Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5576/17.0T8LSB.L1-1
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
SENTENÇA DE CONDENAÇÃO GENÉRICA
LIQUIDAÇÃO
SIMPLES CÁLCULO ARITMÉTICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A sentença de condenação genérica só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, salvo se essa liquidação depender de simples cálculo aritmético sendo então a liquidação levada a cabo no próprio requerimento executivo.
II - A liquidação feita por simples cálculo aritmético é aquela que assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução (que são, nos termos gerais, os factos notórios, de conhecimento resultante do exercício das suas funções ou cujo próprio regime permita esse conhecimento).
III - E ainda a que assenta em números que possam ser retirados, porque directa e imediatamente escrutináveis, de documentos juntos com o requerimento inicial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM
NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Processo nº 5576/17.0T8LSB.L1
[62/2018]
Valor: 37.596,53 €
NO RECURSO DE APELAÇÃO (aqui autuado em 29OUT2019
DO DESPACHO DE 29jun2017
PROFERIDO PELO J2 – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE LISBOA
COMARCA DE LISBOA

NESTES AUTOS DE ACÇÃO EXECUTIVA
    
ENTRE
C…, SA
(Patrocinada por, advs.)
Exequente / Apelante

CONTRA
V…
(Patrocinado por …, Pat. Of.)
Executada / Apelada

E

P…
(Patrocinado por …, adv.)
Executado / Apelado

I – Relatório

A Exequente deu à execução, no Juízo de Execução de Lisboa,  a sentença proferida no processo 76/09.5TJLSB.L1 que condenou os Executados a pagar-lhe quantia «a liquidar em execução de sentença, correspondente às prestações de capital não pagas (no total de 66 – 10ª à 75ª), acrescida de juros moratórios à taxa anual de 12,42%, desde 9JAN2009 até integral pagamento, bem como o correspondente imposto de selo», que, por considerar de simples cálculo aritmético,  liquidou em 37.596,53 € e juros vencidos.
A referida liquidação foi feita da seguinte forma no requerimento executivo:

CAPITAL-----€15.604,98 – CORRESPONDENTE ÀS PRESTAÇÕES DE CAPITAL VENCIDAS E NÃO PAGAS COM EXCLUSÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS – (10.ª A 75.ª) – VIDÉ PLANO FINANCEIRO

JUROS VENCIDOS À TAXA DE 12,42% DESDE 09.01.2009 ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA EM 30.04.2010 -----€2.527,55

IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 4% ATÉ 30.04.2010----€101,10

JUROS À TAXA DE 17,42% (12,42%+5%, ARTIGO 829.º N.º4 C.CIVIL) DESDE 1.04.2010 ATÉ AO PRESENTE 22.02.2017----€18.544,62

IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 4% DESDE 31.04.2010 ATÉ AO PRESENTE 22.02.2017---€741,78

TAXA DE JUSTIÇA----€76,50

TOTAL (EXCLUIDOS JUROS VINCENDOS E IMPOSTO DE SELO DESDE 23.02.2017) ----€37.596,53

MAIS JUROS VINCENDOS À TAXA DE 17,42% SOBRE €15.604,98 DESDE 23.02.2017 ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO E IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 4% SOBRE ESSES JUROS

Ao requerimento executivo foi junto o plano financeiro (que por referência a cada prestação indica o capital em dívida – à 10ª prestação, 15.604,98 €), o valor da prestação e o seu desdobramento, designadamente em ‘capital’, ‘juros’, ‘Issj’, ‘Seg, Vida’ e ‘portes’.
Foi proferido despacho que, considerando que «a liquidação em causa não é dependente de simples cálculo aritmético» devendo ser efectuada na instância declarativa, que para o efeito se renova, julgou o Juízo de Execução de Lisboa incompetente em razão da matéria, rejeitando a execução.
Inconformado, apelou o Exequente concluindo por erro de julgamento.
Não houve contra-alegação.

II – Questões a Resolver

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece; sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a única questão a resolver por este Tribunal é a de saber se a liquidação pode ser efectuada no requerimento executivo.

III – Fundamentos de Facto

A factualidade relevante é a constante do relatório deste acórdão, para o qual se remete.

IV – Fundamentos de Direito

Segundo o art.º 609º, nº 2, do CPC, o tribunal pode proferir sentença de condenação genérica[1], ou seja, na falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade, condenar no que vier a ser liquidado.
Esse tipo de sentença, segundo o art.º 704º, nº 6, do CPC, só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, cuja instância para o efeito se renova segundo o art.º 358º, nº 2, do CPC; salvo se essa liquidação depender de simples cálculo aritmético, caso em que a sentença constitui título executivo sendo a liquidação levada a cabo no próprio requerimento executivo, conforme os artigos 716º, nº 1, e 724º, nº 1, al. h), do CPC.
No caso em apreço importa pois analisar se a liquidação da sentença dada à execução depende ou não de simples cálculo aritmético.

