Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18332/11.0YYLSB-B.L1-2
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/27/2014
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (do relator).

1- Na reclamação para conferência da decisão do Relator que ordenou o desentranhamento do anterior requerimento no qual, por sua vez, pretendia-se que fosse proferido acórdão sobre o despacho do mesmo que indeferiu a reclamação deduzida na 1ª instância, nos termos do artº 688º do CPC, é devida taxa de justiça pelo respectivo impulso processual.

2- Isto porque, se a parte discorda do despacho do relator e chama a conferência para proferir acórdão sobre a matéria, encaminha o processo para uma intercorrência processual secundária, configurável como eventual em relação à própria reclamação, pelo que estamos perante novo incidente.

3- A taxa de justiça que é paga aquando a interposição do recurso não abrange qualquer vicissitude processual posterior até à decisão final do tribunal de recurso.

4- Como incidente com tal natureza é tributado pelo seu impulso, ao abrigo dos artºs 6º e 7º, nº 4, do RCP, cuja oportunidade de pagamento é até ao momento da prática do acto (artº 14º do mesmo diploma, 150º-A do CPC, ora 145º).

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Em processo de execução comum são partes A, como exequente, e B, como executada.

Proferido despacho liminar (30.10.2012), pelo qual se determinou o indeferimento liminar da execução, em virtude de não se considerar que o documento dado à execução não constituía título executivo (fls 11 a 13), a parte vencida interpôs recurso de apelação (fls 14 a 23).

Sob informação de que embora se encontre paga a multa nos termos do artº 685º-D do CPC, não foi junta a autoliquidação da taxa de justiça, ordenou-se, em 04.03.2013, que “Devido à falta de pagamento de taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 685°- D, nº 3 do Código de Processo Civil determino o desentranhamento das alegações.”.

Mais uma vez inconformada, a recorrente deduziu reclamação para que, em conclusão:

1- Seja anulada a decisão de desentranhamento das alegações apresentadas aos autos, deferidas e remetidas para a conta de custas final atendendo a justificação supra melhor explanada, julgando-se procedentes por provadas as alegações; ou, caso assim não se entenda,

2- Julgado inconstitucional o arte 685º- D do CPC, se interpretado no sentido de que, mesmo após o pagamento da multa devida pela omissão de pagamento da taxa de justiça, a peça a que a mesma se reporta deva ser desentranhada, por violação do artº 20º, nºs 1, 4 e 5 da CRP (…).

Após, sob a conclusão com a informação de que não se encontrava junto aos autos o comprovativo de autoliquidação da taxa de justiça devida conforme o disposto no RCP pelo que solicitava que se ordenasse o que se tivesse por conveniente, foi ordenada a notificação da recorrida para responder à reclamação apresentada, o que ocorreu de forma sintética, conforme teor de fls 8 que aqui se dá por reproduzido, assim propugnando pela decisão reclamada.

Nesta instância, em 17.06.2013, nos termos o artº 688º, nº 4, do CPC pelo relator foi proferida a seguinte decisão:

“(…)

Não se levantam quaisquer outras vicissitudes processuais relacionadas com o operar do artº 685º-D do CPC. 

Independentemente da valia jurídica da argumentação aduzida nas motivações da reclamação, na verdade, a recorrente perfilha a tese de que deve reagir por via desta faculdade adjectiva à decisão que ora impugna, nos termos do artº 688º do CPC.

Não concordamos com tal.

Posição que imediatamente leva à improcedência da reclamação e ao decesso do requerido.

Com efeito, antes consideramos que o meio processual apropriado para reagir ao despacho em causa seria do regime recursório.

A aferição do meio não é obviamente casuístico.

É lapidar o elemento literal da norma que regula a reclamação.

Esta só cabe do despacho que não admita o recurso.

Por razões, pois, pelas quais apenas se concebe que o legislador – supostamente sabendo exprimir o seu pensamento em termos adequados – haja procedido consequentemente à imposição de uma locução inequivocamente conotada somente com circunstâncias intrínsecas ao próprio acto de recurso (artºs 678º, 679º, 685º, 685º-A, nº 3, 685º-B, nº 1 e 691º do CPC).

