Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3912/12.5T3SNT.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: FRAUDE FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: – Sobre a razoabilidade da imposição do pagamento dos valores referidos no art. 14.º, do RGIT, nas situações de incapacidade financeira do condenado, muitas têm sido as decisões dos tribunais das instâncias superiores que sobre aquela norma se vêm pronunciando, estando hoje assente, por um lado, que a mesma não padece de inconstitucionalidade, por outro, que se exige, da parte do julgador, um juízo sobre a razoabilidade da condição, conforme superiormente decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 8/2012 (in DR, I série, n.º 206, de 24/10/2012), que fixou jurisprudência no sentido já mencionado supra, que embora respeite ao crime de abuso de confiança fiscal, é aplicável a todos os crimes fiscais, por isso também ao crime de fraude fiscal, em que esteja em causa a suspensão da execução da pena de prisão.

– Quando o art. 14.º, do RGIT, foi aprovado, já existia o actual n.º 2 do art. 51.º, do CP, pelo que a opção feita pelo legislador foi plenamente consciente, tendo entendido que o pagamento dos valores ali referidos, pelo arguido condenado por crime fiscal, nas aludidas circunstâncias e dados os interesses em causa, constitui sempre uma exigência “razoável”, tratando-se, pois, de quantias cujo pagamento é sempre de exigir ao arguido, como causador do respectivo dano ao Estado.

– Além do mais, aquele n.º 2, do art. 51.º, introduzido pela reforma penal de 1995, visava dar satisfação à necessidade de impor limitações aos deveres e regras de conduta, para que os mesmos «sejam compatíveis com a lei, nomeadamente com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que, além disso, o seu cumprimento seja exigível no caso concreto» e «quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir-se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar-se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados», conforme se refere no aludido acórdão do STJ n.º 8/2012.

– O que importa, acima de tudo, é que a imposição da condição do pagamento, ao abrigo do art. 14.º, está em conformidade com a lei, trata-se de opção legislativa que não atenta contra os direitos fundamentais do condenado - é o que se conclui das várias apreciações acerca da constitucionalidade da respectiva norma -, o cumprimento da obrigação de pagamento é exigível no caso concreto, correspondendo a uma obrigação de indemnizar, que recai sobre o arguido ora recorrente, pelos danos causados ao Estado com a prática do crime fiscal pelo qual foi condenado, e está tal obrigação numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados, quer na perspectiva do legislador, quer do julgador do caso ora em apreciação.

– As posições conhecidas, assumidas na doutrina bem como o afirmado no próprio acórdão de uniformização de jurisprudência, não deixam margem para quaisquer dúvidas, impondo a conclusão inequívoca de que, optando o julgador pela suspensão da execução da prisão imposta ao arguido pela prática de crime fiscal, é obrigatória a imposição da condição de pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, nos termos do art. 14.º, n.º 1, do RGIT.

– Os deveres a impor ao condenado no âmbito da suspensão da execução da pena destinam-se «a reparar o mal do crime», conforme refere o art. 51.º, n.º 1, do CP e um dos meios previstos para atingir tal objectivo é o pagamento, dentro de certo prazo, «no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado» - cfr. alínea a) do mesmo preceito legal sendo nesse espírito que se enquadra o art. 14.º, do RGIT, exigindo-se aqui, porém, o pagamento integral - e não só em parte - da prestação tributária em falta e acréscimos legais.
Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1.–ARGUIDOS:
- N. , S.A.
- M.R.
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2. Nos presentes autos de processo comum e sob acusação do Ministério Público, foram aqueles arguidos submetidos a julgamento, perante tribunal singular, no Juízo Local Criminal de Sintra (Juiz 2), Comarca de Lisboa Oeste.
No final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo (transcrição):
“Face ao exposto, julgo a acusação procedente e em consequência:
A)– Condeno a sociedade arguida N. S.A., pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma consumada p. e p. pelo art.º 7.º e 103.º n.º 1 al. b) e art.º 104.º, n.º 1 e 2 al. b) do RGIT, e na pena de 500 (quinhentos) dias de multa à razão diária de € 5,00 num total de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
B)–  Condeno  o  arguido  M.R. pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada na forma consumada p. e p. pelo art.º 7.º e 103.º n.º 1 al. b) e art.º 104.º, n.º 1 e 2 al.  b) do RGIT, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 5 anos, condicionada ao pagamento nesse prazo, da prestação tributária em divida no  montante d e  € 155.367,33 e acréscimos legais.
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Custas criminais pelo arguido e sociedade arguida, as quais se fixam em 3 (três) UC de taxa de justiça (art. 8.º nº 5 do RCP e tabela III anexa) e nos demais encargos do processo.”
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3.– O arguido M.R., não se conformando com tal decisão, interpôs o respectivo recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
1-  Foi o arguido  condenado  pela  prática,  em autoria  material,  de um crime  de fraude fiscal qualificada na forma consumada, p. e p. pelo art.º 7.º e 103.º n.º1 al. b) e art.º 104.º, n.º 1 e 2 al. b) do RGIT,  na pena  de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa  na sua execução,  pelo período de 5 (cinco) anos,  condicionada ao  pagamento, nesse prazo, da prestação  tributária em dívida, no montante de 155.367,33 € (cento e cinquenta e cinco mil, trezentos e sessenta e sete euros e trinta e três cêntimos) e acréscimos legais.
2-  A medida da pena escolhida pelo Tribunal recorrido é excessiva, atento o disposto na alínea d) do nº 2 do art. 71.º e alínea d) do nº 2 do art. 72º, ambos do Código Penal.
3- Tendo em consideração o tempo já decorrido sobre a prática dos factos (cinco anos), assim como a actual situação pessoal do Arguido, o qual se encontra perfeitamente integrado na sociedade, a pena de prisão de dois anos e seis meses é excessiva.
4- Pelo exposto, ao arguido não deveria ter sido aplicada aquela pena, mas antes a mínima prevista por lei, isto é, um ano.
5-  O juízo de prognose  efectuado  pelo  Tribunal  recorrido,  que  condicionou  a suspensão  da execução da pena ao pagamento  do montante de 155.367,33 € (cento e cinquenta e cinco mil trezentos e sessenta e sete euros e trinta e três cêntimos), padece de razoabilidade.
6-  Conforme consta  dos pontos  13 e 15 dos factos provados, actualmente o arguido aufere apenas  800 € (oitocentos euros), provenientes de rendimentos prediais, pagando 280 € ao Banco de prestação de casa.
7-  Assim, após pagar a prestação  da casa, restam  ao arguido 520 € (quinhentos e vinte euros) para pagar a sua alimentação, electricidade, gás, água e comunicações móveis e transporte, logo, resta  muito  pouco  para  pagar a totalidade  do valor a  que  ficou  condicionada a suspensão da execução da pena.
8- Pelo exposto,  não é razoável concluir que o arguido tem  condições económicas que  lhe permitam liquidar o imposto em falta.
9-  A falta de razoabilidade no juízo de prognose do Tribunal acarreta  a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
Termos em que, e sempre com Mui Douto suprimento de Vs. Exas.,  Venerandos Desembargadores, deve ser dado provimento ao recurso, devendo  em consequência, declarar-se nula a sentença proferida, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea c) ambos do Código de Processo Penal, ou, caso assim não se considere, substituir a pena de dois anos e seis meses por outra de um ano.

