Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3409/2003-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: INTERDIÇÃO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário: A intervenção do colectivo na acção de interdição só acontecerá na situação prevista no art. 952º, nº 2, do CPC.
Portanto trata-se de uma acção que não é originariamente da competência das varas cíveis mas que em determinada fase da sua tramitação pode ser remetida para as mesmas.
Daí que as acções de interdição devam ser endereçadas aos juízos cíveis, por serem os originariamente competentes para as preparar e julgar, a não ser que passem a seguir os termos do processo ordinário, altura a partir da qual a competência se transfere para as varas cíveis (art. 99º LOFTJ).
Decisão Texto Integral:   Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

  1. M. Carvalho, F. Carvalho e T. Carvalho vieram propor a presente acção especial de interdição contra I. Carvalho.
Na petição inicial, endereçou-se a acção ao “Tribunal da Comarca de Lisboa – Varas Cíveis”, tendo sido distribuída à 6ª Vara Cível da Comarca de Lisboa.
Considerando que, no artigo 97º da LOFTJ, não se atribui às varas cíveis competência para a preparação e julgamento de acções sob a forma de processo especial, designadamente as de interdição, o Exc. mo Juiz declarou esta Vara incompetente para conhecer da presente acção e determinou a remessa dos autos aos Juízos Cíveis da Comarca de Lisboa, por serem os competentes.
Inconformado, agravou o Ministério Público, finalizando a alegação com a seguinte conclusão:
1ª - Sendo esta Vara Cível competente para preparar e julgar esta acção de interdição por anomalia psíquica, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4º, 62º e 312º, todos do CPC e dos artigos 97º, n.º 1 e 99º, ambos da LOFTJ, deverá o despacho recorrido ser revogado, porque violador das referidas disposições legais, e substituído por outro que reconheça competência a esta vara cível para prosseguir a presente acção declarativa.

Não houve contra – alegações.
O Exc. mo Juiz sustentou o despacho recorrido.

2. Para além dos factos descritos no relatório, interessa referir que a acção não foi contestada.

3. Os recursos têm por objecto as decisões de que se recorre e o seu âmbito é delimitado pelas conclusões extraídas das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artigos 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 CPC).
Assim, in casu, interessa saber se o tribunal competente para preparar e julgar a presente acção de interdição por anomalia psíquica será a Vara Cível ou o Juízo Cível da Comarca de Lisboa.

4. Consoante o seu fim as acções são declarativas ou executivas, podendo aquelas ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas (cfr. artigo 4º CPC).
O artigo 460º CPC diz-nos, por sua vez, que o processo pode ser comum ou especial e a seguir acrescenta que o processo especial se aplica aos casos para os quais a lei expressamente os estabeleceu enquanto o processo comum se aplica a todos os casos a que não corresponda processo especial.
O processo comum é ordinário, sumário e sumaríssimo (artigo 461º), “havendo uma grande variedade e multiplicidade de processos especiais, cada um dos quais apresenta, em relação aos outros diferenças sensíveis de forma”[1].
Sendo assim, e dado que o processo comum há-de aplicar-se a todos os casos a que não corresponda processo especial (artigo 460º, n.º 2, 2ª parte, CPC), segue-se que “cada processo especial tem a índole de forma excepcional de processar, contraposta à forma comum. Noutros termos: cada processo especial é, em confronto com o processo comum, uma excepção à regra”[2]. A regra é o processo comum, nalguma das três formas mencionadas constituindo cada um dos processos especiais uma excepção ou desvio dessa regra.
As formas de processo declarativo comum são definidas através de critérios assentes exclusivamente no objecto da acção ou simultaneamente no seu valor e no respectivo objecto (cfr. artigo 462º CPC).
Assim, se o valor da acção exceder a alçada da Relação, a forma de processo comum é a ordinária (artigo 462º, n.º 1 CPC).
Por essa razão, como as acções sobre o estado das pessoas excedem o valor da alçada da Relação (artigo 312º CPC), seguirão a forma ordinária, salvo se se tratar de processo especial.
É que os processos especiais regular-se-ão pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se achar estabelecido para o processo ordinário (artigo 463º, n.º 1 CPC).
Assim, a acção de interdição, porque é uma acção sobre o estado das pessoas (artigos 138º a 151º CC), excede o valor da alçada da Relação, mas porque se trata de um processo especial é regulado:
a) – Em primeiro lugar, pelas disposições contidas nos artigos 944º a 958º CPC;    b) – Em segundo lugar, se estes artigos não forem suficientes, pelas disposições gerais e comuns;
c) – Em terceiro lugar, pelas normas relativas ao processo ordinário (artigo 467º e seguintes).
Daí que a acção de interdição só terá seguimento como ordinária se, findos os articulados e o exame, a acção tiver sido contestada, ou o processo, em qualquer caso, não oferecer elementos suficientes (artigo 952º CPC).
In casu, esta acção de interdição foi distribuída a uma Vara Cível, ou seja a um tribunal de competência específica que conhece de matérias determinadas em função da forma de processo aplicável (artigo 64º da LOFTJ).
Neste sentido, determina o artigo 97º, n.º 1 LOFTJ que às varas cíveis compete a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de valor superior à alçada do Tribunal da Relação em que a lei preveja a intervenção do tribunal colectivo.
Ora, segundo a norma da al. b) do artigo 106º LOFTJ compete ao tribunal colectivo julgar as questões de facto nas acções de valor superior à alçada do tribunal da Relação (...), sem prejuízo dos casos em que a lei de processo exclua a sua intervenção e, segundo a al. c), as questões de direito, nas acções em que a lei de processo o determine.
O artigo 646º regula a intervenção e competência do tribunal colectivo, esclarecendo o n.º 2 desse artigo que a intervenção do colectivo não é admissível, nomeadamente, nas acções não contestadas que tenham prosseguido por versarem sobre relações subtraídas ao domínio da vontade das partes, portanto, sobre relações jurídicas indisponíveis, ou seja, as acções sobre o estado das pessoas (artigo 646º, n.º 2 al. a em conjugação com o artigo 485º, al. c), ambos do CPC).
Concluindo:
A intervenção do colectivo na acção de interdição só acontecerá na situação prevista no artigo 952º, n.º 2 do CPC.
Portanto trata-se de uma acção que não é originariamente da competência das varas cíveis mas que em determinada fase da sua tramitação pode ser remetida para as mesmas.
Daí que as acções de interdição devam ser endereçadas aos juízos cíveis por serem os originariamente competentes para as preparar e julgar, a não ser que passem a seguir os termos do processo ordinário, altura a partir da qual a competência se transfere para as varas cíveis (artigo 99º LOFTJ).
4.
Pelo exposto, negando provimento ao agravo, confirma-se a decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Maio 2003
Granja da Fonseca
Alvito de Sousa
Martins Lopes
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[1] Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. 2º, pág. 286.
[2] Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. 1º, pág. 2.