Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1426/2004-3
Relator: ANTÓNIO CLEMENTE LIMA
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/17/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A decisão que impõe a prisão preventiva, não sendo definitiva, é de manter enquanto subsistirem os pressupostos que a determinaram, que no caso concreto se reconduzem inadequação ou insuficiência de outra medida de coacção relativamente a arguido indiciado pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de crimes de abuso sexual de crianças.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. Incidências processuais relevantes. Decisão recorrida.
Nos autos de inquérito n.º 101/03.3TAPDL-B, com intervenção judicial pelo 4.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Ponta Delgada, o arguido, (A), filho de (J) e de (E), natural de Ribeirinha, Ribeira Grande, nascido a 15 de Outubro de 1953, divorciado, empregado bancário, na agência de Ponta Delgada da Caixa Geral de Depósitos, ... Atalhada, Lagoa, detido a 8 de Janeiro de 2004, foi submetido a interrogatório judicial (fls. 19/20, deste apenso) e, em sequência, por despacho de 8 de Janeiro de 2004 (fls. 28-30), adiante transcrito, foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.

2. Recurso. Motivação – conclusões.
O arguido interpôs recurso deste despacho.
Pretende que, a entender-se que estão verificados os pressupostos de aplicação de uma medida de coacção, a medida decidida seja substituída por obrigação de permanência na habitação ou pela proibição de permanência, de ausência e de contactos.
Extrai da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1.ª - Estatui o n.º 2 do artigo 28.º da CRP que «a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável».
2.ª - Significa isto, de modo incontornável, que para além dos requisitos gerais exigidos pelo artigo 204.º e dos pressupostos especiais previstos no artigo 202.º ambos do Cód. Processo Penal, é indispensável para que possa aplicar a prisão preventiva que se revele a inadequação ou insuficiência de outras medidas de coacção. Ora,
3.ª - Não resulta da decisão recorrida que tal inadequação ou insuficiência de outras medidas de coacção se verifique. E,      
4.ª - Admitindo sem conceder que tais pressupostos de aplicação de uma medida de coacção se verificaram, então a medida de obrigação de perrnanência em  habitação prevista no artigo 201.º do CPP ou a medida de proibição de permanência, de ausência e de contactos prevista no artigo 200.º do mesmo Código, acautelam, igualmente, os interesses que a aplicação da prisão preventiva quis salvaguardar.
5.ª - A decisão recorrida violou os arts. 28.º n.º 2, da CRP, 193.º n.º 2 e 202.º n.º 1, do CPP, que devem ser interpretados com o sentido e alcance que lhes é dado pelo recorrente. Acresce que
5.ª - O douto despacho recorrido, fundando-se em apreciações genéricas relativas ao conjunto dos arguidos, não enunciando em relação a cada um deles os factos que, em concreto, fundamentam a medida aplicada, viola o n.º 4 do artigo 93.º, do Código de Processo Penal e o n.º 4 do artigo 27.º, da Constituição da República.
7.ª - A enunciação dos motivos de facto da decisão, designadamente quanto aos factos concretos e individualizados de que resultaria, sem a sua prolação, quer perigo de fuga, quer perigo de perturbação do inquérito, quer perigo de continuação da actividade criminosa, quer - por último - perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, são um conjuro de suposições e afirmações genéricas, que não a fundamentam legalmente, resultando, igualmente, violados o n.º 3 do artigo 194.º, do CPP e o artigo 27.º n.º 4, da CRP.

3. Decisão de admissão do recurso.
O recurso foi admitido, por despacho de 23 de Janeiro de 2004 (certificado a fls. 40).