Não é precisamente este tipo de despacho que se reagiu.

É um despacho pronunciado nos termos do artº 685º-D do CPC com o qual comina o desentranhamento das alegações de recurso da parte em falta.

Leva ao desmoronamento da reacção impugnativa de qualquer decisão pela qual a parte por ela se sinta lesada.

Próprio sensu assim é mas não estamos, pois, perante decisão que não admita recurso nos termos acima delimitados.

Tal despacho deve, em princípio, equiparar-se aos das previsões dos artºs 291º, nº 2 e 684º-B, nº 2 do CPC, segundo os quais, na falta de alegação o recurso é logo julgado deserto, daí podendo-se retirar também argumentação que só pode ser impugnado por meio de recurso o despacho que declara essa deserção.

Por isso não se vê aqui razão para excluir da regra da recorribilidade geral os despachos não expressamente previstos no artº 688º CPC, assim, não sendo de fazer uma interpretação extensiva da referida norma, por forma a equiparar ao despacho que não admita o recurso o despacho que o venha a dar sem efeito, que o julgue deserto ou que seja proferido no âmbito do artº 685º-D do CPC.

Pelo que, sem necessidade de mais considerações, deve ser indeferida a presente reclamação, deste modo prejudicando o conhecimento de qualquer argumentação coligida pela reclamante no pressuposto inverso ao ora decidido.

******

Face a todo o exposto, indefere-se a reclamação, mantendo-se o despacho reclamado.

Custas pela Reclamante.

(…)”

A reclamante, em 05.07.2013, veio requerer que sobre a mesma recaísse acórdão, nos termos do artº 700º, do CPC.

Conforme ofício de fls 62, de 10.09.2013, sob a epígrafe de “Pagamento de taxa de justiça e multa – artº 642.º, nº 1 CPC”, e com guia anexa de liquidação da multa (fls 61), a reclamante foi notificada, além do mais “para, no prazo de dez dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça devida acrescida de uma multa de igual montante e juntar aos autos o respectivo documento comprovativo”, com a cominação de que “a falta de pagamento de taxa de justiça e das multas no prazo sinalado implica o desentranhamento, dos autos, da alegação, do requerimento ou da resposta eventualmente apresentada pela parte em falta”.  

Ocorridas vicissitudes com a demonstração da notificação do requerimento à parte contrária e a junção do respectivo original, em 07.04.2014 foi proferido pelo relator o seguinte despacho:

“A reclamante devido ao incidente reclamatório para a conferência, nos termos do artº 700º, nºs 3 e 4 do CPC (fls 58/9 e 111/2) não liquidou a taxa de justiça e, notificada nos termos do artº 642º, nº 1 do NCPC (fls 61/2) não se mostra junto documentos comprovativos a esse respeito e da multa.

Nestes termos, ao abrigo do disposto no artº 642º, nº 1 do NCPC e 685º-D do CPC, determina-se o desentranhamento da peça processual em causa e condena-se o requerente nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça em 2 Uc.”.   

De novo reclama-se, nos seguintes termos:

A,, reclamante nos autos supra indicados e nos mesmos melhor identificada, notificada que foi do douto despacho de fls. , vem face ao teor do mesmo em que determina o desentranhamento da peça processual, RECLAMAR, o que o faz de acordo com os seguintes termos e demais fundamentos:

1.         Vem a reclamante notificada do desentranhamento da peça processual - reclamação - porquanto é entendimento do douto Tribunal da Relação de Lisboa, que não tendo liquidado taxa de justiça, se aplica o quanto melhor dispõe o art. 642.º CPC.

2.         Ora, tal entendimento, não pode ser sufragado ou colhido pela reclamante, razão pela qual interpõe a devida e competente Reclamação nos presentes termos.

