Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | BRUTO DA COSTA | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO LIVRANÇA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/21/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
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Sumário: | 1 – A livrança prescrita apenas pode valer como título executivo enquanto documento particular consubstanciando a obrigação subjacente desde que não seja emergente de negócio formal e a sua causa seja invocada no requerimento de execução, de modo a poder ser impugnada pelo executado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório. Por apenso à execução que Caixa Económica Montepio Geral Intentou contra (J) e (M) Veio este último deduzir embargos de executado, alegando que a livrança dada à execução, em que consta o 1º executado como subscritor e o embargante como avalista, se encontra prescrita. Notificada, a exequente contestou alegando que pelo contrário, a livrança era título executivo válido, valendo como documento particular assinado pelo obrigado, nos termos da nova redacção do artº 46º, al. c), do Código de Processo Civil. Foi depois proferida douta sentença julgando os embargos procedentes. Ficou provado que: 1) Em 1/9/2003, a embargada instaurou acção executiva contra o embargante e outro, para deles haver coercivamente a quantia de € 55 617,26 e juros. 2) Como título executivo apresentou uma livrança da qual consta, com relevância: a) Local e data de emissão: Lisboa, 1996/06/20; b) Vencimento: 2000/03/25; c) Importância: 8 996 709$00; d) Valor: Operação bancária de empréstimo. e) Assinatura do subscritor: (J. Barros); herdade Ximenes, 7000-019 Nossa Senhora do Divor. f) Local de pagamento/ domiciliação: CEMG, LISBOA. g) No verso, mostra-se aposta a assinatura do embargante, a seguir à expressão manuscrita: "Bom para aval ao subscritor". Da douta sentença vem interposto o presente recurso de apelação. Nas suas alegações a apelante formula as seguintes conclusões: I - No requerimento peticionário da acção executiva a embargante alegou os factos que consubstanciam a causa de pedir II - A exequente alegou a operação subjacente à emissão da livrança no requerimento executivo. III -No título dado à execução é feita menção à relação causal - Operação Bancária de Empréstimo. IV - Os firmantes da livrança reconhecem a dívida, nos termos do artigo 458 n° 1 do C. Civil. V - A livrança junta aos autos, apesar de prescrita, nos termos do artigo 70° da LULL é título executivo suficiente, como documento particular, nos termos do artigo 46°, alínea c) do C.P.C. . VI - Não devia ter sido julgada extinta a execução, uma vez foi alegada pela exequente a obrigação subjacente. VII - O executado subscritor e mutuário não embargou. Daí que não tenha invocado por essa via, a sede própria, a excepção da prescrição, nem quaisquer outros fundamentos de oposição. VIII - A prescrição tem de ser invocada por aquele a quem aproveita, nos termos dos artigos 301° e 303°, ambos do C.P.C. . IX - A prescrição não é de conhecimento oficioso, porque se está na presença de matéria não excluída da disponibilidade das partes. X - A execução não devia ser julgada extinta, quer quanto ao avalista/garante, o embargante, quer quanto ao subscritor/mutuário, por não lhes aproveitar a prescrição da livrança. XI - A acção executiva deve prosseguir contra ambos os executados. XII - O Senhor Juiz "a quo" fez uma incorrecta interpretação e aplicação, violando, por isso, entre outras, as disposições contidas nos artigos 301°, 303°, 458° n° 1, todos, do C. Civil e no artigo 46° alínea c) do C.P.C. O embargante apelado contra-alegou, defendendo a confirmação da decisão, tendo formulado as seguintes conclusões: a) A livrança apresentada nos autos está prescrita. b) Esta excepção peremptória foi invocada peio Recorrido nos termos e para os efeitos dos arts. 301.° e segs. do Código Civil, impedindo o efeito jurídico pretendido pelo ora Recorrente. c) Na execução de um documento particular é necessário alegar, no requerimento executivo, os factos constitutivos da obrigação pecuniária e demonstrar que o montante é determinado ou determinável nos termos do art. 805.° do CPC (art. 46 alínea c) CPC). d) Ora do que é invocado no requerimento executivo e na documentação junta com as alegações de recurso «fica sem se saber se existiu um "financiamento", ou um "empréstimo bancário", qual o valor do capital; juros remuneratórios previstos; juros moratórios estabelecidos; forma e prazo de pagamento; se em prestações, de que valores e em que datas; se houve ou não incumprimento, quando, quais as consequências ... como é que preencheram a livrança por aquele valor e quais as concretas operações de liquidação para o seu preenchimento.» e) Acresce que a documentação junta com as alegações do Recorrente é intempestiva porque não se subsume no disposto no art. 706.° do CPC e impertinente porque não resolve os vícios apontados na sentença. f) O Recorrido na qualidade de avalista prestou uma garantia à obrigação cartular e não à obrigação subjacente. g) Esta é a posição defendida pela doutrina e jurisprudência de que os acórdãos identificados no ponto 19. desta resposta constituem meros exemplo. h) Com efeito, "O aval é uma garantia cambiária que, embora com natureza jurídica semelhante à da fiança, não pode confundir-se com esta e, portanto, extinta pela prescrição a obrigação cambiária, o aval não pode subsistir automaticamente como fiança". - Ac. do STJ de 403-1969, in BMJ 185, pág. 287. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. A questão a resolver consiste em apurar se a livrança dada à execução é ou não título executivo válido. II - Fundamentos. Refere-se na douta sentença sob apreciação: (...) Actualmente, nos tribunais, a questão tem sido discutida com grande acuidade a propósito dos cheques - cuja doutrina é em tudo semelhante à da livrança. Sinteticamente, perfilham-se três teses jurisprudenciais (a propósito do cheque prescrito, mas cuja doutrina, insiste-se, é semelhante e aplicável às livranças) : uma, a que chamaremos primeira, defende o cheque (leia-se livrança) sendo documento particular sempre constitui título executivo, quando se mostra assinado perlo devedor, na medida em que contém em si o reconhecimento de uma obrigação pecuniária de montante determinado (exemplo, o Ac. Rei. Coimbra, de 3/12/98, CJ, t5, 33). Esta é a tese da embargada. Uma segunda, defende que o cheque (leia-se também livrança) que não respeitar as condições impostas pela Lei Uniforme (respectiva) nunca será título executivo, visto que a reforma do Processo Civil de 1995 não alterou a Lei Uniforme nem o regime aí consagrado; prescrito o cheque (livrança) passa a valer como mero quirógrafo, caso em que a obrigação exigida não é cambiária ou cartular, caracterizada pela literalidade e abstracção, mas sim a causal, subjacente a emissão do cheque (livrança); daí que, como mero quirógrafo, não tenha força bastante para importar, por si só, a constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária do sacador (leia-se avalista e subscritor, enquanto obrigados cambiários) e, por isso, não é título executivo. ( A título de exemplo, Ac. STJ de 29/2/2000, In CJS, t I, 124.) Esta parece ser a tese do embargante. Uma terceira tese, intermédia, defende que o cheque (livrança) prescrito apenas pode valer como título executivo enquanto documento particular consubstanciando a obrigação subjacente desde que não seja emergente de negócio formal e a sua causa seja invocada no requerimento de execução, de modo a poder ser impugnada pelo executado (neste sentido, entre outros, Ac. do STJ, de 18/1/2001 CJS, T I, 71) . (...) A douta decisão do Tribunal a quo perfilha a terceira tese. No mesmo sentido se pronunciam dois recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: I. Sem prejuízo da ampliação - efectuada pela reforma processual de 1995 - do elenco dos títulos executivos, com introdução de uma fórmula abrangente para designar os documentos particulares dotados de exequibilidade (artº. 46º, al. c), do CPC 95), não esteve na mente do legislador alterar o clausulado normativo da LULL. II. Uma vez prescrita a obrigação cartular constante de uma letra, nos termos do artº. 70º da LULL, não poderá tal título de crédito valer como título executivo para os efeitos da al. d) do artº. 46º do CPC 95. III. Poderá, todavia, a letra valer como título executivo, mas enquanto escrito particular consubstanciando a respectiva obrigação subjacente, causal ou fundamental, desde que: - mencione a causa da relação jurídica subjacente; ou desde que: - tal causa de pedir seja invocada no requerimento executivo; IV. Se o exequente-embargado houver estruturado o seu requerimento executivo, no que se refere às letras dadas à execução, com mero apelo aos puros princípios da abstracção e literalidade, sem que esse documento possa consubstanciar um reconhecimento de dívida por parte do embargante para com ele nos termos do artº. 458º do C. Civil, não pode o mesmo valer como título executivo. V...VI... Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.6.2003 (Relator: Ferreira de Almeida), “in” base de dados do Tribunal acessível via Internet, alojada no endereço www.dgsi.pt/ . -- I - A reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, ao ampliar o elenco dos títulos executivos, não arredou a aplicação nem alterou o regime da Lei Uniforme Sobre Cheques (LUC); II - Prescrito um cheque à luz do artigo 52 da LUC, o portador perdeu o direito de acção cambiária fundado no mesmo, não podendo utilizá-lo como título executivo; III - O cheque prescrito apenas pode continuar a valer como título executivo enquanto documento particular consubstanciando a obrigação subjacente, desde que esta não seja emergente de negócio formal e a sua causa seja invocada no requerimento executivo; IV... Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.5.2003 (Relator: Ferreira Girão), “in” base de dados do Tribunal acessível via Internet, alojada no endereço www.dgsi.pt/ . Como se diz lapidarmente na douta contra-alegação, na execução de um documento particular é necessário alegar, no requerimento executivo, os factos constitutivos da obrigação pecuniária e demonstrar que o montante é determinado ou determinável nos termos do art. 805.° do CPC (art. 46 alínea c) CPC). Ora do que é invocado no requerimento executivo e na documentação junta com as alegações de recurso «fica sem se saber se existiu um "financiamento", ou um "empréstimo bancário", qual o valor do capital; juros remuneratórios previstos; juros moratórios estabelecidos; forma e prazo de pagamento; se em prestações, de que valores e em que datas; se houve ou não incumprimento, quando, quais as consequências ... como é que preencheram a livrança por aquele valor e quais as concretas operações de liquidação para o seu preenchimento.» Entendemos pois, que não foram alegados factos referentes ao negócio subjacente que de uma forma minimamente segura levem à conclusão das suas características e efeitos principais. A junção dos documentos da apelante à sua alegação (fls. 43 a 47) é intempestiva, uma vez que não se enquadra na previsão do artº 706º do Código de Processo Civil, trazendo à causa novos elementos em sede de recurso que deveriam ter sido apreciados em 1ª instância – os recursos destinam-se a reapreciar decisões do Tribunal a quo e não a decidir ex novo de novas questões e novas situações colocadas à apreciação do Tribunal de recurso. Por todo o exposto, entendemos que a apelação não deve proceder. III - Decisão. De harmonia com o exposto, nos termos das citadas disposições, acordam os Juízes desta Relação em declarar improcedente a apelação, confirmando-se na totalidade a douta sentença do Tribunal a quo. Custas pela apelante. Lisboa e Tribunal da Relação, 21.4.2005 Os Juízes Desembargadores, Francisco Bruto da Costa Catarina Arelo Manso António Valente |