4. Resposta à motivação.
A Ex.ma Procuradora da República no Tribunal a quo contra-motivou.
Propugna pela confirmação do julgado.
Alinha, designadamente, as seguintes (transcritas) considerações:
Como é próprio dos tipos legais envolvidos, as vítimas tinham menos de 14 e de 16 anos de idade. O arguido conta 51 anos. O arguido é funcionário bancário; das vítimas, umas são estudantes e as demais, não obstante a idade, já se ocupam em actividades laborais. A desproporção entre as experiências de vida e a capacidade económica do arguido e vítimas não é mensurável. Também não têm paralelo as capacidades de persuadir, de congeminar, de usar meios, de discernir dele e das crianças de que se serviu. Subitamente (e não ao longo dos meses, como erradamente quis fazer crer, por pura retórica, no que alegou no final do primeiro interrogatório), quebrou-se o segredo das práticas imputadas e viu-se sujeito de uma atenção que estava longe de imaginar e de querer. A tensão que resulta da perspectiva de várias penas de prisão que vão de 2 a 8 anos, de ter de se defrontar com parentes seus, com parentes das vítimas, com colegas e com a impiedade da comunicação social, é palpável. Por isso, soluções como a fuga e a adulteração da prova não são abstracções, mas realidades concretas e definidas. O argumento de que a prisão preventiva é substituível, em termos de eficácia, pela permanência na habitação, não é aceitável. Como é intuitivo, a eficácia dessa medida é mais nominal do que efectiva na medida em que a sua inobservância, sendo discreta, passa sem constatação, para não falar da impossibilidade de controlar p.ex. as chamadas telefónicas... Se se quiser ser realista, ter-se-á de reconhecer que essa medida só surtiria efeito se houvesse vigilância permanente da casa do recorrente. E sobre a impraticabilidade de a fazer, nem vale a pena discorrer, de evidente que é. Deste modo, tal medida nem eliminaria o perigo de fuga nem o da contaminação da prova. De resto, quanto a este segundo aspecto, mesmo que a medida fosse respeita­da, é bom de ver que não haveria impedimento ao contacto com os ofendidos. Aliás, mesmo o perigo de reiteração da actividade delituosa não estava afastado, dada a com­pulsão que o douto despacho recorrido invoca.

5. Parecer do Ministério Público, nesta instância.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal é de parecer que o recurso não merece provimento, pois que, no abono da decisão revidenda, estão em causa, não suposições da M.ma Juíza de instrução, mas «realidades que saltam à vista mesmo ao cidadão comum e decorrem das circunstâncias em que os factos foram cometidos e dos quais se dá conta nas certidões de fls. 2 e seguintes».

