Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO VALENTE | ||
Descritores: | FIANÇA ÂMBITO EXTINÇÃO ARRENDAMENTO CONTRATO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/19/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I- A transacção pela qual locador e locatário acordaram a extinção do contrato de arrendamento implica a extinção da fiança considerando o disposto no artigo 651º do Código Civil segundo o qual “ a extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança”. II- A não restituição da coisa, findo o contrato, gera uma indemnização nos termos do artigo 1045º do Código Civil, não sendo rendas as quantias devidas. III- Se assim não fosse, ou seja, se os fiadores se considerassem responsabilizados pelas indemnizações decorrentes da não entrega do local arrendado, findo o contrato, a fiança perderia o seu carácter acessório e tornar-se-ia indeterminada. (SC) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa Vem nos presentes autos Automóveis C.[…] S.A. pedir a condenação de P.[…], J.[…] e A.[…] a pagarem-lhe a quantia de 7.200.000$00 acrescida de juros de mora. Alega para tal e em síntese ter celebrado com o 1º Réu um contrato de arrendamento, no qual os outros RR se constituíram fiadores do primeiro. Por transacção celebrada noutro processo judicial, o 1º Réu obrigou-se a entregar o locado à Aª até 31/3/98. Contudo, apenas procedeu a tal entrega em Outubro de 1998, na sequência da execução do despejo. Como não lhe foi paga qualquer renda desde Janeiro de 1998, tem a Aª a haver dos RR as rendas vencidas até Março de 1998 e o dobro das mesmas até à data da entrega efectiva. Os 2º e 3º RR contestaram, alegando que, na sequência da transacção celebrada no outro processo judicial, ficaram convencidos que o arrendamento cessaria em 31/3/98 e com ele cessaria a fiança. Procedeu-se a julgamento, vindo a ser proferida sentença que, além do mais, condenou todos os RR a pagarem à Aª a quantia de € 33.668,86, acrescida de juros de mora. * Inconformados, recorrem os 2º e 3º RR, concluindo que: - A fiança extingue-se quando extinta a obrigação principal, neste caso, o contrato de arrendamento. Com a extinção do contrato, extinguem-se as obrigações dele decorrentes. - A não entrega do locado não afecta a revogação do arrendamento, gerando a responsabilidade extra-contratual do locatário. - A indemnização pela não entrega do locado tem uma natureza externa ao contrato de arrendamento, por força do instituto do enriquecimento sem causa e eventualmente, responsabilidade civil. - A qual não pode estar abrangida na responsabilidade emergente da fiança. A Aª alegou defendendo a bondade da decisão recorrida. * Com interesse para o presente recurso ficou provado que: 1. Por contrato de 31/7/97, a Aª arrendou ao Réu […] a fracção autónoma correspondente ao 9º andar do prédio sito […] em Lisboa. 2. Tendo sido fixada a renda anual de 5.400.000$00, pagável em duodécimos mensais de 450.000$00. 3. Consta igualmente do contrato que os RR J.[…] e A.[…] se obrigaram solidariamente com o Réu P.[…] no integral cumprimento de todas as cláusulas do contrato, enquanto fiadores. 4. Por transacção, homologada por sentença, no âmbito do processo nº […] a Aª e o Réu P.[…] acordaram em revogar o mencionado contrato de arrendamento, obrigando-se o mesmo Réu a entregar o locado à Aª até 31/3/98, estipulando as partes a obrigação de pagamento de rendas até à entrega efectiva. 5. O andar só veio a ser entregue à Aª, na sequência de execução de despejo, em Outubro de 1998. 6. Não foi pago à Aª o valor equivalente à renda mensal dos meses de Abril a Outubro de 1998. 7. O Réu J.[…] tomou conhecimento, em 11/11/97, do teor do termo de transacção mencionado em 4. 8. Os 2º e 3º RR convenceram-se que a fiança só se manteria até 31/3/98. 9. Os RR apenas foram informados pela Aª de que o locado não havia sido entregue em 31/3/98 e que estavam em dívida as rendas a partir dessa data, após a desocupação do imóvel em Outubro de 1998. 10. Os 2º e 3º não outorgaram o termo de transacção referido em 4. * Cumpre apreciar. O que está em causa no presente recurso é o saber se a fiança se mantém uma vez findo o contrato de arrendamento, relativamente às obrigações do arrendatário decorrentes da não entrega do locado. Uma vez que não houve recurso da sentença, na parte respeitante à condenação do 1º Réu – arrendatário – podemos assentar em que, além de outras quantias, aqui irrelevantes, foi o mesmo condenado, solidariamente com os ora recorrentes a pagar à Aª a quantia de € 33.668,86 acrescida de juros de mora. Tal quantia reporta-se à indemnização prevista no art.º 1045º nº 2 do CC, ou seja, é calculada com base nas rendas de Abril a Outubro de 1998, em dobro. Relembre-se que a Aª e o arrendatário acordaram em transacção judicial devidamente homologada, pôr termo ao contrato de arrendamento em 31/3/98, data em que o Réu P.