4.– Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
1- Em face de todos os elementos, devidamente ponderados e sopesados pela sentença recorrida, afigura-se que bem andou tal decisão ao aplicar, ao arguido, uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
2- De igual modo, bem andou a referida sentença ao suspender a execução da mencionada pena e ao subordinar tal suspensão à condição de o arguido proceder, no prazo de 5 anos, ao pagamento das prestações tributárias em dívida e acréscimos legais.
3- O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2012, publicado no Diário da República n.º 206, I Série, de 24.10.2012, directamente aplicável ao crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, n.º 1, do R.G.I.T. não é aplicável no caso vertente, uma vez que a necessidade do juízo de prognose de razoabilidade a que o mesmo se refere só se verifica quando o crime tributário em questão é punível com  pena de prisão  (eventualmente suspensa na  sua  execução nos termos do artigo 14º, n.º 1, do RGIT) ou outra pena não privativa da liberdade.
4- A sentença recorrida não padece de qualquer vício, acha-se em absoluta conformidade com a lei e é justa.
Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso interposto e, consequentemente, ser mantida a sentença recorrida, nos precisos e exactos termos em que foi proferida.
5.- Neste Tribunal da Relação, a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer de fls. 473/474, no seguinte sentido:
«Acompanha-se a Resposta apresentada pelo Digno Magistrado do M°.P°. da Ia Instância em que, de forma clara e objectiva, se rebateram os argumentos do Recorrente e de onde se pode concluir que a decisão sob Recurso não merece qualquer censura.

Acrescentar-se-ão os seguintes Acórdãos:
Acórdão 290/07.8IDPRT.P1, de 29.04.2015.
"I- Em obediência ao art° 14°l RGIT não pode a pena de prisão em que o arguido foi condenado pela prática de crimes tributários ser suspensa sem que se estabeleça como condição dessa suspensão o pagamento das quantias de que se apropriou. (sublinhado nosso).
II- Tal norma não viola os princípios constitucionais da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade, pois o juízo quanto à impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão, sempre pode haver melhor fortuna e a revogação da suspensão depende de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição.
III- A doutrina do AFJ n° 8/2012 só é aplicável quando o crime tributário é punível com             pena de prisão          ou outra pena não privativa da liberdade.
IV- Estando em causa o crime de fraude fiscal tributária punível apenas com pena de prisão não se coloca a possibilidade de opção entre pena de prisão suspensa na sua execução e pena de multa."

Acórdão 63/10.0IDPRT.P1, de 8.10.2014.
"I- O art° 14°1 RGIT quanto ao período de suspensão da pena de prisão está em vigor;
II- A jurisprudência fixada no AFJ n° 8/2012 não é aplicável ao crime de fraude fiscal qualificada p.p. pelo art° 104° RGIT porque é punível apenas com pena de prisão, não sendo possível a opção entre pena de prisão (eventualmente suspensa nos termos do art° 14°1 RGIT) e a pena de multa."
São termos em que, à semelhança do exposto na aludida RESPOSTA, se emite Parecer no sentido do não provimento do recurso.»

6.– Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente nada acrescentou.
7.– Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos a que se refere o art. 418.º, n.º 1, do mesmo Código, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.
***

II.–FUNDAMENTAÇÃO:

1.- Vejamos, antes de mais, o teor da decisão recorrida, no que concerne aos factos provados e não provados, sem esquecer a motivação da respectiva decisão de facto.
Assim, foram considerados provados os seguintes factos:

1.- N., S.A. é uma sociedade comercial que tem por objecto social  a  prestação  de  serviços  de  limpeza  industrial  e  doméstica  e manutenção de espaços verdes, com o número de identificação fiscal …, encontrando-se, para os anos de 2010 e 2011, enquadrada no regime de tributação normal de periodicidade trimestral de imposto sobre o valor acrescentado (IVA).
2.- Desde a constituição daquela sociedade e durante os anos de 2010, 2011 e 2012, M.R.foi o único responsável e quem exerceu de facto e em exclusivo todas as funções de gestão e de administração quotidiana daquela socíedade, nomeadamente, a da contratação e direcção de pessoal, emissão de facturas aos clientes e recebimento das quantias por aqueles entregues, bem  como a entrega da declaração periódica do IVA no prazo legalmente estabelecido e respectivo pagamento.
3.- No decurso dos anos de 2010 e 2011, M.R., agindo em nome e no interesse da N. S.A., liquidou e recebeu dos respectivos clientes o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativo aos serviços prestados aos mesmos e às vendas efectuadas nesses mesmos anos, tendo para tanto emitido as facturas discriminadas nos quadros de fls. 431 v.º a 433, dos autos (pontos 4 a 7 da sentença), que aqui damos por reproduzidos.


8.– Pese embora desenvolvesse a actividade comercial e soubesse que a tanto estava obrigado, M.R. não efectuou os registos contabilísticos nem entregou à Administração Tributária e Aduaneira as competentes declarações periódicas de IVA e respectivo pagamento.
9.– Nos anos de 2010 e 2011, por decisão de M.R., gerente de facto, a N., S.A. emitiu as facturas e recibos indicados em 4. e não entregou à Administração Tributária e Aduaneira os montantes de IVA liquidados e recebidos dos seus clientes, no valor global de € 155 367,33 (quadro constante de fls. 433 v.º, que aqui se dá por reproduzido).
10.– M.R. agiu em tudo de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de impedir que o Estado tivesse conhecimento dos valores de IVA que recebeu e, assim, alcançar para a N., S.A., no nome e no interesse da qual sempre atuou, urna vantagem patrimonial indevida, esta traduzida na posse e utilização das verbas de IV A que bem sabia não serem suas.
11.– M.R. actuou, por si e enquanto legal representante da N., S.A., bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
Mais se apurou que:
12.–  O arguido M.R., é licenciado em Gestão.
13.– O arguido encontra-se a viver de rendas de imóveis, auferindo 800 euros mensais.
14.–  Vive em casa própria, com um companheiro.
15.– Suporta prestação mensal de empréstimo à habitação no montante de 280 euros mensais.

