Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9675/2003-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: CONTA BANCÁRIA
PENHORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/25/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: Para o Tribunal poder solicitar, previamente, ao Banco de Portugal informação sobre quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias, nos termos do nº 6, do art. 861º-A, do CPC, não se torna indispensável que o exequente faça alusão, no requerimento de nomeação de bens à penhora de saldos em contas bancárias, às dificuldades na identificação adequada de tais contas, não havendo que falar em nulidade daquele requerimento, pelo facto de aí não ter sido feita aquela alusão.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.
Na 1ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, Tecnicrédito – Financiamento de Aquisições a Crédito, S.A., instaurou execução de sentença contra (A) e mulher (B), e, ainda, contra (C), pretendendo haver deles o montante total de € 8 454,10.
No requerimento executivo, nomeou à penhora todo o mobiliário, aparelhos, electrodomésticos, telefonia, televisão e demais recheio e existências que guarnecem as residências dos executados C., H. e M., bem como, o saldo de todas e quaisquer contas de depósito bancário, quer à ordem, quer a prazo, que os referidos executados possuam em quaisquer Bancos ou Instituições Financeiras, e, ainda, o veículo automóvel de marca Renault, modelo Clio, com a matrícula 25-...-AO, e um terço do vencimento que a executada Helena aufere como funcionária, ao serviço da empresa Rota Sol – Padaria e Pastelaria, Ld.ª.
Para efectivação das penhoras dos depósitos bancários, requereu a exequente, nos termos do disposto no nº 6, do art. 861º-A, do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pelo DL nº375-A/99, de 20/9, que previamente se oficiasse ao Banco de Portugal, para que se identifiquem quais os Bancos ou Instituições Financeiras em que os executados possuam contas de depósito, para, seguidamente, se ordenar a penhora nos saldos de tais contas.
Por se entender que a exequente devia fazer, pelo menos, uma alusão às dificuldades (concretas) na identificação adequada dos saldos das contas bancárias, foi aquela convidada a apresentar novo requerimento de nomeação dos saldos de contas bancárias à penhora, a fim de proceder à alegação dos elementos tomados como omissos.
Mas como a exequente não aceitou tal convite, foi, então, proferido despacho, julgando relevante a nulidade praticada pela exequente, dada a deficiente nomeação de bens à penhora, e anulando o respectivo requerimento, no que respeita à nomeação de saldos de contas de depósito bancário, indeferindo, assim, as reiteradas pretensões visadas pelo requerimento em apreço.
Inconformada, a exequente interpôs recurso de agravo daquele despacho.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. A recorrente remata as suas alegações, na parte que ao presente recurso interessa, com as seguintes conclusões:
1ª - Resulta do requerimento da exequente, ora recorrente, de nomeação de bens à penhora, que esta identificou todos os bens que conseguiu apurar serem pertença dos executados, ora recorridos, pois nomeou não só todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheios e existências que guarnecessem as residências dos executados C. e H. e da executada M., como nomeou também o veículo automóvel da marca Renault, modelo Clio, com a matrícula 25-...-AO, como nomeou, ainda, um terço do vencimento da executada (M) sendo que, como não logrou nas suas investigações apurar a existência de quaisquer outros bens, nomeou todos os saldos de depósito das contas bancárias dos ditos executados.
2ª - Estando, desde logo, identificados outros bens, resulta claro que a exequente, ora recorrente, procedeu a investigações sobre quais os bens pertença dos executados, ora recorridos, e que em tais investigações não logrou saber a identificação de tais contas, sendo que, ressalta à saciedade que tal não é possível, atento até o sigilo bancário a que os Bancos e as Instituições Financeiras estão obrigados nos termos da lei, sendo que, não é possível à exequente, ora recorrente, obter tais informações.
3ª - Ao contrário do que pretende o Senhor Juiz a quo, nos termos do art. 837º-A, do C.P.C., ao nomear todos os saldos de contas de depósito bancário dos executados, ora recorridos, a exequente, ora recorrente, por não poder obter tais informações nos termos da lei, está, desde logo, devidamente justificada a dificuldade na identificação e localização de tais bens, pelo que, o Tribunal tem o dever de auxiliar a exequente, ora recorrente, na identificação dos mesmos, como resulta do dito preceito legal.
4ª - O Senhor Juiz a quo violou os arts. 837º-A e 861º-A, do C.P.C..
2.2. A única questão que importa apreciar consiste em saber se, para o Tribunal poder solicitar, previamente, ao Banco de Portugal informação sobre quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias, nos termos do nº 6, do art. 861º-A, do C.P.C., se torna indispensável que o exequente faça, no requerimento de nomeação de bens à penhora de saldos em contas bancárias, pelo menos, uma alusão às dificuldades (concretas) na identificação adequada de tais contas, sob pena de nulidade daquele requerimento.
Foi este o entendimento defendido no despacho recorrido, que, por isso, anulou o requerimento de nomeação de bens à penhora.
Segundo a recorrente, não é possível saber a identificação das contas dos executados, atento o sigilo bancário, pelo que, o Tribunal tem o dever de a auxiliar nessa identificação, como resulta do citado artigo.
