através de contrato de seguro-caução, garantira o pagamento da dívida da outra R.
Contestou a R. T, por excepção e impugnação, no sentido da improcedência da acção.
Contestou também a R. I, no sentido da improcedência da acção, e, prevenindo situação contrária, deduziu reconvenção, na qual pediu a condenação da A. na indemnização a liquidar em execução de sentença, pelos danos sofridos pela não participação do sinistro no prazo de oito dias, pela demora da resolução do contrato e por não ter promovido logo a devolução do veículo.
Replicou a A., designadamente no sentido da improcedência da reconvenção.
Proferiu-se o despacho saneador e foi organizada a especificação e o questionário.
Por despacho de 9 de Junho de 2004 (fls. 539), foi julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide quanto à R. T, em virtude desta ter sido declarada em estado de falência, por sentença do 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, de 20 de Novembro de 2001, transitada em julgado em 17 de Dezembro de 2002.

A R. T recorreu desse despacho, tendo depois apresentado as respectivas alegações, com a formulação no essencial das seguintes conclusões:
a) Nada impede que o processo prossiga para decidir sobre o reconhecimento de eventuais créditos contra a recorrente, tanto mais quando existam outras partes.
b) Só existirá inutilidade superveniente da lide no caso do processo executivo.
c) Foram violados os art.º s 151.º a 160.º, 188.º, 192.º e 200.º do CPEREF.
Pretende, com o seu provimento, a revogação do despacho recorrido.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O despacho recorrido foi, tabelarmente, sustentado.
Liminarmente, suscitou-se a questão do não conhecimento do agravo, quer por ilegitimidade da agravante quer pela sua inutilidade (fls. 848), insistindo a agravante, depois de notificada, no conhecimento do seu objecto.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 5 de Março de 2007, sentença a absolver a R. I do pedido, declarando prejudicada a respectiva reconvenção.

Inconformada, a Autora recorreu da sentença e, tendo alegado, formulou no essencial as seguintes conclusões:
a) A sentença recorrida derrogou o teor da apólice seguro-caução, utilizando para o efeito estipulações não constantes de tal texto imperativamente imposto por lei.
b) Entre a A. e a R. T não foi celebrado nenhum outro negócio diverso do da locação financeira.
c) A sentença recorrida erra na apreciação da matéria de facto documentalmente provada e viola lei expressa.
d) Foram violadas as disposições legais dos art.º s 220.º, 221.º, n.º 1, 224.º, 227.º, 230.º, n.º 1, 236.º, n.º 1, 238.º, n.º s 1 e2, 243.º, 244.º e 334.º, todos do Código Civil, 426.º e 427.º, do Código Comercial, 8.º, n.º 1, al. e), e 9.º, n.º 2, do DL n.º 183/88, de 24 de Maio, com a redacção do DL n.º 127/91, de 22 de Março, 12.º, 13.º, 14.º e 19.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, e 668.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC.
Pretende, com o seu provimento, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por acórdão que condene a R. I no pedido formulado.

Contra-alegou a R. I, no sentido da improcedência do recurso e, caso contrário, deve conhecer-se da anulação da apólice, por falta do pagamento do sobre-prémio reclamado, e do pedido reconvencional.

Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Foram dados como provados, designadamente, os seguintes factos:

1. A A. e a R. T celebraram, entre si, por escrito de 27 de Agosto de 1992, o acordo constante de fls. 13 a 24, pelo qual a primeira adquiriria o veículo de matrícula LX-75-04, escolhido pela R. T, cedendo a esta o seu gozo, pelo prazo de 36 meses, mediante a renda trimestral de 132 379$00, acrescida de IVA, e tendo sido fixado o valor residual em 117 539$00, acrescido de IVA.
2. Conforme estipulado, “o contrato poderá ser resolvido por iniciativa do locador (…), no caso de o locatário não pagar qualquer das rendas”, ficando o mesmo obrigado a “pagar as rendas vencidas e não pagas, acrescida dos juros de mora” e “a título de indemnização por perdas e danos sofridos pelo locador, pagar uma indemnização igual a 20 % do resultado da adição das rendas não vencidas, na data da resolução, com o valor residual, acrescida dos juros de mora”.
3. A A. fez depender a celebração desse contrato da de um seguro-caução, dado o volume de crédito concedido à R. T e constituía garantia adicional, não exclusiva, do contrato referido, bem assim como das outras centenas de contratos de locação financeira celebrados com a R. T.
4. Na sequência de tal acordo, foi celebrado entre as RR. o seguro constante da apólice de fls. 41 a 43, emitida em 31 de Agosto de 1992, pela qual a R. I garantiu ao beneficiário, a A., “até ao limite do capital seguro, o pagamento da importância que devia receber do tomador do seguro (a R. T), em caso de incumprimento por este último da obrigação garantida”, pelo prazo de 36 meses, com início a 28 de Agosto de 1992, constando, como objecto da garantia, “pagamento de 12 rendas trimestrais no valor de Esc. 1 792 632$00, referentes ao veículo Honda, CBR, LX-75-04”.
5. Conforme estipulado na apólice, “o direito à indemnização nasce quando, após a verificação do sinistro, o tomador do seguro, interpelado para satisfazer a obrigação, se recusar injustificadamente a fazê-lo” e, ocorrendo o direito à indemnização, “o beneficiário tem direito de ser devidamente indemnizado pela I no prazo de 45 a contar da data da reclamação”.
6. A R. T não pagou no respectivo vencimento, nem posteriormente, pelo menos, uma das rendas do contrato referido em 1.
7. Na sequência das negociações havidas entre as RR., vieram a ser celebrados os protocolos constantes de fls. 118 a 125.
8. A R. I recebeu da A. a carta de 10 de Agosto de 1994, constante de fls. 131, tendo como assunto “Seguros Caução/Cliente: T, SA”.
9. A R. I respondeu com a carta de 16 de Agosto de 1994, constante de fls. 132.
10. A R. I enviou à R. T a carta de 29 de Agosto de 1994, constante de fls. 133, relativa a “agravamento do seguro de cauções”.
11. Na mesma data, a R. I dirigiu à A. a carta de fls. 134, relativa ao “Agravamento de seguros de cauções/tomador do seguro: T, S.A.”.
12. A A. não aceitou o sobre-prémio exigido pela R. I, não efectuando o pagamento.
13. A A. enviou à R. I as cartas de 7 de Março de 1995 e de 16 de Junho de 1995, constantes de fls. 44 e 46, reclamando na última “o pagamento da indemnização da indemnização devida nos termos da apólice de seguro caução acima referida”.
14. A A. recebeu da R. I a carta de 15 de Abril de 1994, constante de fls. 238, tendo como assunto “Seguros de Automóveis e Cauções em nome de T, S.A.”.
15. A A. enviou à R. I as cartas de 9 de Janeiro de 1995 (rendas em atraso) e de 6 de Junho de 1995 (resolução do contrato de locação financeira), constantes de fls. 248 a 255 e 256, respectivamente.
16. A R. T cedeu ao R. V o gozo do referido veículo, pelo prazo de 24 meses, mediante aluguer mensal, sendo o primeiro de 993 138$00 e os restantes no valor de 35 817$00.
17. A A. tinha conhecimento que o veículo referido se destinava a ser locado pela R. T a terceiros.
18. A R. T subscreveu o auto de recepção de equipamento, do qual não consta qualquer data.
19. A 7 de Junho de 1995, a A. comunicou à R. T a resolução do contrato, com fundamento no não pagamento de rendas.
20. Posteriormente ao envio da carta de 6 de Junho de 1995, a A. interpelou e reclamou da R. I o pagamento da indemnização, por meio da carta de 16 de Junho de 1995, referida em 13.
21. À data da celebração do contrato referido em 1., o objectivo da R. T era a celebração de contrato de ALD.
22. A apólice referida foi emitida no âmbito do protocolo celebrado a 7 de Abril de 1992.
23. Era emitida uma apólice por cada veículo dada de aluguer aos clientes da R. T.
24. A apólice referida foi emitida, sob proposta da R. T, acompanhada da ficha de informação de fls. 126, desta constando os dizeres “Assunto: Vítor Silva”.
25. A R. I procedeu à anulação do seguro.
26. A A. desconhecia, ao contratar com a R. T, a existência dos protocolos referidos, até à data em que recebeu da R. I a carta referida em 14.
27. A A. requereu a providência cautelar de entrega judicial do veículo e o cancelamento.