[…] entregaria o locado à Aª. Contudo o Réu não o fez, continuando a ocupar a fracção até Outubro de 1998, sem pagar qualquer contrapartida à Aª. O problema suscitado é pois o de saber se, extinto o contrato de arrendamento em 31/3/98, a fiança prestada pelos apelantes persiste para lá dessa data. Nos termos do art.º 627º do CC, a fiança é um meio de garantia de satisfação do direito de crédito, obrigando o fiador pessoalmente perante o credor, embora a sua obrigação seja acessória da que recai sobre o principal devedor. A acessoriedade da fiança significa que esta está subordinada e acompanha a obrigação principal, como se vê dos arts. 628º nº 1, 631º, 632º e sobretudo, para o caso que agora nos interessa, do art.º 651º: “a extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança”. Dado o carácter supletivo do art.º 655º, cumpre analisar os termos da fiança prestada pelos ora recorrentes. Assim, na cláusula 10ª do contrato de arrendamento, pode ler-se: “Os fiadores obrigam-se solidariamente para com o inquilino ao integral cumprimento de todas as cláusulas do presente contrato, por todo o período da sua duração inicial e eventuais renovações”. Como parece evidente, a obrigação dos fiadores estabelece-se dentro do âmbito do contrato, em termos muito mais latos que os do art.º 655º, é certo, mas não abrange qualquer obrigação subsequente à cessação do contrato. Ou seja, enquanto obrigação acessória que é, a fiança acompanha a obrigação principal e esta é a decorrente do contrato de arrendamento, nomeadamente na configuração acordada pelos contraentes. Cessado o contrato, por acordo entre senhoria e inquilino – acordo em que nem sequer participaram os fiadores – qualquer nova obrigação que venha a nascer entre locadora e locatário é já extrínseca ao contrato. Com efeito, a condenação do Réu P.[…] no pagamento de uma indemnização, calculada com base no dobro das rendas vencidas, não tem por fonte um eventual incumprimento do contrato de arrendamento, que já cessara, mas a ocupação indevida do imóvel sem qualquer título que para tal o legitime. Como se observa no Acórdão desta Relação, de 18/11/99 – CJ 1999, V, 95/6 – “em rigor, findo o arrendamento, deixa de haver locatário e, por isso, com o vocábulo locatário a lei designa aquele que na relação arrendatícia ocupou esse lugar. Posto isto, do confronto das duas normas contidas no art.º 1045º extrai-se o seguinte regime: se findo o contrato, não houver mora do locatário na obrigação de restituir a coisa locada, o locatário deve continuar a pagar, a título não já de renda, mas de indemnização, o montante que foi estipulado para a renda; e se, findo o contrato, houver mora do locatário na obrigação de restituir a coisa, a indemnização é elevada ao dobro da quantia estipulada como renda”. Ou seja, a obrigação daquele que, durante o arrendamento assumiu a posição de arrendatário, não decorre do contrato de arrendamento mas de uma outra situação que poderá ser considerada teoricamente como responsabilidade extra-contratual ou enriquecimento sem causa. A diferença é que não são de aplicar critérios próprios destas figuras jurídicas para determinar a indemnização ou compensação já que o art.º 1045º fixa um critério próprio de determinação. É certo que o fiador pode, findo o contrato, ser responsabilizado pela mora do devedor principal, desde que tal mora se reporte ao cumprimento da obrigação de que a fiança é acessória. Por exemplo, seria o caso de não pagamento de rendas, na vigência do contrato. Porém, cessado o contrato e não restituída no prazo fixado a coisa locada, gera-se uma obrigação que, como vimos nada tem a ver com as obrigações decorrentes do arrendamento. As quantias que o ex-locatário tem a pagar não são rendas mas uma indemnização equiparada ao montante das rendas que vigoravam na vigência do contrato, ou o seu dobro. Ora, analisada a fiança prestada pelos recorrentes, vê-se que estes nunca assumiram qualquer responsabilidade por uma obrigação nascida após a cessação do contrato – no caso, ocupação ilícita do locado. Por outro lado, dado o carácter acessório da fiança, cessada a obrigação principal extingue-se a fiança. Assim, quando senhoria e inquilino, mediante transacção judicial, puseram fim ao contrato de arrendamento, extinguiu-se a fiança prestada pelos 2º e 3º RR (sem embargo da responsabilidade por dívidas nascidas ainda na vigência do contrato e ainda por satisfazer). Tudo o que daí para a frente ocorrer já não responsabiliza os fiadores sob pena de se alargar injustificadamente a fiança para lá do seu próprio objecto contratualmente assumido, retirando-lhe o imprescindível carácter acessório e tornando-a indeterminada. Assim e tudo visto, acorda-se em julgar procedente a apelação, absolvendo-se os apelantes do pedido. Custas pela apelada. LISBOA, 19/10/2006 (António Valente) (Ilídio Martins) (Teresa Pais) |