Vejamos.
Nos termos do art. 837º, nº 1, do C.P.C., a nomeação deve identificar, tanto quanto possível, os bens a penhorar, acrescentando o nº5, do mesmo artigo, no que respeita à nomeação de créditos, que deve declarar-se a identidade do devedor, o montante, a natureza e origem da dívida, o título de que consta e a data do vencimento.
Não foi por acaso que o citado nº1 inseriu, no seu texto, as palavras «tanto quanto possível». É certo que os bens têm de ser especificados para que possa saber-se, com precisão, sobre que prédios, móveis ou direitos vai recair a penhora. Daí a individualização prevista no art. 837º. No entanto, já Alberto dos Reis dizia, in Processo de Execução, vol. 2º, pág. 86, a propósito deste artigo, «Como bem se compreenderá, estas prescrições se fossem entendidas em termos rígidos, criariam graves embaraços ao exequente. Que o executado...satisfaça completamente ao que o art. 837º determina, está bem: o executado tem ao seu alcance os elementos necessários para dar cumprimento à lei. Considere-se, agora, a posição do exequente; como há-de ele colocar-se em condições de fazer a identificação completa dos bens a penhorar? Como há-de, quanto aos créditos, fornecer todas as indicações exigidas pelo art. 837º? Estas considerações explicam as restrições e reservas que o artigo teve o cuidado de fazer com as palavras «tanto quanto possível». Há-de atender-se à situação em que se encontra o exequente; não deve esperar-se dele o que não seria razoável exigir; reclame-se só o que ele esteja em condições de mencionar».
Isto é, a exigência feita no nº 5, do art. 837º, tem de ser interpretada e aplicada na base do «tanto quanto possível», referido no nº 1, do mesmo artigo. No fim e ao cabo o que se pretende é que, através da nomeação, se possa determinar sobre que bens vai incidir a penhora.
Ora, no caso sub judice, às naturais dificuldades decorrentes da circunstância de ser a exequente a nomear os bens à penhora, acresce o facto de se tratar de nomeação de créditos sobre entidades bancárias, já que, por via da consagração do direito ao sigilo bancário (cfr. os DL nº2/78, de 9/1 e 298/92, de 31/12), a exequente não pode dispor de todos os elementos de identificação previstos no citado nº 5, do art. 837º, designadamente, o número da conta, o montante exacto do saldo e respectiva agência bancária.
No entanto, dúvidas não restam que os saldos das contas bancárias, fazendo parte do património do executado, podem ser objecto de penhora (arts. 821º e segs. do C.P.C.). Aliás, hoje, com a reforma processual de 1995, está expressamente prevista a penhora de depósitos bancários no art. 861º-A, do C.P.C., que regulamenta as especificidades da penhora desses depósitos, regulando a matéria da determinação e disponibilidade do saldo penhorado, procedendo a uma ponderação entre o interesse na eficácia da execução e o sigilo bancário (cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 572).
A maioria da nossa jurisprudência, ainda no âmbito da legislação anterior àquela reforma processual, vinha entendendo que, não havendo a possibilidade de identificação completa dos bens a penhorar, nomeadamente, por força do regime do sigilo bancário, esse ónus, quando relativo a depósitos bancários, bastava-se com a indicação dos estabelecimentos respectivos, das suas sedes ou sucursais e do titular da conta (cfr. os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 22/9/94, C.J., Ano XIX, tomo IV, 92, de 23/11/95, C.J., Ano XX, tomo V, 115, de 8/10/96, C.J., Ano XXI, tomo IV, 124 - o qual foi confirmado, na parte que ora interessa, pelo Acórdão do STJ, de 8/4/97, C.J., Ano V, tomo II, 37 - e de 21/10/97, C.J., Ano XXII, tomo IV, 118, bem como, o Acórdão do STJ, de 14/1/97, C.J., Ano V, tomo I, 44).
Com a entrada em vigor do DL nº 375-A/99, de 20/9 - 20/10/99 (cfr. o seu art.9º) -, que deu nova redacção ao art. 861º-A, do C.P.C., a questão passou a colocar-se em moldes algo diferentes. Na verdade, foram acrescentados àquele artigo os nº6 e 7, onde se estabelece que «Se tiverem sido nomeados à penhora saldos em contas bancárias que o exequente não consiga identificar adequadamente, o tribunal solicitará previamente ao Banco de Portugal informação sobre quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias» (nº6), e que «O juiz determinará oficiosamente a imediata redução da penhora de depósitos bancários quando esta se mostre excessiva para pagamento do crédito do exequente e das custas» (nº7).
Como se diz no preâmbulo do citado DL «Centraliza-se ... no Banco de Portugal a identificação das instituições bancárias em que o executado é detentor de contas, do mesmo passo que, em consonância com o princípio da proporcionalidade, se impõe a imediata redução aos justos limites da penhora de depósitos bancários».