2.2. Descrita a dinâmica processual e a matéria de facto relevante, não impugnada, importa agora apreciar o agravo e a apelação, começando pelo primeiro, de harmonia com a prioridade estabelecida no n.º 1 do art.º 710.º do Código de Processo Civil (CPC).

Como se aludiu, preliminarmente, foi suscitada a questão do não conhecimento do agravo, por ilegitimidade da recorrente e por inutilidade.
Ponderando de novo a questão, aceita-se, no entanto, a legitimidade da agravante, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 680.º do CPC, porquanto, tendo sido declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, essa decisão foi menos favorável que a extinção da instância, por absolvição do pedido. Nessa medida, independentemente do critério material ou formal da legitimidade, pode afirmar-se que a agravante ficou vencida, quanto à acção, ao ser declarada nos termos referidos a extinção da instância. Tendo ficado vencida, quanto à acção, assistia-lhe a possibilidade de reagir contra a decisão judicial pretensamente ilegal (veja-se, a propósito, J. LEBRE DE FREITAS e A. RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, págs. 19 e 20).
Por sua vez, a inutilidade do recurso, dado o conteúdo da decisão proferida e os seus efeitos subsequentes, terá de ser aferida posteriormente, obedecendo então ao critério utilitário estabelecido no n.º 2 do art.º 710.º do CPC.
Neste contexto, concluindo não haver qualquer motivo legal obstativo, é de conhecer do agravo.

A decisão recorrida, partindo da declaração do estado de falência da agravante, por sentença transitada em julgado há mais de um ano, declarou extinta a instância, obstando, com isso, à condenação da agravante no pagamento de quantia pecuniária e na restituição de coisa certa.
A extinção da instância, baseada na inutilidade superveniente da lide, teve como fundamento expresso o disposto nos art.º s 188.º e 201.º, ambos do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo DL n.º 132/93, de 23 de Abril.
É inquestionável que a reclamação de créditos contra o falido tem de ser apresentada no processo de falência, mesmo que tenham sido reconhecidos noutro processo, e em tempo oportuno (art.º s 188.º e 205.º, ambos do CPEREF).
Por isso, declarada a falência, deixa de ter utilidade o prosseguimento da acção declarativa contra o falido para o reconhecimento de créditos. Com efeito, o eventual reconhecimento de créditos não implicaria o seu pagamento, dado o efeito da declaração de falência para o falido, nem poderia servir já de fundamento à instauração da acção executiva (art.º 154.º, n.º 3, do CPEREF).
Tendo a acção judicial natureza meramente instrumental, obviamente que não faria qualquer sentido a sua utilização, quando, pela mesma, deixara de ser possível fazer valer o respectivo direito.
À luz da boa e eficiente administração da justiça, solução contrária seria totalmente inaceitável, em qualquer circunstância, sendo certo ainda que o reconhecimento do direito sempre ficaria salvaguardado.
No contexto disponibilizado pelos autos, é patente que de nada serviria já obter, na acção, uma sentença a reconhecer o direito de crédito, dada a declaração de falência da agravante e do prazo fixado (entretanto extinto) para a reclamação de créditos.
Por outro lado, não se consegue vislumbrar em que medida a situação de litisconsórcio voluntário passivo possa obstar à inutilidade superveniente da lide quanto à parte declarada falida, sendo certo também que a decisão sobre a reclamação de créditos, no processo de falência, não está prejudicada pela decisão final das acções semelhantes à dos autos donde emerge o presente agravo.
Aliás, não deixa de ser surpreendente a argumentação usada pela agravante, ao apoiar-se nas normas do CPEREF, e no pressuposto do reconhecimento do direito de crédito, quando confrontada com a utilizada na defesa da legitimidade no agravo, ou seja, a pretensão da absolvição do pedido.
Nestes termos, podia declarar-se a extinção da instância quanto ao direito de crédito sobre a agravante, por inutilidade superveniente da lide.