6. Objecto do recurso – questões a examinar.
Concedendo que a demarcação do objecto do recurso se faz a partir do teor das conclusões que o recorrente extracta da motivação do recurso (art. 412.º n.º 1, do Código de Processo Penal), importa, no caso, atento o remate da minuta, mas seguindo um critério de lógica preclusiva, examinar as seguintes questões: (a) da insuficiência da fundamentação da decisão que estabeleceu a prisão preventiva; (b) da inadequação da medida coactiva aplicada ao arguido.
II. FUNDAMENTAÇÃO
7. Decisão recorrida.
O despacho da M.ma Juíza de instrução, recorrido, é do seguinte (transcrito) teor:
Julgo válidas as detenções e apreensões efectuadas e tempestiva a apresentação dos arguidos em Juizo.
Concorda-se com a valoração dos factos e o enquadramento jurídico feito pelo M° P° aqui se dando por reproduzido. Por ser distinta a situação dos vários arguidos e porque relativamente aos arguidos (AA), (AV), (HP) e (CF) a defesa manifestou a aceitação por serem adequadas e proporcionais as medidas de coacção propostas opinião que também partilhamos a fim de evitar maior delongas neste interrogatório dá-se igualmente por reproduzidos os fundamentos expostos na douta promoção que antecede e determina-se que os arguidos supra referidos aguardem os ulteriores termos processuais mediante apresentações periódicas, com periodicidade semanal fixando-se o dia da apresentação ao Domingo no Posto Policial da área das respectivas residências.
Relativamente aos demais arguidos têm o Tribunal o dever de justificar melhor a opção que fez quanto á medida de coacção. Antes de mais cumpre deixar claro que é convicção do Tribunal teve presente o depoimento dos vários ofendidos cuja credibilidade não é posta em causa pela negação que os arguidos fazem dos factos, como não é por se tratarem de crianças por, pertencerem a meios carenciados e se seduzirem «vendendo» a troco de míseros escudos ou euros favores sexuais. A força dos seus depoimentos estrita-se pelo seu número, pelos pontos de contacto que tem entre si e bem assim no confronto com as declarações dos próprios arguidos, vejam-se as descrições pormenorizadas dos vários ambientes onde os crime tiveram lugar, particularmente aqueles que ocorreram noutros locais que não a famígerada garagem. Ainda que negassem os factos quando confrontados com o teor dos depoimentos que lhes foram lidos a reacção dos arguidos foi o silencio ou a tentativa de apresentar explicações rebuscadas e pouco credíveis, o que mais reforça a convicção deste Tribunal.
Os crimes que aos arguidos vem imputados são punidos com penas de prisão de 1 a 8 anos art. 172.º n.º 1 do CP; de 3 a 10 anos segundo o disposto no n.º 2 do mesmo diploma legal e de 2 anos ou pena de multa até 240 dias os previsto nos arts. 174.º e 175.º do CP.
Ante o número de crimes em causa e a moldura penal que lhes corresponde afigura-se­-nos como altamente provável a condenação dos arguidos em penas de prisão efectiva.
A gravidade dos crimes e a perspectiva de virem a sofrer uma pena de prisão efectiva é de facto motivadora para que os arguidos encarem a fuga como a solução para se subtraírem ás suas responsabilidades. Também a possibilidade de os arguidos se movimentarem no sentido calarem as vitimas comprando o seu silêncio é também um perigo real e não afastado pelo facto de o não terem feito até agora, até porque, muito provavelmente, nunca se convenceram que o Tribunal daria credibilidade aos depoimentos de crianças que vendem favores sexuais no confronto com a palavra de homens de família conceituados no meio onde se inserem.
Aos perigos apontados acresce em nosso entender também o crime de continuação da actividade criminosa. O abusador, e é de abusadores que estamos a falar, sabe que está a fazer algo de socialmente errado, que está a fazer mala uma criança mas, ainda assim não consegue impedir a repetição abusiva. Essa é uma realidade estudada nos compêndios a que também se dá o nome síndrome de compulsão. Mais, nem uma acusação ou mesmo uma condenação se têm revelado suficientes para impedir a continuação da actividade criminosa nestes casos.
Por fim alguém já disse que o crime de abuso sexual de crianças é o crime mais grave e é-o porque perpetrado contra as crianças e contra a própria sociedade nela causando fortes sentimentos de repulsa. Tudo isto para dizer que também no caso em concreto o perigo da perturbação da ordem e tranquilidade publica é uma realidade.
Por todo o exposto em face da gravidade dos crimes de que os arguidos vem indiciados e os apontados perigos entende o Tribunal que só a aplicação de uma medida privativa da liberdade os poderá acautelar. De entre as duas medidas legalmente previstas a prisão preventiva é aquela que se mostra adequada a acautelar o perigo da continuação da actividade criminosa que nem a obrigação da permanência na habitação consegue afastar.
Por se afigurar assim adequada e proporcional à gravidade dos crimes, o Tribunal decide que os arguidos (MC), (JS), (EB), (DR), (MC),(LA), (JT) e (A) aguardem os ulteriores termos processuais sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva, arts. 202.º n.º 1 al. a), art. 204.º als. a) b) e ) do CPP.