3.         Na verdade e ao contrário do que é entendimento do douto Tribunal da Relação de Lisboa, a reclamação prevista no art. 643.º CPC, não tem lugar a liquidação de taxa de justiça.

4. Razão única esta pela qual, não foi pela reclamante, liquidada qualquer taxa de justiça.

5.  Ao invés do que aparenta ser o entendimento do douto Tribunal da Relação de Lisboa, qualquer custa processual eventualmente devida pela reclamante, sempre seria imputada, a final, na conta de custas.

6.  Sendo este o entendimento sufragado pela doutrina e jurisprudência dominante.

7.  Ainda que assim não se entendesse, isto é, de que era devida taxa de justiça, verdade é, que a conclusão final seria idêntica à supra referida.

Atente-se, concebendo-se sem se conceder,

8.         Ainda que se admitisse, o que por mero dever de patrocínio e à cautela se concebe sem conceder, que era devida taxa de justiça e penalidade processual, e a mesma não havia sido liquidada, sempre se impunha, na presente fase processual dos autos, a sua imputação na conta de custas final e a procedência dos autos.

9.         Não, como o entendeu erroneamente o douto Tribunal da Relação de Lisboa, proceder ao desentranhamento da peça processual.

10.       Na verdade, a não liquidação de taxa processual não pode ter como consequência processual o desentranhamento processual, nos moldes como os praticados in casu.

11.       Acresce que o art.º 145º/3 do CPC, dispõe que a falta de junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça, não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos dez dias subsequentes, sob pena, não da recusa da peça processual, mas apenas das cominações p. no artº 570.º do CPC.

12.       Mesmo raciocínio se aplica, salvo melhor de entendimento de V.ª Ex.s, à questão ora in casu.

13.       Pelo que assim se verifica que a cominação aplicável "in casu" não se trata do desentranhamento da alegação, mas antes da cominação sancionatória acrescida p. nos termos do artº 570.º do CPC,

14. Não sendo estas liquidadas, sempre seriam as mesmas imputadas na conta de custas final.

15.  Pois que qualquer outra decisão, nomeadamente a sufragada e colhida pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa ora em crise, sempre se assumiria num Estado de Direito Democrático, como uma violação e uma obstaculização do acesso à justiça e da procura de tutela jurídica de um direito de que se arroga titular, in casu, a reclamante.

16.  O que aliás resultaria per si, numa clara violação constitucional dos artigos 12º, 13º, 18º, 20º, 202º e 203.º todos da Constituição da República Portuguesa, porquanto se assumiria a manutenção do despacho que antecede uma violação do direito de contraditório e princípio de igualdade de armas, previsto processualmente e dignificado constitucionalmente, enquanto garantia das partes e corolário de confiança e segurança jurídica, cfr. base legal supra referida.

Nesta senda,

17.       Requer-se a admissão da reclamação interposta oportuna e tempestivamente apresentada, sendo as demais custas processuais deferidas e remetidas para a conta de custas final, devendo os autos prosseguirem os seus ulteriores termos, o que desde já se requer a V.ª Ex.ª no estrito cumprimento da tão douta e costumada JUSTIÇA!”.

Não se deduziu oposição.

Com relevância para a decisão a proferir importa ter em consideração todos os factos que objectivamente se podem extrair do anterior relatório.

Vejamos.

Considerando a data em que foi proferido o despacho da primeira instância recorrido, o despacho que depois foi reclamado nos termos do artº 688º do CPC e o citado primeiro despacho do relator, atento ao disposto no artº 7º da Lei nº 47/2013, de 26.6 que aprovou o novo Código de Processo Civil, será de aplicar ao caso o código vigente no momento desses despachos.

Não assiste qualquer razão à reclamante quanto à decisão do relator de 07.04.2014 que ordenou o desentranhamento do anterior requerimento que por sua vez pretendia que fosse proferido acórdão sobre o despacho do relator que indeferiu a reclamação deduzida na 1ª instância, nos termos do artº 688º do CPC então vigente.