As considerações anteriores valem também para a pretensão da restituição da coisa (art.º 201.º, n.º 1, do CPEREF), embora neste caso seja de admitir um prazo ulterior mais alargado, dada a limitação estabelecida no n.º 2 do art.º 205.º do CPEREF se referir somente à “reclamação de novos créditos”.
De qualquer modo, ainda que porventura se tivesse cometido uma infracção legal, o certo é que a mesma não era susceptível de influir no exame e decisão da causa, na perspectiva da pretensão da agravante, pois a decisão não lhe poderia ser totalmente favorável. Pelo contrário, a sentença considerou lícita a resolução do respectivo contrato, por incumprimento da agravante, reconhecendo-se ao credor um direito de crédito e o direito à restituição da coisa (fls. 711v.).
Por outro lado, o eventual provimento do agravo não teria qualquer interesse para a agravante, tanto mais que nem foi condenada.
Nesta conjectura, e nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 710.º do CPC, o agravo também não poderia obter provimento.
Nesta conformidade, conclui-se pela negação do provimento ao agravo.

2.3. Passando à apelação, a questão que se coloca, mais uma vez, prende-se com saber se o contrato de seguro garante o pagamento das rendas do contrato de locação financeira celebrado entre a apelante e a R. T.
Decorre da al. h) das “condições especiais” do mencionado contrato de locação financeira que a R. T se obrigava a apresentar, em simultâneo com a sua formalização, um seguro-caução cujo beneficiário seria a apelante, válido até ao fim de vigência do contrato de locação financeira.
Por outro lado, e como também ficou provado, a apelante fez depender a celebração do contrato de locação financeira da prestação de uma garantia, nomeadamente de um seguro-caução.
É, neste contexto, que surge o contrato de seguro-caução, celebrado entre a R. T e a apelada.
Trata-se de uma particular modalidade do contrato de seguro, como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Dezembro de 1997 [Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano V, T. 3, pág. 159].
Esta modalidade de seguro é regulada, especialmente, pelo DL n.º 183/88, de 24 de Maio, que estabeleceu o quadro legal do seguro de crédito.
De harmonia com o n.º 1 do seu art.º 6.º, “o seguro-caução cobre, directa ou indirectamente, o risco de incumprimento das obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptível de caução, fiança ou aval”.
Para além das cláusulas específicas do contrato de locação financeira, também o art.º 28.º do DL n.º 171/79, de 6 de Junho, então vigente, permitia o seguro-caução, ao regular que “podem ser constituídas a favor das sociedades de locação financeira quaisquer garantias, pessoais ou reais, dos créditos de rendas e de outros encargos ou eventuais indemnizações devidas pelo locatário”.
Face ao disposto no n.º 1 do art.º 8.º do DL n.º 183/88, no contrato de seguro-caução deve constar, para além do estabelecido no Código Comercial, os seguintes elementos: identificação do tomador do seguro e do segurado, no caso das duas figuras não coincidirem na mesma pessoa, obrigação a que se reporta o contrato de seguro, percentagem ou quantitativo do crédito seguro, prazo de participação do sinistro e de pagamento das indemnizações.
Estes elementos integram o contrato formalizado nos autos, vinculando a apelada.
Impõe-se, todavia, precisar o objecto ou a obrigação a que se reporta o contrato de seguro, que tem gerado alguma controvérsia e desencontrados julgamentos.
O contrato de seguro é de natureza formal, porquanto, nos termos do art.º 426.º do Código Comercial, deve ser reduzido a escrito num instrumento, que constitui a apólice de seguro.
Como negócio jurídico formal, o contrato de seguro deve ser interpretado em conformidade com o disposto nos art.º s 236.º e 238.º, ambos do Código Civil.
Na expressão da teoria da impressão do destinatário, consagrada naquela primeira disposição, a declaração deve valer com o sentido que um declaratário normal (pessoa de qualidades médias), colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, tendo de ter um mínimo de correspondência verbal no respectivo texto.
Neste contexto, refere-se que a apólice menciona, como tomador, a R. T, e, como beneficiário, a apelante. Por outro lado, no art.º 1.º das “condições gerais” da apólice define-se o sinistro como “o incumprimento atempado pelo tomador do seguro da obrigação assumida perante o beneficiário”.
Nestas condições, o contrato de seguro-caução só podia garantir as rendas do contrato de locação financeira, porquanto foi no âmbito do mesmo que o tomador do seguro, a R. T, se obrigou perante o beneficiário, a apelante, ao pagamento das rendas trimestrais.
Na apólice referida, ao invés, não se faz sequer a mínima referência a qualquer contrato de aluguer de longa duração, sendo certo ainda que a periodicidade do aluguer era mensal.
Atendendo à natureza formal do contrato de seguro, não relevam juridicamente, neste âmbito específico, os denominados “protocolos”, para além dos mesmos serem inoponíveis à apelante, por esta ser terceiro.
Deste modo, conclui-se que o contrato de seguro-caução dos autos reporta-se, quanto ao objecto da garantia, às obrigações decorrentes do pagamento das rendas do contrato de locação financeira celebrado entre a apelante e a R. T.
Consequentemente, a apelada, por efeito do referido contrato de seguro-caução, responde pelo pagamento das rendas do contrato de locação financeira.