8. Da insuficiência da fundamentação da decisão que estabeleceu a prisão preventiva.
Defende o recorrente, a respeito, que o despacho revidendo se funda em apreciações genéricas, relativas ao conjunto dos arguidos, sem individualizar a materialidade que viabiliza a conclusão da existência dos perigos de fuga, de perturbação do inquérito, de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas.
Vejamos.
Antes de mais, tem de sublinhar-se que a matriz fundamentatória que, do art. 205.º n.º 1, da CRP, se decantou para os arts. 97.º n.º 4, 194.º n.º 3 (e, no caso da sentença, para o art. 374.º n.º 2), estes do CPP, a induzir a necessidade de autoridade e convencimento das decisões dos tribunais, a indispensabilidade da transparência da decisão, consente um modo sumário de fundamentar de que, em conjúgio lógico com precedentes actos processuais, se possa concluir a) que o julgador ponderou os motivos de facto e de direito da decisão, isto é, não agiu discricionariamente, b) que a decisão tem virtualidade para convencer os interessados e os cidadãos em geral da sua correcção e justiça, e c) que o controlo da legalidade do decidido, nomeadamente por via de recurso, não é prejudicado ou inviabilizado pela forma que tomou.
No caso, da decisão revidenda decorre, com incontornável clareza, que o Tribunal a quo fez sopeso bastante dos elementos de prova indiciária constantes dos autos, do que inferiu a forte indiciação dos factos ao visado, operando o pertinente enquadramento jurídico, em sequência do que, discorrendo sobre as circunstâncias pessoais do arguido e de outros co-arguidos (definindo diferentes medidas cautelares) e sobre a natureza da actividade delituosa tida por indiciada, concluiu, com apelo à devida normação, pela necessidade e adequação da prisão preventiva.
Ademais, sublinhe-se, no caso, a apreciação conjunta da materialidade indiciária concernente a vários dos co-arguidos (incluindo o recorrente)[1], não sonega, a qualquer deles, as razões da opção decisória.
Resulta assim do texto da decisão que o Tribunal não decidiu discricionariamente, não impediu o controlo da legalidade da decisão nem frustrou a apreciação, designadamente pelo destinatário, da correcção e justiça do acto decisório em referência.
Sem embargo, é sabido que (ressalvado o caso da sentença, em que regem os arts. 374.º n.º 2 e 379.º, do CPP, inaplicáveis no caso), os actos decisórios não fundamentados padecem, processualmente, de mera irregularidade - arts. 118.º n.º 2 e 123.º, do CPP.
Acresce que tal irregularidade só determina a invalidade do acto a que se refere (e dos termos subsequentes pelo mesmo inquinados) quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto (ou nos 3 dias subsequentes a contar da notificação do despacho), o que, não tendo acontecido, no caso em apreço, sempre teria por consequência a sanação do vício.
Assim, neste segmento, apesar do esforço argumentativo do recorrente, o recurso não pode proceder.

9. Da inadequação da medida coactiva aplicada ao arguido.
Neste particular (e tanto quanto é possível organizar o descosimento da minuta), defende o recorrente que a medida de obrigação de permanência na habitação ou a medida de proibição de permanência, de ausência e de contactos acautelam suficientemente os interesses que se pretendeu prevenir com a aplicação da prisão preventiva.
Opõe-lhe a Dg.ma Magistrada Respondente, com impressiva expensão, que a pretextada medida de obrigação de permanência na habitação não eliminaria o perigo de fuga nem o da contaminação da prova, sequer a possibilidade de contacto com os ofendidos, como não afastaria o perigo de reiteração da actividade delituosa.
Afigura-se, sem desdouro do esforçado argumentário do recorrente, que a razão está com a Dg.ma Respondente.
Vejamos, antes de tudo, a conformação legal da medida de coacção estabelecida pelo Tribunal recorrido.
A Constituição consagra, nos primeiros artigos do catálogo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o direito à liberdade e à segurança – art. 27.º.
O direito à liberdade engloba, entre os mais reconhecidos subdireitos, o de não ser detido ou preso pelas autoridades públicas, salvo nos casos e termos prevenidos nos n.os 2 e 3, do mesmo preceito.
Ora, o reconhecimento, constitucionalmente afirmado, do carácter excepcional da prisão preventiva (art. 28.º n.º 2, da CRP), envolve a consideração, além do mais, de que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença que o condene (art. 32.º n.º 2, da CRP) – sendo certo que estes comandos solenes têm de cumprir-se, em concreto, vale dizer, têm de ser respeitados a outrance, pelas autoridades públicas e, designadamente, pelos Tribunais.
Isto posto, com  a solenidade e a força dos preceitos da Lei Fundamental, a definição precisa, detalhada, dos pressupostos da prisão preventiva, impunha-se ao Código de Processo Penal[2].
Daí que este compêndio normativo, para além de fazer lembrete da natureza excepcional e residual daquela medida de coacção (arts. 193.º n.º 2 e 202.º n.º 1), impondo mesmo o reexame regular, ex officio, dos respectivos pressupostos (art. 213.º), inculque o entendimento de que só se pode recorrer à prisão preventiva quando as demais medidas de coacção se mostrem inadequadas ou insuficientes e houver, no caso, fortes indícios da prática, pelo arguido, de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos [art. 202.º n.º 1 a)] e se verifique, em concreto, fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, ou se verifique, em concreto, perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou perigo de continuação da actividade criminosa (art. 204.º, do CPP).
Importa ainda destacar que a decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto subsistirem os pressupostos que a ditaram, isto é, enquanto não houver alteração das circunstâncias que a justificaram – é sabido que as medidas de coacção se encontram sujeitas à condição rebus sic stantibus[3].
In casu, como acima se deixou editado, o arguido vem indiciado pela prática de factos consubstanciadores, designadamente, da autoria material de crimes de abuso sexual de crianças.
E estão claras, na transcrição supra, as razões que levaram a Ex.ma Juíza do Tribunal recorrido a sujeitar o arguido à medida de prisão preventiva.
Ora, como se evidencia, não apenas das conclusões como do próprio teor da minuta recursória, o recorrente não aporta, em seu benefício e em abono da pretendida substituição da prisão preventiva por medida de coacção menos gravosa, qualquer material fáctico, qualquer argumentação irretratável, que permita julgar positivamente a defendida incorrecção da medida imposta, que autorize uma comutação no juízo formulado no despacho sobre mencionado, ou que, ao menos, justifique a conclusão de que se atenuaram as exigências cautelares que determinaram a imposição de uma medida detentiva.
Bem ao contrário: compulsados e revistos os elementos disponíveis, certificados nestes autos recursórios e, na parte que importa, sobre elencados, não pode deixar de se concluir que se verificavam e mantêm os juízos de adequação e proporcionalidade formulados no epílogo do interrogatório do arguido.
É que, como sublinha, com irrespondível pertinência, a Ex.ma Respondente, as medidas propostas na minuta recursória, de proibição de permanência, de ausência e de contactos e de obrigação de permanência na habitação, prevenidas, respectivamente, nos arts. 200.º e 201.º, do CPP, não têm a virtualidade de eliminar os manifestos perigos de fuga e de contaminação da prova, sequer o de reiteração da actividade delitiva, pois que, designadamente, possibilitam o exercício de pressão sobre os meios de prova, além de que, face ao aludido factor de compulsão,  não têm virtualidade para prevenir o risco de concretização de outros actos delitivos.
Como assim, também neste ponto, o recurso não pode deixar de improceder.