“A liquidação feita por simples cálculo aritmético assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução. Estes são, nos termos gerais, os factos notórios, de conhecimento resultante do exercício das suas funções ou cujo próprio regime permita esse conhecimento”[2].
“Dependendo a liquidação de simples cálculo aritmético, como a própria expressão o diz, no título executivo temos todos os elementos necessários para proceder à respectiva liquidação – basta fazer contas…”[3].
“… A liquidação dependerá de simples cálculo aritmético quando a mesma possa realizar-se exclusivamente com base no que consta do título executivo e, por isso, sem recurso a quaisquer elementos a ele estranhos, como sucederá, por exemplo, nos caos da liquidação da obrigação de juros…”[4].
Castro Mendes[5] considera que ainda nos encontramos no domínio do simples cálculo aritmético quando este se “baseie em números que possam ser provados por documentos juntos com o requerimento inicial”[6].
Por seu turno “a liquidação que não depende de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, um cálculo aritmético, assenta em factos (i.e., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios ou não serem do conhecimento oficioso, são passíveis de controversão”[7].
Em face do exposto temos que a distinção entre depender ou não de simples cálculo aritmético assenta fundamentalmente na ideia de que a liquidação se basta ou não com o simples fazer contas, trabalhar com números, em que a controversão possível é apenas relativamente à exactidão desses números e dos correspondentes cálculos. E daí que adiramos à posição expressa por Castro Mendes, pois que nesses casos não estamos perante uma indagação factual (susceptível de controversão e produção de prova) necessária a apurar um valor necessário para o cálculo mas apenas perante a mera obtenção de um valor numérico cuja exactidão pode ser imediatamente verificada.

No caso dos autos a razão da condenação genérica foi, conforme declarado na sentença dada à execução, o não se “saber qual é o montante exacto das prestações de capital por pagar”. Era este elemento que, essencialmente, haveria de apurar a fim de proceder à liquidação da condenação genérica proferida.
Esse valor obtém-se por consulta do plano financeiro (tabela que decompõe o valor das prestações em função da diversidade de encargos que visam liquidar durante toda a duração do contrato) elaborado pela entidade financiadora, e cuja exactidão pode ser imediatamente verificada.
E foi nesses termos que o Exequente procedeu à liquidação: retirou o valor do capital em dívida do respectivo plano financeiro, tendo junto cópia do mesmo, pelo que, de acordo com o entendimento perfilhado, concluímos que estamos ainda no domínio da liquidação dependente de simples cálculo aritmético, a realizar no requerimento executivo, pelo que a decisão recorrida se não pode manter.

V – Decisão

Termos em que, na procedência da apelação, se revoga a decisão recorrida.
Sem custas (devolvendo-se o já pago), uma vez que os apelados não deram causa, não aderiram, nem acompanharam a decisão recorrida.

Lisboa, 19MAR2019

Rijo Ferreira
Afonso Henrique
Rui Vouga (Vencido)
(vencido, por considerar que, in casu, a liquidação não dependia de simples cálculo aritmético, visto que, como não se provou - na acção declarativa em que foi proferida a sentença condenatória - qual o valor das prestações de capital por pagar, tinha de se produzir prova sobre esse valor no incidente de liquidação, prova essa que não podia ser feita através de simples junção ao requerimento executivo desse documento interno da Exequente, intitulado “Plano financeiro”.)

[1] - Que não se confunde com obrigação genérica (Cf. Lebre de Freitas, A acção Executiva, 5ª ed., 2009, pgs. 84-85).
[2] - Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, 1ª ed., 2013, pg. 242.
[3] - Eduardo Paiva e Helena Cabrita, O Processo Executivo e o Agente de Execução – A Tramitação da Acção Executiva face às alterações introduzidas pelo decreto-lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, 2009, pg.61-62.
[4] - Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. III, pg. 254.
[5] - Acção Executiva, AAFDL, 1980, pg. 18.
[6] - Logo exemplificando: “Assim, se o devedor deve pagar a quantia correspondente a mil dólares ao câmbio de determinado dia, a liquidação é feita pelo exequente no requerimento inicial tendo em conta o documento que prove tal câmbio”.
[7] - Cf. Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, 1ª ed., 2013, pg. 243.