Por outro lado, não releva a alegação da apelada da anulação do contrato de seguro, por falta do pagamento do sobre-prémio reclamado.
Desde logo, a reclamação de um sobre-prémio, sem a concordância do outro outorgante, corresponderia a uma alteração unilateral do respectivo contrato e, como tal, ilícita, sendo por isso irrelevante, à luz do disposto no art.º 406.º, n.º 1, do Código Civil, a anulação do seguro declarada pela apelada.
Acresce, como já se referiu, que o contrato de seguro-caução tem a natureza da fiança, correspondendo a uma garantia pessoal acessória de obrigação alheia, da qual o garante não se pode eximir, com fundamento na falta de pagamento de prémio.

Por efeito do contrato de seguro, a apelada está obrigada a pagar à apelante o mesmo que a R. T teria de pagar, em consequência da resolução do contrato de locação financeira, por incumprimento daquela.
Ficou apenas provado que a R. T não pagou, pelo menos, uma das rendas, sendo certo que, com a extinção do contrato, por resolução, deixou de se vencer a outra renda que o contrato ainda previa, não sendo devida.
No entanto, é devido o pagamento de uma indemnização correspondente a 20 % da soma da renda não vencida e do valor residual.
Resulta das condições gerais da apólice que a apelada garante ao beneficiário, até ao limite do capital seguro, o pagamento da importância que aquele deveria receber da R. T, no caso de incumprimento por esta da obrigação garantida, nos termos das condições particulares (art.º 2.º, n.º 1).
Das condições particulares da respectiva apólice consta que a apelada garante o pagamento das rendas relativas ao contrato de locação financeira, que tem por objecto certo veículo automóvel, e com a duração daquele.
A resolução do contrato de locação financeira não pode significar a alteração do objecto da garantia resultante do contrato de seguro-caução durante o prazo convencionado pelas partes, dado o princípio da boa fé que emerge dos art.º s 227.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, do Código Civil.
Um declaratário normal, colocado na posição da R. T, interpretaria a declaração negocial da apelada no sentido de que, independentemente da resolução do contrato de locação financeira, a referida garantia abrangia as rendas vencidas não pagas e a indemnização correspondente às rendas não vencidas (art.º s 236.º, n.º 1, 237.º e 238.º, n.º, do Código Civil).
A obrigação de indemnizar da apelada, por efeito do contrato de seguro-caução, envolve, para além da renda vencida e não paga, também a renda correspondente ao valor da renda não vencida que a R. T era obrigada a pagar à apelante por virtude do incumprimento do contrato de locação financeira.
Nestas condições, a apelante não pode deixar de ser condenada nos mesmos termos em que poderia ser a R. T.
Não se tendo provado o valor da renda indicado pela apelante (resposta negativa ao quesito 3.º), releva para o efeito o valor da renda fixado inicialmente no contrato, correspondente a 132 379$00 (facto 1.)
Assim, a apelada está obrigada a pagar à apelante a renda vencida não paga, no valor de 132 379$00, acrescido do respectivo IVA, e a indemnização de 49 984$00, o que perfaz o montante de 182 363$00 (€ 909,62).
Sobre essa quantia incidem os juros de mora vencidos e vincendos contratualmente previstos.