16.–  O  arguido M.R. possui antecedentes criminais, porquanto foi condenado no processo:
- 382/02.5PKLSNT, pela prática em 21.05.2002, de um crime de abuso de confiança, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 7 euros;
- 225/06.5IDLSB, pela prática em 02.2006, de um crime de falsificação de documentos e burla qualificada na forma tentada, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano.
- 192/13.9IDLSB, pela prática em 2012, de  um crime de abuso de confiança fiscal na pena de 220 dias de multa à taxa diária de 6 euros.
- 143/11.5IDLSB, pela pratica em 2010, de  um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 6 euros.
17.– A arguida N. S.A possui antecedentes criminais, porquanto foi condenada no processo 143/11.5IDLSB, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal praticado em 06.2010, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 6 euros, o que perfaz o montante total de 1080 euros.

Inexistem factos não provados
No que concerne à motivação da decisão de facto, escreveu-se na sentença:
(…)

2.– Perante as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação - as quais, conforme entendimento unânime da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, delimitam e fixam o objecto do recurso -, extrai-se que aquele visa impugnar a medida da pena aplicada, pretendendo a sua redução para um ano de prisão, bem como a condição imposta no âmbito da suspensão da sua execução, defendendo que «a falta de razoabilidade no juízo de prognose do tribunal», ao impor o pagamento da quantia de € 155 367,33, «acarreta nulidade da sentença, ao abrigo do art. 379.º, n.º 1 alínea c), do CPP».
***

3.– Conheçamos, então, dessas mesmas questões.

3.1.- Comecemos pela invocada nulidade da sentença:
Assenta tal alegação no facto de nela não constar o «juízo de prognose» relativo à razoabilidade da condição imposta no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão que foi aplicada ao recorrente, face à manifesta impossibilidade de proceder ao pagamento da quantia fixada, no prazo de cinco anos, tal como determinado naquela decisão, se tivermos em conta que dos factos provados 13 e 15 resulta que aufere € 800,00 mensais de rendas de imóveis e paga € 280,00 por mês de prestação de empréstimo à habitação.
Como temos salientado, as nulidades de sentença são apenas as elencadas no art. 379.º, n.º 1, do CPP, face ao princípio da legalidade que norteia esta matéria referente às nulidades processuais (art. 118.º, n.º 1, do mesmo Código).
A verificar-se uma situação de omissão de pronúncia sobre uma questão que o tribunal devia apreciar, estaríamos perante a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 daquele primeiro dispositivo legal, conforme referido pelo recorrente.
O dever de pronúncia sobre a aludida questão e a consequente nulidade, em caso de omissão, decorreriam da jurisprudência fixada pelo Ac. do STJ n.º 8/2012 (in  DR I série de 24/10/2012), no qual se decidiu no seguinte sentido:
«No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.»

Acontece, porém, que, no presente caso, tal omissão não existe. Na verdade, como se pode constatar da fundamentação da sentença  (fls. 447 a 448v.º), o tribunal discutiu a questão em apreço, ao ser confrontado com a aplicação do art. 14.º, n.º 1, do RGIT, tomando posição expressa sobre essa mesma matéria com apelo a uma anterior decisão proferida pela Relação do Porto, que identifica e à qual aderiu, justificando, por essa via, a conformidade da solução por que optou com a jurisprudência fixada pelo STJ, pelo que, a afirmação de que o tribunal recorrido omitiu pronúncia sobre a aludida questão da razoabilidade da condição do pagamento, é manifestamente descabida, por ignorar o conteúdo das aludidas páginas da sentença.
Consequentemente, não se reconhece a existência de tal nulidade, ou de qualquer outra de que cumpra oficiosamente conhecer, neste momento - já que mais nenhuma foi alegada -, seja respeitante à decisão final ou a outro acto processual.
***

3.2.- No que concerne à medida da pena, considera o arguido excessiva a pena de prisão aplicada (2 anos e 6 meses), propondo uma pena de um (1) ano de prisão, igualmente suspensa, sem a condição de proceder ao pagamento da quantia em dívida ao Estado. Invoca, fundamentalmente, que está integrado social e profissionalmente, não tinha antecedentes criminais aquando dos factos e entretanto já decorreram cinco anos após os mesmos.
Após definir o crime cometido - fraude fiscal qualificada  (arts. 103.º, n.º 1 al. b) e 104.º, n.ºs 1 e 2 al. b), do RGIT) -  e a respectiva moldura penal - pena de um a cinco anos de prisão - o tribunal de primeira instância fez uma exposição sobre os critérios de determinação da pena e fundamentou a respectiva medida, que fixou nos aludidos 2 anos e 6 meses de prisão,  do seguinte modo:
«…
Aplicando agora as regras sumariamente expostas ao caso sub judice cumpre referir que a criminalização das práticas lesivas dos interesses do Fisco, associada a um juízo de desvalor ético, representa um fenómeno relativamente recente no direito português, podendo dizer-se que só com a entrada em vigor do RJIFNA, em 1990, ganhou foros de característica permanente do nosso ordenamento jurídico.
Tradicionalmente, tal categoria de condutas relevava do universo das infrações de natureza não criminal (contravenções).
É necessário reconhecer que o enraizamento na consciência cívica da censurabilidade das condutas em causa é ainda bastante deficiente. Para muitos cidadãos portugueses o Estado é visto ainda como uma abstração, daí decorrendo frequentemente a ideia errada de que defraudar ou prejudicar o erário público é, pelo menos no plano ético, menos grave do que defraudar ou prejudicar um indivíduo ou mesmo uma empresa.
Por outro lado, é convicção generalizada  que  as  práticas  lesivas  dos interesses  do  fisco,  constitutivas  ou  não  de  crime são  em Portugal um procedimento muitíssimo difundido e cuja impunidade  está  quase  sempre garantida.
O enquadramento sociocultural agora esboçado seguramente faculta a ideia de que os crimes fiscais constituem condutas de censurabilidade ética diminuta e cujos autores têm fortes probabilidades de não vir a ser descobertos e punidos.
Perante este quadro, e  sem  ceder  à  tentação  da  exemplaridade  ou  da conformação dos comportamentos individuais através de uma instrumentalização “terrorista” do direito penal, importa que tal tendência seja contrariada e que as condutas consubstanciadoras de infrações criminais contra o Fisco sejam fortemente desencorajadas, pelo que, nos encontramos num domínio em que as exigências de prevenção geral são, por via de regra, intensas.
Assim, a pena a encontrar há-de levar em linha de conta, por um lado, as necessidades de prevenção especial e, por outro, o concreto grau de culpa do arguido.
No crime que nos ocupa, a saber, um crime de fraude fiscal, na forma consumada, o grau de ilicitude do facto aparece espelhado, antes de mais, nos montantes que o agente estava obrigado a entregar ao Fisco e cuja entrega omitiu.
Neste aspeto, o valor que será considerado, para ajuizar da ilicitude do facto, relativamente ao aludido crime é apenas respeitante a dois anos fiscais.
As consequências da conduta sob censura foram gravosas, já que, em resultado dela a Fazenda Nacional ficou privada da quantia global de € 155.367,33, que lhe é devida por Lei, sendo que, até ao momento, tal prejuízo não foi integralmente reparado.
O dolo com que o arguido singular agiu situa-se num patamar elevado nada se tendo apurado que justifique a conduta ou sequer mitigue a sua culpa pois que deveriam ter mantido em mente que cumprir as obrigações fiscais é a sua obrigação primeira ao explorar a referida sociedade.
Em face dos elementos reunidos nos autos e que cumpre ponderar, pode constatar-se que, relativamente a si, as exigências de prevenção especial são médias e o grau de culpa dos arguido singular o é também.
O arguido possui antecedentes criminais, por crimes de natureza fiscal, tendo sido condenado em penas de multa.
Está integrado socialmente.
Desconhece o tribunal o juízo de censura sobre os factos praticados, pois não prestou declarações em julgamento.
Em face de tal condicionalismo e sopesada a já elencada intensidade das exigências de prevenção geral, estamos em crer que uma reação penal exclusivamente patrimonial se revela insuficiente para afastar aquele da prática de novos crimes e para o efeito de lhe fazer sentir e à comunidade em geral a censurabilidade do seu comportamento, bem como de satisfazer as necessidades sociais de reprovação da sua conduta.
Assim, entende o Tribunal adequada e suficiente a aplicação ao arguido, pela prática do sobredito ilícito criminal, de uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão».

