Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9877/2007-8
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
QUESTÃO NOVA
DIREITO DE RETENÇÃO
EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: 13.12.2007
Sumário: I-  Invocando o embargante a sua qualidade de proprietário ao abrigo de contrato-promessa com tradição e pagamento integral do preço e invocando ainda a recusa do pagamento do preço para, deste modo, fundar a sua pretensão de procedência de embargos de terceiro face ao exequente hipotecário, a invocação, em sede de alegações de recurso, da titularidade de direito de retenção, constitui questão nova (artigo 660.º do C.P.C.) de que o Tribunal da Relação não pode conhecer.
II- Não se trata aqui de mera qualificação jurídica (artigo 664.º do Código de Processo Civil)  de uma determinada realidade, sempre na disponibilidade do julgador: é que o reconhecimento do direito de retenção não é de conhecimento oficioso e, por conseguinte,  a parte não poderia deixar de fundar a sua pretensão também nessa causa de pedir (artigo 193.º do C.P.C.) e, não o tendo feito, o Tribunal, se o declarasse, incorreria em violação do disposto no artigo 661.º do C.P.C.
III- Ainda que assim não fosse, o direito de retenção que assiste ao promitente-comprador na situação prevista no artigo 755.º/1, alínea f) do Código Civil não  permite julgar procedentes embargos de terceiro obstativos  do prosseguimento de execução hipotecária.
SC
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Fernando […] deduziu embargos de terceiro por apenso à execução instaurada pela Caixa […]  contra João […] e Célia […] .
2. Alega o embargante que a fracção autónoma objecto de hipoteca lhe pertence actualmente pois outorgou contrato-promessa de compra e venda respeitante à fracção a penhorar na aludida execução hipotecária tendo pago o preço e recebido a fracção e munido ainda de procuração com poderes passou a poder representar os promitentes-vendedores (ora executados) em todos os actos necessários à outorga da escritura de compra e venda a favor do embargante ou de terceiro.
 
3. Muito expressamente o embargante fundamenta a sua oposição à execução no facto de a fracção hipotecada ser sua propriedade exclusiva por lhe ter sido vendida (artigos 21º e 22º da petição de embargos).
 
4. Alegou ainda o embargante  que procurou regularizar a dívida dos executados junto da embargada, mas sem sucesso.
5. Os embargos foram julgados improcedentes.
6. A sentença considerou que tais actos não constituem compra e venda. Não sendo proprietários, não podem os embargantes expurgar a hipoteca constituída anteriormente à outorga do contrato-promessa e tradição.
7. E quanto à pretendida oferta de pagamento, não provada, da sua recusa resultava apenas que o credor hipotecário incorreria em mora perante os devedores, não perante o terceiro que oferecera o pagamento.
8. O embargante, por virtude da sequela própria dos direitos reais, não dispunha, por conseguinte,  de posse incompatível com a do credor hipotecário e, por isso, ainda que dispusesse do invocado direito de propriedade, não poderia opor-se fundadamente à execução. Os embargos teriam sempre de improceder.
9. Podia o embargante, face à alegada recusa de pagamento (não provada, como se disse), obstar ao prosseguimento execução pagando nesta o devido.
9. Estas considerações que a sentença desenvolveu ( ver fls. 109/210) afiguram-se inatacáveis.
10. O recorrente, nas alegações de recurso, passa a seguir outro caminho: sustenta que os factos provados permitem-lhe invocar e exercer o direito de retenção que prevalece sobre a hipoteca.
11. A sentença, não reconhecendo tal direito, violou os artigos 754.º/2, 755.º/1, alínea f), 759.º todos do Código Civil e incorreu ainda em omissão de pronúncia (artigo 668.º/1, alínea d) do Código de Processo Civil).
12. Esta é agora a posição do embargante/recorrente.
 
Apreciando:
13. Remete-se para a matéria de facto (artigo 713.º/6 do Código Civil).
 
14. Recorda-se que a hipoteca foi constituída antes de ter sido celebrado contrato-promessa.
 
15. O promitente-comprador goza de direito de retenção (artigo 755.º/1, alínea f) pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º e o direito de retenção  prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente (artigo 759.º/2 do Código Civil).
 
16. Tudo isto é certo, mas não é menos certo que esta constitui questão nova sobre a qual o tribunal recorrido não tinha de se pronunciar nem obviamente agora o Tribunal da Relação (artigo 660.º do C.P.C.).
 