A reconvenção deduzida pela apelada foi julgada improcedente, por ter ficado prejudicada pela improcedência da acção.
No entanto, apesar da procedência da acção, nos termos antes descritos, a reconvenção não está em condições de ser julgada procedente.
Desde logo, referindo que a reconvinte não concretizou os factos correspondentes aos prejuízos imputados à reconvinda, como era seu ónus, sendo certo que o termo “prejuízos” não é mais que um conceito jurídico.
Tal omissão podia equivaler à falta de causa de pedir, tornando inepta a respectiva petição, nos termos do disposto no art.º 193.º, n.º s 1 e 2, al. a), do CPC.
Não foi essa, porém, a decisão da 1.ª instância, que, no despacho saneador, admitiu expressamente a reconvenção, que, não tendo sido impugnada, transitou em julgado.
De qualquer modo, sendo certo que, para haver responsabilidade civil, não basta apenas um comportamento ilícito, é também indispensável, para além de outros requisitos, a existência do dano, e não tendo este ficado provado, não assiste à apelada qualquer direito de crédito emergente de responsabilidade civil.
Não se provando o dano, não faz sentido sequer apelar à liquidação ulterior, porquanto esta pressupõe a prova da existência do dano, mas sem a sua exacta determinação.
Aliás, não sendo a apelante parte no contrato de seguro, pois é apenas terceiro beneficiário, não estava adstrita ao cumprimento de qualquer dever nele estabelecido, não podendo, a partir daí, ser-lhe imputada um ilícito contratual. Por outro lado, a apelante podia resolver o contrato de locação financeira, perante o incumprimento da locatária, quando lhe aprouvesse, tanto mais que poderia confiar na garantia exigida à locatária. Também por isso não se lhe podia imputar qualquer conduta ilícita.
Assim, perante a inexistência da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, não recai sobre a apelante a obrigação de indemnizar a apelada.

2.4. Em face do exposto, pode retirar-se de mais relevante:

1) Declarada a falência, deixa de ter utilidade o prosseguimento da acção declarativa contra o falido, para o reconhecimento de créditos.
2) O contrato de seguro, tendo natureza formal, deve ser interpretado de acordo com as regras prevista nos art.º s 236.º e 238.º do Código Civil.
3) O contrato de seguro-caução tem a natureza jurídica da fiança.
4) Sem dano, inexiste a responsabilidade civil.

Nestes termos, procede parcialmente a apelação, com a consequente condenação da apelada em parte do pedido pecuniário formulado na acção.
2.5. As partes, na medida em que ficaram vencidas por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das respectivas custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art.º 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.
No entanto, relativamente à R. T, gozando esta do benefício do apoio judiciário, tal pagamento é inexigível.
Ao patrono da R. T, pelo agravo, são devidos os honorários previstos na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.

III. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar provimento ao agravo.
2) Conceder parcial provimento à apelação, revogando, nessa parte, a sentença e condenando a R. I a pagar à Autora a quantia de € 909,62 (182 363$00), acrescida do respectivo IVA e dos juros vencidos e vincendos, à taxa contratualmente prevista, e confirmando quanto ao mais.
3) Condenar a R. T no pagamento das custas do agravo, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido.
4) Condenar a Autora e a R. I no pagamento proporcional das custas da acção e da apelação.
5) Atribuir ao patrono da R. T, pelo agravo, os honorários previstos na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.
Lisboa, 20 de Setembro de 2007
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)