10. Responsabilidade tributária.
Improcedente o recurso, impende sobre o arguido recorrente o ónus do pagamento das custas, fixadas nos termos e com os critérios estabelecidos nos arts. 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do CPP e nos arts. 82.º n.º 1 e 87.º n.os 1 alínea b) e 3, estes do Código das Custas Judiciais (pré-vigente, atento o disposto no art. 14.º, do DL n.º 342/2003, de 27-2).
III. DISPOSITIVO

11. Decisão.
Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:
a) negar provimento ao recurso;
b) condenar o arguido recorrente nas custas, com a taxa de justiça em 5 (cinco) UCs.
Lisboa,17/07/04

RELATOR: A. M. Clemente Lima
ADJUNTOS: Maria Isabel Duarte / António Simões

____________________________________________________________________

[1] Ainda que, como o recorrente, se reconheça preferível o exame individualizado.
[2] Ver, por mais recente e impressivo, Odone Sanguiné, «Prisión Provisional y Derechos Fundamentales», Tirant lo Blanch, Valência, 2003, e ainda, com interesse até ao presente, Fernando Fabião, «A Prisão Preventiva», Braga, 1964; Revista da Ordem dos Advogados, ano 42.º (1982), 727; IURIDICA, 121.º (1973), 199; Rodrigues Maximiano, «A Prisão Preventiva», Cadernos da Revista do Ministério Público, 175; Cavaleiro de Ferreira, Parecer, Colectânea de Jurisprudência, ano XIV, tomo IV, pp. 23 e segs.; J.M. Araújo Barros, «Critérios da Prisão Preventiva», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 10.º, tomo 3, pp. 419 e segs.; Pierre Chamon, «Le juge d’instruction, théorie et pratique de la procédure», 2.ª edição, Paris, 1980, 331.
[3] Cfr., por todos, os Acórdãos, da Relação do Porto, de 7-1-98 (Boletim do Ministério da Justiça n.º 473, pág. 564) e de 18-11-92 (Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, tomo V, pp. 255 e segs.)