Perante o exposto, não pode a pena aplicada ao arguido M.R.Rodrigues ser tida como exagerada ou desproporcionada.
A sua determinação, dentro da respectiva moldura, deverá resultar da aplicação dos critérios definidos nos arts. 40.º e 71.º, do Código Penal, que foram observados pela decisão recorrida.
Deles se extrai que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (art. 40.º), acrescentando o art.º 71.º, n.º 1, que, «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
Assim e conforme tem sido salientado pela jurisprudência constante do nosso mais alto tribunal, a medida concreta da pena tem como parâmetros: a) a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; b) a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; c) a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.
A culpa e a prevenção constituem, pois, os dois termos do binómio que importa considerar para aquele efeito.
Na concretização desses princípios, manda o n.º 2 do mesmo art. 71.º que “o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, considerando, nomeadamente, as circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas da referida norma.
É mais do que evidente que o tribunal recorrido ponderou todos os factores relevantes que havia para ponderar – grau de ilicitude, modo de execução dos factos, suas consequências, valor do prejuízo causado e correspondente benefício ilicitamente obtido, intensidade do dolo, a existência de antecedentes criminais do recorrente, as suas condições pessoais, o tempo entretanto decorrido, bem como as elevadas exigências de prevenção geral -, sem que, por aquele, tenha sido adiantada alguma outra circunstância, suficientemente relevante e de cariz diferente, que justifique um reajustamento daquela pena, a qual foi, em nossa opinião, fixada de forma criteriosa, com total respeito pelos princípios supra mencionados e tendo em consideração todo o aludido circunstancialismo, não havendo, pois, margem para a pretendida redução, sob pena de saírem frustradas as expectativas da comunidade na reposição da validade das normas violadas, evidenciando, desse modo, uma incapacidade de resposta às supra assinaladas exigências de prevenção.
Nessa conformidade, improcede, nesta parte, a pretensão do recorrente.
***

3.3.- No que concerne à falta de razoabilidade da condição que lhe foi imposta no âmbito da suspensão da execução da pena, face às suas débeis capacidades financeiras, o que justificaria a sua eliminação, entendemos que ao recorrente também não assiste razão.
Relembrando o teor da decisão proferida quanto a este concreto ponto, a execução da pena de prisão aplicadas ao arguido M.R. foi declarada suspensa, pelo período de cinco (5) anos, na condição de o mesmo pagar, nesse prazo, a quantia de € 155 367,33
O tribunal recorrido, após fundamentar a suspensão da execução da pena de prisão, justificou, do seguinte modo, a imposição das aludidas condições:
«…

Sopesada a pena concreta a aplicar ao arguido dispõe o artº 14º, nº 1 do RGIT “A suspensão da  execução da  pena de prisão  aplicada é  sempre condicionada  ao pagamento,  em  prazo  a  fixar  até  ao  limite  dos  cinco  anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais ( ... ).
Assim, a pena de prisão de 2 anos e 6 meses de prisão aplicável ao arguido singular só não deverá ser substituída se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, ou seja, se a execução da prisão se revelar imposta por razões exclusivas de prevenção, razões de prevenção especial, nomeadamente de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência, ou quando a execução é imposta por exigências de tutela do ordenamento jurídico (cfr. artigo 50.º, n.º 1, do CP).
Desta forma, importa fazer um juízo de prognose sobre o comportamento futuro daquele no sentido de lhe aplicar a pena de substituição de suspensão da execução  da  pena  de  prisão  caso  esse  juízo  seja  favorável,  esperando  que  o mesmo, no futuro, não volte a praticar crimes de idêntica natureza, deste modo ficando assegurada a proteção dos valores – ou bens jurídicos – que a norma incriminadora violada tutela.
In  casu, sopesada a concreta situação económica, laboral e familiar  do arguido  singular, decide-se  suspender  a  execução da aludida  pena  de  prisão aplicada e condicionada ao pagamento, em prazo de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais.
E isto porque o art.50.º n.º1 do C.Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º59/2007, de 4 de Setembro, dispõe que «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade  do  agente,  às  condições  da  sua  vida,  à  sua  conduta anterior  e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»

E o n.º5 do mesmo normativo estabelece que o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.

Por sua vez, o art.14.º do RGIT [Suspensão da execução da pena de prisão] preceitua no seu n.º1 que «A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos  benefícios  indevidamente obtidos e,  caso  o  juiz o  entenda,  ao pagamento da quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa».

Há, assim, uma incompatibilidade entre as disposições do n.º5 do art. 50.º do C.Penal e do art. 14.º n.º1 do RGIT, no que respeita ao prazo de duração da suspensão da execução da pena. Porém, este último normativo não se pode considerar revogado por aquele preceito do C.Penal, pois, por um lado, a Lei n.º 59/2007 não o revogou expressamente e, por outro, o art. 14.º n.º1 do RGIT não foi tacitamente revogado na parte em que prevê que o pagamento da dívida fiscal possa ocorrer até ao limite de 5 anos e, consequentemente, que o prazo de suspensão da pena seja fixado até ao máximo de 5 anos, dado tratar-se uma de norma especial. [v. Ac.R.Coimbra de 23/6/2010, proc. n.º3994/02.8TALRA.C1, relatado pela Desembargadora Cacilda Sena].