Verifica-se, pois, que, agora, a lei prevê expressamente, para o caso da penhora de saldos em contas bancárias que o exequente não consiga identificar (o que acontecerá na maior parte dos casos), que o tribunal solicite, previamente, as necessárias informações ao Banco de Portugal.
É certo que o art. 837º-A, do C.P.C., já previa essa averiguação oficiosa do juiz, sempre que o exequente justificadamente alegasse séria dificuldade na identificação ou localização de bens penhoráveis do executado. No entanto, os nº 6 e 7, do art. 861º-A, sendo, no fundo, uma emanação daquele princípio da colaboração entre o tribunal e o exequente, trazem a vantagem de tornar claro que essa colaboração também existe quando estão em causa instituições bancárias e os inerentes deveres de sigilo, bem como, de explicitar qual a entidade encarregada de prestar as informações indispensáveis à realização da penhora, e, ainda, de prever a sua redução oficiosa quando se mostre excessiva.
Como se diz no Acórdão do STJ, de 4/5/2000, BMJ, 497º-323, a evolução legislativa demonstra que o legislador foi sensível às dificuldades do credor em identificar, para além do que lhe é possível, os créditos de saldos de depósitos bancários, vindo a criar um modo expedito de identificação através do Banco de Portugal, consagrando uma prática que estava já em curso.
Mas será que, para desencadear esse mecanismo, terá o exequente que aludir às dificuldades concretas que sentiu para identificar as contas bancárias, sob pena de nulidade do respectivo requerimento de nomeação de bens à penhora?
Não nos parece, de modo nenhum. Note-se que a cooperação do tribunal, prevista no art. 861º-A, nº 6, se traduz em apurar quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias. O que significa que se abrangem situações em que o exequente nem sequer sabe se o executado possui contas bancárias, ou, então, em que instituições de crédito as possui. E demonstra, conforme se refere no Acórdão desta Relação, 7ª Secção, de 28/1/03, proferido no Agravo nº 8 913/02, « ... que a falta de identificação adequada referida no preceito em análise, pode ser uma falta total de identificação».
Aliás, neste último Acórdão, que se debruçou sobre caso idêntico ao dos presentes autos, também se diz, a dada altura: « ... considerando a notoriedade do obstáculo legal com que o exequente se defrontará na obtenção das informações necessárias para a efectivação da penhora, pode perguntar-se o que de útil adiantaria a eventual menção - (...) - das dificuldades tidas na identificação adequada dos saldos das contas bancárias, não se vendo, razoavelmente, que sejam outras que não o sigilo bancário».
Concorda-se, inteiramente, com o aí expendido. No fundo, trata-se de constatar que o nº 6, do art. 861º-A, visou, precisamente, regulamentar as especificidades da penhora de depósitos bancários, causadas, sobretudo, pelo sigilo bancário e pela consequente dificuldade do credor em identificar tais depósitos. Sendo esta a razão de ser daquele preceito, não se vê, na verdade, que motivações substanciais poderão justificar a exigência de que se faça alusão àquela dificuldade, no requerimento de nomeação de bens. Dir-se-á, até, que, então, não se compreenderia que o legislador de 1999 tivesse sentido a necessidade de introduzir o citado nº 6, do art. 861º-A, pois que, o art. 837º-A já previa que o exequente justificadamente alegasse séria dificuldade na identificação ou localização de bens penhoráveis do executado, para o efeito de o juiz determinar a realização das diligências adequadas. Isto é, ter-se-á considerado que a especificidade da penhora de depósitos bancários justificava a cooperação do tribunal, independentemente da alegação da aludida dificuldade, alegação essa que o referido nº 6 não prevê, bastando-se com o facto de terem sido nomeados à penhora saldos em contas bancárias que o exequente não conseguiu identificar. Ou seja, poder-se-á dizer que, se o exequente nomeou à penhora saldos de contas bancárias que não identificou, a lei presume que tal aconteceu porque não as conseguiu identificar, atenta a notória dificuldade na obtenção das necessárias informações.
E não se diga que a penhora nunca poderia ser efectivada através do Banco de Portugal, pois não é disso que se trata. Aquele Banco limita-se a recolher informações sobre as contas bancárias de que é titular o executado e, posteriormente, a remetê-las a tribunal, sendo este, como é evidente, quem efectiva a penhora.
Haverá, assim, que concluir que, para o Tribunal poder solicitar, previamente, ao Banco de Portugal informação sobre quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias, nos termos do nº 6, do art. 861º-A, não se torna indispensável que o exequente faça, no requerimento de nomeação de bens à penhora de saldos em contas bancárias, pelo menos, uma alusão às dificuldades (concretas) na identificação adequada de tais contas, não havendo que falar em nulidade daquele requerimento, pelo facto de aí não ter sido feita aquela alusão.
3 – Decisão.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se o despacho agravado, devendo dar-se cumprimento ao disposto no nº 6, do art. 861º-A, do C.P.C., nos termos requeridos.
Sem custas (art. 2º, nº1, al. o), do C.C.J.).

Lisboa, 25-5-04

Roque Nogueira
Santos Martins
Pimentel Marcos