17. Não estamos face a mera questão de qualificação visto que o direito de retenção não é de conhecimento oficioso e, por conseguinte, o Tribunal, sem pedido deduzido nesse sentido, não pode reconhecer o direito de retenção para, a partir de tal reconhecimento, decidir se o seu titular pode fundadamente opor-se ou não à execução hipotecária instaurada tendo em vista obstar ao seu prosseguimento com a penhora do bem hipotecado. Note-se, aliás, que nem se descortina de que  crédito dispõe o embargante sobre os embargados (pessoas singulares) justificativo do direito de retenção.  
 
18. Diga-se que a pretensão do recorrente nem assim obteria sucesso.
 
Veja-se:
 
1.  Ac. do S.T.J. de 26-6-2001(Silva Paixão) C.J.,2, pág. 135
 
I — O direito de retenção de que um credor goza sobre certo prédio extingue-se pela entrega da coisa, mas já não se extingue pelo facto de tal prédio ser penhorado, na medida em que o retentor perde a respectiva detenção sem a sua vontade
II —  Está vedado a esse credor reagir à penhora através de embargos de terceiros.
III —  Mas pode reclamar oportunamente o seu crédito e fazer valer a garantia real para ser preferencialmente pago pelo produto da venda
 
2. Ac. do S.T.J. de 12-2-2004 (Oliveira Barros) C.J., 1, pág. 57
 
I — O terceiro, arrendatário de prédio e que por contrato-promessa o prometeu comprar e também por esse título o está a deter, goza sobre ele do direito de retenção, que prevalece sobre a hipoteca e esta sobre a penhora desse mesmo prédio
II —  No entanto,  o direito de retenção do promitente comprador com tradição do prédio não é incompatível com a apreensão judicial para efeitos de venda ( em que a penhora se traduz)
III —  Por isso, o promitente comprador, que goza do direito de retenção, não pode deduzir embargos de terceiro à penhora que atinja o prédio, devendo, antes, reclamar o respectivo crédito no concurso de credores no processo executivo
 
3.
I —  O direito de retenção do promitente-comprador com tradição do prédio não é incompatível com a penhora deste.
II —  O promitente-comprador que goza do direito de retenção sobre o prédio que detém não pode deduzir embargos à penhora deste, devendo antes reclamar o respectivo crédito no concurso de credores no processo executivo, por forma a vê-lo graduado no competente lugar.
 
11-07-2006
Revista n.º 1880/06 - 6.ª Secção
Fernandes Magalhães (Relator) *
Azevedo Ramos
Silva Salazar
 
4 —  Ac. do S.T.J. de  19-6-2007 (Sebastião Póvoas ) ( P. 1624/2007)

Sumário :
 
1) Conjugando os artigos 351º do Código de Processo Civil e 1285º do Código Civil conclui-se que a defesa da posse ainda é o fundamento nuclear dos embargos de terceiro, apesar de esse meio poder hoje também defender qualquer outro direito incompatível com a diligência judicial.
 
2) Enquanto não estiverem identificadas as fracções de prédio urbano destinadas ao pagamento do preço de compra e venda do terreno onde foi implantado o edifício, não se transferiu a posse - nem a propriedade - dos mesmos, por indeterminação do objecto.
 
3) A hipoteca - direito real de garantia - registada antes da transmissão da propriedade das fracções - ou da respectiva posse - é impeditiva da procedência de embargos de terceiro requeridos contra penhora operada em execução hipotecária.

Concluindo:
 I —  Invocando o embargante a sua qualidade de proprietário ao abrigo de contrato-promessa com tradição e pagamento integral do preço e invocando ainda a recusa do pagamento do preço para, deste modo, fundar a sua pretensão de procedência de embargos de terceiro face ao exequente hipotecário, a invocação, em sede de alegações de recurso, da titularidade de direito de retenção, constitui questão nova (artigo 660.º do C.P.C.) de que o Tribunal da Relação não pode conhecer.
II —  Não se trata aqui de mera qualificação jurídica (artigo 664.º do Código de Processo Civil)  de uma determinada realidade, sempre na disponibilidade do julgador: é que o reconhecimento do direito de retenção não é de conhecimento oficioso e, por conseguinte,  a parte não poderia deixar de fundar a sua pretensão também nessa causa de pedir (artigo 193.º do C.P.C.) e, não o tendo feito, o Tribunal, se o declarasse, incorreria em violação do disposto no artigo 661.º do C.P.C.
III- Ainda que assim não fosse, o direito de retenção que assiste ao promitente-comprador na situação prevista no artigo 755.º/1, alínea f) do Código Civil não  permite julgar procedentes embargos de terceiro obstativos  do prosseguimento de execução hipotecária.
 
Decisão: nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
 
Custas pelo recorrente
 
Lisboa, 13 de Dezembro de 2007
 (Salazar Casanova)
 (Silva Santos)
(Bruto da Costa)