Por isso, nos casos abrangidos pelo art. 14.º n.º1 do RGIT é esta a norma que estabelece o limite máximo aplicável ao período de suspensão da pena, assim como impõe obrigatoriamente a sujeição da suspensão de execução da pena de prisão relativa a crimes tributários ao pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, bem como dos montantes indevidamente obtidos. De realçar que o Tribunal Constitucional se tem pronunciado pela não inconstitucionalidade do art.14.º do RGIT, enquanto condiciona obrigatoriamente a suspensão da execução da pena ao pagamento das quantias em dívida – v., entre outros, Acórdão n.º 335/03, 376/03, 500/05, 543/06, 29/07, 61/07, 556/09, 587/09 e 237/11, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt.

No caso presente, considerando que o arguido está integrado sócio profissionalmente e aquando dos factos não tinha antecedentes criminais, afigura- se ser possível fazer um juízo de prognose social favorável no sentido de que não cometerá novos crimes, sendo a ameaça da pena suficiente para o desencorajar da prática de novos ilícitos.

Nos termos do art.14.º n.º 1 do RGIT fixa-se a suspensão da execução da pena pelo período de 5 anos, suspensão que será condicionada ao pagamento das quantias em divida.

De salientar que a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de  Justiça  n.º 8/2012, publicado no Diário  da  República nº  206,  Iª  série,  de 24/10/2012, no sentido de que
«No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105º, nº 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14º, nº 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado de prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade por omissão de pronuncia.»
não é aplicável no caso vertente, uma vez que a necessidade do juízo de prognose a que se refere o AFJ só se verifica quando o crime tributário em questão é punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.) ou outra pena não privativa da liberdade.
Seguiremos neste aspeto muito de perto o Ac.R.Porto de 20/2/2013, proc. n.º 131/08.9IDPRT.P1, relatado pelo Desembargador Pedro Vaz Pato, por concordarmos  inteiramente  com  o raciocínio no mesmo explanado: «O que resulta do acórdão [referindo-se ao AFJ n.º8/2012] é, antes, que, a prévia opção por  pena  de prisão suspensa na sua execução (com o que isso  implica  de obrigatória sujeição dessa suspensão ao pagamento das quantias devidas, nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.) em face da opção por outra pena (deve subentender-se, pena não privativa da liberdade), designadamente a pena de multa, está dependente de um juízo de prognose sobre a capacidade de o condenado pagar tais quantias, tendo em conta a sua situação económica presente e futura.

Esta jurisprudência, diretamente aplicável ao crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nº 1, do R.G.I.T. – crime punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução, nos termos indicados) ou pena de multa –, poderá ser aplicável a outros crimes tributários também puníveis com pena de prisão (também eventualmente suspensa na sua execução, nos termos indicados) ou pena de multa. No caso em apreço, em que está em causa um crime de fraude fiscal tributária, punível apenas com pena de prisão, não se coloca a possibilidade de opção entre pena de prisão suspensa na sua execução e pena de multa.»

Porque apenas o arguido interpôs recurso da decisão final, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é uma realidade irreversível, assim como o correspondente prazo que foi definido pelo tribunal de primeira instância (5 anos) para pagamento da quantia em dívida - sob pena de ofensa ao princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no art. 409.º, n.º 1, do CPP -, estando apenas em causa, neste momento, apreciar da alegada «razoabilidade» da condição a que tal suspensão ficou sujeita.

Conforme referido no art. 50.º, n.º 2, do CP, «o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova».

Dando concretização a tal normativo, o subsequente art. 51.º determina que «a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente … pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea». Acrescenta-se no n.º 2 do mesmo normativo que «os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir».

Estando-se perante crime de natureza fiscal, rege nessa matéria o art. 14.º, do RGIT, cuja redacção, subordinada ao título «suspensão da execução da pena de prisão», é a seguinte:
«1 A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.