Nesta oportunidade não está em discussão se pela dedução de reclamação nos termos do artº 688º do CPC, ou do artº 643º do novo regime, é devida, ou não, taxa de justiça pelo respectivo impulso processual.

Está em causa, sim, saber se pelo requerimento em que se discordou da decisão do relator proferida, ao abrigo do artº 688º, nº 4, do CPC e se pretendeu que sobre a matéria da mesma recaísse acórdão, segundo o artº 700º, nº 3 do CPC, com a sua apresentação era devida taxa de justiça, razão pela qual deveria ter sido logo liquidada e paga sem a necessidade da secção diligenciar nos termos do artº 685º-D do CPC.

De qualquer modo, essa primeira reclamação é um incidente cuja decisão final pode importar a atribuição da responsabilidade pelas respectivas custas, inclusivamente a taxa sancionatória excepcional, segundo os termos conjugados dos artºs 447º-B do CPC, ora 531º, e 10º do RCP (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3ª ed, 2010, 184).  

É ao relator que compete decidi-la (artº 688º, nº 4 do CPC) e fica definitivamente resolvida a questão se não houver oportuna reclamação para a conferência.

Se a parte discorda do despacho do relator e chama a conferência para proferir acórdão sobre a matéria então encaminha o processo para uma intercorrência processual secundária, configurável como eventual em relação à própria reclamação, pelo que estamos perante novo incidente.

É, pois, errado pensar que a taxa de justiça que devia ser paga aquando a interposição do recurso abrange qualquer vicissitude processual posterior até à decisão final do tribunal de recurso.

Como incidente com tal natureza é tributado pelo seu impulso, ao abrigo dos artºs 6º e 7º, nº 4, do RCP, cuja oportunidade de pagamento é até ao momento da prática do acto (artº 14º do mesmo diploma, 150º-A do CPC, ora 145º).

E não faz sentido referir que apenas haveria que efectuar a sua imputação na “conta de custas final”, mesmo que fosse devida taxa de justiça e não se a liquidasse e pagasse, inclusivamente depois de se ser notificado para o fazer conjuntamente com o pagamento da penalidade processual, excluindo-se, assim, a determinação de desentranhamento da peça processual.

Outra não pode ser a solução face aos termos muito claros como as disposições processuais cominam essas omissões.

Precisamente, o artº 150º-A, nº 3 do CPC, ora 145º, dispõe que “… a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos dez dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486.º-A, 512º-B e 685º-D” (ora 570º e 642º).

As cominações finais previstas nesses artigos são os desentranhamentos das peças processuais que lhes respeitam (artºs 486º-A, nº 6, do CPC, ora 570º, nº 6, 685º-D, nº 2, ora 643º, nº 2).

Daí se diga que a final se deva confirmar a decisão do relator, sem que se constate nas norma transactas qualquer inconstitucionalidade se interpretadas como foram, designadamente quanto aos preceitos citados pelo requerente sem que se exponha a razão de ser da sua eventual violação, para tanto não bastando referir que seria “uma violação do direito de contraditório e princípio de igualdade de armas, previsto processualmente e dignificado constitucionalmente, enquanto garantia das partes e corolário de confiança e segurança jurídica”.

Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente a reclamação e, consequentemente, confirmar o despacho do relator.

Pelo seu decaimento no requerimento condena-se a reclamante nas custas.

Registe e notifique.

*****

27.11.2014

Eduardo Azevedo

Olindo dos Santos Geraldes (vencido nos termos da declaração junta)

Lúcia Sousa

DECLARAÇÃO DE VOTO

Limitaria a decisão de confirmação apenas ao primitivo despacho do Relator.

Quanto ao segundo despacho do Relator, não se acompanha o entendimento que fez maioria, pois, sendo a reclamação para a conferência um ato normal da tramitação do processo, nesta instância, não tem justificação a exigência do pagamento da taxa de justiça, sendo inaplicável qualquer cominação pela sua omissão.

Assim, votei vencido o acórdão.

(Olindo dos Santos Geraldes)