2 Na falta do pagamento das quantias referidas no número anterior, o tribunal pode:
a)- Exigir garantias de cumprimento;
b)- Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão admissível;
c)- Revogar a suspensão da pena de prisão.»
Na sequência das muitas dúvidas surgidas, quer acerca da constitucionalidade de tal solução, quer sobre a razoabilidade da imposição de tal pagamento nas situações de incapacidade financeira do condenado, muitas têm sido as decisões dos tribunais das instâncias superiores que sobre aquela norma se vêm pronunciando, estando hoje assente, por um lado, que a mesma não padece de inconstitucionalidade (conforme variada jurisprudência do TC e do STJ, de que é exemplo a mencionada na sentença recorrida), por outro, que se exige, da parte do julgador, um juízo sobre a razoabilidade da condição, conforme superiormente decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 8/2012 (in DR, I série, n.º 206, de 24/10/2012), que fixou jurisprudência no sentido já mencionado supra.
Apesar das condenações subjacentes ao conflito que tal decisão veio dirimir respeitarem ao crime de abuso de confiança fiscal, apresenta-se como óbvia a conclusão de que tal jurisprudência é aplicável a todos os crimes fiscais – por isso, também ao crime de fraude fiscal - , em que esteja em causa a suspensão da execução da pena de prisão.
Ora, no caso em apreço, perante a condenação do arguido ora recorrente em pena de prisão inferior a 5 anos e tendo-se decidido suspender a respectiva execução, era inevitável dar aplicação ao disposto no aludido art. 14.º, n.º 1, do RGIT, impondo-se ao tribunal ter em consideração aquela decisão jurisprudencial, da qual decorre uma determinada interpretação deste mesmo normativo, em conjugação com o disposto no art. 51.º, n.º 2, do CP, decisão que, apesar de não ser obrigatória para os demais tribunais judiciais, obriga a uma especial fundamentação das eventuais divergências, se existentes, quando a respectiva orientação não for seguida (art. 445.º, n.º 3, do CPP).
Extrai-se, porém, da fundamentação do aludido acórdão de fixação de jurisprudência que, «a questão central em debate num e noutro dos processos em confronto gira em torno da questão de saber se, em caso de condenação por crime de abuso de confiança fiscal, que prevê, em alternativa, pena de prisão ou de multa, escolhida a pena de prisão, e optando-se depois pela substitutiva suspensão da execução de tal pena, o que acarreta face ao artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, incontornavelmente, necessariamente, a imposição de condição de pagamento da prestação em dívida e legais acréscimos, há que ponderar ou não a razoabilidade da condição imposta, na consideração de que, face ao concreto/real circunstancialismo fáctico de vida do devedor, máxime, situação económica, será de exigir o cumprimento. Por outras palavras, se face e não obstante o imperativo da imposição da condicionante há ainda alguma margem de liberdade do julgador e se é de ter em conta o princípio da razoabilidade previsto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal e, existindo essa possibilidade, a sua não consideração origina nulidade por omissão de pronúncia.»
Ali se explica que, enquanto o acórdão recorrido (da Relação do Porto) decidiu «não ocorrer omissão de pronúncia quando o julgador subordina a suspensão da execução da pena ao pagamento das quantias em dívida ao Estado e acréscimos sem cuidar de averiguar se o condenado pode ou não cumprir a condição, não se impondo a formulação de qualquer juízo de prognose sobre a razoabilidade da exigência, seguindo o texto do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/03, diferentemente, o acórdão fundamento tem solução diversa, expressa nas conclusões que nele se contêm e que passamos a citar:
«I — Devendo a suspensão da pena — no âmbito da  criminalidade fiscal — ficar, «sempre», condicionada ao «pagamento ao Estado do imposto e acréscimos legais»,
de duas uma:
a)-Ou esse pagamento é viável, caso em que a suspensão da pena — fazendo sentido, verificados os demais pressupostos — há-de ficar subordinada — sempre — ao pagamento integral, ainda que em prazo, da prestação tributária em dívida;
b)- Ou esse pagamento não é viável, caso em que não terá sentido suspender-se a pena (pois a suspensão só ante o pagamento integral da prestação tributária realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição).
II — A lei penal tributária, ao exigir que a suspensão fique subordinada ao pagamento integral da «prestação tributária», deixa subentendido o repúdio dessa «substituição» se a obrigação condicionante não for viável (designadamente, se representar para o condenado uma obrigação cujo cumprimento for inexigível ou, mais precisamente, não for razoavelmente de exigir).
III — Em caso de suspensão condicionada, justificar-se-á — sob pena de o processo (e com ele, assim desincentivado, o próprio condenado) entrar em letargia durante o período do pagamento condicionante — que o tribunal estabeleça um apertado calendário de entregas à administração fiscal, por conta da prestação tributária e respectivos acréscimos, de mensalidades de montante que, proporcionado ao valor global da dívida, antecipe a sua integral satisfação ao cabo do prazo fixado.
IV — Concluindo-se pela inviabilidade, num juízo prognóstico de razoabilidade, da satisfação da condição legal, será de repudiar a substituição da prisão por «suspensão» (pois que esta, sem o pagamento integral da prestação tributária não realiza de forma adequada e suficiente — na perspectiva do próprio RGIT — as finalidades da punição), haverá que se retroceder, revendo-se porventura a solução a seu tempo provisoriamente adiantada, à questão da opção entre a «prisão» (ainda que «suspensa») e a «multa» (que, numa primeira abordagem, se rejeitara no pressuposto de que a «suspensão» — se condicionada — satisfaria adequada e suficientemente «as finalidades da punição»).
V — Se o tribunal — quando substituiu a «prisão» por «prisão suspensa» e condicionou a suspensão ao pagamento integral da «prestação tributária» — não tomou posição explícita sobre se esse «dever» representava ou não para o condenado [tendo em conta a sua situação laboral e patrimonial] uma «obrigação razoavelmente exigível», deixou de se pronunciar sobre uma questão — a da razoabilidade prática da obrigação condicionante — que devia ter apreciado, assim viciando a sentença, nessa parte, de nulidade [artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal].»

Quanto à questão central dos dois acórdãos em conflito, o STJ acolheu claramente a posição perfilhada no acórdão fundamento (também ele do STJ), dando resposta positiva à concreta questão subjacente ao conflito.
Na respectiva fundamentação, o STJ tomou posição acerca da razoabilidade da condição imposta ao abrigo do aludido art. 14.º, n.º 1, do RGIT, nos seguintes termos:
«O princípio da razoabilidade
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal, os deveres impostos para a suspensão não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.
Este n.º 2 corresponde a uma inovação, que foi introduzida pela reforma de 1995 — cf. artigo 3.º, n.º 15), alínea e), da lei de autorização legislativa n.º 35/94, de 15 de Setembro, ao abrigo da qual foi emitido o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março (3.ª alteração ao Código Penal), muito embora, já na vigência do Código Penal de 1982, se entendesse que no n.º 2 do artigo 49.º estava inscrito o princípio.
Consagra-se no n.º 2 o princípio da razoabilidade, a que tem de obedecer a imposição dos deveres.

Comentando-o, dizia Maia Gonçalves no Código Penal Anotado, 13.ª ed., p. 209: «O texto tem um conteúdo algo vago, e nem poderia ser de outro modo, dada a amplitude dos deveres que podem ser impostos. Trata-se de exprimir um princípio de orientação para o tribunal, de modo a habilitá-lo a delimitar o domínio em que há-de mover-se na sua faculdade de determinação dos deveres a cumprir pelo condenado em vista da reparação do mal causado pelo crime.» (Fazendo aplicação concreta deste princípio, vejam-se, i. a., os acórdãos do STJ de 11 de Fevereiro de 1999, CJSTJ 1999, t. 1, p. 212, de 1 de Março de 2001, processo n.º 3904/00, e de 30 de Abril de 2008, processo n.º 687/08 -3.ª, CJSTJ 2008, t. 2, p. 217.)

Ao impor a condição de pagamento de quantia ou outra, o juiz deve averiguar da possibilidade de cumprimento dos deveres impostos, ainda que, posteriormente, no caso de incumprimento, deva apreciar da alteração das circunstâncias que determinaram a impossibilidade, para o efeito de decidir sobre a revogação da suspensão.

Não devem ser impostos ao arguido deveres, nomeadamente o de indemnizar, sem que seja viável a possibilidade de cumprimento desses deveres.

Como pondera Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. III, p. 208, prática contrária significaria apenas adiar a execução da pena de prisão.

Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 533, p. 350, antes da revisão de 1995, que introduziu o n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal, observava que a imposição de deveres e regras de conduta haveria forçosamente de sofrer uma dupla limitação:
«[A] de que, em geral, eles sejam compatíveis com a lei, nomeadamente com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que, além disso, o seu cumprimento seja exigível no caso concreto.»

Acrescentava, a p. 351, § 535: «Quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir-se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar-se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados.»

Quanto à obrigação do condenado de pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado enquanto condição de suspensão da execução da pena consagrada no artigo 49.º, n.º 2, alínea a), da versão originária [actual artigo 51.º, n.º 1, alínea a)] entendia o mesmo Professor, a p. 352, § 537, que «Conexionando esta obrigação com a cláusula de exigibilidade contida no artigo 49.º, n.º 3, parece dever concluir-se que a suspensão é ainda compatível com um pagamento parcial, se o tribunal concluir que só este é concretamente exigível» (itálico nosso).»

Concretamente, no que respeita aos crimes fiscais e de forma incisiva sobre o conteúdo daquela norma do RGIT, afirma-se a seguir:
«Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, 2009, começa por afirmar — p. 133 — que o artigo 14.º nada dispõe sobre os pressupostos de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, sendo aplicável o artigo 50.º do Código Penal, sendo que o artigo 51.º, na redacção vigente à data da publicação do RGIT, dispunha que a suspensão da execução da pena de prisão podia ser subordinada ao pagamento dentro de certo prazo da indemnização devida ao lesado.

Após acentuar que a especialidade do artigo 14.º do RGIT consiste em que a imposição da condição é obrigatória, afirma, de seguida, a p. 136: «Não faz sentido a obrigatoriedade da imposição deste dever. Pode suceder que logo no momento da condenação seja desde logo previsível que o condenado não terá condições económico-financeiras para proceder ao pagamento e por isso que a imposição desse dever constituirá apenas o adiamento da decisão sobre o cumprimento da pena de prisão. Ora, a prisão só deve ser imposta se necessária e o critério da necessidade não pode ser apenas a impossibilidade de pagamento da prestação tributária em dívida. A prestação tributária mantém-se e por isso que a Administração poderá sempre executá-la, sendo possível. Se o incumprimento fica a dever-se a impossibilidade e esta situação não foi causada culposamente não há justificação para a prisão.»
Coloca de seguida a questão: «O que sucede se o condenado não cumprir a condição de pagamento da prestação tributária?», a que responde assim: «Cremos que pode ser revogada a suspensão da execução, desde que o incumprimento seja culposo e só se o for.»
A propósito da invocada inconstitucionalidade da norma do artigo 14.º do RGIT por violadora do princípio da igualdade constante do artigo 13.º da CRP, na medida em que importa a imposição de uma obrigação que pode ser impeditiva da efectividade da suspensão da execução da pena de prisão, apenas em razão da insuficiente situação económica do condenado para satisfazer essa obrigação, defende que no entendimento já referido (o de que só o não pagamento culposo da condição de suspensão pode determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão) não há qualquer inconstitucionalidade na norma.
…»

Tal como já referimos em anterior acórdão por nós proferido (no Processo n.º 2387/05.0JFLSB.L2)  e que aqui seguimos de perto, aquele acórdão de fixação de jurisprudência em nenhum momento afirma, nem dele se pode extrair que, caso o arguido não tenha capacidade económica para pagar as quantias em dívida ao Estado, a pena de prisão deva ficar suspensa sem a condição imposta pelo art. 14.º, n.º 1, do RGIT, ou que esta condição deva limitar-se ao pagamento de quantia inferior à devida, dentro das possibilidades económicas do arguido.

Em primeiro lugar, essa não era a questão a decidir no mencionado acórdão do Supremo Tribunal, tratando-se de matéria em que não havia qualquer conflito, porquanto, nenhum dos acórdãos em confronto - quer o recorrido, quer o fundamento - defendia tal solução. Tal como dissemos, o objecto do recurso extraordinário era saber se havia ou não nulidade, por omissão de pronúncia, caso não fosse investigada a situação económica-financeira do arguido, para efeitos de ser ponderada a eventual suspensão da execução da pena, face à condição obrigatoriamente imposta pelo aludido art. 14.º.

A divergência, para com a solução encontrada naquele acórdão, manifestada nos votos de vencido lavrados a final, limita-se, também ela, à questão da existência ou não da aludida nulidade, não se vislumbrando que existam divergências quanto à questão de fundo, qual seja, dever a suspensão da execução da pena de prisão imposta pela prática de crime fiscal ficar sempre condicionada ao pagamento da totalidade das quantias em dívida ao Estado, em cumprimento do disposto no art. 14.º, n.º 1 do RGIT.

Na verdade, partindo todos desta premissa, entendem uns que, perante a obrigatoriedade da condição, é completamente irrelevante apurar a situação económica do arguido, considerando outros, porém, que, apesar daquela obrigatoriedade, a necessidade daquela averiguação impõe-se, para que possa ser avaliada a razoabilidade de tal condição, para efeitos de se decidir se a prisão aplicada deve ou não ser suspensa na sua execução, optando-se, em caso de juízo negativo, pela aplicação de pena de diferente natureza. O que conduz, neste caso, a nulidade por omissão de pronúncia, caso não seja apurada aquela situação económica, conforme resulta da jurisprudência fixada.   É clara a posição ali defendida, no sentido de que tal  ponderação, quanto à capacidade económica de o arguido pagar as aludidas quantias em dívida, tem de ser feita no momento da correspondente avaliação quanto a saber se a suspensão da execução da pena satisfaz ou não as finalidades da punição, no pressuposto de que o arguido tem possibilidades de proceder a tal pagamento, devendo, pelo contrário, entender-se que tal suspensão não realiza essas finalidades se for manifesto que não se mostra possível esse pagamento.

E não pode ser de outra maneira. Perante o modo imperativo como a condição é exigida pelo legislador, a recusa de aplicação da norma em causa só pode fundar-se em eventual desconformidade constitucional, sabendo nós que o Tribunal Constitucional e o próprio STJ se têm pronunciado, sem divergências, pela sua constitucionalidade.

Por isso, a sua única interpretação possível, em conjugação com o art. 50.º, n.º 1, do CP, é, em cada caso concreto, avaliar se, perante as circunstâncias definidas neste artigo - atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste - e comprovada a capacidade económica de o condenado pagar a prestação tributária em dívida e acréscimos legais, «a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficientes as finalidades da punição».

O caso sobre o qual se debruçou aquele acórdão de fixação de jurisprudência respeitava a crime punível com prisão ou multa, tendo-se entendido que, ao ponderar a suspensão da execução da prisão e perante a incapacidade financeira do arguido, deveria o tribunal voltar ao momento anterior, da escolha da pena, reconhecendo não haver condições para tal suspensão, e optar, eventualmente, pela pena de multa, em vez da prisão.

Ora, tal procedimento não é possível no presente caso, por um lado, porque o crime fiscal aqui em causa, quando cometido por pessoa singular, é punível apenas com prisão, por outro, porque a suspensão da execução da pena já foi concedida sem que o arguido a tenha impugnado.

Consequentemente, o juízo que deve ser feito quanto à determinação da medida da pena - necessariamente de prisão - e à sua substituição por pena não detentiva – no caso só é equacionável a suspensão da execução da pena – tem desde logo de ponderar a real capacidade económica do arguido para cumprir a condição de pagamento das aludidas quantias, no prazo razoável a fixar – até cinco anos, com possibilidade de prorrogação até metade -, suspendendo a execução da prisão se tal cumprimento lhe parecer possível, ou não suspendendo no caso contrário, por a suspensão, sem tal pagamento, não realizar, «de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Esta interpretação não só é admissível face à jurisprudência fixada pelo acórdão citado, como ela se impõe, sendo a única compatível com a redacção das aludidas normas.

Mesmo na doutrina, apesar das reconhecidas discordâncias quanto à opção legislativa em si mesma, ninguém defende claramente que a condição prevista naquela norma não é obrigatória e que, nessa medida, pode a mesma não ser imposta, apesar de concedida a suspensão da execução da pena.

Quando o art. 14.º, do RGIT, foi aprovado, já existia o actual n.º 2 do art. 51.º, do CP, pelo que a opção feita pelo legislador foi plenamente consciente, tendo entendido que o pagamento dos valores ali referidos, pelo arguido condenado por crime fiscal, nas aludidas circunstâncias e dados os interesses em causa, constitui sempre uma exigência “razoável”, tratando-se, pois, de quantias cujo pagamento é sempre de exigir ao arguido, como causador do respectivo dano ao Estado.

Além do mais, aquele n.º 2, do art. 51.º, introduzido pela reforma penal de 1995 e que terá tido como ponto de partida a posição defendida por Figueiredo Dias com base na anterior versão do CP, visava dar satisfação à necessidade de impor limitações aos deveres e regras de conduta, para que os mesmos «sejam compatíveis com a lei, nomeadamente com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que, além disso, o seu cumprimento seja exigível no caso concreto» e «quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir-se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar-se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados»,  conforme se refere no aludido acórdão n.º 8/2012.

O que importa, acima de tudo, é que a imposição da condição do pagamento, ao abrigo do art. 14.º, está em conformidade com a lei, trata-se de opção legislativa que não atenta contra os direitos fundamentais do condenado - é o que se conclui das várias apreciações acerca da constitucionalidade da respectiva norma -, o cumprimento da obrigação de pagamento é exigível no caso concreto, correspondendo a uma obrigação de indemnizar, que recai sobre o arguido ora recorrente, pelos danos causados ao Estado com a prática do crime fiscal pelo qual foi condenado, e está tal obrigação numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados, quer na perspectiva do legislador, quer do julgador do caso ora em apreciação. 

Também Germano Marques da Silva reconhece que a imposição da condição é obrigatória, apesar de, no seu ponto de vista, não fazer sentido que o seja. Sendo certo que, apesar daquela obrigatoriedade, há, segundo ele, a válvula de escape em caso de incumprimento, o qual só conduzirá à revogação da suspensão caso se demonstre que o mesmo é culposo.

No mesmo sentido, Patrícia Agostinho (veja-se aquele nosso acórdão, pag. 404) entende que “não deveria a condição de pagamento da prestação tributária ser prevista como obrigatória, mas sim como uma faculdade à semelhança do previsto no Código Penal e conclui que o artigo 14.º do RGIT não exclui a aplicação dos artigos 50.º a 57.º do Código Penal, e remata, dizendo «quanto às condições económicas do condenado se as mesmas não desempenham qualquer papel na determinação da condição de pagamento da prestação tributária, terão, no entanto, a sua relevância na fixação do prazo para proceder a tal pagamento, prazo que inclusive, foi alargado pelo RGIT para 5 anos»”.

Reconhece, claramente, que as condições económicas do condenado não desempenham qualquer papel na determinação da condição de pagamento da prestação tributária, mas apenas na fixação do prazo para tal pagamento.

O referido acórdão n.º 8/2012 não diz nada de diferente, quanto à obrigatoriedade de imposição dessa mesma condição de pagamento:
«De acordo com o artigo 13.º do RGIT, na determinação da medida da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime.
Com a aposição da condição a que fica subordinada a suspensão pretende-se a reparação integral do prejuízo causado, mas não só.
A razoabilidade da condição tem, a nosso ver, de ser necessariamente avaliada e ponderada a montante, isto é, antes da declaração de imposição.»

E mais adiante:
«o que é de aplicação automática é a condição, não a suspensão, que demanda formulação de lógico juízo prévio; para que se verifique a imposição do condicionamento necessário é que antes se tenha optado exactamente pela suspensão, uma suspensão com contornos especiais, mas exactamente por isso a merecer maiores cuidados.

A suspensão está subordinada, ela própria, à verificação de pressupostos, carecendo de avaliação a situação presente.
Como afirmar a presença do pressuposto material de suspensão sem atender à carga imposta?


A suspensão em si mesma não deixa de ser uma faculdade, como se acentua no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 242/2009, de 12 de Maio de 2009, processo n.º 250/09, da 2.ª Secção, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 75.º vol., p. 209, onde se afirma: «a norma do artigo 14.º do RGIT, ao estabelecer, de forma geral e abstracta, uma condição à faculdade de o tribunal decretar a suspensão da execução da pena de prisão, em todas as situações em que essa faculdade se lhe depare, assume claramente natureza de acto legislativo».


A margem de liberdade do julgador situa-se no justo ponto e momento em que pode optar pela substituição, mas para o fazer tem de estar de posse do pleno das informações possíveis, de modo a bem fundamentar a opção.

Feita a escolha, a adopção da medida de substituição, cessa a liberdade de punição, porque imposta é a subordinação à condição; o juiz fica subordinado, amarrado, ao incontornável passo seguinte, que é impor a subordinação ao pagamento.

Mas porque assim é, será nesse primeiro momento, em que é possível o exercício de liberdade, que poderá avaliar do sucesso da medida e mesmo cogitar sobre o regresso ao estádio anterior e pensar sobre a escolha de pena que temporariamente, como mero exercício de raciocínio, não foi tida então em consideração e tomada como boa solução.»

Parece-nos, assim, que as posições conhecidas, assumidas na doutrina e de que atrás damos conhecimento, bem como o afirmado no próprio acórdão de uniformização de jurisprudência, não deixam margem para quaisquer dúvidas, impondo a conclusão inequívoca de que, optando o julgador pela suspensão da execução da prisão imposta ao arguido pela prática de crime fiscal, é obrigatória a imposição da condição de pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, nos termos do art. 14.º, n.º 1, do RGIT.

Os deveres a impor ao condenado no âmbito da suspensão da execução da pena destinam-se «a reparar o mal do crime», conforme refere o art. 51.º, n.º 1, do CP. Um dos meios previstos para atingir tal objectivo é o pagamento, dentro de certo prazo, «no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado» - cfr. alínea a) do mesmo preceito legal.

É nesse espírito que se enquadra o art. 14.º, do RGIT, exigindo-se aqui, porém, o pagamento integral - e não só em parte - da prestação tributária em falta e acréscimos legais.

Consequentemente, a decisão recorrida não merece qualquer censura.
***

III.–DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, julga-se improcedente o presente recurso do arguido M.R.  Herculano da Costa  Rodrigues, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em três (3) UC.
Notifique.



Lisboa, 5/Junho/2018


José Adriano
Vieira Lamim
Decisão Texto Integral: