Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1724/09.2TFLSB.L1-3
Relator: A. AUGUSTO LOURENÇO
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA
PESSOA COLECTIVA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
CONSTITUCIONALIDADE
INTERPRETAÇÃO
COIMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – Em matéria contra-ordenacional o art. 73.º do RGCOC enumera de forma positiva os casos e os pressupostos de admissão de recurso para o Tribunal da Relação. Face a este preceito legal, as decisões que admitem recurso — sejam sentenças ou despacho que decidem matéria contra-ordenacional sem audiência de julgamento — têm em comum o quid: serem decisão final do processo.
II – Por conseguinte, em processo de contra-ordenação não admitem recurso as decisões interlocutórias.
III – A pessoa colectiva, sendo um ente jurídico a se, a que se atribuem direitos e obrigações, é dotada de vontade própria que nasce e vive do encontro de vontades individuais dos seus membros, que não pode confundir-se com a vontade singular de cada um deles em particular. É uma nova realidade, reconhecida pela ordem jurídica como um centro autónomo de relações jurídicas.
IV – A responsabilidade de uma entidade bancária perante a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) em termos de informação que está obrigada a fornecer, não pode confundir-se com a de um Administrador ou Director, nem ser unicamente considerada uma imputação subjectiva, reflexa ou indirecta da vontade individual daqueles.
V – A omissão de pronúncia em matéria contra-ordenacional traduz a falta de conhecimento pelo tribunal de uma concreta questão, que não argumentos, sobre matérias em que a lei imponha que este tome posição, condicionada a um requisito vital: “(…) que tais diligências se possam reputar de essenciais para a descoberta da verdade” [cf. art. 120.º n.º 2, al. d) in finedo CPP].
VI – Nas contra-ordenações previstas no CdVM, o bem jurídico tutelado pelo dever de prestação de informação qualitativa, subjacente a todo o direito dos valores mobiliários, é a segurança do investimento e a confiança no mercado, enquanto condições essenciais ao regular funcionamento deste.
VII) – A CMVM, criada pelo Decreto-Lei nº 142-A/91 de 10/04 no âmbito do Código de Valores Mobiliários (CdVM), tem como principais incumbências a regulamentação, supervisão, fiscalização e promoção dos mercados de valores mobiliários, designadamente da Bolsa de Valores de Lisboa e Porto (BVLP).
VIII – A CMVM regulamenta e supervisiona as actividades de todos os agentes que intervêm directa ou indirectamente nos mercados de valores mobiliários e ocorre tanto ao nível do mercado primário, onde se verifica a emissão dos vários títulos, como do mercado secundário, onde se verifica a livre troca entre títulos emitidos anteriormente.
IX – Da conjugação dos art. 389.º n.º 1 al. a), e art. 7.º do CdVM, reportando-se aquele à informação e este, à qualidade da informação, na medida em que o seu âmbito de aplicação é garantido pela dupla conexão, normativa e temática e o conceito de informação é claro e preciso, não se pode asseverar que há falta de determinação da norma.
X – A opção do órgão legiferante positivada no CdVM foi a de qualificar determinadas contra-ordenações como “muito graves”, e de seguida tipificar as condutas ou actuações, de pessoas singulares ou colectivas que as podem integrar; uma delas é a “violação dos deveres de informação”, nos termos em que procedeu o recorrente.
XI – A entidade bancária no que tange à prestação de informação a prestar à CMVM tem que cumprir as suas obrigações legalmente previstas, devendo esta ser “completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”, [cf. arts. 7.º n.º 1 e 389.º n.º 1, al. a) do CdVM].
XII – Decorre do disposto nos arts. 81.º e 101.º, ambos da CRP que os mercados e o sistema financeiro são valores que, pela sua importância, revestem dignidade e protecção constitucional.
XIII — No direito de mera ordenação social, ao invés do que é comum no direito criminal, existe em regra, a separação entre a afirmação das normas de dever, das normas de conexão e das normas de sanção, com invariável recurso a remissões. É o que se verifica no CdVM, que adoptou dois tipos de conexão:
(i) a que estatui uma conexão normativa no art. 388.º n.º 2 CdVM; e (ii) a temática, nos arts. 389.º e segs. do CdVM em que cada questão origina um tipo contra-ordenacional autónomo, com uma sanção própria.
XIV – Tal regime implica que só a norma de sanção e conexão que constitui o 389.º CdVM não basta para definir os contornos da contra-ordenação, é necessária a operacionalidade da norma de dever para se definirem os contornos concretos. Os três tipos de normas constituem um todo inseparável.
XV – Pese embora sem expressa consagração na CRP, é de conceder ao princípio nemo tenetur – que não tem carácter absoluto e está sujeito por lei a restrições sobretudo no CdVM. –, uma “natureza constitucional implícita”, de matriz adjectiva, porquanto se pode compreender no âmbito das garantias de defesa do arguido previstas no art. 32.º nº 1 da CRP.
XVI – Para que essas restrições ao princípio nemo tenetur tenham validade constitucional, impõe-se:
(i) Que estejam previstas em lei prévia e expressa;
(ii) Que sejam decretadas em nome da protecção e salvaguarda de interesses constitucionalmente protegidos e em obediência ao princípio da proporcionalidade previsto no art. 18.º n.º 2, da CRP.
XVII – Tendo em conta os princípios de supervisão, (art. 358.º do CdVM), os procedimentos de supervisão, (art. 360.º do CdVM) e o exercício dessa mesma supervisão, (art. 361.º do CdVM) subsiste uma inteligível restrição do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, que deve ceder perante o regime previsto no CdVM, (arts. 81.º e 101.º da CRP).
XVIII – Tal limitação é extensiva a toda a fase de recolha e análise de documentação que a entidade bancária está obrigada a entregar à entidade supervisora, sem que em caso de irregularidade passível de sanção, tenha antecipadamente de constituir a entidade supervisionada como “arguida”.
XIX – A CMVM conquanto seja uma entidade administrativa, é dotada de poderes de supervisão, investigação, instrução e aplicação de sanções, o processo administrativo de carácter sancionatório, ao invés do processo penal, é uno e conduzido por uma única entidade que reúne os supramencionados poderes.
XX – Em matéria de investigação e instrução, não existe qualquer exigência legal de uma fase análoga à prevista no CPP e não se fixa no RGCOC um prazo para a “investigação e instrução” a que reporta o art. 54.º n.º 2 do mesmo corpo normativo.
XXI – O processo de contra-ordenação no âmbito do CdVM, possui duas fases: a administrativa e a judicial. Na fase administrativa há três sub-fases: (i) recolha de elementos no âmbito dos poderes de supervisão (arts. 360.º e 361.º do CdVM); (ii) defesa (art. 50.º do RGCOC); e (iii) decisão (art. 58.º do RGCOC).
XXIII – No cálculo e determinação concreta do quantum de uma coima a aplicar a uma entidade bancária por violação “muito grave” dos deveres de informação para com a CMVM, deverão ter-se em conta, entre outras circunstâncias, os proveitos operacionais consolidados do ano da infracção, bem como os dos anos anteriores
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª secção do
Tribunal da Relação de Lisboa


RELATÓRIO
Por decisão da CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, proferida no âmbito do processo de contra-ordenação nº 41/08, foi o B…, S.A. condenado em 6 coimas, p. e p. pelos artº 388º nº 1 al. a) e 389º nº 1 al. a) ambos do Código de Valores Mobiliários, sendo 5 delas no montante de 1.250.000,00 € cada uma e outra no valor de 1.500.000,00 € e em cúmulo jurídico, na coima única de 5.000.000,00 €, suspensa na sua execução pelo valor de 2.500.000 €, pelo prazo de dois anos.

Inconformado com a decisão administrativa, o B…, S.A., interpôs recurso de impugnação para o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, que deu origem ao procº nº 1.724/09.2TFLSB, no qual foi proferida a seguinte decisão:
- «Em face de todo o exposto, julgo parcialmente procedente o recurso interposto por B…, S.A., da decisão proferida pelo Conselho Directivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, e, em consequência:
1 - Pela prática, a 31.03.2004, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 388º, nº 1, alínea a), e 389º, nº 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários, condeno-a na coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros);
2 - Pela prática, a 11.04.2005, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 388º, nº 1, alínea a), e 389º, nº 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários, condeno-a na coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros);
3 - Pela prática, a 20.04.2006, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 388º, nº 1, alínea a), e 389º, nº 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários, condeno-a na coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros);
4 - Pela prática, a 28.06.2007, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 388º, nº 1, alínea a), e 389º, nº 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários, condeno-a na coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros);
5 - Pela prática, a 06.11.2007, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 388º, nº 1, alínea a), e 389º, nº 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários, condeno-a na coima de € 1.250.000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros);
6 - Pela prática, a 23.12.2007, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 388º, nº 1, alínea a), e 389º, nº 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários, condeno-a na coima de € 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil euros);
7 – Em cúmulo jurídico de tais coimas parcelares, condeno a arguida/ recorrente na coima única de € 5.000.000 (cinco milhões de euros);
8 - Determino a suspensão, pelo período de dois anos, nos termos do disposto nos artigos 415º, nºs 1 e 3, do Código dos Valores Mobiliários, contados desde o trânsito em julgado da presente sentença, da execução de metade do valor de tal coima única (€ 2.500.000 – dois milhões e quinhentos mil euros).
Custas pela arguida/ recorrente, com taxa de justiça que fixo em 5 (cinco) Unidades de Conta – art. 8º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo diploma».
*
Entretanto, o recorrente B…,S.A., veio a apresentar um ‘requerimento probatório’ nos termos de fls. 16.111 a 16.122, o qual foi indeferido pela Srª. Juiz “a quo” em audiência de julgamento, (cfr. acta de fls. 16.129 a 16.134), tendo, tal despacho sido objecto de recurso.
*
I. - Do recurso interlocutório
Do aludido despacho, recorreu o B…, S.A., nos termos de fls. 16.142 a 16.168, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“a)Na Impugnação Judicial da Decisão proferida pela CMVM no final da fase administrativa do presente processo contra-ordenacional, o Arguido B…, S.A. invocou a irregularidade daquela Decisão, por a CMVM não ter carreado para os presentes autos a prova relevante produzida no processo n° 42/2008, contrariamente, portanto, ao que havia expressamente garantido que faria, quando fundamentou o indeferimento do pedido de conexão de processos feito pelo Arguido logo no início do presente litígio.
b) A realização das diligências probatórias requeridas pelo Arguido no seu requerimento de 28 de Junho de 2010 é absolutamente indispensável para a decisão sobre a mencionada questão de irregularidade da Decisão final proferida pela CMVM.
c) Sem a realização das diligências probatórias requeridas, o tribunal de julgamento pode não dispor de todas as informações e elementos necessários para decidir, com conhecimento de causa, sobre a questão da irregularidade da Decisão da CMVM.
d) A realização destas diligências mostra-se ainda essencial para a descoberta da verdade material sobre os factos pelos quais vem o Arguido acusado e condenado, na medida em que são os indivíduos arguidos no processo n° 42/2008 que têm o melhor e mais completo conhecimento sobre os factos que ente processo — uma data, representavam o B…, S.A. -, pelo que se revela indispensável para a boa decisão da presente lide o conhecimento do teor de provas e explicações apresentadas, naquele processo, por tais indivíduos.
e) Aliás, a responsabilidade da pessoa colectiva assenta no facto praticado pelos seus representantes, sendo que, na data em que tal facto foi alegadamente praticado, os representantes do Banco eram, precisamente, os arguidos no processo n° 42/2008, pelo que, por definição, o teor de provas e explicações apresentadas, naquele processo, por tais indivíduos, interessa à Defesa do B…, S.A..
f) As diligências probatórias requeridas pelo Arguido não têm, pois, qualquer intuito dilatório, antes visando – como sempre visaram, no presente processo, os requerimentos apresentados pelo Arguido – esclarecer o tribunal sobre: (i) a coincidência dos objectos dos dois processos em análise (quanto aos seus factos essenciais); (ii) se já haviam sido realizadas diligências probatórias no processo n° 42/2008 à data da prolação da Decisão final do presente processo; (iii) (em caso de resposta negativa a esta última questão) qual a razão pela qual não foram realizadas quaisquer diligências probatórias até à mencionada data, designadamente, se se deveu à falta de impulso processual por parte da CMVM; (iv) quais as diligências probatórias já realizadas no processo n° 42/2008, para, assim, se aferir da sua relevância ou irrelevância para a matéria dos presentes autos.
g) Além do mais, a audiência de julgamento (e, por maioria de razão, dois dias antes da audiência de julgamento) é, ainda, um momento processualmente apropriado para requerer produção de prova indispensável pata a boa decisão da causa,
h) Sendo certo que o Tribunal Constitucional até já decidiu que se pode legitimamente requerer, em audiência de julgamento, a produção de prova cuja relevância para a boa decisão da causa já fosse conhecida em momento anterior (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/2002) e sendo igualmente certo que a produção da prova requerida pelo B…, S.A., a 28 de Junho de 2010, se revela especialmente simples e célere, não provocando qualquer embaraço ao normal andamento dos autos.
i) Assim, o despacho que indeferiu as diligências probatórias requeridas pelo Arguido B…, S.A. é nulo, nos termos do disposto na alínea d) do n° 2 do artigo 120° do cód. procº penal, uma vez que se verificou a omissão, durante a fase de julgamento, de diligências essenciais para a descoberta da verdade.
j) Caso assim não se entenda, tal despacho é irregular, nos termos do artigo 123º do mesmo Código.
k) Por sua vez, o despacho que indeferiu a arguição de nulidade ou irregularidade (arguição que foi apresentada pelo Arguido, através dos seus mandatários, na própria sessão da audiência de julgamento, por referência ao despacho que indeferiu as diligências probatórias requeridas) é igualmente nulo, nos termos do artigo 122° n° 1, do cód. procº penal, estar contaminado pela nulidade do despacho antecedente, que lhe dá causa e sentido.
l) Caso assim não se entenda, tal despacho é irregular, nos termos do artigo 123° do mesmo Código.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve:
A) O despacho que indeferiu as diligências probatórias requeridas pelo Arguido no seu requerimento de 28 de Junho de 2010 ser declarado nulo ou, caso assim não se entenda, irregular, e, em qualquer caso, deve tal despacho ser revogado e substituído por outro que defira a realização das aludidas diligências probatórias;
B) O despacho que indeferiu a arguição de nulidade ou irregularidade ser igualmente declarado nulo ou, caso assim não se entenda, irregular, e, em qualquer caso, deve tal despacho ser revogado e substituído por outro que declare a nulidade ou a irregularidade do despacho que indeferiu a realização das diligências probatórias pedidas pelo Arguido no seu requerimento de 28 de Junho de 2010”.
*
Ao recurso interlocutório, respondeu o Ministério Público nos termos de fls. 16.175 a 16.185, defendo a respectiva improcedência do mesmo e concluindo nos seguintes termos:
“Entende assim o MP que os despachos judiciais em crise são lúcidos, corajosos, educativos e integralmente assumidos com o apoio da lei e das normas legais em vigor, de nenhum vício sofrendo – pelo que devem ser integralmente mantidos e confirmados.
Não se descortina nulidade alguma nem a preterição de diligências de provas relevantes para o bom julgamento da causa – aliás, o B…, S.A., no momento próprio, notificado da vontade do M.º juiz a quo de decidir a causa por mero despacho, nenhuma diligência de prova quis requerer ou propor, só insistindo na audiência de julgamento em benefício da discussão oral e jurídica da causa. Se houvesse provas indispensáveis a realizar, seria esse o momento de a carrear para os autos e de a produzir em julgamento. Aí, nesse momento, nada disse o B…, S.A. – que só à boca do julgamento descobriu quão essencial era, afinal, sindicar o andamento de um processo em fase administrativa.
O recurso ora interposto deve assim ser rejeitado e mantidos os despachos judiciais recorridos”.
*
Respondeu também ao recurso interlocutório do B…, S.A. a CMVM, nos termos de fls. 16.975 a 17.001, defendendo a improcedência, apresentando as seguintes conclusões:
“1. Os Despachos interlocutórios proferidas pelo TPIC são irrecorríveis, pelo que o recurso não deve ser admitido (artigos 73° do RGCORD e artigos 414°/2 e 420º 1 al. b) do cód. procº penal, aplicáveis ex vi artigo 41º 1 do RGCORD) — como a jurisprudência tem abundantemente reconhecido.
Subsidiariamente, caso assim não se entenda:
2. Os fundamentos invocados no “requerimento probatório’’ apresentado pelo arguido eram notoriamente inconsistentes, as perguntas evidentemente irrelevantes e a finalidade do requerimento era manifestamente dilatória.
3. Os Despachos recorridos devem ser mantidos porquanto não padecem de qualquer vício (designadamente os do artigo 120°/1/d e 123° do cód. procº penal).
4. O artigo 120° nº 1 al. d) do cód. procº penal é insusceptível de aplicação aos processos de contra-ordenação atento o princípio da legalidade processual (artigo 43° do RGCORD), o princípio da legalidade das nulidades (artigo 118°/1 do GPP) e os limites legais da aplicabilidade do direito subsidiário (artigo 41° do RGCORD).
5. Em qualquer caso, o artigo 120º nº 1 al.) d do cód. procº penal é manifestamente inaplicável ao caso dos autos porquanto as diligências requeridas não são reputáveis de “essenciais para a descoberta da verdade” – nem o arguido o alega fundadamente.
6. As provas requeridas eram notoriamente irrelevantes ou supérfluas e o requerimento tinha finalidade manifestamente dilatória pelo que o “requerimento probatório” tinha de ser, em todo o caso, indeferido (artigo 340° nº 4 al.) a) e c) do cód. procº penal, aplicável ex vi artigo 4º nº 1 do RGCORD).
Entre o mais, salienta-se que:
7. O artigo 401° nº 1 CdVM, em linha com o artigo 7°/l do RGCORD e com as orientações internacionais, consagram um modelo de imputação autónoma da responsabilidade por ilícitos de mera ordenação social a entes colectivos e entes singulares.
8. O arguido não se viu privado de direito de defesa algum, V. G. podia, e foi livre, de arrolar as testemunhas que entendesse. Podia ter arrolado quem entendesse e optou por não arrolar ninguém. Não sendo legítimo ao arguido invocar causa absolutamente hipotética e virtual para justificar a sua estratégia processual.
9. A jurisprudência do Tribunal Constitucional não «cauciona» posições processuais como as que o arguido tomou (cf. v. g. Acórdão do Tribunal Constitucional n° 171/2005).
Termos em que,
O recurso do arguido B…, S.A. não deve ser ADMITIDO, por IRRECORRIBILIDADE das decisões recorridas;
Subsidiariamente,
Deve ser NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO do arguido recorrente, mantendo-se as decisões do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa de:
a) Indeferir as diligências probatórias requeridas;
b) Indeferir a arguição de nulidade ou irregularidade do Despacho que indeferiu as diligências probatórias requeridas”.
*
II. - Do recurso da Sentença
Inconformado com a sentença do 1º Juízo Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, interpôs o B…, S.A., recurso para este Tribunal, tendo apresentado as seguintes conclusões:
I. A NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA NOS TERMOS DO ARTIGO 379º, Nº 1, A), DO CPP, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 374º, Nº 2, DO CPP
1. O Tribunal a quo não cumpriu o dever de fundamentação previsto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, na medida em que não procedeu a um verdadeiro e próprio «exame crítico das provas», tendo-se limitando a enunciar, de forma meramente descritiva, as provas em que se baseou,
2. Pelo que a sentença dos presentes autos é nula, ao abrigo do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
II. INSUFICIÊNCIA PARA A SENTENÇA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA, PARA EFEITOS DO ARTIGO 410.º, N.º 2, ALÍNEA A), DO CPP, QUANTO À IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA
3. A imputação subjectiva, enquanto momento irrenunciável da determinação da responsabilidade sancionatória da pessoa colectiva, há-de ser feita, para todas as contra-ordenações previstas no CdMV, em função da determinação do dolo ou da negligência da(s) pessoa(s) singular(es) que o representavam, à data dos factos, operando tal imputação em termos reflexos.
4. Sucede que da Sentença recorrida não constam quaisquer elementos de facto (ou de direito) que permitam concluir pela existência de dolo ou de negligência por parte das pessoas singulares que, à data dos factos, actuavam como titulares dos cargos de direcção, chefia, gerentes ou como seus mandatários e/ou representantes do B…,S.A., o que, por si só, impede a imputação subjectiva ao Recorrente dos ilícitos de que vem condenado.
5. Acresce que na Sentença recorrida não se demonstram quaisquer factos que revelem que o Recorrente, além de ter praticado um facto próprio, o fez representando a possibilidade de estar a praticar o facto típico e ilícito, e com essa mesma intenção ou, pelo menos, vontade, não se alegando ou demonstrando, na mesma, ao contrário do que estava obrigada, os elementos do dolo.
6. Nestes termos, ao abrigo do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, a Sentença recorrida revela manifesta insuficiência da matéria de facto provada, para efeitos de imputação subjectiva ao Recorrente, a título doloso, dos mencionados ilícitos.
III. A NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA NOS TERMOS DO ARTIGO 379.º, N.º 1, C), DO CPP
7. A Sentença recorrida não se pronunciou relativamente ao vício atempadamente arguido pelo Recorrente acerca do não aproveitamento, pela CMVM, da prova produzida em processo paralelo, questão relevante nos presentes autos.
8. Pelo que é nula, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP.
IV. ERRADA APLICAÇÃO DO DIREITO PELO TRIBUNAL A QUO
9. O Tribunal a quo dá como não provados factos que não são mais do que meras conclusões jurídicas relativamente aos factos constantes dos autos, não estando por isso subtraída a apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa relativamente a essa matéria – porque se trata de matéria de direito, e não de facto –, nos termos do disposto no artigo 75.º do RGCOC.
Assim,
A. Inexistência da obrigação de consolidação das 17 Sociedades Cayman e das 4 Sociedades G… F…
10. É pressuposto fundamental da Sentença recorrida quanto aos alegados vícios da informação financeira divulgada que o B…,S.A. deveria ter incluído nas suas demonstrações financeiras consolidadas as 17 Sociedades Cayman e as 4 Sociedades G… F… e, depois, também a Comer. Imobiliária.
11. Sucede, porém, que, relativamente a esta questão essencial, a prova constante dos autos, bem como os factos neles afirmados e reconhecidos pela própria CMVM, impõem, pelo menos desde 2002, resposta diversa, além de que existem outras razões jurídicas, não ponderadas na Sentença recorrida, e que também não foram consideradas na Acusação e na Decisão da CMVM, que sempre, por si só, afastariam também a conclusão aí sustentada.
12. Toma-se como paradigmática, quanto a este ponto, a situação das 17 Sociedades Cayman, mas as considerações jurídicas tecidas a propósito destas valem, no fundamental, designadamente quanto ao aspecto da inexistência de detenção por conta, também relativamente às demais sociedades off-shore referidas na Sentença recorrida.
13. Ao considerar que as sociedades offshore eram detidas por conta do B…, S.A. pelo facto de correr por conta deste o risco do crédito concedido a essas entidades, a Sentença recorrida confunde, erroneamente, a situação do credor com a do titular de acções por conta, e não distingue, como é devido, entre o risco e as vantagens inerentes à acção e à qualidade de accionista e o risco e as vantagens que a qualidade de credor pode acarretar.
14. A substância económica de participações sociais e dos direitos que lhes são inerentes liga-se ao respectivo valor de circulação e ao chamado residual interest — ou seja, ao direito sobre o que sobeje do património societário, depois de satisfeitos todos os credores. Por conseguinte, para sabermos se os UBOs daquelas sociedades offshore eram beneficiários económicos apenas formalmente, sendo o B…, S.A. «verdadeiro» detentor de tais offshore, teremos, antes de mais, de apurar se eram aqueles ou este quem aproveitaria ou seria prejudicado, em termos finais, pelas oscilações do valor das participações no respectivo capital e do sobredito residual interest.
15. Ora, resulta juridicamente dos factos admitidos pela Acusação e Decisão da CMVM, e dados como provados na Sentença recorrida, que os proveitos financeiros decorrentes de eventual valorização do título B…, S.A. para um certo valor reverteriam em favor dos UBO. Todo o residual interest pertenceria, por conseguinte, aos UBO; todas as vantagens económicas remanescentes após satisfação dos créditos e correspondentes à titularidade das acções e dos respectivos direitos inerentes competiam aos UBO — donde que estes eram não apenas os detentores formais como os detentores materiais ou económicos e ultimate beneficial owners das sub-holdings e das 17 Sociedades Cayman, que não eram, por isso, detidas por conta do B…, S.A..
16. Por outro lado, mostram os autos que uma das medidas tomadas, ao ser constatada, em Outubro/Novembro de 2002, a situação das 17 Sociedades Cayman, foi a de promover a alienação da totalidade da carteira de acções do B…, S.A., num modelo susceptível de criar liquidez para reduzir o endividamento, mas mantendo uma exposição ao potencial de recuperação da cotação das acções. Ora, a celebração dos mencionados contratos permitiu que uma parte substancial do risco das acções do B…, S.A. tivesse sido transferida para o A…N, facto que também não foi considerado na Sentença recorrida.
17. Ainda que se tivesse, porventura, querido pactuar a detenção de acções do B…, S.A., por terceiros por conta do B…, S.A., nem sequer seria juridicamente possível que as mesmas se pudessem alguma vez considerar – ou contabilizar – como acções próprias, uma vez que a aquisição de tais acções pelos terceiros tornar-se-ia imperativamente aquisição por conta própria, por aplicação dos artigos 316.º, n.ºs 2 e 3, ex vi artigo 325.º-B, n.º 1, do CSC.
18. Até 31 de Dezembro de 2004, as demonstrações financeiras do B…, S.A. eram preparadas de acordo com o Plano de Contas para o Sistema Bancário (PCSB) e a consolidação de contas obedecia ao disposto no Decreto-Lei n.º 36/92, de 28 de Março, cujo artigo 2.º apenas obrigava as instituições a ele submetidas a procederem à consolidação de empresas que controlassem de modo exclusivo, sendo certo que o conceito de controlo assentava fundamentalmente em direitos de voto e requeria alguma titularidade do capital social. Ora, relativamente às 17 Sociedades Cayman e às 4 Sociedades G… F, nenhum destes critérios se podia dar como preenchido.
19. Independentemente de o conceito de “special purpose entities” (SPE) se aplicar ou não às sociedades aqui em causa, o referido Decreto-Lei n.º 36/92 não previa quaisquer regras especiais que obrigassem à consolidação das hoje conhecidas como “entidades de finalidade especial” ou (SPE). O PCSB e as disposições regulamentares do Banco de Portugal não dispunham, também, de quaisquer regras de consolidação aplicáveis a tais SPE. Neste contexto, a prática absolutamente generalizada — em Portugal e na Europa — era, até 1 de Janeiro de 2005, de não consolidar essas entidades, por ser pacífico o entendimento de que nada na lei e nas normas contabilísticas aplicáveis impunha fazê-lo.
20. Em face de todo o exposto, deve concluir-se que as sociedades offshore acima referidas não estavam obrigatoriamente sujeitas a consolidação por parte do B…, S.A., sendo correcto as operações com elas realizadas serem tratadas no âmbito do crédito concedido, como o foram.
B. Outras questões jurídicas de mérito: do âmbito e do sentido do dever de informação objecto de sanção contra-ordenacional nos termos dos artigos 7º e 389º do Código dos Valores Mobiliários.
i) âmbito objectivo da tutela contra-ordenacional dos deveres de informação patente no Código dos Valores Mobiliários
21. O artigo 7.º do CdVM não consagra qualquer dever legal de prestação de informação. Consagra, isso sim, um parâmetro genérico de aferição da qualidade da informação («completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita»), informação essa que, quando exigível (por exemplo, nos termos de outras disposições do CdVM, ou por solicitação da CMVM) deverá obedecer a esses mesmos parâmetros.
22. É o tipo contra-ordenacional previsto no artigo 389.º do CdVM que estabelece e delimita o âmbito objectivo – e também subjectivo – do comportamento que, no plano da prestação de informação, pode ser considerado ilícito e merecedor de coima, pelo que, no que diz respeito à prestação de informação e, em particular, à prestação de informação sem qualidade, só as condutas expressamente previstas pelo artigo 389.º do CdVM – e aí suficientemente descritas – podem ser sancionadas com coima.
23. A repetição, constante do artigo 389.º, n.º 1, do CdVM, das qualidades da informação já enunciadas no artigo 7.º do CdVM (completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita), não é desnecessária, uma vez que a norma fundadora (tipificadora) do ilícito é o próprio artigo 389.º do CdVM, pelo que deverá ser esta disposição legal a descrever os elementos constitutivos essenciais da infracção.
24. E, além de não ser necessária, é ainda reveladora de que o artigo 7.º do CdVM não é um pré-tipo contra-ordenacional relativamente ao artigo 389.º, n.º 1, do mesmo Código, mas apenas uma norma que determina as qualidades que uma dada informação, emitida ao abrigo das normas do CdVM, deve revestir.
25. Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 52/2006, regia a versão original do artigo 389.º, n.º 1, do CdVM, a qual delimitava e limitava a punição contra-ordenacional, apenas, à prestação de informação relativa a valores mobiliários e a outros instrumentos financeiros. Só a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 52/2006 é que passou a ser sancionado com coima a prestação de informação que não gozasse dos atributos de completude, veracidade, clareza, objectividade e licitude, e que tivesse por objecto os emitentes.
26. Se o legislador sentiu a necessidade de retirar da descrição do tipo de ilícito contra-ordenacional previsto no artigo 389.º, n.º 1, do CdVM a referência a valores mobiliários e outros instrumentos financeiros, para nele poder incluir a informação respeitante, entre o mais, a emitentes, então, é claro, é óbvio, é manifesto que, antes de tal alteração, a informação relativa a emitentes não estava incluída naquele tipo legal.
27. Mesmo que a aplicação da versão original do artigo 389.º, n.º 1, do CdVM seja realizada em conjugação com a aplicação (complementar / concretizadora) do artigo 7.º do CdVM, ainda assim, a norma sancionatória resultante de tal aplicação conjugada nunca incluiria, na respectiva previsão, qualquer informação relativa a emitentes, pois o artigo 7.º do CdVM não pode alargar o âmbito normativo, objectivamente consagrado e delimitado, do tipo contra-ordenacional que, sobre essa matéria, efectivamente existe.
28. Ou, numa outra formulação, mesmo que se pudesse entender que o artigo 7.º do CdVM funciona como pré-tipo (para o qual o artigo 389.º do CdVM remete) – hipótese que se rejeita –, sempre seria de concluir que os elementos essenciais do comportamento proibido consagrados na versão original do artigo 389.º, n.º 1, do CdVM não se limitam a remeter, integralmente, para o artigo 7.º do mesmo diploma. Ao invés, os elementos essenciais do comportamento proibido consagrados na versão original do artigo 389.º, n.º 1, do CdVM, apenas remetem para a parte do artigo 7.º, do CdVM, que se refere à prestação de informação sobre valores mobiliários.
29. Não são, portanto, subsumíveis ao artigo 389.º, n.º 1, do CdVM – por, à data da respectiva verificação, não preencherem a previsão desta norma sancionatória – todas as alegadas violações do dever de informação ocorridas anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 52/2006, na medida em que todas essas violações respeitam à informação financeira constante dos documentos de prestação de contas consolidadas, ou seja, a informação que é relativa ao emitente, e não a valores mobiliários ou a outros instrumentos financeiros.
ii) (ir)relevância da informação contabilística em sede de deveres de informação
30. O artigo 245.º do CdVM obrigava e obriga o B…, S.A. a publicar o relatório de gestão, as contas anuais, a certificação legal de contas e demais documentos de prestação de contas exigidos por lei ou regulamento. Os documentos de prestação de contas publicados pelo B…, S.A. corresponderam sempre rigorosamente aos que foram elaborados e aprovados pelos seus órgãos sociais competentes. Através da respectiva publicação, o B…, S.A. cumpriu o dever imposto pelo artigo 245.º do CdVM de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita. Esses, e não outros, eram realmente os documentos de prestação de contas do B…, S.A., em base individual e consolidada.
31. Diferente da informação acerca dos documentos de prestação de contas é a informação vertida em tais documentos. Ora, que conteúdo deve ter a informação desta última natureza, que requisitos, deve satisfazer, é uma questão regida pelas normas e princípios contabilísticos, não uma questão do direito de valores mobiliários, pelo que nunca poderia fundamentar a punição contra-ordenacional por (alegada) violação do artigo 7.º do CdVM.
32. O artigo 245.º, n.ºs 3 e 4, do CdVM – o n.º 3 ex novo, o n.º 4 com a sua versão actual – apenas foram introduzidos pelo Decreto-Lei nº 357-A/2007, sendo certo que o alcance do art. 245.º, n.º 3, é singelamente o de estatuir, quanto aos emitentes, que são obrigados a elaborar contas consolidadas, que estas últimas deverão ser contas IAS/IFRS, ao passo que as contas individuais já deverão ser contas POC (ou as requeridas por algum normativo especial, como o Plano de Contas do Sistema Bancário), e não o de transformar em dever mobiliário o acatamento das regras do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 e da legislação nacional, respectivamente.
33. O artigo 7.º do CdVM tem de ser interpretado como respeitando aos requisitos de qualidade que deve preencher a informação exigida por outros preceitos do código (quando é o caso), e atendendo aos contornos específicos que tenha o dever respectivo. Neste caso, o dever legal era o de publicar os documentos de prestação de contas, tendo sido no cumprimento deste dever legal que as contas do B…, S.A. foram publicadas. Como tal, a informação acerca desses documentos é verdadeira e completa se a publicação tiver efectivamente por objecto os documentos de prestação de contas, sejam ou não eles verdadeiros e completos.
34. (iii) especificamente a respeito das contas consolidadas
35. Se as contas consolidadas são elaboradas excluindo do perímetro de consolidação alguma(s) das empresa(s) que dele deveriam constar, não se pode dizer que a informação fornecida não seja verdadeira ou completa; o que se pode invocar, isso sim, é que na delimitação desse perímetro não foi acatado o normativo aplicável.
36. A informação contida em documentos de prestação de contas consolidadas só poderá considerar-se não «verdadeira», nos termos e para os efeitos do art. 7.º do CdVM, tomado o termo «verdadeira» no mero sentido de conforme com a realidade que a mesma procure e proclame retratar – não no sentido de inteiramente conforme com a regulamentação contabilística.
37. Assim, o facto de o B…, S.A. ter publicado contas consolidadas em que não incluiu as off-shore Cayman, as off-shore G…F, a CI, etc., etc., não torna as contas não verdadeiras e não completas, mesmo que essa inclusão fosse imposta pelas disposições legais aplicáveis, na medida em que seja, como é, verdadeira e completa a informação prestada sobre o conjunto das empresas cujas contas foram efectivamente indicadas nesses documentos como sendo objecto da consolidação.
iii) inconstitucionalidade da actual versão do artigo 389º, nºs 1 e 2, do CdVM
38. Os tipos contra-ordenacionais devem revelar-se certos e determinados, querendo isto significar que devem descrever, de forma expressa e suficiente, a matéria proibida e os demais pressupostos de que dependa em concreto a punição.
39. Na tipificação dos ilícitos contra-ordenacionais exige-se ao legislador um juízo de proporcionalidade que se divide em dois sentidos: um primeiro sentido, que diz respeito à avaliação da congruência entre o desvalor de uma determinada infracção e o desvalor (o quantum) da sanção que lhe é associada (proporcionalidade absoluta); e um segundo sentido, que diz respeito à congruência entre a sanção prevista para uma determinada conduta e o seu horizonte normativo, ou seja, as opções normativas constitutivas de todo o sistema jurídico (proporcionalidade relativa).
40. De acordo com a tipificação prevista no artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do CdVM, a prestação de informação sem qualidade é qualificada como contra-ordenação «muito grave», independentemente do agente e do objecto, natureza e efeitos sobre o mercado daquela informação.
41. Ao prever que a prestação de toda e qualquer informação sem as qualidades referidas no próprio artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do CdVM, é punida com coima, sem identificar (e delimitar) o agente, objecto, natureza e/ou os efeitos sobre o mercado dessa mesma informação, o referido artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do CdVM, revela-se excessivamente indeterminado, não assegurando a certeza que é exigida pelo artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que revela uma norma materialmente inconstitucional – inconstitucionalidade que se deixou expressamente invocada na Impugnação Judicial e que agora se reitera.
42. Ao prever que toda e qualquer prestação de informação sem qualidade traduz, independentemente de quem a presta e do objecto, natureza e/ou efeitos sobre o mercado dessa mesma informação, uma contra-ordenação «muito grave», o artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do CdVM, revela uma norma materialmente inconstitucional, por violação do princípio da necessidade da punição e do princípio da proporcionalidade da punição, quer no seu sentido relativo, quer no seu sentido absoluto, ambos previstos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da Republica Portuguesa, violando igualmente o princípio da culpa, previsto no artigo 1.º e 27.º da Constituição da República Portuguesa, e o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa – tal inconstitucionalidade foi invocada na Impugnação Judicial e vai agora reiterada.
V. CONCURSO APARENTE DE CONTRA-ORDENAÇÕES: O COMUNICADO DE 23/12/2007 – A CONSUMPÇÃO DA CONFIRMAÇÃO PELO FACTO CONFIRMADO.
43. O B…, S.A. vem condenado na prática, entre outros, de um ilícito contra-ordenacional pela divulgação, no SDI, a 23/12/2007, de um Comunicado emitido na sequência de um ofício da CMVM que ordenava o B…, S.A. a confirmar se a informação financeira que divulgou no SDI «reflecte já integralmente as perdas financeiras decorrentes da situação referida».
44. Configurando assim a CMVM a existência de um ilícito ilícito contra-ordenacional referente à actividade, resultados e situação económica financeira no 3.º trimestre de 2007 e um ilícito relativo à divulgação do Comunicado, isto é, relativo à própria confirmação da informação.
45. Estamos neste caso perante um concurso aparente de tipos contra-ordenacionais, em que se considera existir uma «unidade de sentido do acontecimento ilícito global-final», em que o agente deverá apenas ser punido por um dos tipos legais de contra-ordenação (infracção) que são preenchidos pela sua conduta ilícita típica, sendo certo que o ilícito está, apenas e só, na informação prestada, e já não na confirmação da veracidade dessa afirmação.
46. Pelo que deve improceder a condenação do B…, S.A. quanto à emissão do Comunicado de 23/12/2007 configurar, em si mesma, um ilícito contra-ordenacional.
47. Acresce que a norma do artigo 360.º, n.º 1, alínea f) do CdVM, interpretada no sentido de que a CMVM, enquanto autoridade reguladora e de supervisão, pode dar ordens que coloquem o Arguido na situação de, inevitavelmente e em alternativa, confessar a prática de um ilícito, incorrer na prática de um crime ou de uma contra-ordenação é, em tal interpretação, inconstitucional por violação das normas constitucionais que consagram aos direitos à presunção de inocência, ao silêncio e à não auto-incriminação, bem como dos princípios do Estado de Direito Democrático, decorrentes do artigo 6.º da CEDH, do artigo 14.º do PIDCP e dos artigos 2.º, 20.º, n.º 4 e 32.º, nºs 2, 5, 8 e 10 da CRP, o que se invocou na Impugnação Judicial e agora de reitera.
VI. VÍCIOS DA ACUSAÇÃO E DA DECISÃO FINAL DA CMVM INCORRECTAMENTE DECIDIDOS PELO TRIBUNAL A QUO.
48. O processo contra-ordenacional mostra-se inquinado por diversos vícios processuais que foram incorrectamente apreciados pelo Tribunal a quo.
49. Desde logo, não existiu nos presentes autos, contrariamente ao que a Lei obriga, uma fase (formal) de investigação (ou de inquérito), tendo essa fase, quanto muito, existido apenas materialmente e ao arrepio das garantias de defesa impostas constitucionalmente no âmbito de processos de cariz sancionatório (cfr. artigos 20.º, n.º 4, 32.º, n.os 1, 2, 5, 8 e 10 da CRP).
50. Os artigos 54.º, n.º 2, do RGCOC e 262.º, n.º 2, do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCOC, consagram a obrigatoriedade de realização de uma fase de investigação ou inquérito no âmbito dos processos contra-ordenacionais, a qual apenas poderá ser dispensada em casos de manifesta evidência da prova.
51. Tendo o presente processo sido oficialmente instaurado por Deliberação do Conselho Directivo da CMVM no dia 10 de Dezembro de 2008 e tendo a Acusação sido notificada ao B…, S.A. no dia 12 de Dezembro de 2008, ou seja, logo 2 dias depois, conclui-se, sem margem para dúvidas, que o presente processo não comportou uma fase (pelo menos formal) de investigação ou inquérito, o que a Sentença recorrida, aliás, reconhece, quando a Lei determina a sua obrigatoriedade.
52. A consequência da não realização de uma fase formal de investigação ou de inquérito, quando tal era obrigatório, consiste na nulidade absoluta, insanável, invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso, que contamina todo o processo desde a sua ocorrência (cfr. artigo 119.º, alínea d), do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCOC.
53. Acresce a isto que os autos físicos do presente processo se reportam a actos praticados pela CMVM desde o dia 3 de Dezembro de 2007, ou seja, desde cerca de um ano antes da instauração formal do processo de contra-ordenação e cerca de um ano e dois dias antes da notificação da Acusação ao B…, S.A.,
54. O que poderá conduzir ao (quase absurdo) entendimento de que o presente processo comportou uma fase material (oculta) de investigação.
55. Sucede, porém, que, a ser correcto tal entendimento, ter-se-á necessariamente de concluir que a tal fase material de investigação não corresponde formalmente à fase de investigação prevista no artigo 54.º do RGCOC (e também nos artigos 241.º e 262.º do CPP),
56. E que a mesma violou as mais elementares garantias de defesa do B…, S.A. (cfr. artigos 20.º, n.º 4, 32.º, n.os 1, 2, 5, 8 e 10 da CRP), pelo que se mantém a nulidade absoluta, insanável, invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso (i) por inexistência da fase de investigação legalmente obrigatória ou (ii) pela realização de uma fase de investigação sem observância dos princípios conformadores dos processos de cariz sancionatório.
57. Caso se entenda que o sistema fechado das nulidades consagrado no CPP não acolhe a nulidade ora invocada, então esta dita fase material de investigação é juridicamente inexistente, com as necessárias consequências legais, avultando, entre elas, a própria inexistência da Acusação da CMVM, porque surgida ex nihilo e não baseada numa fase processual prévia, existente e válida (tal como, de resto, sucede no caso de mera nulidade dessa fase processual).
58. A norma que resulta dos artigos 54.º, n.os 1 e 2, 50.º, 43.º e 58.º, todos do RGCOC, quando interpretados no sentido de considerar que, nos processos contra-ordenacionais, a fase de investigação, e com ela as actividades de obtenção de prova, fora de casos de flagrante delito ou de manifesta simplicidade de provas, e iniciada após notícia do ilícito contra-ordenacional, pode ser realizada pelas entidades administrativas fora da existência de um processo contra-ordenacional formalmente instaurado – sujeito aos princípios constitucionais aplicáveis e aos regimes jurídico-processuais concretamente aplicáveis – e, por conseguinte, que a sua inexistência ou a sua realização fora daquele não geram a sua nulidade absoluta, insanável, invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso, com a impossibilidade absoluta de sustentar qualquer acusação ou decisão final com base nas provas obtidas, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação, designadamente, do disposto nos artigos 2.º, 20.º, n.os 1 e 4, e 32.º, n.os 1, 2, 5, 8 e 10, da Constituição da República Portuguesa,
59. Inconstitucionalidade esta que se alegou perante a CMVM e o Tribunal a quo, e que agora se reitera.
60. Entre as já mencionadas datas de 3 de Dezembro de 2007 – data a que se reporta o início dos autos físicos – e 10 de Dezembro de 2008 – data da instauração do presente processo contra-ordenacional –, a CMVM realizou inúmeros pedidos ao B…, S.A. para que este lhe enviasse documentação, sob pena de, se o não fizesse, incorrer na prática de um crime ou de uma contra-ordenação,
61. Documentação essa que veio a ser utilizada como meio de prova para sustentar, quer a Acusação da CMVM quer a condenação administrativa do B…, S.A. na prática das contra-ordenações em apreço.
62. Nos termos da Lei – cfr. artigo 262.º, n.º 2, do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCOC –, a aquisição da notícia de um ilícito (criminal ou contra-ordenacional) determina, obrigatoriamente, a abertura de uma fase formal de inquérito ou de investigação.
63. A CMVM, desde, pelo menos, 21 de Dezembro de 2007, já havia adquirido a notícia do(s) (alegado(s)) ilícito(s), pelo que, logo nessa data, deveria ter aberto formalmente uma fase de investigação ou de inquérito.
64. Não o fez. Ao invés, solicitou ao B…, S.A. – a coberto dos seus poderes de supervisão quando, na realidade, já estava a actuar ao abrigo e com vista ao exercício dos seus poderes sancionatórios e no âmbito de um verdadeiro processo de contra-ordenação – inúmera documentação que, veio a verificar-se depois, integra os autos físicos do presente processo na qualidade de material probatório.
65. Em todos estes pedidos, a CMVM comunicou sempre ao B…, S.A. que se tratava, apenas, de uma acção de supervisão, quando já tinha concluído que havia alegados indícios da prática de ilícitos contra-ordenacionais.
66. Assim, todos os elementos que foram recolhidos nestes moldes, foram-no em violação do direito à não auto-incriminação, direito esse que se inclui nas garantias de defesa constitucionalmente consagradas, como, de resto, é hoje pacificamente reconhecido quer na doutrina, quer na jurisprudência, nacionais e estrangeiras.
67. Todos os meios de prova que forem recolhidos em violação do direito à não auto-incriminação não podem ser utilizados nem valorados, sob pena de nulidade do acto onde tal venha a suceder, nos termos do artigo 126.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCOC.
68. Estas normas têm plena aplicação in casu, porquanto não só os meios utilizados pela CMVM são em si susceptíveis de induzir em erro o destinatário e perturbar a sua liberdade de decisão – o que efectivamente sucedeu –, como obrigam, à partida e ainda que nada houvesse para incriminar (como realmente entende o B…, S.A. que não há), a que este contribuísse para a sua acusação e condenação, o que constitui – usando os conceitos e a terminologia estabelecidos na lei, na doutrina e na jurisprudência – um método desleal e humilhante de obtenção de prova.
69. Deste modo, a Acusação, a Decisão final da CMVM e, bem assim, Sentença recorrida apoiam-se em provas nulas, o que, nos termos dos artigos 126.º e 122.º, n.º 1, do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCOC, gera a respectiva nulidade insanável e, claro está, de todo e qualquer desenvolvimento posterior do presente processo de contra-ordenação.
70. A norma extraída dos artigos 360.º, n.º 1, alínea e), 361.º, n.º 2, 381.º 389.º, n.º 3, alíneas b) e c), 401.º 1, n.º 1 e 408.º, n.º 1, do CdVM, 33.º, n.º 1, 41.º, n.º 2, e 54.º, n.º 2, do RGCOC, 125.º, 126.º, n.os 1, e 2, alínea a), n.º 3, 241.º, e 262.º do CPP, interpretada no sentido de que a CMVM, enquanto Autoridade Administrativa reguladora e supervisora, pode acusar e condenar uma pessoa colectiva sujeita à sua supervisão com base em provas, nomeadamente documentos, obtidas dessa mesma pessoa colectiva no âmbito de um procedimento de supervisão de carácter não sancionatório, ao abrigo dos seus poderes de supervisão e sob a cominação implícita da prática de uma contra-ordenação, nos termos do artigo 389.º, n.º 3, alíneas b) e c) do CdVM – ou outras imputáveis à luz do mesmo Código –, ou de um crime de desobediência, previsto no artigo 381.º do CdVM, já depois de aquela entidade ter tido notícia de factos com eventual relevância contra-ordenacional mas sem que tenha instaurado o respectivo processo contra-ordenacional e sem que tenha informado a visada de que era suspeita da prática de actos ilícitos contra-ordenacionais e/ou que estava a investigar a prática de factos ilícitos contra-ordenacionais, é, em tal interpretação, inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 20.º, n.º 4.º, 26.º, n.º 1, 32.º, n.os 1, 2, 5, 8 e 10, da Constituição da República Portuguesa.
71. Tal norma, com a interpretação no sentido apontado, viola também as normas consagradas ou decorrentes dos artigos 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 14.º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da O.N.U., gerando a sua inaplicabilidade e, bem assim, uma violação de incisos com acolhimento constitucional, e nesse sentido, uma inconstitucionalidade, mas desta feita indirecta, por via do acolhimento daqueles instrumentos normativos por parte do artigo 8.º, da Constituição da República Portuguesa.
72. Foram juntos aos presentes autos a transcrição de depoimentos prestados noutro processo por testemunhas e Arguidos, respectivamente arroladas e constituídos no mesmo (cfr. fls. 5274 a 5312 e 11205 a 11366 dos autos),
73. Depoimentos esses valorados quer na Acusação, quer na Decisão final da CMVM e que o Tribunal a quo considerou admissíveis por consubstanciarem prova documental.
74. Tal meio de prova configura um meio proibido de prova, por (i) ser nulo o método através do qual foi obtido e (ii) a sua valoração representar violação, entre outros, do princípio da imediação.
75. Tendo a CMVM utilizado este meio de prova como apoio da sua Acusação e como base da sua Decisão (o que esta expressamente reconhece ter feito), o processo encontra-se ferido de nulidade, que afecta não só a Acusação como a Decisão final da CMVM, nulidade essa que deveria ter sido reconhecida, anulando-se todo o processado subsequente.
76. E viciando igualmente a Sentença recorrida, na medida em que a mesma se baseou no meio de prova em apreço.
77. Tudo por violação, designadamente, dos princípios da imediação, do contraditório e da isonomia processual (ou igualdade de armas), bem como das regras de produção de prova, e isso independentemente de ser utilizado como meio de prova testemunha ou documental.
78. Na Acusação (da fase administrativa) e na Decisão final da CMVM foram valoradas provas assentes em declarações alegadamente prestadas por G…F… e M… R… perante a CMVM, cuja síntese se encontra transcrita nos autos.
79. Tais declarações não podem ser valoradas, uma vez não constam dos autos, nem sequer como prova documental.
80. Com efeito, não constam dos autos quer o auto de inquirição das testemunhas em causa, quer a transcrição dos seus alegados depoimentos ou qualquer outro registo directo e válido, pelo que tem de considerar-se inexistente, jurídica e factualmente, a suposta realização desse acto processual, o que resulta na proibição de valoração de qualquer meio de prova que daí resulte, independentemente de sequer se considerar a admissibilidade ou inadmissibilidade do meio de prova em concreto.
81. O meio através do qual foi obtido o suposto meio de prova é, pois, juridicamente inexistente, pelo que não pode ser utilizada a prova obtida através desse meio inexistente, nos termos do artigo 126.º do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCOC.
82. Quanto aos pedidos adicionais de esclarecimentos feitos aos alegados autores das alegadas declarações e quanto às respostas dadas aos mesmos, uma vez que esses pedidos foram feitos com base na síntese elaborada pela CMVM, têm igualmente de se considerar como prova proibida.
83. A valoração destes meios de prova gera a nulidade da Acusação e da Decisão final da CMVM, na medida em que a CMVM não só reconhece ter feito tal valoração, como efectivamente resulta da Decisão a valoração dos referidos meios de prova.
84. Nulidade esta que vicia a própria Sentença recorrida, já que expressamente se refere, na fundamentação da matéria de facto, terem também sido tomadas em consideração as declarações da G…F… e M… R….
85. A norma que resulta dos artigos 122.º, n.º 1, 125.º, e 126.º, n.º 1, alínea a), todos do CPP, ex vi do artigo 41.º, n.º 1 do RGCOC, quando interpretados no sentido de considerar que a Acusação, a decisão final da CMVM e, agora, a Sentença recorrida se podem basear e fundar em meios proibidos de prova, nos termos supra descritos, faria que tais normas, naquela interpretação, sofressem de inconstitucionalidade, por ofensa dos artigos 1.º, 2.º, 20.º, n.º 4, 32.º, n.os 1, 5, 8 e 10 da CRP,
86. Inconstitucionalidade esta que se arguiu perante a CMVM e o Tribunal a quo, e que agora se reitera.
87. A Acusação da CMVM é também nula por não conter factos que permitam concretizar a conduta subjectiva do B…, S.A. de forma a imputar-lhe os ilícitos em causa a título de dolo, bem como a concretizar a forma do alegado dolo, ao abrigo do artigo 283.º, n.º 3, do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCOC.
88. Também a Decisão da CMVM ficou muito aquém das obrigações a que estava adstrita relativamente ao teor da sua deliberação condenatória, por determinação expressa, aliás, do artigo 58.º do RGCOC, bem como do artigo 32.º, n.º 10 da CRP.
89. E, como é largamente reconhecido pela Jurisprudência e pela Doutrina, a preterição dos requisitos da decisão condenatória prescritos por aquele artigo 58.º do RGCOC (e aqui está especialmente em causa a alínea b) do n.º 1) vicia tal decisão,
90. Sendo tal vício a nulidade, não só por aplicação do artigo 379.º do CPP (ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCOC), mas também porque outro não pode ser o vício quando se viola a Lei em matéria tão fundamental, que tem acolhimento, além do mais, no seio constitucional.
91. A norma dos artigos referidos nos números anteriores interpretada no sentido de dispensar a Acusação ou a decisão administrativa final da indicação de factos relativos à conduta subjectiva do Arguido, de forma a imputar-lhe os ilícitos em causa a título de dolo, sempre redundaria em que os preceitos mencionados, em tal interpretação, sofressem de inconstitucionalidade, por ofensa dos artigos 1.º, 2.º, 20.º, n.º 4, 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa – o que se deixou invocado perante a CMVM e o Tribunal a quo e se deixa arguido uma vez mais.
92. A Decisão da CMVM é também nula por violação do direito de defesa do Arguido, consagrado no artigo 50.º do RGCOC e no artigo 32.º, n.º 10, da CRP, na medida em que se baseou em factos e elementos de direito constitutivos da infracção que não tinham sido comunicados ao B…, S.A. em momento anterior à prolação da Decisão final, e sobre os quais o B…, S.A. não teve oportunidade de se pronunciar,
93. A norma que resulta do artigo 50.º do RGCOC quando interpretado no sentido de que a decisão administrativa final se pode basear em factos, elementos de direito constitutivos da infracção ou meios de prova que não tenham sido comunicados ao arguido, em momento anterior à prolação da decisão final, e sobre os quais o arguido não teve oportunidade de se pronunciar, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio constitucional que assegura ao arguido todas as garantias de defesa, consagrado no artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa, e bem assim, por violação dos incisos constitucionais constantes dos artigos 2.º e 20.º, n.º 4 da mesma Constituição.
94. A Decisão da CMVM é irregular, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCOC, por violação do princípio da auto-vinculação da Administração e, consequentemente, do princípio da legalidade (expressamente consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição), bem como dos princípios da boa fé e da protecção da confiança dos particulares, também eles expressamente consagrados no mesmo preceito da CRP, e, bem assim, dos princípios processuais fundamentais aplicáveis, nomeadamente os que encontram acolhimento nos artigos 20.º, n.º 4, e 32.º da Constituição,
95. Na medida em que a CMVM, ao fundamentar a rejeição do requerimento formulado pelo B…, S.A. a requerer a apensação dos presentes autos aos que correm sob o n.º 42/2008, afirmou expressamente que iria ter em conta para a decisão a tomar nesta sede toda a prova produzida naquele outro processo que se demonstrasse relevante para a matéria aqui em discussão,
96. O que não veio a suceder.
97. Assim, a Sentença recorrida, ao não ter julgado procedentes os vícios, quer da Acusação (da fase administrativa), quer da Decisão Final da CMVM, procedeu a uma incorrecta interpretação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que reconheça os alegados vícios.
VII. A Medida da Coima
98. A coima aplicada ao Recorrente, em valor equivalente ao máximo aplicável na moldura concursal em causa, é desproporcionada, existindo circunstâncias que concorrem para a redução substancial da coima aplicada aos Arguidos, designadamente as reconhecidas pelo Tribunal a quo como justificação da possibilidade de suspensão parcial da execução de € 2.500.000,00 da coima pelo prazo de dois anos.
99. Pelo que, caso o Tribunal da Relação decida manter a condenação do B…, S.A. em coima, deverá esta ser reduzida, mantendo-se, quanto à suspensão da sua execução, os exactos termos da Sentença recorrida.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, reconhecendo-se e declarando-se, com as consequências legais, os vícios invocados ou, caso assim não se entenda, conhecendo-se da questão de fundo, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por outra que absolva o recorrente ou, ao menos, reduza substancialmente o valor da coima aplicada, por assim ser de justiça!
Por fim, o Recorrente requer, desde já, ao abrigo do artigo 411.º, n.º 5, do CPP, que se realize audiência de discussão e julgamento para proceder a debate sobre todos os pontos da presente motivação de Recurso».
*
Respondeu o Ministério Público termos de fls. 16.934 a 16.974, defendendo a improcedência do recurso nos seguintes termos:
«1. Da Alegada Nulidade da Sentença
No seu extenso recurso, o B…, S.A., prossegue o seu exercício de censura às sucessivas decisões com que se vai deparando.
A primeira crítica formalmente apontada à sentença em crise radica numa suposta deficiência de fundamentação, que originaria a nulidade da peça processual, por força das disposições conjugadas dos artgs. 379.º n.º 1 e 374.º n.º 2, ambos do CPP.
Aliás, já no art. 10.º do presente recurso a sentença era atacada por “superficialidade na análise das questões” e “simplismo”.Na verdade, a prolixidade jurídica, que se espraia noutras peças deste processo, não é de certeza atributo da sentença em causa, que graças a um excelente poder de síntese conseguiu julgar os factos de forma coesa e escorreita e oferecer uma decisão de mérito que nos parece inatacável.
Aliás, não é o B…, S.A. que no art. 13.º do seu recurso diz que “o processo é menos bem complexo do que parece”, “reconduzindo-se…a um pequeno número de questões, relativamente simples e claras”?
A redacção segura, esclarecida e objectiva da sentença em causa é a melhor prova de que o B…, S.A., por uma vez, tem razão….
Mas vejamos mais de perto a sentença, na sua relação com o art. 374.º do CPP.
Diz o B…, S.A. que não se procedeu a um “suficiente exame crítico das provas”, porque a sentença se limitou a enumerar as folhas dos autos correspondentes a vários documentos, não esclarecendo em que medida é que tais documentos serviram para fundamentar a sua convicção.
O fim útil do preceito legal citado (n.º 2 do art. 374.º do CPP) é o de permitir à comunidade jurídica compreender porque é que o juiz decidiu de uma ou de outra maneira, como valorou as provas e como exerceu o seu sentido crítico.
Porventura esta questão não será bem dirimida se não chamarmos à colação afirmação feita pelo próprio B…, S.A., de que a generalidade dos factos vertidos na decisão da CMVM são verdadeiros, a par da renúncia do B…, S.A. a discutir a matéria de facto, em sede de julgamento. Perante um processo que na essência é simples, ou bem menos complexo do que aparenta, em que o acervo de documentos juntos aos autos tudo explica, que tipo de “exame crítico” pretende o B…, S.A. que se faça aos milhares documentos juntos aos autos, muito deles constando de extractos de conta corrente e de fluxos de capitais?
Mas nem por isso a sentença virou costas ao seu dever de justificação pública que o n.º 2 do art. 374.º CPP lhe impõe.
Aliás, a sentença pronuncia-se sobra a miríade de irregularidades, nulidades e inconstitucionalidades que a cada esquina o B…, S.A. julga divisar, a tudo respondendo, para sossego da comunidade jurídica.
A sentença elenca depois os factos provados e não provados.
Seguidamente, a sentença faz a motivação da decisão de facto. Neste capítulo, a sentença individualiza os documentos que sustentaram cada um dos factos dados como provados, o que permite a qualquer crítico reconstituir na perfeição e na intimidade do pensamento do julgador o percurso intelectual seguido para a redacção da sentença e para a formação da convicção judiciária.
Na justificação dos factos provados n.ºs 69 a 119, a sentença em crise detalhadamente nos explica o fundamento da convicção, que radica na análise das “expressões numéricas dos cálculos contabilísticos…com reporte aos lucros ocorridos e divulgados” e no relatório de supervisão de fls. 12553 e s.
Em suma, o julgador justifica-se, revela o caminho por si seguido para estruturar a sua convicção, pelo que exigir mais, perante documentos que constam dos autos, parece-nos um exercício de rigor que suplanta as exigências legais.
Na essência, a posição do B…, S.A., neste processo, é a de flagelar as sucessivas decisões com que se deparou, por razões formais e menos por razões de fundo. Esta atitude é visível na contestação à acusação, na impugnação judicial e agora neste recurso. A crítica agora feita à sentença, de insuficiente fundamentação, não nos parece mais atendível do que outras críticas formais feitas anteriormente, pelo que quanto a esta questão deve ser rejeitada a pretensão do B…, S.A..
2. Da Alegada Insuficiência da Matéria de Facto Provada
O B…, S.A. alinha uma segunda crítica à sentença, segundo a qual não estariam identificados actos individuais de dirigentes e responsáveis pelo B…, S.A., através dos quais se pudesse concluir que a pessoa colectiva era reflexamente responsável pelas contra-ordenações em causa, de onde resultaria o vício de insuficiência de matéria de facto provado, da previsão do 410.º n.º 2, a), CPP.
Admitamos, por um momento – pesem embora as dúvidas que isso nos suscita – que o B…, S.A. não está a discutir perante V.ªs Exas. matéria de facto, o que na verdade é inadmissível, face à lei – art. 75.º n.º 1 do RGCOC.
Reconhece-se o hábil retomar de um tema já introduzido junto de V.ªs Exas. pelo recurso do B…, S.A. constante de fls. 16142, agora com outro fôlego jurídico: O B…, S.A. tem a convicção de que há uma metafísica impossibilidade da consubstanciação da responsabilidade da pessoa colectiva sem a prévia identificação de actos individuais dos seus agentes e gestores, geradores da responsabilidade da própria pessoa colectiva.
A esta tese, ainda tributária do conceito clássico – e ultrapassado – societas delinquere non potest, respondeu o MP nas suas contra-alegações de fls. 16175, com o trecho que, com a complacência dos Venerandos desembargadores, aqui repetiríamos – por acreditar que aí se dá resposta capaz à tese agora repristinada pelo B…, S.A. de que, no fundo, debalde se julgará a responsabilidade da pessoa colectiva se não se apreciarem os actos individuais dos seus representantes.
Dizia o MP nas suas contra-alegações que:
«“Em grande medida, o tema da responsabilidade penal [leia-se mutatis mutandis para o universo das contra-ordenações] de entes colectivos convoca a questão fundacional de se saber se se trata de um lugar ficcional da discursividade jurídica ou, ao invés, se, por manifestar consequências com impacto no mundo exterior, se estará perante uma construção com suporte real ou com um referencial «corpóreo»” - Jorge dos Reis Bravo, “Direito Penal de Entes Colectivos”, Coimbra ed., 2008, fls. 21..
Discorrendo filosoficamente sobre a “responsabilidade”, Jorge dos Reis Bravo - O.C., fls. 23 e s. recorda que autores como Levinas, Hans Jonas e Ricoeur vêm distinguindo responsabilidade de imputabilidade, sendo esta o conceito fundador daquela, sem que se veja especial dificuldade conceptual no exercício da identificação da imputabilidade da pessoa colectiva.
Na verdade, autores há – e o recurso a que se responde é presa dessa concepção – que se centram na “analogia «fisiológica» do ente colectivo à dogmática da pessoa singular, em que o aspecto mais perturbante se encontrará sempre…na tentativa de explicação da «culpa» e da «vontade» daquele” - O.C., fls. 27 – e que acabam por subscrever as afirmações que se identificam … neste recurso de que a responsabilidade das pessoas colectivas é “reflexa e indirecta”
Na verdade, e citando Vitu e Merle - Em nota ao art. 7.º de “Contra-ordenações Anotações ao Regime Geral”, de Simas Santos e Lopes de Sousa, Vislis ed., 2009, fls. 134, “A pessoa colectiva é perfeitamente capaz de vontade; ela postula mesmo a vontade, porque nasce e vive do encontro das vontades individuais dos seus membros. A vontade colectiva que a anima não é um mito, concretiza-se em cada etapa importante da sua vida pela reunião, a deliberação e o voto da assembleia geral….é capaz de cometer crimes tanto como a vontade individual. O direito civil reconhece-a de há muito…”.
Ou seja, a tese absoluta de que o recurso dá nota, de que a responsabilidade contraordenacional da pessoa colectiva é reflexa e indirecta, parece ser um resquício último do princípio societas delinquere non potest ou, na verdade, uma concessão daqueles que vivem agarrados e este venerável – mas ultrapassado – princípio dos nossos avoengos do Tibre.
Leia-se ainda que “a personalidade colectiva…representa uma criação do direito…não porém, uma criação inteiramente arbitrária, e menos ainda uma pura ficção…seria pura ficção se o Direito, partindo da ideia de que o verdadeiro sujeito jurídico é o homem individual fingisse…que são homens as organizações de que temos falado. Mas não é este o caso. Conferindo a tais organizações a dignidade de pessoas em sentido jurídico, a lei não finge que elas são entes humanos…a personalidade jurídica não é a mesma coisa que a personalidade física ou natural” - “Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. I, Almedina, 2003, fls. 49.
A inverdade da afirmação … deste recurso ressalta mais evidente se recordarmos que no seio da organização complexa que é a moderna empresa comercial pode nem sequer ser discernível uma única responsabilidade causal individual, para certo facto ilícito.
Na verdade, a difusão de centros intermédios de decisão nas modernas sociedades, a fungibilidade do executante, a distância orgânica entre o gestor de topo e o executante, levam a que não raras vezes seja impossível descortinar quem é ou quem são os responsáveis pelos ilícitos inequivocamente cometidos pela pessoa colectiva. Nem por isso a perseguição judiciária se detém, estarrecida, à porta do santuário em que – a ser verdade a tese dos recorrentes – a pessoa colectiva se acobertaria, qual fugitivo medievo da justiça do rei!
Ora, no presente caso, quem percorra os documentos juntos aos autos, estará em perfeitas condições de avaliar da imputação dos factos ao ente colectivo B…, S.A. e de tirar conclusões sobre a sua responsabilidade contraordenacional – em total abstracção da responsabilidade individual dos respectivos administradores. Em diferentes momentos a pessoa colectiva se comprometeu, decidiu, contratou, celebrou mútuos, e tutti quanti faz a vida empresarial de um banco envolvido com off-shore e outras entidades do comércio jurídico financeiro internacional.
A responsabilidade individual dos administradores, neste caso, é absolutamente indiferente e a seu tempo a justiça a avaliará»”.
Assim dizia o MP na sua resposta à tese ora repetida de que “a responsabilidade contraordenacional que pretende imputar-se ao B…, S.A. depende da verificação e densificação dos elementos de facto que permitam concluir pela imputação subjectiva dos tipos contraordenacionais em causa às pessoas singulares que, à data dos factos, actuavam como titulares dos seus cargos de direcção, chefia, gerentes ou como seus mandatários” - artigo 65 do recurso do B…, S.A. a que ora se responde.
Esta tese não é forçosamente verídica.
Casos há em que não é possível discernir, na amálgama das entidades complexas que pululam no moderno tráfico jurídico, a responsabilidade individual de um ou outro dos seus representantes. Nem por isso o aplicador do direito está inibido de avaliar da imputabilidade dos factos à pessoa colectiva.
In casu, não se discutindo a responsabilidade pessoal dos legais representantes do B…, S.A., apenas se poderá pedir à Relação de Lisboa, se bem avaliamos, que sindique a materialização da responsabilidade da pessoa colectiva, tal como foi vertida na sentença.
Esse exercício faz-se sem temor pela sorte da sentença.
Para isso, importa a leitura crítica dos factos provados n.ºs 122 e seguintes e a justificação que sobre eles se oferece a fls. 16234 e 16235. Não vemos ai nenhum dos vícios a que se alude no recurso, uma vez que o julgador se limitou a averiguar da imputação de factos objectivos à pessoa colectiva, factos nascidos na esfera íntima de decisão e actuação do B…, S.A., concluindo e fundamentando o seu juízo em termos que suportam o sufrágio que vos é pedido neste recurso.
Uma vez mais é Cassandra que vos fala pela boca do B…, S.A., Venerandos desembargadores – mas desta feita sem sombra de razão!
3. Da Alegada Nulidade da Sentença por Violação do art. 379.º n.º 1, c), CÓD. PROCº PENAL.
Invoca-se em terceiro lugar uma alegada omissão de pronúncia, uma vez que a CMVM se teria “auto-vinculado” a aproveitar a prova que resultasse de um outro processo de contra-ordenação ainda em fase administrativa.
Encontramos este tema no recurso que o B…, S.A. interpôs a fls. 16142 (em especial, fls. 16144). Encontramo-lo também no incidente provocado pelo B…, S.A. (que originou o referido recurso de fls. 1612) e que consta de fls. 16111, resolvido conforme acta de julgamento de fls. 16129.
Ora, o tribunal a quo apreciou a validade e a pertinência desta questão e de outras colaterais pelo seu despacho de fls. 16131, o qual está neste momento sujeito à apreciação da Relação de Lisboa, por força do recurso de fls. 16142.
Não é assim verdade que haja “omissão de pronúncia”.
Acresce que esta pretensa questão radica na obsessão do B…, S.A. de forçar o julgamento comum deste processo n.º1724/09.2TFLSB e do processo de contra-ordenação n.º 42/2008, mau grado a impossibilidade objectiva que resulta da diferente fase processual em que se encontram os dois processos. Se a base de que parte o B…, S.A. é uma alegada “auto-vinculação” da CMVM, que ficaria forçada assim a seleccionar de um processo à data ainda em instrução (o proc. 42/2008), provas que no seu entender interessassem a este processo n.º 1724/09.2TFLSB, veja-se qual a base dessa “auto-vinculação”, que o próprio B…, S.A. cita a fls. 16113: a afirmação genérica, teórica, de princípio, feita pela CMVM – que diferentemente não poderia dizer – de que “a co-existência de dois processos não prejudica o arguido, por força do princípio da verdade material, a CMVM está obrigada a carrear toda a prova relevante para a defesa do B…, S.A. para o processo de contra-ordenação n.º 41/2008” (o processo que originou este nº 1724/09.2TFLSB).
Com base numa afirmação de princípio, pretende o B…, S.A. a outrance converter a CMVM em seu assistente de defesa, seleccionando provas de um processo inacabado, que lhe interessassem. E quanto aos meios de prova que o B…, S.A. considerasse desfavoráveis, também se pugnaria pela sua junção?
Ora, por uma banda, estes dois processos jamais conviveram em fase idênticas, senão num primeiro momento administrativo. Por outro lado, o art. 660.º CPC, sede natural do dever de julgar todas as questões submetidas a julgamento, não abrange estratégias de defesa das partes. “As questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões. Questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC, não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções” - Acórdão de Supremo Tribunal de Justiça nº 05S2137, de 29 Novembro 2005 .
Ou seja, neste particular, conviria recordar que o B…, S.A., ele próprio o primeiro responsável pela organização da sua defesa, nada promoveu em termos de produção de prova, em sede de julgamento, nem requereu nenhuma recolha de prova junto do processo 42/2008, porfiando que por força da afirmação de princípio que a CMVM fez, de que por razões de legalidade não pode seleccionar provas em prejuízo de qualquer arguido, a CMVM teria de se assumir neste processo como assistente de defesa do B…, S.A..
A verdade é que a questão teve decisão expressa do tribunal a quo, ao rejeitar o requerimento probatório do B…, S.A., de fls. 1611 e que não se trata de uma questão de fundo, mas de mera estratégia de defesa, pelo que não existe qualquer “omissão de pronúncia” que arraste a nulidade da sentença.
Deve esta crítica feita pelo B…, S.A. à sentença em recurso ser rejeitada, portanto!
3.1 – Da Alegada Nulidade da Sentença por Violação do art. 379.º n.º 1, c), CPP – os UBO.
Prosseguindo na sua censura à sentença, diz o B…, S.A. que “existem nos autos matérias relativamente às quais os próprios factos apurados impunham, juridicamente, resposta diversa” e que o tribunal a quo em vez de proceder a uma análise jurídica dos argumentos do recorrente, “decidiu responder a tais argumentos em sede de matéria de facto”.
Lamenta-se o B…, S.A. – mas sem razão alguma – porque o tribunal decidiu em sede de matéria de facto que os beneficiários económicos formalmente designados pelo B…, S.A. para as off-shore Cayman e G… F… não actuavam por sua conta e risco – quando, no entendimento do B…, S.A., se trataria aqui de matéria de direito.
Compreende-se o esforço deliberado do B…, S.A. para subtrair esta fulcral questão do império da matéria de facto. O B…, S.A. – como qualquer outro ente processual – está impedido de discutir perante os Venerandos desembargadores a matéria de facto, por força da lei – art. 75.º n.º 1 do RGCOC.
Porém, a verdade é que se trata de matéria de facto, articulada como tal nas peças processuais (acusação e decisão da entidade administrativa), saber se determinados indivíduos se comportam como responsáveis únicos – ultimate beneficial owner, no jargão anglo-saxónico, ou UBO – assumindo de pleno na respectiva esfera patrimonial os riscos da vida comercial, os lucros e as perdas das sociedades. O tribunal analisou bem esta matéria, concluindo que as frágeis e precárias condições em que os UBO se encontravam “à frente” das offshore faziam deles peças de decoração, seleccionadas pelo B…, S.A..
Esta é a matéria de facto que, se bem avaliamos, não pode o B…, S.A. questionar perante V.ªs Exas! Aliás, veja-se o art. 115.º do recurso do B…, S.A., fls. 24 desta peça: “…relativamente a esta questão essencial, a prova constante dos autos, bem como os factos neles afirmados… impõem… resposta diversa”. Prova, factos, o B…, S.A. confessa perante vós que pretende discutir a matéria de facto, o que a lei (infelizmente, permita-se-nos, como mero desabafo em benefício de jure condendo) não permite!
A construção agora trazida perante vós, de que a eventual valorização do título B…, S.A., acima dos 6 Euros – em que, de resto, já ninguém acreditava num ambiente de queda generalizada e a pique das acções – só confirma na verdade a vertente virtual em que assentava a ownership dos formalmente designados UBO das off-shore, pelo B…, S.A. e o esforço do Banco de esconder aquilo que era já indesmentível! É numa expectativa virtual que o B…, S.A. agora pretende assentar a propriedade das off-shore, mas é na leitura da matéria de facto no seu conjunto que o tribunal a quo soube erguer as conclusões acertadas! Aliás, como que nos dando razão, o B…, S.A. no art. 145 do seu recurso (fls. 31 desta peça) refere as declarações – não datadas, Venerandos desembargadores – dos UBO pela quais transfeririam tudo o que respeita às off-shore para a esfera patrimonial do B…, S.A.. Chama-se a isto “deter por conta”, Venerandos desembargadores!
“Por conta” de quem?
Do B…, S.A., obviamente!
A construção teórica em volta do residual claimant, por muito bem escorada que esteja, não resiste à leitura da prova e esta é a matriz das conclusões a que a sentença chegou! A figura do sócio, o último a ganhar tudo aquilo que exceda o valor do passivo, nada traz de novo à teoria geral das sociedades comerciais que a doutrina portuguesa vem trabalhando há décadas, nem se confunde com a designação formal de UBO. Não há necessidade de invocar a doutrina americana para concluir isto mesmo, diria….
Na verdade, para além do papel de fachada destes UBO, mais nenhum desempenho tiveram eles na vida das off-shore Cayman e G... F... senão o de aceitarem o convite do próprio B…, S.A. para oferecerem o seu nome como UBO (veja-se o art. 174 do recurso do B…, S.A., fls. 37 desta peça). Na verdade, estes UBO mais fazem lembrar apagados sócios de indústria, que além do nome, nada mais deram às sociedades!

3.2 – Da Alegada Nulidade da Sentença por Violação do art. 379.º n.º 1, c), CPP – As ABN AMRO Notes e o art. 316.º n.º 3 do CSC
Nesta nova crítica à sentença, o B…, S.A. persiste na discussão da matéria de facto, pedindo aos Venerandos desembargadores novo julgamento da matéria de facto. A lei não o permite, recorde-se!
De todo o modo, os factos citados pelo próprio B…, S.A. provam apenas a titularidade das off-shore pelo B…, S.A. e o seu indefectível direito de delas dispor. Exercício de algo a que os antigos chamam de jus utendi fruendi et abutendi, Venerandos desembargadores, o que encerra a essência do direito de propriedade!
O B…, S.A. propõe-vos de seguida, Venerandos desembargadores, uma interpretação do art. 316.º n.º 3 do CSC que estará perfeita no âmbito do direito comercial, segundo a qual as acções adquiridas por conta do emitente, pertencem ao adquirente. Daqui se tiraria que o B…, S.A. jamais poderia ser considerado proprietário das acções subscritas pelas (suas) off-shore.
É, com o devido respeito, uma fraude à lei, esta interpretação que vos é proposta.
O legislador, que quis prevenir a manipulação de mercado, através da compra de acções próprias a pedido e por ordem do emitente, como forma de inflacionar o seu valor no mercado, adoptou esta regra (art. 316.º n.º3 CSC) como punição para o infractor, privando-o, a final, do benefício económico da acção fraudulenta para a qual mandatou terceiro. Mas não quis seguramente impedir as conclusões que em sede de matéria de facto há a tirar, nem as consequências penais e contraordenacionais que este comportamento implica. Seria a primeira vez que uma interpretação do puro âmbito do direito comercial se sobreporia à realidade penal e contraordenacional e à responsabilidade do agente por actos ilícitos. A ser como o B…, S.A. propõe, estaria encontrado o caminho da impune manipulação do mercado, pela compra encapotada de acções próprias por terceiro, a pedido ou por instruções do emitente.

4. Da inexistência da obrigação de consolidar as off-shore e o regime legal vigente
O B…, S.A. pretende depois que antes de Janeiro de 2005 não existia a obrigação de consolidar as off-shore, no quadro legal vigente. O Plano de Contas do Sistema Bancário (PCSB) e o DL 36/92 de 28 de Março não exigiriam a consolidação das off-shore, em resumo.
Ora, uma leitura atenta do PCSB parece desautorizar esta interpretação libertária aqui oferecida pelo B…, S.A., de que, no fundo, as entidades emitentes poderiam ocultar toda a sorte de operações financeiras através de off-shore sem rosto e sem nome que lançassem nos paraísos fiscais. Assim, lê-se no PCSB (Instrução 4/96 do Banco de Portugal) que Com o objectivo de que as contas das instituições de crédito apresentem uma imagem verdadeira e apropriada do património, da situação financeira, assim como dos resultados, deverão ser seguidos os seguintes princípios gerais:… Da substância sobre a forma… A contabilização deve atender à substância das operações e à sua realidade financeira e não apenas à sua forma legal…em particular, não serão reconhecidos como resultados os lucros aparentes [sem que daqui se possa inferir que tais operações ou as perdas respectivas devam então ser escondidas, naturalmente] obtidos mediante a venda de imóveis, títulos, participações ou outros activos a pessoas ou entidades vinculadas à instituição, cujo preço se satisfaça, directa ou indirectamente com fundos desta…
A este nuclear princípio, olimpicamente ignorado na argumentação expendida neste capítulo do presente recurso, soma-se o da Materialidade, segundo o qual As demonstrações financeiras devem evidenciar todos os elementos que sejam relevantes e que possam afectar avaliações ou decisões de terceiros e ainda o princípio do Reconhecimento inicial de activos e passivos financeiros que impõe que um activo ou um passivo financeiro deva ser reconhecido no balanço quando substancialmente todos os riscos e benefícios associados com o activo ou passivo tenham sido transferidos para a instituição, princípio aliás de sentido oposto quando Substancialmente todos os riscos…associados com…o passivo tenham sido transferidos para terceiro, o que no caso jamais aconteceu, substancialmente falando!
Já no que ao DL. 36/92 de 28 de Março interessa, a interpretação deste diploma na sua aplicação ao caso concreto não pode ser feita sem menção ao n.º 4 do art. 2.º, por força do qual Aos direitos de voto, de designação e de destituição da empresa-mãe devem ser adicionados os direitos de qualquer outra empresa sua filial e os das filiais destas, bem como o de qualquer pessoa que actue em sem próprio nome, mas por conta da empresa-mãe ou de qualquer empresa filial. Em rigor, a parte final desta norma, que se diria talhada para os UBO das off-shore era desnecessária: Bastaria a correcta interpretação do princípio da prevalência da substância sobre a forma do PCSB para se concluir que o DL 36/92 de 28 de Março não autoriza, antes exige, a consolidação das off-shore.
Pelo que, também aqui falece razão ao B…, S.A., Venerandos desembargadores!

5. Dos artgs 7.º e 389.º do CdVM
O B…, S.A. ensaia perante o Tribunal da Relação querela já muito esmiuçada nestes autos, que se prende com a interpretação conjunta dos artgs. 7.º e 389.º do CdVM. Na verdade, nada de novo é aduzido neste recurso sobre tal querela, pelo que o MP se firma na posição que sucessivamente a CMVM vem mantendo sobre este assunto, nos autos, por concordar com ela e por entender que corresponde à melhor e à única interpretação possível.
O modelo de codificação seguido em Portugal, nesta matéria, acolhe o princípio, de resto comum, de aglutinar em capítulo próprio os ilícitos em especial, sem que daí se deve erigir uma barreira de incomunicabilidade – que é afinal a pretensão do B…, S.A. – entre o ilícito em especial e a afirmação genérica de princípios correspondentes a bens jurídicos acolhidos na área do mercado de valores mobiliários. Aliás, reconhece-se hoje que os deveres de informação mobiliária sujeitam-se a um princípio de tipicidade, encontrando-se ao longo do CdVM referências fundamentais, como o art. 7º, mas também o art. 135º em relação ao prospecto, ou o art. 245º nº 5, do qual emana um compromisso de verdade na informação ao mercado, além de outras normas ad hoc. O corolário legal de qualquer violação à qualidade da informação repousa no art. 389.º n.º 1, a), sem que daí resultem os vícios que o B…, S.A. aqui invoca.
Disto isto, parece-nos de difícil aceitação a tese de que o art. 389.º do CdVM vigente à data dos factos não abrangesse ilícitos praticados por emitentes na área da informação. A previsão da norma, na sua redacção anterior, estendia-se a “valores mobiliários e a outros instrumentos financeiros”, sendo evidente que essa previsão é suficiente para abarcar no caso concreto o emitente B…, S.A. e a informação por ele divulgada sobre valores mobiliários! Nesta medida parece-nos especiosa, salvo o devido respeito, a afirmação do art. 302 do recurso do B…, S.A. (fls. 63 desta peça) de cisão entre informação sobre o emitente e sobre os valores mobiliários por ele emitidos, num contexto de informação ao mercado e de tipicidade dos deveres de informação. Tal interpretação dependeria sempre da separação interpretativa que o B…, S.A. defende entre o art. 7.º e o art. 389.º CdVM, o qual não é aceitável.
Não cremos assim que se possa apelidar o art. 389.º CdVM de norma “penal” em branco, ou melhor, é indiferente que assim se pense, uma vez que os deveres de informação estão hoje, como à data dos factos, sujeitos ao princípio da tipicidade – e isso é o bastante para salvaguarda dos pressupostos da norma “penal”.
6. Da irrelevância da falsa informação contabilística
A tese que seguidamente o CP vos propõe é a de que a falsidade da informação contabilística é irrelevante para o art. 7.º CdVM.
É com alguma dificuldade que compreendemos a tese aqui explanada. Segundo ela, é indiferente para o quadro legal, e porventura para o mercado, que os documentos de prestação de contas sejam falsos, uma vez que isso não é um problema do direito dos valores mobiliários, é meramente assunto de contabilidade.
Bastaria invocar o PCSB para repudiar esta tese, que corre ao arrepio dos princípios de transparência, de sã concorrência, de lealdade, de informação de qualidade, etc.…
Tese que, naturalmente, sendo verdadeira para o B…, S.A., seria verdadeira para qualquer emitente. A morte do mercado nunca tinha sido tão festejada como neste caso, Venerandos desembargadores!
A consolidação de contas “só poderá ser verdadeiramente assegurada quando a supervisão exercida pela autoridade de tutela tenha por objecto a situação financeira consolidada do todo económico” - “A Supervisão Consolidada dos Grupos Financeiros”, José Engrácia Antunes, Universidade Católica, 2000, começam os autores por nos alertar, numa primeira chamada de atenção ao discurso virtual do recurso do B…, S.A. sobre a consolidação de contas. O autor que vimos de citar elenca os riscos da empresa financeira plurissocietária (ainda que se trate de uma situação de facto), destacando a “multiplicação artificial dos capitais próprios”, riscos de iliquidez e insolvência e de contágio grupal. Como se vê, tudo problemas que o B…, S.A. enfrentou e tentou ocultar do mercado. O princípio legal, sucessivamente reforçado pelas normas contabilísticas internacionais, ensina Engrácia Nunes (o.c.), é o da rigorosa inclusão no perímetro de consolidação das empresas e sociedades, de direito ou de facto associadas à empresa-mãe e o da verdade e transparências das contas do grupo de facto ou de direito. Nada, portanto, daquilo que vemos escrito no recurso do B…, S.A. sobre o problema da consolidação das contas do B…, S.A. e das suas off-shore!
7 – Da Inconstitucionalidade do art. 389.º CdVM
Num primeiro momento, o B…, S.A. alega a inconstitucionalidade do art. 389.º n.º 1, a) CdVM, porque na cominação da sanção e na natureza da contra-ordenação (muito grave) não se teve em linha de conta o agente, o objecto, a natureza e os efeitos sobre o mercado.
Quando tal se afirma, demonstra-se que se está fora do espírito e dos princípios dos Valores Imobiliários e da importância da informação como factor primeiro de funcionamento do mercado.
Do mesmo passo se olvida que é na apreciação da chamada ilicitude material que se centra a dosagem certa da reacção judiciária à ofensa feita ao bem jurídico tutelado.
Na verdade, convém “recordar que a maximização de informação constitui uma trave mestra do sistema de governação dos emitentes” - “Manual de Direito dos Valores Imobiliários”, Paulo Câmara, Almedina, 2009, fls. 731. e que “as regras sobre informação procuram servir uma quádrupla função: prosseguir objectivos de protecção dos investidores, de robustecimento da governação, de defesa do mercado e de prevenção de ilícitos”. E prossegue o autor que citamos: “a transparência das decisões empresariais e a divulgação imediata dos indicadores de desempenho servem de base para o escrutínio da gestão e, com isso, favorecem o efeito disciplinador do mercado de capitais”. Citemos ainda, a fls. 742: “Os deveres de informação dos emitentes de valores mobiliários representam a pedra angular do sistema jurídico-mobiliário”.
Pretende-se apenas sublinhar que o bem mais importante (e também dos mais frágeis?) dos Valores Mobiliários é a informação. Concluir daqui que erigir a violação deste bem, sem mais, em contra-ordenação muito grave é violar a Constituição da República, é insistir na desvalorização das sucessivas falsidades que o B…, S.A. cometeu na informação que foi prestando ao mercado. Ou, por outras palavras, não compreender a importância do bem “informação”.
Não se pode assim aceitar a alegada inconstitucionalidade material por violação do princípio da necessidade, da proporcionalidade da punição e da igualdade, até porque, como se disse, é em sede de ilicitude material que se aferirá da medida da sanção e até da sua suspensão da sanção, tudo mecanismos previstos no CdVM.
A opção dogmática de que parte o CdVM é a de considerar que há contra-ordenações muito graves, e a violação dos deveres de informação inclui-se nesse grupo. O CdVM é um todo coerente e não o deo ex machina que fulmina inapelavelmente quem viole deveres de informação! Aliás, este raciocínio do B…, S.A. vale mutatis mutandis para toda e qualquer contra-ordenação muito grave que o ordenamento jurídico conheça, não constando que semelhante tese tenha merecido sufrágio algum.

8. Do Concurso Aparente de Contra-ordenações
O B…, S.A. aborda de seguida o problema do concurso homogéneo – assim lhe chama – de contra-ordenações, resultante da reiterada falsidade de informação em que incorreu com as informações que prestou ao mercado em 30 de Setembro de 2007 e em 23 de Dezembro de 2007. Pugna o B…, S.A. pela aparência do concurso, pelo que a primeira infracção consumiria a segunda.
O B…, S.A. no seu recurso faz perante V.ªs Exas. a síntese dos factos em apreço e das interpretações sufragadas pela CMVM, pelo tribunal a quo e pelo B…, S.A..
O MP entendeu, em sede de alegações finais, que a tese da CMVM correspondia à justa interpretação da lei (em especial ao art. 30.º CP), concordando portanto com a conclusão a que chegou o tribunal a quo.
Caberia alertar para uma frase de Jescheck em “Tratado de Derecho Penal” - Edição castelhana, Bosch, Casa Editorial, 1981, Vol. II, fls. 1013 segundo a qual El concurso ideal homogéneo no solo és imposible entre delitos contra bienes jurídicos altamente personales…o bienes jurídicos del Estado o de la colectividad, o que se torna interessante de considerar face ao bem jurídico – a informação no campo dos Valores Mobiliários – a considerar. Como assim, exige-se para o concurso ideal homogéneo a unidade de acção. Ora, in casu, temos uma resolução “criminosa” repetida pelo B…, S.A., com assinalável separação temporal entre o acto anterior e a vulneração reiterada de bens jurídicos comunitários, em distintos momentos. Acresce que o primeiro caso (o comunicado de 30 de Setembro de 2007) corresponde à divulgação de rotina de informação e o segundo caso (o comunicado de 23 de Dezembro de 2007) é a assumida intenção de enganar o supervisor, pelo que nos parece até que este último caso revela maior ilicitude, mais intensidade dolosa e portanto, autonomiza-se da informação anteriormente prestada.
Cremos assim que nenhuma censura há a fazer à sentença em crise.
O B…, S.A. avança depois com um ensaio fruste sobre o problema nemo tenetur se ipsum accusare quanto ao problema da interpelação que lhe endereçou o supervisor sobre a qualidade da informação por si fornecida ao mercado em 30 de Setembro de 2007. Aqui se olvida que ao aceitar as regras do mercado, sendo entidade emitente, subordinando-se a um supervisor, o B…, S.A. tinha apenas uma alternativa válida à interpelação que lhe era feita pela CMVM: consolidar com respeito pela qualidade da informação. Preferiu esconder a verdade, sibi imputet, diziam os antigos!
A inconstitucionalidade invocada, do art. 360.º n.º 1, f) do CdVM não nos parece ser de reconhecer, uma vez que se trata de norma de supervisão, consagrando poderes-deveres do supervisor e impondo especiais deveres a quem aceita o estatuto de emitente e vem para o mercado. As regras são claras para os emitentes, a violação das mesmas não é resolúvel no quadro do direito ao silêncio, conforme a jurisprudência constante a firme da Relação de Lisboa em sucessivamente repetido.

9. Da Omissão da Fase de Investigação
O B…, S.A. aborda de seguida vícios da acusação e da decisão da CMVM.
A primeira é a da omissão da fase de investigação.
Argui o B…, S.A. a nulidade do processado por não ter existido “a obrigatória fase de inquérito”. O pressuposto pelo B…, S.A. é que o processo contraordenacional integra uma fase de investigação destinada à obtenção da prova – e que tal fase teria sido in casu omitida.
Teria sido violado o art. 54.º n.º 2 do RGCOC.
Insurge-se o B…, S.A. com o facto de o Conselho Directivo da CMVM ter decidido a abertura do presente processo em 10 de Dezembro de 2008 e a acusação ter sido notificada em 12 de Dezembro de 2008.
Vejamos.
Seguindo esta vereda, o B…, S.A. tem então que informar qual o período mínimo de averiguação que pode mediar entre a instauração de um processo e a dedução de acusação.
Não o faz nem o pode fazer, porque o que o CPP impõe são prazos máximos de Inquérito e não prazos mínimos.
Fora disso, o que temos? A investigação, a fase de investigação mais não é do que a recolha dos meios de prova necessários à formulação de uma decisão: acusar ou arquivar.
Tudo o que há a perguntar no caso é se esses meios de prova estão reunidos nos autos.
Repristinemos o conceito de corpo de delito que o velho CPP de 1929 considerava no seu artigo 170.º: Entende-se por corpo de delito o conjunto de diligências destinadas à instrução do processo…O conceito era retomado no DL 35007, art. 12.º e referia-se ao acervo de provas necessárias à instrução dos autos.
Indague-se então: a CMVM reuniu essas provas no decurso de uma rápida – e louvável – fase de instrução do processo ou não?
A resposta não pode ser senão positiva, os milhares de documentos juntos aos autos provam-no.
Improcede portanto este lamento do B…, S.A. pelo rápido exercício da acção contraordenacional. A CMVM seria, à data, senhora de um acervo de documentos tais que lhe permitiram formular o juízo necessário para sustentar a bondade de uma acusação. Terá reunido tais documentos no legítimo e indispensável exercício da sua missão de supervisão. O RGCOC não exige – como antes o moderno CPP não exigia – o prévio interrogatório dos arguidos, pelo que, vistos os documentos reunidos, a CMVM assumiu o exercício da acção contraordenacional. Na verdade, o B…, S.A. não se pode queixar da ausência de uma fase processual, pode é dar nota da rapidez com que ela decorreu – o que nada de ilegal encerra. Apenas se trata de uma raridade, no horizonte judiciário nacional. Nada mais.
Ou então, teremos que responder a esta improvável questão: reunidos, por força de uma actividade inserida no escopo do supervisor, documentos suficientes para fundamentar um juízo de ilicitude, quanto tempo tem o supervisor de sobrestar entre a decisão de abrir um processo de contra-ordenação e a dedução da acusação (ou do arquivamento)?
A lei não dá, nem podia dar resposta. A lei pode é exigir formalidades especiais típicas de uma certa fase processual – como o interrogatório obrigatório do arguido, hoje em dia, em sede de Inquérito. Mas para o processo de contra-ordenação, a lei é parca, apenas o n.º 2 do art. 54.º do RGCOC dá algumas pistas, que se reconduzem a esta ideia: feita a recolha do corpo de delito, acusa-se ou arquiva-se.
Não nos parece assim cometida nulidade alguma ou qualquer outro vício, como a inexistência jurídica.
Por fim, avança o B…, S.A. com a interpretação alternativa de que a investigação por entidades administrativas fora do processo de contra-ordenação, se não for geradora dos vícios invocados, será fonte de inconstitucionalidade.
O B…, S.A. vive presa de um certo maniqueísmo processual segundo o qual o supervisor sempre teria de ignorar formalmente os elementos de prova que recolhesse no decurso de um processo de supervisão. Como se o supervisor fosse forçado a evitar o horror de tomar conhecimento em sede de apreciação de contra-ordenação, dos elementos de prova que os seus membros recolhessem em sede de supervisão.
É curioso um paralelo com o Inquérito Preliminar, do CPP 1929 e as fases processuais subsequentes. Vigorava à data a chamada doutrina do arquivamento total do inquérito, isto é, as declarações recolhidas em sede de Inquérito Preliminar eram desentranhadas, para que não inquinassem o juízo do julgador. Mas os documentos entretanto recolhidos permaneciam nos autos. Ora, tudo o que a CMVM fez foi juntar documentos que obteve no legítimo exercício da sua função.
No caso, a CMVM tem responsabilidades de supervisão sobre o mercado, art. 358.º e s. do CdVM, que incluem a “prevenção e a repressão das actuações contrárias a lei ou a regulamento” – al. e) da norma citada. Os procedimentos de supervisão (art. 360.º CdVM) incluem instruir os processos e punir as infracções que sejam da sua competência, al. e) do art. 360.º CdVM. Para isso, a CMVM pratica “os actos necessários” para assegurar a efectividade dos princípios de supervisão (art. 361.º, CdVM), gozando de poderes de fiscalização (art. 364.º CdVM).

Ou seja, na posse de documentos que responsabilizam indiciariamente um emitente, a CMVM o que deve fazer, no quadro legal que é o seu? Ou pretende o B…, S.A. que se no decurso de uma acção de supervisão se indiciarem infracções, que a supervisão se interrompa – e qual o momento adequado de consolidação dessa suspeita? – para se abrir de imediato um processo?
Na verdade, o que se passou, é que a CMVM aguardou pela conclusão da acção de supervisão para abrir um processo de contra-ordenação, aproveitando os documentos reunidos. Não se vê censura que aqui possa ser feita!

10. Da Violação do Princípio Nemo Tenetur.
Aborda de seguida o B…, S.A. o problema da violação do princípio da proibição da auto-incriminação.
Para isso pretende impor uma limitação ao papel do Departamento de Assuntos Jurídicos e Contencioso (DAJC) da CMVM, partindo do princípio de que a intervenção deste organismo da CMVM no processo de supervisão é a prova de que esta conduziu escondidamente um processo de contra-ordenação contra o B…, S.A..
A isto, apenas se recordaria que é competência do DAJC “dar apoio jurídico ao CD e aos restantes serviços da CMVM”, segundo o regulamento da CMVM que o próprio B…, S.A. cita a fls. 129 do seu recurso.
A acção de supervisão que decorria era decerto da grande complexidade. A intervenção de todos os meios disponíveis por parte da CMVM só prova o empenho – louvável – do supervisor na acção de supervisão.
Mas a ideia de fundo do B…, S.A. é a de que a intervenção deste “braço armado” da CMVM que é a DAJC no processo de supervisão provaria que se pretendia encurralar o B…, S.A., forçando-o a auto-incriminar-se, na instrução secreta do processo de contra-ordenação. Ora, a CMVM exerceu as suas prerrogativas de autoridade do mercado e após conclusão da acção de supervisão – e é esse o momento certo, em bom rigor – abriu um processo de contra-ordenação. Não fora assim e perguntar-se-ia: em que momento é que a CMVM deveria abrir um processo desta importância contra uma tão relevante instituição financeira nacional? Aos primeiros fumos de ilicitude, correndo o risco de prematuramente colocar uma instituição respeitável numa situação de suspeita dos mercados? Ou apenas quando estivessem consolidadas essas suspeitas? Mas então teria a CMVM em aberto, em corrida paralela, um processo de supervisão e um processo de contra-ordenação, em que as acusações de “contaminação” das duas vertentes tornariam incomportável o exercício de qualquer delas?
O que o processo demonstra é uma prática correcta do supervisor: concluída a acção de supervisão, complexa, demorada, difícil, a CMVM abriu um processo de contra-ordenação. Não se vê que pudesse ou devesse ser diferente. Esta é a boa praxis do supervisor, num caso que será case study de futuro.
Segue o B…, S.A. com a teorização já conhecida de V.ªs Exas. relativa á questão nemo tenetur se ipsum accusare.
O signatário não vos maçará com abundante prosa sobre este assunto.
Os autos oferecem já abundante matéria sobre o assunto.
A par disso, são conhecidas as extremadas posições recolhidas nos pareceres de Augusto Silva Dias - “O Direito à Não Auto-incriminação No Processo Penal e Contra-Ordenacional Português”, Coimbra Editora. e de Figueiredo Dias, Manuel da Costa Andrade e Frederico Costa Pinto - “Supervisão, Direito Ao Silêncio e Legalidade da Prova”, Almedina., merecendo estes últimos autores, da nossa parte, inteira concordância.
Quanto à jurisprudência, recordaria apenas, a título exemplificativo, os acórdãos da Relação de Lisboa de 30.10.08 (proc. N.º 2140/08.9, 9.ª secção; de 22.7.09 (proc. n.º 3839/06.0TFLSB.L1, 3.º secção) e 16.12.09 (proc. 5523/07.8TFLSB.L1, 3.º secção), pelos quais se traçou caminho seguro no sentido de recusar razão a quem defende a nulidade da prova recolhida ao abrigo do jus imperii do supervisor de mercado e rejeitar que seja ofensivo do direito ao silêncio o dever do supervisionado de se sujeitar às demandas do supervisor.
No entender do MP o tribunal a quo decidiu bem esta questão, na esteira da uniforme jurisprudência que a Relação de Lisboa tem traçado, pelo que pouco mais há a dizer.
Naturalmente que não se aceitam os vícios invocados, de nulidade do processado e da sentença e a inconstitucionalidade alegada (art. 717 do recurso, fls. 148 desta peça).

11. Da Inadmissibilidade da Valoração de Meios de Prova
O B…, S.A. acusa em seguida a sentença de ter valorado meios proibidos de prova, por ter juntado certidões recebidas de processo a correr, à data, no Banco de Portugal e por ter juntado declarações escritas que G… F… e M… R… endereçaram ao processo.
A sentença apreciou esta questão em termos que não merecem censura. Na verdade, o art. 164.º e s. do CPP permite a junção de prova documental ao Inquérito, com a limitação única do n.º 2 do art. 164 (declaração anónima). A junção de certidão de declarações prestadas validamente noutro processo é um expediente vulgar em sede de Inquérito, não se vendo que vício processual possa com isso ser cometido. Para atacar esta prova, seria mister que o B…, S.A. a atacasse na fonte, isto é, que o Banco de Portugal tinha violado regras processuais na recolha das declarações – o que jamais foi aventado. Quanto aos escritos que G… F…. e M… R… endereçaram ao processo, poderia a CMVM ter distraído tais documentos dos autos ou deveria antes – como fez – juntá-los para uma cabal apreciação de quem de direito?
Há aqui um pormenor não despiciendo. O B…, S.A. renunciou à produção de prova em sede de julgamento. Esta é a sede, por excelência, do princípio da imediação da prova (art. 355.º CPP), em que a prova testemunhal que tivesse sido carreada para os autos via certidão processual careceria de ser repetida de visu face ao juiz. Ora, o B…, S.A. renunciou à produção da prova, a M.ª juiz a quo já se tinha proposto decidir o processo por mero despacho e aberta a audiência de julgamento procedeu-se a alegações finais. A prova válida que estava no processo – o que inclui as certidões – válida ficou. De outro modo não poderia ser!
Portanto, não se vê que tenha havido valoração de provas inválidas, nomeadamente não cabe aqui invocar o regime dos métodos proibidos de prova, art. 126.º CPP. A ideia de que as declarações prestadas perante o Banco de Portugal, o foram na ignorância de que seriam tais declarações prestadas também face à CMVM, pressupõe a destruição do conceito do que seja uma certidão processual. Quem presta declarações num processo, sujeito às regras legais, está a declarar factos para o mundo do direito, que podem ser aproveitados, segundo as regras estabelecidas, em qualquer outro processo e em qualquer outra jurisdição. Foi o que aconteceu no caso presente. Não há qualquer meio enganoso, há economia de meios, ou então terá o B…, S.A. que afirmar e provar que doravante a extracção de certidões processuais fica proibida, porque abrangida pelo art. 126.º CPP, tese inovadora que não cremos possível. O princípio do contraditório foi integralmente assegurado, tendo o B…, S.A. tido a oportunidade de requerer todas as provas que entendesse úteis, mormente no momento mais solene que o ordenamento confere a quem se defende, o julgamento.
Quanto à grave acusação feita pelo B…, S.A. de que se valoraram declarações que não foram juntas aos autos (de G… F… e M… R…), não diremos muito. Aconselhamos apenas a leitura de fls. 11384, 11515, 11516, 11396, 11397, 11430 a 11434, 11520 e 11534. Os escritos que estas pessoas endereçaram à CMVM constam destas folhas.

12. Da Insuficiência da Matéria de Facto e da Não Indicação dos Elementos de Facto e de Direito Constitutivos da Infracção.
Prosseguindo na sua censura formal à decisão – na verdade muito pouco de substancial veio o B…, S.A. discutir nos autos – diz agora o B…, S.A. que é deficiente a articulação dos elementos subjectivos, por “insuficiência de narração de factos que permitissem integrar a negligência ou o dolo do Arguido” (art. 802 do recurso, fls. 163 desta peça).
Sobre esta matéria, pouco dirá o MP. Os factos estão oferecidos à estampa, os Venerandos desembargadores naturalmente farão a recensão crítica da acusação, da decisão final da entidade administrativa e da sentença. O MP não vislumbra que possa ser dada razão ao B…, S.A., neste particular.
Alega ainda o B…, S.A. que teria sido surpreendido com factos novos, vertidos na decisão final e omitidos na acusação. Ilustra tal ofensa com o caso da falta de constituição de provisões. A questão é empolada pelo B…, S.A., salvo melhor opinião. Na verdade, constituir provisões, na caso, em que foi detalhadamente explicitado o percurso seguido pelo B…, S.A., quer dizer só isso mesmo, “constituir provisões”, limitando-se a acusação – desnecessariamente – a indicar a fonte legal dessa obrigação. Nenhum mal vem ao mundo eu na decisão final se explicite a matéria. Afinal, também numa vulgar sentença o julgador se pode espraiar na explicação das razões do seu juízo técnico, mister é que não extravase para lá do thema decidendum ou dos factos imputados ao arguido. No caso, esta violação do thema decidendum não se verifica. Também aqui falece razão ao B…, S.A..
Sobre o “não aproveitamento da prova do processo de contra-ordenação «paralelo» cuja apensação o B…, S.A. recusou” (fls. 169 do recurso do B…, S.A.) seria de recordar que já o B…, S.A. intentou recurso sobre o assunto, o qual sobe agora à apreciação dos Venerandos desembargadores. A questão não nos parece merecer grande atenção. A CMVM instaurou dois processos, um contra o B…, S.A., outro contra os administradores do B…, S.A.. Um dos processos, o actual, correu mais célere e está na fase em que se dá nota. A apensação deixou de ser possível no momento em que os processos deixaram a mesma fase processual, mas jamais o B…, S.A. esteve impedido de requerer em qualquer processo as certidões que entendesse necessárias à sua defesa. Cremos que nada mais se torna necessário afirmar.
Sobre a medida da coima, V.ªs Exas., Venerandos desembargadores, não deixarão de dizer da sua bondade, avaliando a dimensão do ilícito, os seus efeitos no mercado, na confiança dos accionistas e dos investidores. O MP conformou-se com a sentença em crise».
*
Respondeu também a recorrida, CMVM, nos termos de fls. 16.975 a 17.108, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos:
1ª A sentença é irrecorrível na parte respeitante à (comprovada) natureza fictícia dos beneficiários das off-shore Cayman e off-shore G… F… uma vez que esta matéria não pode ser sindicada pelo Tribunal da Relação, por ser questão de facto, dependente da interpretação dos negócios jurídicos. Pelo que o recurso deve ser parcialmente rejeitado nos termos dos artigos 75º RGCORD, 414.º/2 e 420.º/1/b CPP.
Subsidiariamente, e sem conceder, sempre se tem de entender que os referidos beneficiários são fictícios por ser isso que corresponde, efectivamente, à verdade demonstrada na sentença recorrida e nos autos.
A sentença recorrida não padece de qualquer vício:
a) O Tribunal a quo, atentas as circunstâncias (recurso de processo de contra-ordenação em que o arguido não impugnou a matéria de facto, em que toda a prova era documental e no qual arguido não arrolou testemunhas nem apresentou representante legal), procedeu a um exame crítico das provas suficientemente compreensível, coerente e justificado;
b) A alegada ausência de referências na sentença às pessoas singulares não impede a condenação do B…, S.A. a título de dolo uma vez que (i) os artigos 401.º/1 do CdVM e 7.º/1 do RGCORD consagram um modelo de imputação autónoma, (ii) no nosso ordenamento jurídico não vigora uma concepção psicológica do dolo e (iii) a sentença dá por provada factualidade que impõe necessariamente a conclusão de que o arguido agiu dolosamente, como a sentença recorrida demonstrou correctamente por ilação (de forma consentânea com a prática dos Tribunais);
c) A alegação de que a sentença omite pronúncia sobre o alegado não aproveitamento de prova produzida noutro processo (i) não se encontra devidamente substanciada, (ii) não tem cabimento porquanto o Tribunal a quo não tem de se pronunciar sobre todas as referências dos diferentes sujeitos processuais e esta questão não importava verdadeiramente para a decisão do processo e (iii) não corresponde à verdade porquanto o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão em despacho interlocutório (não estando, por isso, obrigado a fazê-lo, segunda vez, na sentença). Não há omissão de pronúncia numa sentença quando o Tribunal competente já decidiu a questão em despacho interlocutório.
3ª O B…, S.A. estava obrigado a consolidar as off-shore Cayman e as off-shore G… F… porquanto:
a) Desde o Decreto-Lei n.º 36/92, de 28 de Março, por força dos seus artigos 2.º/2/b, 2.º/4/a e 5.º/2, tem de haver consolidação mesmo que não haja qualquer detenção de participações sociais.
b) As IFRS, que entraram em vigor em 1 de Janeiro de 2005, embora tenha trazido profundas alterações noutras matérias, não inovaram em nada nesta.
c) Nas off-shore Cayman (antes e depois da constituição de beneficiários fictícios) e off-shore G… F… foi sempre o B…, S.A. a financiar as operações, a decidi-las e a assumir o risco que lhes era inerente, pelo que estas actuaram por conta do B…, S.A., tendo por isso de ser consolidadas nas demonstrações financeiras do mesmo.
d) O B…, S.A. tinha o interesse residual no património das off-shore Cayman e G… F…, embora não fosse necessário fazer essa demonstração uma vez que a lei não a exige.
4ª Quanto ao âmbito e sentido da contra-ordenação dos artigos 7º e 389º do CdVM:
a) O CdVM tem uma dupla garantia substantiva consubstanciada numa dupla remissão, normativa (artigo 388.º/2 do CdVM) e temática (no caso, o artigo 389.º/1 CdVM) e a própria natureza material dinâmica da remissão do artigo 389.º CdVM implica que o tipo contra-ordenacional se constrói pela conjugação do artigo 7.º com o artigo 389.º CdVM (e não por nenhum destes artigos isoladamente).
b) Não é verdade que só haja falsidade caso as contas divulgadas fossem diversas das aprovadas não só porque isso não corresponde à letra da lei, como porque colocaria nas mãos do criador da fonte de perigo (os emitentes) o poder de definir o grau de protecção dos destinatários das contas.
c) Existe falsidade e incompletude da informação contida nas contas mesmo que estas decorram da violação de regras contabilísticas.
d) Antes e depois do Decreto-Lei n.º 56/2006, o artigo 389.º CdVM sancionava e sanciona a má qualidade de informação constante das demonstrações financeiras.
e) O artigo 389º/1 do CdVM não é inconstitucional desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 52/2006 porque mantém a dupla garantia da conexão normativa e temática e o conceito de informação não é indeterminável, mas bem pelo contrário, preciso.
Qualquer interpretação normativa (extraída designadamente dos artigos 7º e 389º do CdVM) que sustente que a informação financeira que seja divulgada, desde 2000, sem qualidade (por faltar à verdade e/ou violar normativos contabilísticos) não era susceptível de gerar contra-ordenação padece de inconstitucionalidade por violação dos artigos 81.º/f e 101.º da Constituição que tutelam o mercado e o sistema financeiro.
5ª O comunicado divulgado pelo B…, S.A. em 23 de Dezembro de 2007 não é consumido pela informação financeira relativa ao terceiro trimestre de 2007 por se tratar de novo acto, baseado em resolução distinta, em momento temporal diverso, com conteúdo diverso e que tinha função diferente da das contas trimestrais.
O artigo 316º/2, 3 do Código das Sociedades Comerciais:
a) Estabelece apenas que a sociedade não pode recorrer a intermediários para adquirir acções próprias se, e apenas se, essa aquisição lhe for a si mesma vedada (i.e. ultrapassar o limiar de 10% fixado pelo artigo 317.º do CSC);
b) Tem uma função restritiva das sociedades que adquirem acções próprias fora dos limites da lei e portanto não pode ser lido como um prémio para as sociedades que o violam, que não teriam assim de publicar nas contas como acções próprias as que foram adquiridas em violação da lei.
c) Não é norma contabilística e portanto não pode afastar a aplicação do artigo 2.9 do Capitulo II do Anexo à Instrução do Banco de Portugal n.º 4/96 e o artigo 508º-C/5/d (à data dos factos o artigo 508.º-C/2/d) do Código das Sociedades Comerciais.
d) Pelo que as acções próprias adquiridas pelo B…, S.A., mesmo que excedam os limites impostos por lei, têm de ser relatadas no relatório consolidado de gestão.
7ª Quanto aos alegados vícios processuais na fase administrativa em geral:
a) Mesmo que existissem, não afectariam nunca a sentença ora recorrida, por esta resultar de uma nova instância (artigo 59.º do RGCORD), a decisão da autoridade administrativa se convolar em acusação (artigo 62.º do RGCORD) e ser um recurso de jurisdição plena que nasce apenas por impulso do arguido e em que está na sua iniciativa a possibilidade de discutir a plenitude das provas, dos factos e do direito.
b) As nulidades em processo penal são típicas (artigo 118.º do CPP) e nenhuma das nulidades do artigo 119.º do CPP tem aplicação nas contra-ordenações por força da sua própria letra.
c) Não é prevista na lei qualquer fase autónoma de inquérito ou investigação na fase administrativa das contra-ordenações, pelo que também por esta via não existe nulidade do processo de contra-ordenação na fase administrativa.
8ª Quanto aos princípios do processo de contra-ordenação:
a) Não se aplica o princípio da estrutura acusatória, e o princípio da imediação não se aplica na fase administrativa das contra-ordenações, e mesmo na fase judicial tem aplicação mitigada pelos artigos 64.º e 72.º do RGCORD e 416.º/4 do CdVM.
b) Não há violação do direito ao contraditório quando foi o seu próprio titular que decidiu por sua livre iniciativa não o exercer, como no caso concreto.
c) O direito à não auto-incriminação não é absoluto, nem sequer em processo penal, e muito menos em contra-ordenações, devendo ceder quando existe lei expressa que exija deveres de colaboração, como é o caso nos termos dos artigos 359.º, 361.º/2/a, b do CdVM.
d) No caso de uma entidade supervisionada a regra é aliás a inversa, a do dever de colaboração, de prestar elementos, documentação e informação.
9ª As provas juntas ao processo são válidas e foram devidamente valoradas:
a) É lícito usar em processo de contra-ordenação provas recolhidas em sede de supervisão, mesmo que obtidas junto de uma entidade que vem a ser arguida em processo de contra-ordenação, porque existe lei expressa que o permite (artigos 360.º/1/e e 361.º/2 do CdVM) e não constitui meio enganoso.
b) É lícita a junção de autos de declarações prestadas numa terceira entidade como prova em processo de contra-ordenação por existirem normas que o permitem (artigos 355.º/1/a, 374.º/1 e 374.º/2/c do CdVM e o artigo 81.º do RGICSF), porque os processos de contra-ordenação não se caracterizam pelo principio da imediação, e por em acréscimo nada ter impedido o B…, S.A. de arrolar no presente processo as pessoas que depuseram junto do Banco de Portugal e tal só não ter acontecido porque o B…, S.A. não o quis fazer.
c) As cartas recebidas em resposta a ofícios da CMVM são prova documental e como tal podem ser livremente valoradas como prova, só não tendo havido contraditório em relação a elas, nomeadamente o arrolamento dos respondentes como testemunhas, porque o B…, S.A. decidiu não o fazer.
d) De qualquer forma, existe prova independente no processo, pelo que, mesmo que as provas não fossem lícitas, no que não se concede, isso não teria como implicação a nulidade de todo o processo.
10ª Não há desvio de meio processual quando a CMVM obtém em supervisão provas que são usadas depois em processo de contra-ordenação porquanto:
a) A CMVM abriu processo de contra-ordenação quando teve indícios consistentes e estabilizados;
b) A CMVM nada teria a ganhar com esse alegado desvio de meio processual porque, mesmo aberto processo de contra-ordenação, isso não a impediria de exercer os seus poderes de supervisão.
11ª Nenhuma norma foi interpretada ou aplicada de forma desconforme à Constituição porquanto:
a) A Constituição não impõe uma fase de investigação nos processos de contra-ordenação, mas apenas um direito de defesa e audiência prévia (artigo 32.º/10 da CRP).
b) A Constituição não impõe, em segmento algum do seu texto, que numa acção de supervisão se informe a visada que é suspeita da prática de contra-ordenações tanto mais que no caso de haver supervisão contínua (artigo 362.º do CdVM) e de legalidade (artigo 358.º/e do CdVM) isso equivaleria a considerar permanentemente suspeitos os supervisionados.
c) A Constituição não atribui um direito de vista aos arguidos em processo de contra-ordenação, por forma a que nenhum argumento de direito pudesse ser acrescentado pela autoridade administrativa na sua decisão e que não constasse da acusação sem audiência prévia do mesmo, mas apenas os direitos de audiência e defesa previstos no artigo 32.º/10 da CRP.
Qualquer interpretação normativa (extraída designadamente dos artigos 359.º/1/b e c, 359.º/3, 360.º/1 ou 361.º/2/a do CdVM) que sustente que o direito à não auto-incriminação impede a utilização, em processos de contra-ordenação, de prova fornecida pelos supervisionados ao supervisor, ao abrigo dos deveres de colaboração e dos poderes gerais de supervisão decorrentes destas normas, padece de inconstitucionalidade por violação dos artigos 81.º/f e 101.º da Constituição que tutelam o mercado e o sistema financeiro.
Padece igualmente de inconstitucionalidade normativa, por violação dos artigos 81.º/f e 101.º da Constituição, qualquer interpretação (extraída designadamente dos artigos 54.º/2 do RGCORD, 262.º/2 do CPP ou dos artigos 359.º/1/b e c, 359.º/3, 360.º/1 ou 361.º/2/a do CdVM) que sustente que é imposta uma fase de investigação nos processos de contra-ordenação ou que numa acção de supervisão o supervisionado tem de ser informado de que é suspeito da prática de contra-ordenações.
12ª A coima aplicada (€ 5.000.000) corresponde apenas a 1,4% do actual rendimento que o arguido obtém num único mês, sendo proporcional, necessária e adequada à gravidade do ilícito e da culpa, devendo o Tribunal da Relação ponderar a execução desta coima sem qualquer suspensão da sanção.
Termos em que o recurso do arguido B…, S.A..
- Deve ser REJEITADO na parte respeitante à matéria de facto (comprovada natureza fictícia dos beneficiários das off-shore Cayman e off-shore G... F...) nos termos dos artigos 75º RGCORD, 414.º/2 e 420.º/1/b do CPP.
E, em qualquer caso,
- Deve ser NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO do arguido, e mantida a decisão do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa que condenou o B…, S.A. no pagamento de uma coima única de € 5.000.000 (cinco milhões de euros)».
*
Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto, emitiu o Douto Parecer de fls. 17.121 a 17.124, defendendo a rejeição do recurso interlocutório interposto de despacho proferido em audiência de julgamento e em caso de eventual admissibilidade a sua improcedência por infundado e reservando para a audiência neste Tribunal o seu parecer sobre o recurso interposto da decisão final.
*
Procedeu-se à audiência de julgamento conforme requerido pelo recorrente, limitando-se a discussão da causa à matéria de direito, tendo alegado o recorrente, B…, S.A., a recorrida CMVM e o Ministério Público.
*
O recurso foi tempestivo, legítimo e correctamente admitido.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
FUNDAMENTOS
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - Cfr. artigos 119º, nº 1, 123º, nº 2, 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) todos do cód. procº penal; acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995; Ac. STJ de 19/6/1996, BMJ 458, 98; e, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271). que, no caso "sub judice", não obstante algumas questões suscitadas, envolverem necessariamente a matéria de facto provada, o Tribunal apenas conhecerá da matéria de direito por força dos imperativos legais aplicáveis em matéria de recurso de sentença nos processos de contra-ordenação, (cfr. artº 75º do RGCOC), como adiante fundamentaremos.
*
FACTOS PROVADOS
Da instrução levada a cabo no processo administrativo, resultaram provados os seguintes factos:
1. A arguida, constituída em 1985, é, desde 1987, emitente de acções admitidas à negociação na Bolsa de Valores de Lisboa;
2. Nos anos de 2001 e 2002 verificou-se uma acentuada descida das cotações das acções da arguida;
3. À data dos factos objecto dos presentes autos, infra elencados, a arguida é emitente de acções admitidas à negociação no Mercado de Cotações Oficiais gerido pela E… S.A.;
*
4. Entre 14.09.1999 e 30.03.2000 foram incorporadas em Cayman I… as seguintes sociedades, doravante designadas off-shore Cayman:
- H… Limited, constituída a 17.02.2000;
- W… Investments, constituída a 30.03.2000;
- N… Limited, constituída a 25.02.2000;
- B… Limited, constituída a 30.03.2000;
- G… Ltd., constituída a 17.02.2000;
- I… Limited, constituída a 25.02.2000;
- C…. Ltd., constituída a 17.02.2000;
- S… Ltd., constituída a 24.02.2000;
- F… Investements, constituída a 14.09.1999;
- C… Ltd., constituída a 14.09.1999;
- P… Ltd., constituída a 14.09.1999;
- I… Ltd., constituída a 24.02.2000;
- A…, Ltd., constituída a 17.02.2000;
- B… Limited, constituída a 25.02.2000;
- F… Ltd., constituída a 14.09.1999;
- M… Limited, constituída a 14.09.1999;
- C… Consul…, constituída a 17.02.2000;
5. Todas as referidas off-shore Cayman emitiram procuração, à arguida, no dia 28.11.2002, conferindo-lhe poderes para administrar e dispor de todo o seu património, presente e futuro, adquirir e alienar valores mobiliários e instrumentos financeiros e abrir contas bancárias e contratar créditos ou empréstimos;
6. Todas as referidas off-shore Cayman contraíram créditos junto da arguida e transaccionaram, exclusivamente, acções desta;
7. Pelos financiamentos concedidos, a arguida cobrou juros e comissões que nunca lhe foram pagos pelas off-shore Cayman;
8. Até 07.03.2001, as off-shore W… Investments, N… Limited, B… Limited, I… Limited e B… Limited, eram detidas pela sociedade C… Hol… Ltd., e, desde essa data, pela sociedade G… Hol…, S.A.;
9. As off-shore H… Limited, G… Ltd., C…Ltd., S…Ltd., I… Ltd., A… Ltd. e C…Consultants eram detidas, até 07.03.2001, pela sociedade D… Hol… Ltd., e desde essa data, pela sociedade D… Incorp…;
10. As off-shore F… Ltd. e F… Investements eram detidas, desde 16.09.1999, pela sociedade M… Limited;
11. As off-shore C… Ltd., P… Ltd. e M… Limited eram detidas, desde 16.09.1999, pela sociedade O… Limited;
12. A 20.12.2002 a arguida celebra acordos de prestação de serviços fiduciários com J… G…; F…. J…; A… R…; e I… M…;
13. Na sequência desses acordos, J… G… é indicado como beneficiário económico para a administração da sociedade G…, S.A.;
14. Por declaração não datada, J… G… autoriza a transferência de 100% das acções da G…, S.A. para a arguida, ou para outra entidade a indicar por esta;
15. A 30.12.2003, tal transferência para a arguida concretiza-se pelo valor de € 50.205.000;
16. A 30.03.2004, a arguida transferiu para a sociedade T… Corp., o valor de € 50.436.900,93;
17. Na sequência dos acordos de prestação de serviços fiduciários supra referidos, F… J…, A… R… é indicado como beneficiário económico das sociedades D… Incorporated e M… Limited;
18. Por declaração não datada, F… J…, A… R… autoriza a transferência de 100% das acções da D…Incorporated e da M… Limited para a arguida, ou para outra entidade a indicar por esta;
19 A 30.12.2003, tal transferência para a arguida concretiza-se pelo valor € 23.365.000, quanto à sociedade D… Incorporated;
20. A 30.03.2004, a arguida transferiu para a sociedade T… Corp., o valor de € 23.471.888,84;
21. A 30.12.2003 concretiza-se a transferência autorizada por M… R…, para a arguida, pelo valor € 10.291.000, quanto à sociedade M… Limited;
22. A 30.03.2004, a arguida transferiu para a sociedade T…Corp., o valor de € 10.338.884,88;
23. Na sequência dos acordos de prestação de serviços fiduciários supra referidos, I… M… é indicado como beneficiário económico da sociedade O… Limited;
24. Por declaração não datada, I… M… autoriza a transferência de 100% das acções da O… Limited para a arguida, ou para outra entidade a indicar por esta;
25. A 30.12.2003 concretiza-se a transferência autorizada por I… M…, para a arguida, pelo valor € 15.779.000;
26. A 30.03.2004, a arguida transferiu para a sociedade T… Corp., o valor de € 15.852.406,15;
27. J… G…, F… R… e I… M… foram designados beneficiários económicos das sociedades supra mencionadas sem nunca terem prestado qualquer contrapartida à arguida, nem qualquer contribuição financeira às próprias sociedades;
28. Os mencionados beneficiários económicos nunca assumiram risco de perdas pelos investimentos realizados pelas sociedades em causa e nunca tomaram qualquer decisão de investimento;
29. Os únicos recursos usados pelas off-shore Cayman foram os financiamentos concedidos pela arguida;
30. Em 02.12.2003, J… G…, F… R… e I… M… assumiram a título pessoal as dívidas das sociedades em que constavam como beneficiários económicos, podendo satisfazer integralmente as dívidas mediante dação em pagamento dos activos das sociedades;
31. A 30.12.2003, cada um dos referidos beneficiários económicos contraiu, junto da arguida, empréstimos no valor total de € 589.992.107,4, com a finalidade de assumirem as dívidas das sociedades respectivas, dando como garantia os activos dessas mesmas sociedades;
*
32. A 29.11.2002 as 17 sociedades off-shore Cayman, a arguida (actuando na qualidade de agente destas) e a sociedade A… celebram um contrato nos termos do qual as off-shore Cayman alienam ao A…, a 06.12.2002, 116.000.000 de acções da arguida contra a entrega de 156.020 Notes do A… e o pagamento de € 154.538.390;
33. O valor das A… Notes variava em função das cotações das acções da arguida;
34. E, 14.03.2003 a arguida pagou ao A… um dividendo no valor de € 9.280.000, tendo o A… pago às off-shore Cayman, em 27.03.2003, o valor de € 7.878.430.03;
35. Em 18.03.2003 foi celebrado novo contrato entre as 17 off-shore Cayman, a S… (detida pela arguida) e o A…;
36. Foram emitidas 85.991 novas Notes, cujo preço a pagar pelo A… à S… variava em função das cotações das acções da arguida;
37. No referido contrato não se consagrou uma cláusula que permitisse às off- shore Cayman determinar o sentido de voto das acções detidas pelo A…;
38. No referido contrato foi consagrada uma cláusula que protegia o A… do risco de mercado das acções da arguida;
39. A 13.04.2004 a arguida pagou ao A… um dividendo de € 5.916.000, tendo o ABN pago às off-shore Cayman, a 21.04.2004, o valor de € 5.064.702,73;
40. A 06.05.2004 as off- shore Cayman transferiram € 4.914.356 para a S… Limited;
41. Em 08.11.2004 a arguida pagou ao ABN um dividendo no valor de € 2.958.000, tendo o A… pago às off-shore Cayman, a 15.11.2004, € 2.532.184,50;
*
42. A arguida utilizou ainda, como veículos próprios, as seguintes entidades (doravante designadas Off-shore G… F…a), incorporadas em jurisdições off-shore:
- Duas sociedades designadas por S… Limited, uma sedeada na Ilha de Man e a outra nas British Virgin Islands;
- H… Limited;
- S… Limited;
- S… Limited;
- T… Corp.
43. Com efeito, a arguida concedeu a tais sociedades financiamentos que, a 31.12.2003, atingiram um total de € 260.880.794;
44. A arguida identificava tais sociedades como entidades relacionadas com G… F…;
45. A arguida beneficiava de amplos poderes discricionários para a tomada de decisões de investimentos em valores mobiliários nas referidas sociedades;
46. As sociedades H…Limited, S… Limited apresentavam G… F… e B… M… como beneficiários económicos;
47. As off-shore G… F…, com financiamento obtido junto da arguida, adquiriram quase exclusivamente acções desta;
48. G… F… e B… M… nunca tomaram qualquer decisão de investimento, não contribuíram com recursos próprios para o património de tais sociedades e não formalizaram qualquer garantia a favor da arguida;
49. As referidas sociedades apresentavam como garantia os financiamentos concedidos pela arguida, tendo o seu património sido adquirido, exclusivamente, através de financiamentos concedidos pela arguida;
50. Pelos financiamentos concedidos às off-shore G… F…, a arguida cobrou juros e comissões que nunca lhe foram pagos;
*
51. A 24.03.2004 a T… Corp. assumiu uma dívida perante a arguida no valor de € 593.697.585,63, tendo apenas como activo um depósito bancário no valor de € 100.100.041;
52. A 25.03.2004 a arguida concedeu à E…, S.A., um empréstimo no valor de € 600.181.334,67, com a finalidade de permitir a esta a aquisição de imóveis à arguida e realizar suprimentos à T… Corp. susceptíveis de liquidar as responsabilidades por esta assumida perante a arguida;
53. A 26.03.2004 a E…, S.A., adquire a T… Corp. e esta liquida a dívida que contraíra perante a arguida;
54. A 29.03.2004 a T…Corp. adquire a C…, S.A., (designada CI) à arguida, por € 26.136.371,60;
55. A 30.06.2004 a C…I, S.A., emite dívida, sob a forma de papel comercial, adquirido pela arguida pelo valor de € 210.000.000, permitindo à E…, S.A., amortizar a sua dívida perante a arguida pelo valor de € 204.602.500;
56. A 29.06.2005 a arguida procede à dotação da globalidade do papel comercial, pelo montante de € 200.000.000, ao Fundo de Pensões do Grupo B…, S.A., que, em 2006 e 2007, reconhece nas suas contas uma perda de € 115.600.000, que a arguida difere em 20 anos;
57. A 22.06.2006 a T… Corp. vende a A…, S.A., à C…, S.A., por € 300.000.000, com recurso a suprimentos da arguida, que a T… Corp. entrega à E…, S.A., para esta amortizar a dívida contraída junto da arguida;
58. A 23.08.2006 a A…, S.A., passa a deter uma participação na B…, S.A.;
59. A 29.06.2007 a arguida readquire a maioria do capital da C…, S.A., exonerando do restante valor em dívida resultante do empréstimo concedido a 25.03.2004;
60. Com esta operação, a arguida regista nas suas contas a participação que passa deter na A, S.A., pelo valor de € 312.300.000;
61. Até esta data, a A, S.A., detinha uma participação de 64,5% na B, S.A.;
62. A arguida não registou, nas suas contas, a participação que adquiriu na B, S.A.;
63. A arguida avaliou o projecto imobiliário denominado “B, SA” por valor superior ao custo efectivamente suportado;
*
64. Em 30.01.2004 a arguida aceita, em dação em pagamento de uma dívida da Sociedade D… Limited, no montante de € 72.700.000, uma sociedade off-shore, denominada J, S.A., que apenas detinha um terreno rústico, situado em Santo António, Loulé, cujo valor efectivo era de € 10.000.000;
65. Segundo avaliação encomendada pela arguida à “B… A…”, ao terreno em causa foi atribuído o valor de € 64.287.100;
66. A arguida, nas contas de 2004, reconheceu uma perda de € 8.412.900, resultante da diferença entre o crédito de € 72.700.000 e o valor de avaliação do terreno;
67. Porém, a 30.05.2006, a Sociedade D… Limited readquiriu a J…, S.A., à arguida, pelo valor de € 10.000.000;
68. A arguida não reconheceu nas suas contas de 2004 uma perda de € 62.700.000, resultante da diferença entre o valor do crédito de € 72.700.000 e o valor do terreno (€ 10.000.000).
*
69. No dia 31.03.2004, a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários os documentos de prestação de contas consolidadas relativos ao ano de 2003;
70. Respeitantes ao ano de 2003, foram apresentadas, como fazendo parte do universo empresarial da arguida, as seguintes entidades:
- A..., Lda.;
- A… U…, Lda.;
- A… F… M…, S.A.;
- A… I…, S.A.;
- B…. Invest…. Intern…, S.A.;
- A… Invest…, Limited;
- B… Invest. – B… C… P…, S.A.;
- B… – S…, S.A.;
- F…, S…, Lda.;
- C… – B…, S.A.;
- C…, Lda.;
- I…, S.A.;
- L…, S.A.;
- Un…, S.A.;
- B…, S.A.;
- B…, , Lda.;
- B… Limited;
- Inter…, S.A.;
- Pol…, S.A.;
- Pol… Holding, Ltd.;
- M…, Corp., Ltd.;
- B…, S.A.;
- B…Bank, S.A.;
- B… C… Macau, S.A.;
- B… – B…. Moçambique, S.A.R.L.;
- B…, S.A.R.L.;
- B…, S.A.R.L.;
- Bank M…, S.A.;
- T… M..., S.A.;
- M…., S.A.;
- B…, Sp.z.o.o.;
- B… BV;
- B…, Sp.z.o.o.;
- B…., S.A.;
- T….z.o.o.;
- B…, S.A.S.;
- Banque B… (Luxembourg), S.A.;
- Banque Privée B… (Suisse), S.A.;
- B… Bank Canada;
- B… Bank National Association;
- N… Bank, S.A.;
- Bank E…, A.S.;
- B… Internacional II, … Unipessoal, Lda.;
- B… – Partici… Financ…, Sociedade Unipessoal, Lda.;
- B…, B.V.;
- B… Invest…, B.V.;
- B… I… Unipessoal, Lda.;
- B… (USA), Inc.;
- B…, Holding B.V.;
- B… B…& T…. Limited;
- B… C… F…. Ltd.;
- B… Ltd.;
- B…, Ltd.;
- B…. Limited;
- M…, Ltd.;
- B. … Ltda.;
- B…, S.A.;
- C…, Limited;
- C…, S.A.;
- P…– S… Agrícola…., Lda.;
- S… – E…, A.C.E.;
- S…, S.A.;
- M…, S.A.;
- P…, Limited;
71. Do universo empresarial apresentado pela arguida, no referido ano de 2003, não constavam as off-shore Cayman nem as off-shore G… F…;
72. Na Demonstração de Resultados Consolidada do ano de 2003 foram contabilizados juros, em proveitos, no montante de € 28.653.602;
73. No Balanço Consolidado desse ano não estavam registadas, no activo, acções próprias cujo montante de aquisição ascendia a € 614.805.165;
74. No Balanço Consolidado desse ano estava registado, na conta de clientes, o montante de € 850.872.901;
75. No Balanço Consolidado desse ano não estavam registadas, no activo, disponibilidades no montante de € 99.640.000;
76. Não foram reflectidas no Relatório e Contas Consolidado perdas no montante de € 97.578.459;
77. Face ao valor de juros indevidamente cobrados e às provisões/ perdas não registadas, o Resultado Líquido do exercício encontrava-se sobreavaliado em € 126.232.062;
78. Não foram reflectidas, no Capital Próprio, perdas no valor de € 593.605.594;
79. Não estavam divulgadas, no Relatório de Gestão, as transacções que culminaram na detenção directa e indirecta de 154.147.985 acções próprias;
80. Ora, a informação constante dos documentos de prestação de contas consolidadas, relativos ao ano de 2003, divulgados na SDI, continha as seguintes inexactidões:
- Os resultados encontravam-se sobreavaliados, por via dos juros cobrados;
- Não foram consideradas perdas que deveriam ter sido inscritas em resultados transitados;
- A situação líquida da arguida era inferior à divulgada em € 593.605.594;
- As off-shore Cayman e G… F… não figuravam no elenco das entidades pertencentes ao seu universo empresarial, ao mesmo tempo que o relatório de gestão não apresentava informação sobre as acções detidas indirectamente pela arguida;
*
81. No dia 11.04.2005, a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários os documentos de prestação de contas consolidadas relativos ao ano de 2004;
82. Respeitantes ao ano de 2004, foram apresentadas, como fazendo parte do universo empresarial da arguida, as seguintes entidades:
- A…, Sociedade Unipessoal, Lda.;
- M… – Gestão de Fundos de Investimento, S.A.;
- B… International, S.A.;
- A…Investments, Limited;
- B… Investimento, S.A.;
- B… S… Capital de Risco, S.A.;
- S… Titul…de Créditos, S.A.;
- C…, Lda.;
- I… Automóveis, S.A.;
- L…Viaturas, S.A.;
- U… Aluguer de Longa Duração, S.A.;
- B… Imobiliário, S.A.;
- B…, Lda.;
- B… Limited;
- Inter…, S.A.;
- Poly…, S.A.;
- Poly.., Ltd.;
- Mult., Corp., Ltd.;
- B…Bank (Portugal), S.A.;
- B… de Macau, S.A.;
- B… de Moçambique, S.A.R.L.;
- B…, S.A.R.L.;
- B…Leasing, S.A.R.L.;
- Bank M…, S.A.;
- T… M..., S.A.;
- M…, S.A.;
- B…, Sp.z.o.o.;
- Pr… S.A.;
- F… Z.o.o.;
- B… BV;
- B…, S.A.;
- T….z.o.o.;
- B..., S.A.S.;
- B... (Luxembourg), S.A.;
- B... (Suisse), S.A.;
- B...B... Canada;
- B... B… Association;
- N..., S.A.;
- B…, A.S.;
- B…, Sociedade Unipessoal, Lda.;
- B…, Sociedade Unipessoal, Lda.;
- B…, B.V.;
- B…, B.V.;
- B…Holdings (USA), Inc.;
- B…Holding B.V.;
- B… & T… (Cayman) Limited;
- B… Limited;
- B… Bank Ltd.;
- B…, Ltd.;
- B…Bank Limited;
- M…, Ltd.;
- B… – Esc…, S/C Ltda.;
- M… C…Electrónico, S.A.;
- C…, Limited;
- P… Sociedade Agrícola …, Lda.;
- S… Prestação de Serviços, A.C.E.;
- S… – Trust…, S.A.;
- M…, S.A.;
- P…, Limited;
83. Do universo empresarial apresentado pela arguida, no referido ano de 2004, não constavam as off-shore G… F… e a CI;
84. Na Demonstração de Resultados Consolidada do ano de 2004 foram contabilizados juros, em proveitos, no montante de € 27.788.103;
85. No Balanço Consolidado desse ano não estavam registadas, no activo, disponibilidades no montante de € 29.738.169, referentes à T… e € 5.814.605, referentes às off-shore G… F…;
86. Não estavam registados, quanto ao ano de 2004, os activos e os passivos da CI;
87. No Balanço Consolidado desse ano estava registado, na conta de clientes, o montante de € 114.001.044;
88. Na Demonstração de Resultados Consolidada não foram reflectidas as perdas nas off-shore Cayman, G… F… e Terreno de Santo António, no montante de € 58.928.617;
89. Face às perdas registadas, aos ganhos obtidos com as alienações das acções pertencentes às off-shore G… F…e Cayman, o resultado líquido do exercício estava sobreavaliado em € 52.782.683;
90. No ano de 2004, a arguida constituiu provisões no valor de € 94.900.000, amortecendo perdas por registar de anos anteriores;
91. No ano de 2004 não foram reflectidas, no Capital Próprio, em resultados transitados, perdas no valor de € 551.488.277;
92. Assim, a informação constante dos documentos de prestação de contas consolidadas, relativos ao ano de 2004, divulgados na SDI, continha as seguintes inexactidões:
- Os resultados encontravam-se sobreavaliados, por via dos juros cobrados;
- Não foram consideradas perdas que deveriam ter sido inscritas em resultados transitados;
- A situação líquida da arguida era inferior à divulgada em € 551.488.277;
- As off-shore G… F… e a CI não figuravam no elenco das entidades pertencentes ao seu universo empresarial, ao mesmo tempo que o relatório de gestão não reflectia a substância das operações realizadas por essas entidades;
*
93. No dia 20.04.2006, a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários os documentos de prestação de contas consolidadas relativos ao ano de 2005;
94. Respeitantes ao ano de 2005, foram apresentadas, como fazendo parte do universo empresarial da arguida, as seguintes entidades:
- A…, Sociedade Unipessoal, Lda.;
- M… Investimento, S.A.;
- B…International, S.A.;
- A…, Limited;
- B…Investimento, S.A.;
- B… Risco, S.A.;
- S… Créditos, S.A.;
- C… Aluguer, Lda.;
- I… Automóveis, S.A.;
- L… Viaturas, S.A.;
- B…Imobiliário, S.A.;
- B…, Lda.;
- B…Limited;
- I…, S.A.;
- Poly…, S.A.;
- Poly… H…, Ltd.;
- M…, Corp., Ltd.;
- B…Bank (Portugal), S.A.;
- B… Moçambique, S.A.R.L.;
- B... M..., S.A.;
- T…, S.A.;
- M…, S.A.;
- B…, Sp.z.o.o.;
- F… Sp. Z.o.o.;
- B… BV;
- T…Sp.z.o.o.;
- B… B… S.A.S.;
- B… B…(Luxembourg), S.A.;
- B…Privée B…(Suisse), S.A.;
- B… Bank Canada;
- B… Bank N… Association;
- N…Bank, S.A.;
- B…E...Bankasi, A.S.;
- B…Unipessoal, Lda.;
- B…, Sociedade Unipessoal, Lda.;
- B…, B.V.;
- B… Investiment, B.V.;
- B…Holdings (USA), Inc.;
- B… & T… (Cayman) Limited;
- B…F… Limited;
- B…F… Bank Ltd.;
- B… F… C…, Ltd.;
- B… I… Bank Limited;
- M… Serviços, S/C Ltda.;
- M… Comércio Electrónico, S.A.;
- C…, Limited;
- P…. Agrícola …, Lda.;
- M… Serviços, A.C.E.;
- S… Trust …, S.A.;
95. Do universo empresarial apresentado pela arguida, no referido ano de 2005, não constavam as off-shore G… F…, nem a CI;
96. Na Demonstração de Resultados Consolidada do ano de 2005 foram contabilizados juros, em proveitos, no montante de € 18.267.585;
97. No Balanço Consolidado desse ano não estavam registadas, no activo, disponibilidades no montante de € 14.690.642;
98. Não estavam registados, quanto ao ano de 2005, os activos e os passivos da CI;
99. No Balanço Consolidado desse ano estava registado, na conta de clientes, o montante de € 114.020.192;
100. Na Demonstração de Resultados Consolidada deveriam ter sido reconhecidas perdas relativas ao ano de 2005 no valor de € 3.797.618;
101. Face às perdas registadas, o resultado líquido do exercício estava sobreavaliado em € 22.065.203;
102. No ano de 2005, a arguida constituiu provisões no valor de € 163.641.934, amortecendo perdas por registar de anos anteriores;
103. No ano de 2005 não foram reflectidas, no Capital Próprio, em resultados transitados, perdas no valor de € 409.911.545;
104. Deste modo, a informação constante dos documentos de prestação de contas consolidadas, relativos ao ano de 2005, divulgados na SDI, continha as seguintes inexactidões:
- Os resultados encontravam-se sobreavaliados, por via dos juros cobrados;
- Não foram consideradas perdas que deveriam ter sido inscritas em resultados transitados;
- A situação líquida da arguida era inferior à divulgada em € 409.911.545;
- As off-shore G… F… e a CI não figuravam no elenco das entidades pertencentes ao seu universo empresarial, ao mesmo tempo que o relatório de gestão não reflectia a substância das operações realizadas por essas entidades;
*
105. No dia 28.06.2007 a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários os documentos de prestação de contas consolidadas relativos ao ano de 2006;
106. Respeitantes ao ano de 2006, foram apresentadas, como fazendo parte do universo empresarial da arguida, as seguintes entidades:
- A…, Sociedade Unipessoal, Lda.;
- M…Investimento, S.A.;
- I… Investimento Imobiliário, S.A.;
- B…International, S.A.;
- B... Investimento, S.A.;
- B… Risco, S.A.;
- S… Créditos, S.A.;
- C… Aluguer, Lda.;
- L… Viaturas, S.A.;
- B…Imobiliário, S.A.;
- B…, Lda.;
- B… Limited;
- B…(Portugal), S.A.;
- B… Moçambique, S.A.R.L.;
- B… Angola, S.A.;
- B… S.A.;
- M…, S.A.;
- M…, S.A.;
- M…, Sp.z.o.o.;
- M…, Sp.z.o.o.;
- B… BV;
- T….o.;
- B… (Suisse), S.A.;
- M… Bank;
- M…B… Societé Anonyme;
- M…, A… S…;
- M…, Vehicles, …, Societé Anonyme;
- B… Unipessoal, Lda.;
- B… Unip., Lda.;
- B…, B.V.;
- B…Invest. B.V.;
- B… Hold… (USA), Inc.;
- B… B… & T…Ltd.;
- B…C… Limited;
- B… Ltd.;
- B… Company, Ltd.;
- M… Serviços, S/C Ltda.;
- M… Comércio Electrónico, S.A.;
- C… Services, Limited;
- B… S.R.L.;
- P… Agrícola…, Lda.;
- M… A.C.E.;
- S…, S.A.;
- L… Seguros, S.A.;
- M… Company;
- M….o.;
- S…s & Pensões G…, S.A.;
- S… & Pensões …Limited;
- S… Moçambique, S.A.R.L.;
107. Do universo empresarial apresentado pela arguida, no referido ano de 2006, não constavam as off-shore G… F…, nem a CI;
108. Na Demonstração de Resultados Consolidada do ano de 2006 foram contabilizados juros, em proveitos, no montante de € 13.773.611;
109. Não estavam registados, quanto ao ano de 2006, os activos e os passivos da CI;
110. No Balanço Consolidado desse ano estava registado, na conta de clientes, o montante de € 68.249.334;
111. Na Demonstração de Resultados Consolidada deveriam ter sido reconhecidas perdas relativas ao ano de 2006 no valor de € 276.732;
112. Face às perdas registadas, o resultado líquido do exercício estava sobreavaliado em € 13.428.343;
113. No ano de 2006, o Fundo de Pensões detido pela arguida registou, nos seus documentos de prestação de contas, perdas no valor de € 113.000.000, referente ao papel comercial emitido pela CI, pelo que a arguida teve a sua quota-parte de perdas no valor de € 5.650.000;
114. No ano de 2006, a arguida constituiu provisões no valor de € 5.280.254;
115. No ano de 2006 não foram reflectidas, no Capital Próprio, em resultados transitados, perdas no valor de € 300.000.000;
116. Assim, a informação constante dos documentos de prestação de contas consolidadas, relativos ao ano de 2006, divulgados na SDI, continha as seguintes inexactidões:
- Os resultados encontravam-se sobreavaliados, por via dos juros cobrados;
- Não foram consideradas perdas que deveriam ter sido inscritas em resultados transitados;
- A situação líquida da arguida era inferior à divulgada em € 300.000.000;
- As off-shore G… F… e a CI não figuravam no elenco das entidades pertencentes ao seu universo empresarial, ao mesmo tempo que o relatório de gestão não reflectia a substância das operações realizadas por essas entidades;
*
117. No dia 06.11.2007, a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários informação referente à sua actividade, resultados e situação económica e financeira no terceiro trimestre de 2007;
118. Na informação divulgada relativa ao terceiro trimestre de 2007 (até 30.09.2007), não registava, reflectidos no Capital Próprio, em resultados transitados, cerca de € 300.000.000 resultantes do abate de suprimentos concedidos pela arguida à CI, inerente à sobrevalorização do projecto “B… de Luanda”;
119. Deste modo, a informação referente à actividade da arguida naquele período continha as seguintes inexactidões:
- Não reconhecia as perdas geradas por transacções em acções próprias, no valor de € 300.000.000, referente aos investimentos do projecto “B…de Luanda”;
- Não reconhecia nem justificava as perdas registadas na vertente imobiliária;
*
120. No dia 23.12.2007, a arguida, na sequência de notificação da CMVM no sentido de esclarecer o mercado sobre a realidade da informação financeira divulgada, nomeadamente, sobre as perdas registadas nas transacções supra descritas, divulgou ao mercado um comunicado no qual confirmava a veracidade de todas as informações por si até aí emitidas;
121. No entanto, tal comunicado continha informação inexacta, na medida em que negava que a informação financeira divulgada a 06.11.2007 fosse incorrecta;
*
122. Ao difundir as informações e comunicado supra descritos, nos seis momentos temporais referidos (31.03.2004, 11.04.2005, 20.04.2006, 28.06.2007, 06.11.2007 e 23.12.2007), sabia a arguida que apresentava ao mercado elementos incorrectos e que, por via deles, encobria a verdadeira expressão numérica dos proveitos obtidos e das perdas sofridas;
123. Sabia a arguida que faltava à verdade ao não mencionar, como constantes do seu universo empresarial, as entidades supra descritas;
124. Fê-lo com o propósito de dar ao mercado uma imagem do seu desempenho melhor do que, na realidade, se verificava;
125. Agiu sempre a arguida ciente de que o seu comportamento, traduzido na difusão, por seis vezes, de informação desconforme à verdade, era censurável;
126. Actuou sempre a arguida de forma consciente, voluntária e deliberada, conhecendo o conteúdo das informações que prestava e da sua desconformidade à realidade;
127. Conhecia a ilicitude e punibilidade das suas condutas;
*
128. No dia 24.04.2008, a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários os documentos de prestação de contas consolidadas relativos ao ano de 2007 e, no dia 20.05.2008, um aditamento aos mesmos;
129. Nesses documentos, a arguida corrigiu, por via de um ajustamento, o valor de € 300.000.000 como constituindo perdas por registar de anos anteriores, reconhecendo este montante em resultados transitados;
130. No ano de 2008, o universo empresarial da arguida teve proveitos de € 2.591.350.000 e um lucro de € 258.011.000;
131. No primeiro trimestre de 2009, o universo empresarial da arguida teve proveitos de € 706.652.000 e um lucro de € 113.005.000;
132. Na área dos mercados dos valores mobiliários, a arguida apresenta cinco condenações anteriores, definitivas, pela prática de contra-ordenações, tendo, em três delas, sido proferida simples admoestação; em duas das referidas condenações, foi condenada nas coimas de € 37.500 e € 75.000.
*
“FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultou apurado, com relevância para a decisão, que:
- Os três beneficiários económicos designados pela arguida, quanto às off-shore Cayman, bem como os dois beneficiários económicos que figuravam quanto às off-shore G… F… actuassem por sua conta e risco, assumindo o activo e o passivo das operações financeiras realizadas por tais sociedades;
- Não fosse a arguida a única titular das decisões de investimento e da gestão do risco respeitante a tais sociedades.
*
O demais vertido, e não elencado supra, quer na decisão recorrida, quer no requerimento de impugnação judicial, não permite que o Tribunal o declare provado ou não provado, na medida em que respeita a matéria conclusiva, de direito, ou irrelevante para a decisão a proferir”.
*
“MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO (fundamentação do Tribunal “a quo”)
- O Tribunal fundou a sua convicção, no que tange à matéria de facto provada e não provada, com base na conjugação dos meios de prova produzidos nos autos (art. 416º, nº 4, do CVM), depois de sujeitos à respectiva análise crítica, e segundo os critérios da razoabilidade e prudente adequação social.
Teve-se em conta a globalidade dos elementos documentais constantes dos autos, analisados criticamente e sob as regras da experiência e livre convicção do Tribunal (art. 127º do CPP).
Concretamente, a convicção atingida pelo Tribunal teve por base os seguintes meios de prova documental:
- Análise crítica do teor de fls. 6086-6088, 11789-11790 (boletins de cotações de mercados de bolsa), para a prova dos factos supra elencados sob os pontos 1. e 3.;
- Análise crítica do teor de fls. 9290-9328 (registo de variações das cotações das acções da arguida), para a prova dos factos supra elencados sob o ponto 2.;
- Análise crítica do teor de fls. 565, 608, 706, 913, 1016, 1112, 1236, 1293, 1400, 1489, 1590, 1696, 1787, 1894, 1993,2087, 2186, 13686-13688, para a prova dos factos supra elencados sob o ponto 4.;
- Análise crítica do teor de fls. 576-578, 624, 628, 719-721, 923-926, 1025-1027, 1500-1502, 1600-1602, 1707-1708, 1126-1127, 1240-1242, 1299, 1300-1309, 1410-1413, 1904-1906, 1799, 1800-1802, 2002-2003, 2004-2005, 2094-2097, 2197 e 2199, para a prova dos factos supra elencados sob o ponto 5;
- Análise crítica do teor de fls. 606, 649-705, 743-911, 951-1015, 1048, 1151, 1251, 1335, 1435, 1523, 1624, 1727, 1821, 1927, 2039, 2117, 2223, 2247, 2272, 2294, 2319, 2236, 2352, 2412, 2452, 2499, 2536, 2602, 2631, 2698, 2718, 2719, 2724, 3380, 5315, 5381, 5456, 5539, 5795, 5859, 5869, 5892, 5949, 5958, 5859, 5869, 5892, 5958, 8959, 8949, 11769, 13686, para a prova dos factos supra elencados sob os pontos 6. e 7.;
- Análise crítica do teor de fls. 567, 609, 707, 914, 1017, 1113, 1237, 1294, 1401, 1490, 1591, 1698, 1788, 1898, 1994, 2088, 2188, para a prova dos factos supra elencados sob os pontos 8. a 11.;
- Análise crítica do teor de fls. 570, 576-578, 584-585, 621, 712, 921, 2416, 1021, 2199, 2450, 2351, 9743, 9744, 2384, 9743, 9744, 2497, 2327, 2328, 2326, 2498, 2451, 2411, 5315, 5275, 5280, 5869, 11384-11516, 13686-13688, 2499-2510, 11769, 6108-6146, 6419-6452, 5276, 5958, 5869, 1909, 1800, 2197, 12443, 11384, para a prova dos factos supra elencados sob os pontos 12 a 14, 17, 18, 23, 24, 27, 28 a 31;
- Determinou, ainda, a formação da convicção do Tribunal, para a prova dos mencionados factos elencados sob os pontos 27 a 30, 42, 44, 45, 48, 49, o teor, analisado criticamente e à luz das regras da experiência, dos documentos de fls. 11205-11366 (que traduzem declarações prestadas pelas pessoas aí devidamente identificadas, designadamente, G… F… e M… R…), de fls. 12409-12422, 11396-11397, 11430-11434, 11520-11534, 11515-11516;
- Análise crítica do teor de fls. 2452-2453, 900, 1582, 699, 1866, 979, 2536, 2412, 1205, 2073, 2414, 2353, 1394, 2175, 1281, 2336, 1677, 5950, 1102, 1481, 5850, 1781, 1981, 2351-v, 2338, para a prova dos factos supra elencados sob os pontos 15, 16, 19, 20, 21, 22, 25 e 26;
- Análise crítica do teor de fls. 551, 557, 606, 649-705, 743-911, 951-1015, 1048-1111, 1151-1220, 1251-1292, 5958-5972, 5456-5538, 5973-5979, 6111, 6112, 6116, 11769-v, 3300, 3301, 8788, 5892-5957, 2915-2933, 3297, 4034-4065, 2117-2185, 2718-2721, 8453, 2223, para a prova dos factos supra elencados sob os pontos 32 a 41;
- Análise crítica do teor de fls. 14, 15 a 19, 20, 33, 41-47, 41-45, 69, 70, 72-76, 82-100, 102-113, 114, 141-148, 160-173, 179-239, 258-262, 280-282, 293-297, 310-380, 435, 454, 474, 475-553, 564, 2576, 5532-5537, 6350, 8386, e declarações de G… F… constantes dos documentos de fls. 11396, 11397, 11430-34, 11520-34, para a prova dos factos supra elencados sob os pontos 42 a 50;
- Análise crítica do teor de fls. 2739, 2758-2760, 2994, 8183, 10574-10577, 11769, 5973-5979, 11093, 10090, 10098, 11834, 11552, 12124, 12125, 12128, 12129, 12149-12150, 12230, 12231-12239, 12243-12246, 12282, 12465-6, 12484-12488, para a prova dos factos supra elencados sob os pontos 51 a 63;
- Análise crítica do teor de fls. 2331-2334, 2527-8, 2688, 2746, 5975-6, 5978, 9616-9628-9, 9632-3, 9924-5, 12403-5, 12428, 11963-4, 12375-12382, 9608-9615, 12375-12382, para a prova dos factos supra elencados sob os pontos 64 a 68;
- Para a prova dos factos supra elencados sob os pontos 69 a 119, teve o Tribunal em conta, depois de os analisar crítica e cuidadosamente, as expressões numéricas dos cálculos contabilísticos aí efectuados, com reporte aos lucros ocorridos e divulgados, às perdas denunciadas e às efectivamente ocorridas, constantes dos documentos, divulgações e informações, concretamente de fls.: 7228, 7325-7460 (contas apresentadas/divulgadas pela arguida quanto ao ano de 2003); 7461-7610 (contas apresentadas/divulgadas pela arguida quanto ao ano de 2004); 7611-7832 (contas apresentadas/divulgadas pela arguida quanto ao ano de 2005); 7833-8056 (contas apresentadas/divulgadas pela arguida quanto ao ano de 2006); 9083-9094 (contas apresentadas/ divulgadas pela arguida quanto ao 3º trimestre de 2007); 12540-12547 (teor da notificação da CMVM, à arguida, no sentido de esclarecer o mercado sobre as informações anteriormente divulgadas, face aos rumores entretanto suscitados); 9095-9098 (teor do comunicado divulgado pela arguida a 23.12.2007, prestando as informações e esclarecimentos aí descritos);
- Serviu ainda para formar e fazer consolidar a convicção do Tribunal, para a prova dos mencionados factos elencados sob os pontos 69 a 119, a análise do teor do relatório de supervisão efectuado à arguida, constante de fls. 12553 a 12595, que exprime, quer em termos factuais, quer contabilísticos e de análise financeira, de modo adequado e correcto, a tradução de todas as operações financeiras e a informação das mesmas divulgadas pela arguida, no que concerne à essencialidade e valor dos “números” alcançados;
- A prova dos factos supra elencados sob os pontos 128 e 129 resultou da análise crítica dos documentos de fls. 7228 e 8057-8279;
- No que tange à prova da intenção e vontade com que a arguida actuou, e ao conhecimento do carácter ilícito e punível de tais actuações, o Tribunal fundou a sua convicção com base nas normais regras de experiência, segundo as quais, de modo indiscutível e que não oferece quaisquer dúvidas, dizendo os factos supra mencionados directamente respeito à sua própria estrutura interna, actividade, património, operações financeiras e relações com o mercado, jamais poderia desconhecer que prestava informações incorrectas; por outro lado, ainda, é suficiente tal consideração prévia para que não se suscitassem quaisquer dúvidas quanto ao carácter intencional, voluntário e deliberado das actuações em causa. Como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.02.93, in BMJ nº 324, pág. 620, “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência”.
- Quanto à prova da situação económica da arguida, reportada ao ano de 2008 e ao primeiro trimestre de 2009, foi determinante o teor dos documentos de fls. 13875 e 15663-15683;
- Para a prova dos antecedentes contra-ordenacionais em matéria de mercado de valores mobiliários, a convicção do Tribunal estribou-se no teor dos documentos de fls. 14127 a 14191;
*
Os factos dados como não provados tiveram por base quer a contradição que se verifica entre os considerados provados, nos termos da fundamentação que antecede, quer, por outro lado, a circunstância de nenhuma prova ter sido produzida que, de modo firme e inequívoco, permitisse a sua sustentação, ou possibilitasse duvidar da veracidade dos que foram dados por provados.
*

DO DIREITO
Como acima fizemos referência, sendo o recurso delimitado pelas conclusões extraídas da motivação do recorrente, no caso concreto, feitas as ressalvas já atrás mencionadas, de limitação do recurso ao conhecimento de questões que visem apenas matéria de direito, as questões a apreciar por este Tribunal são as seguintes:
- Recurso interlocutório do despacho que não admitiu um requerimento probatório;
*
Quanto à sentença recorrida:
1. Nulidade da sentença por falta de exame crítico da prova, (violação do disposto nos artº 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2, ambos do cód. procº penal);
2. Insuficiência para a sentença da matéria de facto provada, quanto à imputação subjectiva, (violação do artº 410º nº 2 al. a) do cód. procº penal);
3. Nulidade da sentença (por violação do disposto no artº 379º nº 1 al. c) do cód. procº penal);
4. Da “errada” aplicação do direito.
5. Inconstitucionalidade da actual versão do artº 389º nº 1 e 2, do CdVM.
6. Interpretação e relação entre os artº 7º e 389º do CdVM.
7. Concurso aparente de contra-ordenações - o comunicado de 23/12/2007
8. Do direito ao silêncio e à não auto-incriminação - Princípio “nemo tenetur se ipsum accusare”
9. Da alegada omissão da fase de investigação e da “falta de inquérito
10. Da valoração dos meios de prova
11. Da medida da coima
*
Recurso interlocutório do despacho que não admitiu um requerimento probatório.
Notificado o B…, S.A./recorrente em 16.03.2010 (cfr. fls. 16.061) nos termos do artº 416º nº 3 do CdVM, para se pronunciar quanto à forma de decisão da impugnação judicial, o mesmo opôs-se por requerimento de fls. 16.069 a que tal decisão fosse proferida por “despacho”, requerendo a realização de “audiência de julgamento” em 07.04.2010.
Por despacho de 29.04.2010 foi então designada data para a audiência respectiva a ter lugar em 30.06.2010. Nenhuma prova foi tempestivamente requerida pelo B…, S.A..
Apenas no dia 28.06.2010, (a dois dias da audiência de julgamento), o arguido apresentou um auto-denominado “requerimento probatório” de fls. 16.111 a 16.122, em que basicamente requeria a apresentação de elementos e informações, (num total de oito) relacionadas com outro processo (42/2008) de contra-ordenação instaurado contra os Administradores e Directores do B…, S.A.. Após parecer negativo do Ministério Público e da CMVM, foi tal requerimento indeferido por despacho da Srª Juíza do Tribunal de Pequena Instância Criminal na audiência de Julgamento de 30/06/2010 (cfr. acta de fls. 16.129 a 16.134).
O recorrente, arguiu ainda nessa audiência a “nulidade de tal despacho por omissão de diligências” (artº 120º nº 2 al. d) do cód. procº penal) ou “caso assim não se entendesse uma irregularidade” nos termos do artº 123º do mesmo código.
Sobre tal requerimento recaiu despacho que reconheceu a inexistência de qualquer nulidade ou irregularidade.
Invocando apenas os preceitos do cód. procº penal (399º, 400 nº 1, a contrario, 406º nº 1, 407º nº 1 e 2, a contrario e 408º nº 1 e 2), a contrario, interpôs o B…, S.A., , recurso da decisão de indeferimento da arguição da sua nulidade ou irregularidade, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que foi admitido, a subir a final.
Com efeito, este Tribunal não está vinculado à decisão de admissibilidade dos recursos em 1ª instância, sendo livre de os rejeitar em caso de inadmissibilidade, ainda que admitidos pelo Tribunal “a quo” (cfr. artº 420º nº 1 al. b) do cód. procº penal).
Estamos perante um processo de contra-ordenação regulado em legislação específica, prevista no D. L. 433/82 de 27/10 e ao qual só subsidiariamente se aplicam as normas reguladoras do processo criminal, (cfr. artº 41º do RGCOC - Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas. ). Em matéria de recursos, o legislador consagrou no artigo 73° do RGCOC o respectivo regime e dele decorre aquilo que podermos denominar de princípio de tipicidade das decisões judiciais que admitem recurso, ao dispor que:
“1. Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64º quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a € 249,40;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a € 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
2. Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a Relação, a requerimento do Ministério Público aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3. Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso subirá com esses limites”.
Em primeiro lugar, parece-nos inquestionável que apenas da sentença final é admissível recurso; em segundo, mesmo da sentença, o legislador tipificou as situações em que o mesmo é admissível, sendo aliás reconhecido pela jurisprudência (incluindo deste Tribunal da Relação de Lisboa) o princípio da irrecorribilidade das decisões ou despachos interlocutórios - Cfr. Neste sentido, Oliveira Mendes e Santos Cabral inNotas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, Almedina, 2004, pág. 192.; Ac. Rel. Lisboa de 02.03.2004; Ac. Rel. Porto de 30.09.98; Ac. Rel. Porto de 06.06.2007, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Princípio que se compreende e inteiramente se justifica atenta a natureza simplificada do processo de contra-ordenação, a importância dos interesses juridicamente protegidos e as sanções que lhe correspondem, que têm em regra natureza económica – no caso, foram coimas. Enquanto no direito criminal a regra é a da recorribilidade dos despachos e decisões, nas contra-ordenações a regra é a da irrecorribilidade, exceptuados os casos previstos no artº 73º do RGCOC.
“A admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relação de decisões interlocutórias no processo contra-ordenacional, não sendo imposta constitucional-mente, estaria mesmo em oposição com a natureza daquele tipo de processo onde impera a celeridade e menor formalismo” - Cfr. Ac. Rel. Porto de 06.06.2007, disponível in www.dgsi.pt; No mesmo sentido Ac. Rel. Évora de 29.03.2005, idem..
Mesmo no direito criminal, os bens jurídicos tutelados e de menor relevância conduziram a uma opção legislativa semelhante, que foi consagrada no âmbito do processo sumário. Nos termos do artº 391º do cód. procº penal se prevê que “só é admissível recurso da sentença ou do despacho que puser termo ao processo”.
A este propósito, escreveu Frederico Costa Pinto:
- «Uma opção legislativa desta natureza é exactamente o oposto de uma lacuna, já que não se trata de uma incompletude contrária ao plano legislativo (…)» (cfr. ob. “A figura do assistente e o processo de contra-ordenação” in RPCC ano XII nº 1 pág. 115).
Não obstante a previsão do artº 41º do RGCOC, a aplicação subsidiária do regime de recursos previsto no artº 399º e seguintes do cód. procº penal, não tem aqui lugar uma vez que não estamos perante qualquer lacuna, bem pelo contrário, existem normas em matéria de recursos de contra-ordenações que especificam os casos em que o mesmo é admissível.
No sentido deste entendimento, se pronunciou com clareza o Tribunal da Relação do Porto:
- «Da disciplina dos recursos estabelecida no RGCO, mormente dos arts. 73º, nºs 1 e 2 e 63º, nº 2, decorre que, em matéria contra-ordenacional, a regra é a da irrecorribilidade das decisões judiciais. Apenas é admissível recurso das decisões finais, restrito a matéria de direito. (art. 75º, n.º 1). A única excepção a esta regra encontra-se no n.º 2 do art. 63º do RGCO». (cfr. Ac. Rel. Porto de 06.05.2009, disponível in www.dgsi.pt).
Como defendem os autores, Lopes da Rocha, Gomes Dias e Ataíde F... in “Contra-ordenações, Notas e Comentários ao D.L. 433/82 de 27/10”, a aplicação subsidiária do cód. procº penal, nos termos do artigo 41º nº 1 do RGCOC, impõe ao intérprete uma dupla tarefa:
- por um lado, a de verificação da inexistência de regras expressas no RGCOC sobre a matéria;
- por outro, a de que a aplicação da norma do cód. procº penal não seja contrária à essência axiológica e estrutural do Direito de Mera Ordenação Social.
O recurso interlocutório a que aludimos não está seguramente previsto na lei vigente aplicável e deveria ter sido rejeitado logo em 1ª instância, atento o disposto nos artº 64º e 73º do D. L. 433/82 de 27/10.

Ainda assim, sem apreciar a questão de fundo, que está prejudicada perante o que se expôs, não podemos deixar de referir, sumariamente, que em face do conteúdo do requerimento apresentado, a pretensão do recorrente na junção de documentos e informações extraídas de outro processo intentado pela CMVM contra Administradores e Directores do B…, S.A. à data dos factos, era de todo, desprovida de fundamento e inócua, tendo em conta os abundantes elementos documentais probatórios que constam destes autos, a natureza das contra-ordenações e a essencialidade da matéria factual que lhe subjaz que visa no caso concreto as decisões pessoa colectiva – B…, S.A..
Bem andou o Tribunal “a quo” em indeferir tal pretensão, sem que nenhuma irregularidade e muito menos nulidade, tivesse cometido. O momento em que o recorrente deduziu tal pretensão, (a 2 dias do julgamento) permite, sem censura, a interpretação feita pela Juiz “a quo”, de que o mesmo foi claramente indiciador de um expediente dilatório, tendo em conta que o podia ter feito muito antes e que, a ser deferido naquela data, acarretaria consequentemente o adiamento da audiência, que o próprio requerera.
Nestes termos, conclui-se pela rejeição do recurso interposto pelo B…, S.A., a fls. 16.142 e seguintes, por inadmissibilidade legal, ficando prejudicado o seu conhecimento.
*
Rejeitado o recurso interlocutório, encontrando-se fixada a matéria de facto e sendo incontroverso que este Tribunal, em matéria de contra-ordenações apenas pode, em regra, conhecer de direito, (artº 75º do RGCOC), apreciaremos de seguida as questões suscitadas pelo recorrente que versem sobre questões jurídicas.
Todavia, não obstante o disposto no artigo 75º nº 1, como ao processo de contra-ordenação é subsidiariamente aplicável o processo criminal, nada impede que o Tribunal “ad quem” tome conhecimento dos vícios indicados no nº 2 do artigo 410º do cód. procº penal e que conheça da eventual inobservância de qualquer requisito cominado com nulidade, que não deva considerar-se sanada, conforme expressamente se consagra no nº 3 dessa norma.
*
DOS VÍCIOS APONTADOS À SENTENÇA RECORRIDA
1. Nulidade da sentença por falta de exame crítico da prova, (violação do disposto nos artº 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2, ambos do cód. procº penal)
Invocou o recorrente que o Tribunal a quo “não cumpriu o dever de fundamentação previsto no artigo 374º, nº 2, do cód. procº penal, por não ter procedido a um verdadeiro e próprio «exame crítico das provas», tendo-se limitando a enunciar, de forma meramente descritiva, as provas em que se baseou”, facto gerador de nulidade.
Antes de mais importa ter em conta, que prova de um facto em tribunal, resulta da análise crítica de todos os elementos trazidos aos autos e não de um simples depoimento ou meio de prova isolado, sendo insuficiente o mero detalhe para por em causa um facto, quando outros de valor probatório maior se lhe sobrepõem.
A argumentação do recorrente é neste ponto manifestamente inconsistente, não se vislumbrando a existência vício de fundamentação nem de análise crítica da prova. É certo que a “fundamentação” se mostra algo sucinta na parte em que remete para documentos, mas entende-se que assim seja e outra coisa não seria de exigir, tendo em conta os muitos milhares juntos aos autos; ainda assim, a remissão para tais documentos é feita com indicação objectiva do seu valor probatório. Seria impraticável pretender uma descrição exaustiva e crítica de cada um deles, quando o essencial do que abordam está referido e esquematizado. Os factos provados remetem objectivamente para os respectivos documentos, que nem sequer foram impugnados pelo recorrente ou arguidos de falsidade. A prova destes autos é essencialmente documental e ao recorrente, com a ressalva do que acima referimos, está vedado o recurso sobre a matéria de facto.
Sob o ponto de vista formal, o acórdão mostra-se no essencial conforme às exigências legais, dos artº 379º e 374º ambos do cód. procº penal, pois a sua fundamentação contém o indispensável e a indicação cabal da prova em que se baseou, para considerar o recorrente, autor dos ilícitos contra-ordenacionais pelos quais foi condenado.
Aliás, tem sido entendimento corrente da jurisprudência que no processo contra-ordenacional a fundamentação da decisão administrativa pode ser feita por remissão para os meios de prova constantes do auto de notícia, importando é que tal remissão permita que o destinatário fique ciente de quais são esses meios de prova que suportam os factos - Cfr. neste sentido Ac. Rel. Coimbra de 27.10.2010, disponível in www.dgsi.pt. . “Aquela fundamentação, tal como é estabelecida no artº 58º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, será suficiente desde que se justifiquem as razões pelas quais é aplicada esta ou aquela sanção ao arguido, de modo que este, lendo a decisão, se possa aperceber, de acordo com os critérios de normalidade de entendimento, das razões pelas quais é condenado e, consequentemente, possa impugnar tais fundamentos - Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 02.03.2011 disponível in www.dgsi.pt..
É certo que na sequência de impugnação da decisão administrativa, a respectiva sentença judicial tem de obedecer a uma maior exigência e rigor de fundamentação, isso é inegável; todavia, no caso em apreço, como se alcança da mesma, nenhum reparo susceptível de nulidade há a fazer. Tanto mais que, no caso concreto, os factos fundamentais que conduziram à instauração do procedimento contra-ordenacional, contra o B…, S.A. e consequente condenação, consistiram na omissão/e ou falta de informação completa, verdadeira e objectiva à CMVM, (violação do disposto no artº 389º nº 1 al. a) do CdVM) cuja comprovação resulta inequívoca dos documentos juntos, pelo que, a remissão para os mesmos e a comprovação dos factos neles plasmados, se afigura suficiente, dispensando-se qualquer outra análise crítica mais minuciosa, tendo em conta a simplicidade - Simplicidade dos factos provados, não significa que sejam simples as operações que lhe subjazem e que originaram o ilícito contra-ordenacional. e objectividade dos factos em si mesmo considerados. Além da indicação específica dos documentos, explicou o seu raciocínio lógico e a forma como estruturou a sua convicção, pelo que, nada mais será de exigir.
Improcede assim o alegado vício da falta de exame crítico da prova, apontado pelo recorrente.
*
2. Insuficiência para a sentença da matéria de facto provada, quanto à imputação subjectiva, (violação do artº 410º nº 2 al. a) do cód. procº penal)
Abordando a questão - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada em relação ao elemento subjectivo – impõe-se saber, se os elementos probatórios de que se socorreu o Tribunal “a quo” seriam suficientes para a imputação do elemento subjectivo à pessoa colectiva, recorrente. No fundo importa saber, se para fundamentar a matéria de facto, existirá erro de valoração relativamente à imputação subjectiva do recorrente enquanto pessoa colectiva, desligada da imputação feita às pessoas singulares actuantes. Socorre-se da interpretação literal do artº 11º do cód. penal para concluir, que em seu entender, a imputação da responsabilidade sancionatória das pessoas colectivas é um modelo de imputação reflexa ou indirecta. Toda a tese vertida pelo recorrente, parece conduzir-nos ao princípio de que no domínio das contra-ordenações a “societas delinquere non potest”
Todavia, não podemos esquecer o que a este propósito prevê o RGCOC no seu artº 7º:
- «1. As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares, como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica.
- 2. As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções».
A pessoa colectiva, sendo um ente jurídico, é dotada de vontade própria que nasce e vive do encontro de vontades individuais dos seus membros, que não pode confundir-se com a vontade singular de cada um deles em particular - Cfr. neste sentido, Vitu e Merle citados em “Contra-ordenações, Anotações ao regime Geral” - de Simas Santos e Lopes de Sousa, ed. Vislis – fls. 134. . É uma nova realidade.
“A vontade colectiva que a anima não é um mito, concretiza-se em cada etapa importante da sua vida pela reunião, a deliberação e o voto da assembleia-geral, (…) é capaz de cometer crimes tanto como a vontade individual, (…) é há muito reconhecida no direito civil” - Idem.
Tanto assim é, que no caso concreto, a responsabilidade da entidade bancária B…, S.A. perante a CMVM em termos de informação que está obrigada a fornecer, não pode confundir-se com a de um Administrador ou Director, nem ser meramente considerada uma imputação subjectiva, reflexa ou indirecta da vontade individual daqueles. É a entidade colectiva B…, S.A. que responde e é essa vontade colectiva que está aqui em causa, vista como um todo. Se atendermos à complexidade de centros decisórios que compõem uma moderna sociedade anónima da dimensão do recorrente, facilmente se chegaríamos à conclusão que a tese ensaiada em sede de recurso - Tese que em grande parte emerge de teorias vertidas por Jorge dos Reis Bravo inDireito Penal de Entes Colectivos”. , nos conduziria a um vazio e impunidade da pessoa colectiva, por ser difícil descortinar de onde emergiu a vontade individual originária. Por outras palavras, a acolher a tese do recorrente, o elemento subjectivo do ilícito contra-ordenacional, quando está em causa uma pessoa colectiva seria de difícil imputabilidade, senão mesmo impossível.
Se analisarmos toda a documentação que originou os autos em apreço e que comprova a prática das contra-ordenações imputadas ao recorrente B…, S.A., conclui-se que foi a vontade da pessoa colectiva que actuou, contratou, informou e interagiu sempre, com as demais entidades envolvidas e não a vontade individual dos seus administradores e directores individualmente considerados. Não significa isto, que a eventual responsabilidade individual destes se esbata ou dissipe; simplesmente deverá ser apurada noutra sede e a outro nível, como na realidade parece ter acontecido, na medida em que foram alvo de outros processos.
A título de exemplo, a tese do recorrente, numa interpretação estritamente literal, conduzir-nos-ia a que, alguém que celebrasse um contrato de mútuo ou de depósito com o B…, S.A., do qual resultasse um incumprimento por parte deste, para que se apurasse a responsabilidade da imputação subjectiva da pessoa colectiva, haveria primeiro, que apurar a das pessoas individualmente consideradas que actuaram e só reflexamente, de forma indirecta, a daquela. Tal entendimento, aplicável ao contexto das contra-ordenações que estão em causa nestes autos, é de todo inaceitável.
O que se aprecia neste processo, é a responsabilidade da pessoa colectiva B…, S.A., e não a dos seus administradores ou legais representantes.
E convém aqui não ignorar o que dispõe o artº 401ºnº 1 do CdVM:
1. “Pela prática das contra-ordenações previstas neste Código podem ser responsabilizadas pessoas singulares, pessoas colectivas, independentemente da regularidade da sua constituição, sociedades e associações sem personalidade jurídica”.
2. “As pessoas colectivas e as entidades que lhes são equiparadas no número anterior são responsáveis pelas contra-ordenações previstas neste Código quando os factos tiverem sido praticados, no exercício das respectivas funções ou em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, mandatários, representantes ou trabalhadores”.
Como se sabe, o Tribunal da Relação ao reapreciar a questão suscitada, não pode fazer um segundo julgamento de facto, mas tão só o reexame dos alegados “erros de procedimento” ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso. A factualidade assente e a lei aplicável não permitem minimamente vislumbrar a alegada “insuficiência para a sentença da matéria de facto provada, quanto à imputação subjectiva”, geradora de vício tal como invoca o recorrente.
Sobre esta temática se pronunciou doutamente o acórdão do S.T.J. de 05.12.2007, no qual revemos a nossa posição, proferido no processo 07P3406, disponível em www.dgsi.pt:
- “Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando esta se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição”.
Os factos vertidos sob os nº 122 a 127 da factualidade provada e a fundamentação que deles se fez na sentença recorrida, não deixam margem para dúvidas quanto à imputação subjectiva dos ilícitos à pessoa colectiva recorrente – B…, S.A., inexistindo qualquer vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão ao nível apontado.
Improcede pois, nesta parte, o recurso interposto.
*
3. Nulidade da sentença (por violação do disposto no artº 379º nº 1 al. c) do cód. procº penal).
Sobre este alegado vício diz o recorrente que, “(…) a sentença recorrida não se pronunciou relativamente ao vício atempadamente arguido pelo Recorrente acerca do não aproveitamento, pela CMVM, da prova produzida em processo paralelo, questão relevante nos presentes autos. Pelo que é nula, nos termos do artº 379°, n° 1, alínea c) do cód. procº penal”.
Esta questão está relacionada com a pretensão do recorrente juntar aos autos elementos constantes do processo nº 42/08, que corre contra administradores do B…, S.A., a qual foi atempadamente indeferida e sendo objecto de recurso, foi o mesmo rejeitado por inadmissibilidade legal, conforme atrás nos pronunciámos.
Mas terá havido realmente “omissão de pronúncia” pelo Tribunal “a quo”, no tocante à questão suscitada?
É ponto assente e incontroverso a necessidade de fundamentação. Tal imposição vem consagrada no artigo 205°, n° 1 da CRP e concretizada também no artigo 97°, n° 4, do cód. procº penal, cumpre duas funções:
“a) Uma de ordem endo-processual — que visa impor ao juiz um momento de verificação e controle crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente;
b) Outra, de ordem extraprocessual — que procura, acima de tudo, tornar possível um controle externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão”, sendo que “relativamente àquela, uma vez que se liga directamente com o princípio consagrado no art° 32°, n° 1, da Constituição, a fundamentação das decisões judiciais justifica-se, desde logo, na medida em que funciona como garantia de racionalidade, imparcialidade e ponderação da própria decisão judicial. A motivação da decisão judicial funciona aqui como elemento de controle interno necessário do princípio da livre convicção do juiz em matéria probatória - Cfr. Tolda Pinto, in “A Tramitação Processual Penal”, 2ª Edição, págs 206 e sgs, citado na resposta ao recurso.”.
Sobre o fundo da questão, conforme sumariamente já aludimos, a decisão da 1ª instância em rejeitar a junção de elementos do processo referido, afigura-se-nos ter sido correctamente decidida, em parte pelas razões expostas na abordagem da questão anterior, em que analisámos a responsabilidade e imputação subjectiva do B…, S.A., pessoa colectiva, concluindo nós que a mesma não pode ser confundida, com a eventual responsabilidade e imputação subjectiva das pessoas singulares, sendo de todo impertinente e inócua para defesa, a junção dos elementos pretendidos. Essa foi a conclusão do tribunal “a quo”, que nos merece acolhimento, tendo em conta a natureza das contra-ordenações em causa, os abundantes elementos documentais disponíveis e valorados e que o recorrente nem sequer pôs objectivamente em causa, apenas questionou a interpretação que dos mesmos foi feita pela CMVM e Tribunal “a quo”.
Alegar o vício de “omissão de pronúncia” não faz qualquer sentido, já que o Tribunal se pronunciou sobre a questão suscitada, simplesmente não o fez no sentido desejado pelo recorrente, indeferindo o requerimento em causa.
A omissão de pronúncia consiste, essencialmente, na ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição, condicionadas a um requisito fundamental ignorado pelo recorrente:
- (…) que tais diligências se possam reputar de essenciais para a descoberta da verdade”, (cfr. artº 120º nº 2 al. d) in fine do cód. procº penal); devendo ainda salientar-se que as questões que o juiz deve apreciar, são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660º, n.º 2 do cód. procº civil) e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação. No caso concreto, não se verificou essa omissão, apenas o indeferimento de uma pretensão, por não se reputar como essencial para a descoberta da verdade material, o que constitui um facto bem diferente.
Subordinado à epígrafe, “princípios gerais de prova” consagrou o legislador idêntico entendimento no artº 340º nº 4 do cód. procº penal:
- «Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
(…)
Acresce ainda, um outro argumento jurídico de natureza interpretativa, que o recorrente parece ter ignorado ao longo de todo o seu recurso, não só em relação a esta alegada “nulidade”, que reconduziu à previsão do artº 120º nº 2 al. d) do cód. procº penal, mas também relativamente a outras nulidades previstas na mesma norma do cód. procº penal, ao omitir o disposto no artº 118º do mesmo diploma que preceitua que “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”.
O processo de contra-ordenação na fase administrativa não é sequer dirigido pelo Ministério Público, mas pela entidade administrativa, tendo apenas duas fases obrigatórias, a “Administrativa” e a “Judicial”, esta em caso de impugnação da decisão daquela entidade.
Por outro lado, não podemos esquecer o princípio da legalidade consagrado no artº 43º do RGCOC, o qual, conjugado com os princípios da legalidade das nulidades (cfr. artº 118º a 120 do cód. procº penal) e os limites legais da aplicabilidade do direito subsidiário (artigo 41° do RGCOC), obstam à aplicação do artigo 120º do cód. procº penal, várias vezes invocado pelo recorrente.
Pelo exposto, concluímos pela improcedência da questão suscitada quanto à omissão de pronúncia.
*
4. Da “errada” aplicação do direito
“matérias essenciais em que a própria prova constante
dos autos impunha juridicamente resposta diversa” - Subtítulo da autoria do próprio recorrente.
Conclui o recorrente a dado passo que “(…) o Tribunal ‘a quo’ dá como não provados factos que não são mais do que meras conclusões jurídicas relativamente aos factos constantes dos autos, não estando por isso subtraída a apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa relativamente a essa matéria – porque se trata de matéria de direito, e não de facto -, nos termos do disposto no artigo 75° do RGCOC”.
Subjacente a esta arguição, ao invés do que conclui, está em grande parte uma pretensa discussão sobre matéria de facto assente, que por óbvias limitações legais este Tribunal não pode conhecer, pelo menos nos termos pretendidos pelo recorrente, por força do disposto no artº 75º do RGCOC.
Abordaremos no entanto o enquadramento jurídico dos factos provados, tendo em conta a matéria de direito controvertida, sem por em causa a factualidade provada, que se mostra devidamente fundamentada na sentença recorrida e suportada por abundante prova documental, como já atrás fizemos referência.
Antes de mais, importa realçar os factos relevantes para a imputação objectiva dos ilícitos contra-ordenacionais ao recorrente, de que se socorreu a Srª Juiz “a quo” e que foram os seguintes:
“Ficou provado que nos dias 31.03.2004, 11.04.2005, 20.04.2006 e 28.06.2007 a arguida divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários os seus documentos de prestação de contas consolidadas relativos aos anos respectiva e imediatamente anteriores.
Ficou ainda provado que a 06.11.2007 divulgou no Sistema de Difusão de Informação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários informação referente à sua actividade, resultados e situação económica e financeira no terceiro trimestre de 2007.
Mais se demonstrou que a 23.12.2007 divulgou ao mercado um comunicado no qual confirmava a veracidade de todas as informações por si até aí emitidas.
(…)
a). Na divulgação efectuada, relativa ao ano de 2003, verifica-se, designadamente, que a arguida:
a.1) - Omitiu, como fazendo parte do seu universo empresarial, as off-shore Cayman e as off-shore G… F…, quando o deveria ter feito, na medida em que J… B… G…, F… M… R…, I… M…, G… F… e B… M…, não obstante assumirem a qualidade formal de beneficiários económicos das sociedades respectivas (elencadas supra), não respondiam pelas dívidas destas e tinham a faculdade de dar em pagamento as acções da arguida, que detinham, para as satisfazer integralmente. Ora, correndo o risco dessas operações de crédito, exclusivamente, pela arguida (dada a flutuação das cotações das suas próprias acções), os indicados beneficiários económicos detinham as sociedades em causa por conta da arguida, nos termos definidos nos artigos 2º, nº 2, alínea a), e 2º, nº 4, alínea a), do Decreto-Lei nº 36/92, de 28 de Março.
a.2) - Contabilizou juros, em proveitos, que não cobrou às off-shore Cayman e G… F…, sendo certo que, nos termos do ponto 4, alínea ii), do Capítulo VII da Instrução do Banco de Portugal nº 4/96, não podia efectuar tais registos.
a.3) - Não consolidou, nas suas demonstrações financeiras, as referidas sociedades off-shore, conforme deveria ter feito, nos termos impostos pelos artigos 2º, nº 2, alínea a), e 2º, nº 4, alínea a), do Decreto-Lei nº 36/92, de 28 de Março, e, consequentemente, não reflectiu a realidade da sua situação líquida e do seu resultado líquido do exercício;
b). Na divulgação efectuada, quanto ao ano de 2004, a arguida, designadamente:
b.1) - Omitiu, como fazendo parte do seu universo empresarial, as off-shore G… e a C… Imobiliária, S.A.,
b.2) - Contabilizou juros, em proveitos, que não cobrou às off-shore G… F… sendo certo que, nos termos do ponto 4, alínea ii), do Capítulo VII da Instrução do Banco de Portugal nº 4/96, não podia efectuar tais registos;
b.3) - Não consolidou, nas suas demonstrações financeiras, as off-shore G… F… e a C… Imobiliária, S.A., conforme deveria ter feito, nos termos impostos pelos artigos 2º, nº 2, alínea a), e 2º, nº 4, alínea a), do Decreto-Lei nº 36/92, de 28 de Março, e, por conseguinte, a situação líquida revelada e o resultado líquido do exercício apurados não reflectiam a sua real situação.
c). Na divulgação que efectuou quanto ao ano de 2005, a arguida, designadamente:
c.1) - Omitiu, como fazendo parte do seu universo empresarial, as off-shore G… F… e a C… Imobiliária, S.A.,
c.2) - Contabilizou juros, em proveitos, que não cobrou às off-shore G… F… sendo certo que, nos termos do ponto 4, alínea ii), do Capítulo VII da Instrução do Banco de Portugal nº 4/96, não podia efectuar tais registos;
c.3) - Não consolidou, nas suas demonstrações financeiras, as off-shore G… F… e a C… Imobiliária, S.A., conforme deveria ter feito, nos termos impostos pelos artigos 2º, nº 2, alínea a), e 2º, nº 4, alínea a), do Decreto-Lei nº 36/92, de 28 de Março, e, por conseguinte, a situação líquida revelada e o resultado líquido do exercício apurados não reflectiam a sua real situação financeira.
d. Na divulgação efectuada, relativa ao ano de 2006, constata-se, designadamente, que a arguida:
d.1) - Omitiu, como fazendo parte do seu universo empresarial, as off-shore G… F… e a C… Imobiliária, S.A.,
d.2) - Contabilizou juros, em proveitos, que não cobrou às off-shore G… F… sendo certo que, nos termos do ponto 4, alínea ii), do Capítulo VII da Instrução do Banco de Portugal nº 4/96, não podia efectuar tais registos;
d.3) - Não consolidou, nas suas demonstrações financeiras, as off-shore G… F… e a C… Imobiliária, S.A., conforme deveria ter feito, nos termos impostos pelos artigos 2º, nº 2, alínea a), e 2º, nº 4, alínea a), do Decreto-Lei nº 36/92, de 28 de Março, e, por conseguinte, a situação líquida revelada e o resultado líquido do exercício apurados não reflectiam a sua real situação financeira.
e). Na divulgação que efectuou quanto ao terceiro trimestre de 2007, a arguida, designadamente:
e.1.) – Não reconheceu as perdas financeiras geradas por transacções em acções próprias, quanto aos investimentos imobiliários supra referidos (designadamente, por referência ao projecto “B… de Luanda”);
e.2) – A situação financeira revelada não espelhava as perdas resultantes do investimento no “Terreno de Santo António”, supra referido.
f). No comunicado que divulgou ao mercado a 23.12.2007, a arguida confirmou a veracidade de todas as informações por si até aí emitidas”.
Esta a matéria fundamental. Vejamos agora a lei aplicável.
A actual redacção - Introduzida pelo Decreto-Lei nº 52/2006, de 15 de Março, com entrada em vigor a 30.03.2006. do artº 389º, nº 1, alínea a), do CdVM, na sua, diz-nos expressamente:
«1.Constitui contra-ordenação muito grave:
a) A comunicação ou divulgação, por qualquer pessoa ou entidade e através de qualquer meio de informação que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita;
b) A falta de envio de informação para o sistema de difusão de informação organizado pela CMVM;
c)A prestação de informação à CMVM que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita ou a omissão dessa prestação. (…)».

Por sua vez, prevê-se no artigo 388º, nº 1, alínea a), que às contra-ordenações qualificadas como muito graves, é aplicável coima a fixar entre € 25.000 e € 5.000.000.
A redacção anterior ao Decreto-Lei nº 52/2006, do artigo 389º, nº 1, do CVM, consagrava como contra-ordenação muito grave “a comunicação ou divulgação, por qualquer entidade ou através de qualquer meio, de informação relativa a valores mobiliários ou instrumentos financeiros que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”. A tal contra-ordenação, correspondia com coima situada entre os valores de € 25.000 e € 5.000.000 (art. 388º, nº 1, alínea a).
Não menos importante, na aplicação e imputação objectiva do direito aos factos provados é o disposto no artº 7º do CdVM, cuja redacção original nos dizia o seguinte:
-“1 - Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.
2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.
4 - À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a actividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade”
Porém por força da entrada em vigor, a 01.11.2007, do Decreto-Lei nº 357-A/2007 de 31 de Outubro, a mesma norma passou a ter a seguinte redacção no seu nº 1:
- “A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.”
Como bem se salientou na sentença recorrida, na anterior redacção da norma citada apenas se aplicavam os requisitos de qualidade aí descritos, à informação que fosse susceptível de influenciar as decisões dos investidores o que não acontece actualmente, em que tais requisitos são aplicáveis a toda e qualquer informação.
Embora a factualidade dos autos, abranja temporalmente as duas versões das normas supra citadas, as regras de aplicação da lei no tempo, previstas no artº 3º nº 1 e 2 do RGCOC com vista à aplicação da lei mais favorável é aqui irrelevante, tendo em conta a natureza da contra-ordenação e as molduras sancionatórias numa e noutra versão.
Como decorre das próprias normas, e bem se salientou na sentença ”a quo”, o bem jurídico tutelado pelo dever de prestação de informação qualitativa, subjacente a todo o direito dos valores mobiliários é a “(...) segurança do investimento e a confiança no mercado(…)” as quais são “condições essenciais ao regular funcionamento deste pois dela depende a decisão do investidor no sentido de aplicar, neste mercado, as suas poupanças”- (Cfr. Sofia Nascimento Rodrigues in A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 26 – citada na sentença recorrida).
Por outro lado, importa ter presente que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários – CMVM -, criada pelo Decreto-Lei nº 142-A/91 no âmbito do Código de Valores Mobiliários, tem como principais incumbências a regulamentação, supervisão, fiscalização e promoção dos mercados de valores mobiliários, designadamente da Bolsa de Valores de Lisboa e Porto (BVLP). No fundo, esta entidade administrativa tem a obrigação de zelar pelo bom funcionamento dos mercados, nomeadamente no que concerne à sua transparência, sem a qual não existiria confiança por parte dos agentes económicos. Para que tal aconteça, é imperativo que as entidades bancárias, como no caso, o recorrente B…, S.A., cumpram com rigor as suas obrigações, no que toca à prestação de informação à CMVM, que deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”, (cfr. artº 7º nº 1 e 389º nº 1 al. a) do CdVM).
A CMVM regulamenta e supervisiona as actividades de todos os agentes que intervêm directa ou indirectamente nos mercados de valores mobiliários e ocorre tanto ao nível do mercado primário, onde se verifica a emissão dos vários títulos, como do mercado secundário, onde se verifica a livre troca entre títulos emitidos anteriormente, relativamente aos quais, a lei da oferta e da procura dos mercados vai estabelecendo uma determinada cotação.
É no contexto dos factos provados em relação ao recorrente, de interpretação da lei aplicável e dos poderes da CMVM, que tem de se aferir a imputação objectiva dos ilícitos contra-ordenacionais. Ora a factualidade provada não deixa qualquer margem de dúvida quanto à sua verificação.
Sobre a imputação subjectiva da contra-ordenação, já acima nos referimos a ele, no entanto, sumariamente sempre se dirá ainda, que prevê o artº 8º, nº 1, do RGCOC, numa similitude com o artº 13º do cód. penal, que:
- «Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência».
Por seu turno também o CdVM prevê no seu artº 401º, nº 1, que os ilícitos contra-ordenacionais nele tipificados são imputados a título de dolo ou de negligência.
Resultou provado que:
- “122. Ao difundir as informações e comunicado supra descritos, nos seis momentos temporais referidos (31.03.2004, 11.04.2005, 20.04.2006, 28.06.2007, 06.11.2007 e 23.12.2007), sabia a arguida que apresentava ao mercado elementos incorrectos e que, por via deles, encobria a verdadeira expressão numérica dos proveitos obtidos e das perdas sofridas;
- 123. Sabia a arguida que faltava à verdade ao não mencionar, como constantes do seu universo empresarial, as entidades supra descritas;
- 124. Fê-lo com o propósito de dar ao mercado uma imagem do seu desempenho melhor do que, na realidade, se verificava;
- 125. Agiu sempre a arguida ciente de que o seu comportamento, traduzido na difusão, por seis vezes, de informação desconforme à verdade, era censurável;
- 126. Actuou sempre a arguida de forma consciente, voluntária e deliberada, conhecendo o conteúdo das informações que prestava e da sua desconformidade à realidade;
- 127. Conhecia a ilicitude e punibilidade das suas condutas”.

Considerando os conceitos do dolo e da negligência consagrados nos artº 14º e 15º do cód. penal, é inequívoco que as actuações do recorrente só poderão ser qualificadas como dolosas, pois conhecia e representou correctamente o preenchimento do tipo objectivo do ilícito contra-ordenacional em questão, actuando com conhecimento (elemento intelectual) e vontade (elemento volitivo) de praticar tais actos.
Demonstrando-se que a arguida faltou, consciente e voluntariamente, ao dever de prestar e divulgar informação verdadeira, com conhecimento de que as suas condutas eram sancionadas em termos contra-ordenacionais, foram as mesmas correctamente subsumidas ao dolo directo, tendo em conta a previsão do artº 14º, nº 1, do cód. penal.
Dúvidas não podem subsistir quanto à imputação objectiva e subjectiva, tendo o B…, S.A., cometido seis (6) contra-ordenações, p. e p. nos termos conjugados dos artº 389º 1 al. a), com referência ao artº 7º nº 1 e artº 388º nº 1 al. a) todos do CdVM.
Questionou ainda o recorrente, as condutas ocorridas em 06.11.2007 e 23.12.2007, defendendo uma relação de consumpção entre elas, porém, a factualidade provada demonstra que as mesmas tiveram por base duas resoluções de acção bem distintas, tomadas em momentos temporais diferentes e com diferente natureza e funções, como adiante melhor explicaremos.
Concluímos assim, que nenhuma aplicação incorrecta do direito se verificou, quanto à qualificação jurídica dos factos provados, sendo de improceder o recurso também nesta parte.
*
No âmbito da questão sobre a alegada aplicação “errada” do direito, suscitou ainda o recorrente as seguintes sub-questões:
a) “Inexistência da obrigação de consolidação das 17 Sociedades Cayman e das 4 Sociedades G… F…”;
b) “Outras questões jurídicas de mérito: do âmbito e do sentido do dever de informação objecto de sanção contra-ordenacional nos termos dos artigos 7° e 389º” do Código dos Valores Mobiliários”:
1. Âmbito e objectivo da tutela contra-ordenacional dos deveres de informação patente no Código dos Valores Mobiliários;
2. (Ir)relevância da informação contabilística em sede de deveres de informação;
3. Especificamente a respeito das contas consolidadas;
4. Inconstitucionalidade da actual versão do artigo 389º nº1 e 2, do CdVM.
Todavia, as conclusões do recorrente, no tocante à matéria da al. a), e da al. b) sob os nº 1, 2 e 3, [estes com ressalva da abordagem à interpretação e relação das normas dos artº 7º e 389º do CdVM], salvaguardando o devido respeito, constituem um verdadeiro exercício de dialéctica, onde se tentou a todo o custo, com excessivo recurso a inócuos estrangeirismos, demonstrar o indemonstrável, levando para o campo do direito o que é matéria de facto, para assim tentar fugir à imputação clara e inequívoca das contra-ordenações em causa. Assim, como de matéria de facto se trata e sendo manifesto que a imputação e qualificação jurídica se mostram correctamente feitas em face da factualidade provada, está vedado a este Tribunal apreciar tais questões, ainda que por via indirecta e de uma habilidosa tentativa de discussão sobre práticas bancárias, em matéria de offshores e de deveres para com a entidade supervisora.
Atento o disposto no artº 75º do RGCOC, não se conhece dessa parte do recurso, se bem que a mesma sempre se encontraria prejudicada, em face do que acima concluímos quanto à correcta qualificação jurídica.
O mesmo não se pode dizer do ponto nº 4 da al. b) relativo à alegada inconstitucionalidade do artº 389º do CdVM, que passaremos a analisar de seguida.
Igualmente será motivo de análise, a parte jurídica contida dentro da al. b), sob os nº 1, 2 e 3 relativa à interpretação conjugada dos artº 7º e 389º do CdVM.
*
5. Inconstitucionalidade da actual versão do artigo 389º Nº 1 e 2, do CdVM.
Alegou e concluiu o recorrente que:
- “Os tipos contra-ordenacionais devem revelar-se certos e determinados, (…) exigindo-se ao legislador um juízo de proporcionalidade que se divide em dois sentidos: um primeiro sentido, que diz respeito à avaliação da congruência entre o desvalor de uma determinada infracção e o desvalor (o quantum) da sanção que lhe é associada (proporcionalidade absoluta); e um segundo sentido, que diz respeito à congruência entre a sanção prevista para uma determinada conduta e o seu horizonte normativo, ou seja, as opções normativas constitutivas de todo o sistema jurídico (proporcionalidade relativa)”.
Mais conclui o recorrente, que o artº 389º nº 1 al. a) do CdVM ao prever que a prestação de toda e qualquer informação sem as qualidades referidas na própria é punida com coima, sem identificar e delimitar o agente, objecto, natureza e/ou os efeitos sobre o mercado dessa mesma informação, o referido artº 389º, nº 1, alínea a), do CdVM, “se revela excessivamente indeterminado, não assegurando a certeza que é exigida pelo artigo 29º da Constituição da República Portuguesa, pelo que revela uma norma materialmente inconstitucional”, (…) por violação do princípio da necessidade da punição e do princípio da proporcionalidade da punição, quer no seu sentido relativo, quer no seu sentido absoluto, ambos previstos no artigo 18º, nº 2, da CRP, violando igualmente o princípio da culpa, previsto no artigo 1º e 27º da CRP e o princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da Lei fundamental. No fundo, invoca a indeterminação da norma e a falta de proporcionalidade.
A argumentação expendida pelo recorrente, não só nas conclusões, como na motivação, sobre a alegada inconstitucionalidade material do artº 389º do CdVM, salvo o devido respeito, constitui um derradeiro ensaio dialéctico inconsistente, com vista ao afastamento da imputação objectiva e subjectiva das contra-ordenações pelas quais foi condenado.
Porém, também aqui sem razão.
A conjugação das normas dos artº 389º nº 1 al. a) (enquadrado no capítulo dos ilícitos de mera ordenação social e secção dos ilícitos em especial) e artº 7º (inserido no capítulo da informação das disposições gerais) do CdVM, reportando-se aquele à informação e este, à qualidade da informação, levam-nos sem esforço à conclusão de que não há falta de determinação da norma, dado que o seu âmbito de aplicação é garantido pela dupla conexão, normativa e temática e o conceito de informação é claro e preciso.
Como já atrás referimos, decorre das normas em causa que o legislador pretendeu salvaguardar a segurança do investimento e a confiança no mercado, que são “condições essenciais ao regular funcionamento deste, pois delas depende a decisão do investidor no sentido de aplicar nele as suas poupanças” - “A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários” idem, supra citado..
O artigo 388º, no 1, al. a), do CdVM não distingue, efectivamente, limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis em razão da qualidade singular ou colectiva dos agentes da infracção. Mas tal omissão, situada no âmbito do poder discricionário, constituiu uma opção do legislador, que na ponderação dos bens jurídicos em causa, decidiu relegar para o momento da determinação da medida concreta da sanção a obrigatoriedade de ser considerada a natureza singular ou colectiva do infractor, para além das circunstâncias referidas no artº 405º, nº 1 a 3, do CdVM, sobre a determinação da sanção aplicável.
A opção dogmática de que partiu o legislador do CdVM foi a de qualificar determinadas contra-ordenações como “muito graves”, e de seguida tipificar as condutas ou actuações, de pessoas singulares ou colectivas que as podem integrar; uma delas é a “violação dos deveres de informação”, nos termos em que procedeu o recorrente.
Tendo em conta a conjugação das normas citadas, não vemos que a não distinção da qualidade singular ou colectiva do agente constitua qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, pois na determinação concreta da punição terão de ser sempre consideradas as circunstâncias expressamente previstas no artº 405º, nº 1 a 3, do CdVM, de forma ponderada e diferenciada.
Na apreciação da invocada inconstitucionalidade do artº 389º do CdVM, não podemos ignorar o papel fundamental da CMVM, que tem como principais incumbências a regulamentação, supervisão, fiscalização e promoção dos mercados de valores mobiliários e a obrigação de zelar pelo bom funcionamento dos mercados, nomeadamente no que concerne à sua transparência, sem a qual não existiria confiança por parte dos agentes económicos. É imperativo que as entidades bancárias cumpram com rigor as suas obrigações, no que toca à prestação de informação à CMVM, que deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”, (cfr. artº 7º nº 1 e 389º nº 1 al. a) do CdVM). A tese do recorrente, a ser levada em conta, conduziria a que o papel desta entidade reguladora fosse meramente decorativo.
Mais do que isso, a sua tese é que se afigura ferida de inconstitucionalidade, tendo em conta que os mercados e o sistema financeiro são valores que, pela sua importância, revestem dignidade e protecção constitucional, como decorre do disposto nos artº 81º e 101º da CRP.
No artº 81º al. f), prevê-se o funcionamento eficiente dos mercados e nesse contexto, designadamente, a repressão de práticas lesivas do interesse geral como incumbências prioritárias do Estado; por seu turno, o artº 101º obriga a que o sistema financeiro seja estruturado por lei de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social.
Esta norma comporta uma abrangente e forte intervenção da entidade reguladora (CMVM) em matéria de supervisão das entidades financeiras, o que inteiramente se compreende e se justifica, basta atentarmos na génese da actual crise financeira mundial, para concluirmos que talvez se justifique o reforço de poderes das entidades supervisoras ou pelo menos atribuir maior eficácia prática às suas decisões, dotando os ordenamentos jurídicos de leis claras e libertas de mecanismos ínvios, que permitem o obscurecimento da verdade económica, como acontece com o recurso frequente das entidades bancárias, entre elas o recorrente, a sociedades offshore, com todas as consequências negativas que daí advêm para a transparência da vida económica.
Como referem os Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, o artº 101º al. f) da CRP, (…) constitui uma amplíssima credencial constitucional para a intervenção, regulação e supervisão pública das actividades financeiras, com as necessárias limitações restrições da liberdade económica nesta área, com a extensão e a intensidade que os interesses em causa podem justificar (desde a autorização administrativa para a entrada na actividade até, no limite, a intervenção na gestão das instituições financeiras). De resto não estão aqui em causa somente valores constitucionais ligados à estabilidade financeira e ao desenvolvimento económico e social mas também a protecção dos direitos dos aforradores e investidores e clientes das instituições financeiras, a começar pelo seu direito de propriedade. - Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada – anotação ao artº 101º, Volume I, Coimbra Editora, 2007, pág. 1082..
Citado pelo Ministério Público na resposta ao recurso, não podemos deixar de salientar também a passagem do autor Paulo Câmara - Cfr. “Manual de Direito dos Valores Imobiliários”, Paulo Câmara, Almedina, 2009, fls. 731., “(…) a maximização de informação constitui uma trave mestra do sistema de governação dos emitentes. (…). As regras sobre informação procuram servir uma quádrupla função: prosseguir objectivos de protecção dos investidores, de robustecimento da governação, de defesa do mercado e de prevenção de ilícitos”.
Mais refere ainda lucidamente o autor que: “a transparência das decisões empresariais e a divulgação imediata dos indicadores de desempenho servem de base para o escrutínio da gestão e, com isso, favorecem o efeito disciplinador do mercado de capitais”.
“Os deveres de informação dos emitentes de valores mobiliários representam a pedra angular do sistema jurídico-mobiliário”.
*
6. Interpretação e relação entre os artº 7º e 389º do CdVM.
O recorrente estriba um dos muitos fundamentos do seu recurso, na tese de que o fundamento do tipo contra-ordenacional se encontra no 389º CdVM e não no 7º CdVM, não contendo este nenhum dever legal de prestar de informação, sendo antes um mero parâmetro genérico de qualidade de informação.
Embora respeitável, trata-se de uma tese de argumentação sofística, insustentável à luz da ratio que enforma toda o edifício legislativo do código de valores mobiliários que visa regular os mercados.
Mesmo que se admita que o 7º CdVM seja um pré-tipo e que o CdVM consagra remissões materiais dinâmicas, o conteúdo da ilicitude está inteiramente no 389º CdVM, sendo certo que aquele apenas actua por relação com outros deveres consagrados no CdVM,
No Direito das Contra-Ordenações ao invés do que é corrente no direito criminal, existe em regra a separação entre a enunciação das normas de dever, das normas de conexão e das normas de sanção, com constante recurso a remissões. É justamente o que se verifica no CdVM, que consagrou dois tipos de conexão:
- Um primeiro, que estatui uma conexão normativa no artigo 388º nº 2 CdVM; e,
- E um segundo tipo de conexão, temática, nos artigos 389º e seguintes CdVM em que cada tema gera um tipo contra-ordenacional autónomo, com uma sanção própria.
Tal regime implica que só a norma de sanção e conexão que constitui o 389º CdVM não basta nunca para definir os contornos da contra-ordenação, é preciso a norma de dever para se definirem os contornos concretos. Os três tipos de normas constituem um todo indissociável.
Como já acima referimos aquando da qualificação jurídica dos factos no caso concreto a contra-ordenação resulta da conjugação dos dois artigos por 7º e 389º CdVM e não de um de forma isolada, justamente porque o legislador neste como noutros diplomas similares de direito contra-ordenacional usou a técnica de remissão.
O artº 7º do CdVM estatui um dever de qualidade de informação e não uma obrigatoriedade de informar, (essa consta de outras normas v.g. artº 244º e seguintes). O que está em causa na actuação do recorrente não é a falta de informação, mas sim o conteúdo da mesma ou seja, a sua qualidade. O B…, S.A. efectivamente divulgou seis vezes informação, cinco de demonstrações financeiras e uma sob a forma de comunicado, simplesmente não cumpriu os requisitos da qualidade de informação exigida.
A tese de que a informação posta em crise apenas seria falsa se não correspondesse à “aprovada” também não o iliba nem justifica a sua actuação dado que os artº 245º nº 1 e 249º nº 2 al. g) do CdVM permite a publicação de contas não aprovadas desde que oportunamente e em tempo se divulgue a sua aprovação.
A tese do recorrente conduz ao absurdo, ao defender que, a entidade bancária pode declarar lucros que não teve e omitir prejuízos efectivos sem que tal implique a prática e imputação de uma contra-ordenação. Em nosso entender é inadmissível, por atentar contra o regime de protecção da qualidade de informação, que protege os investidores contra os eventuais abusos das entidades bancárias. Simplesmente não havia protecção para aqueles.
Também não nos merece acolhimento, em face do raciocínio e interpretação que temos vindo a defender, a tese do recorrente de que a informação contabilística é irrelevante à luz dos deveres de informação consagrados no CdVM, por ter cumprido com a sua publicação do 245º CdVM, e que o conteúdo que deva ter esta informação é regido pelas regras e princípios contabilísticos, e não uma questão do direito dos valores mobiliários. Em seu entender a violação do Direito da contabilidade nunca seria uma violação do Direito dos valores mobiliários.
A tese é em absoluto de rejeitar, por contrariar toda a lógica e princípios que alicerçam o regime do código de valores mobiliários, tornando-o num diploma inócuo.
Também em relação ao artº 389º do CdVM defendeu o recorrente de que só a partir do Decreto-Lei n.º 56/2006 passou a ser sancionada a informação que tenha por objecto os emitentes porque antes era apenas sancionada a “relativa a valores mobiliários e outros instrumentos financeiros” e o artigo 389.º do CdVM nada dizia sobre emitentes.
Porém, também aqui, ao recorrente não podemos conceder razão na fórmula interpretativa adoptada, o que claramente resulta do que atrás deixámos expresso e da forma como o legislador construiu os tipos contra-ordenacionais no CdVM, pelo que nos dispensamos de repetir o entendimento perfilhado.
A interpretação normativa a que se permitiu o recorrente sobre os artº 389º e artº 7º, do CdVM, sustentando que a informação financeira divulgada, desde 2000, ainda que sem qualidade (por faltar à verdade ou violar normativos contabilísticos) não era susceptível de gerar contra-ordenação é que, salvo o devido respeito, padece de inconstitucionalidade por violação dos artºs 81º al. f) e 101º da CRP que tutelam precisamente o mercado e o sistema financeiro.
Concluímos assim, pela improcedência do recurso no tocante à interpretação feita quanto aos artº 7º e 389º do CdVM e pelo reconhecimento da constitucionalidade da norma do artº 389º do CdVM.
*
7. Concurso aparente de contra-ordenações - o comunicado de 23/12/2007
O B…, S.A. foi condenado pela prática de 6 contra-ordenações, sendo uma delas, referente à divulgação, no SDI, a 23/12/2007, de um Comunicado, através do qual confirmou que «a informação por ele mais recentemente divulgada, nomeadamente a relativa ao período findo em 30 de Setembro de 2007, reflecte integralmente as perdas financeiras decorrentes da situação referida».
Questionou o recorrente, as condutas ocorridas em 30.09.2007 (data em que foi prestada à CMVM informação que se provou ser inexacta) e 23.12.2007, (data em que reiterou à CMVM e ao mercado a confirmação da informação anterior), defendendo uma relação de consumpção entre elas, porquanto em seu entender “o ilícito está, apenas e só, na informação prestada, e já não na confirmação da veracidade dessa afirmação”.
Considera ter havido violação do princípio constitucional de proibição de dupla valoração e do direito ao silencio e à não auto-incriminação, princípio também denominado com a expressão latina “nemo tenetur se ipsum accusare”.
A sentença recorrida, considerou que a factualidade provada demonstra que as actuações em causa tiveram por base duas resoluções de acção bem distintas, tomadas em momentos temporais diferentes e com diferente natureza e funções.
Assim o entenderam também o Ministério Público e a recorrida, CMVM, nas respectivas respostas ao recurso interposto.
Parece-nos que com razão, pois o primeiro caso (comunicado de informação até 30 de Setembro de 2007) corresponde à divulgação de rotina de informação e o segundo caso (comunicado de 23 de Dezembro de 2007) ainda que a pedido da entidade supervisora, destinava-se essencialmente a clarificar o mercado; actuou aqui com uma intenção assumida de enganar o supervisor e o mercado, evidenciando aqui uma maior intensidade dolosa. O recorrente tinha plena consciência de que na primeira vez prestara a informação referida, a mesma não correspondia à verdade e ainda assim, ao ser questionado, com vista à informação do mercado, sobre a mesma realidade, podendo corrigir o erro e assim prestar informação verdadeira, decidiu voltar a confirmar o que sabia não ser verdadeiro. Existem assim, dois momentos distintos, duas resoluções diferentes e ambas violadoras do artº 389º nº 1 al. a) do CdVM, sendo que a prestada a 23.12.2007, reveste não só autonomia em relação à anterior, como maior gravidade.
Aliás, a factualidade alusiva a esta questão foi a seguinte:
- “118. Na informação divulgada relativa ao terceiro trimestre de 2007 (até 30.09.2007), não registava, reflectidos no Capital Próprio, em resultados transitados, cerca de € 300.000.000 (trezentos milhões de euros) resultantes do abate de suprimentos concedidos pela arguida à CI, inerente à sobrevalorização do projecto “B… de Luanda”;
- 119. Deste modo, a informação referente à actividade da arguida naquele período continha as seguintes inexactidões:
- Não reconhecia as perdas geradas por transacções em acções próprias, no valor de € 300.000.000, (trezentos milhões de euros) referente aos investimentos do projecto “B…de Luanda”;
- Não reconhecia nem justificava as perdas registadas na vertente imobiliária;
120. No dia 23.12.2007, a arguida, na sequência de notificação da CMVM no sentido de esclarecer o mercado sobre a realidade da informação financeira divulgada, nomeadamente, sobre as perdas registadas nas transacções supra descritas, divulgou ao mercado um comunicado no qual confirmava a veracidade de todas as informações por si até aí emitidas;
121. No entanto, tal comunicado continha informação inexacta, na medida em que negava que a informação financeira divulgada a 06.11.2007 fosse incorrecta”;
Existe concurso ideal quando o agente preenche com uma só acção vários tipos de crimes, isto é, uma acção do agente produz uma pluralidade de infracções penais, do mesmo tipo (homogéneo) ou de tipos diferentes (heterogéneo). O concurso ideal homogéneo exige uma unidade de acção que não se verifica no caso concreto, que assentou em duas resoluções e duas actuações distintas. O pressuposto de que parte o recorrente é, salvo o devido respeito errado, por uma dupla razão:
- Por um lado, parte do falso pressuposto de que “agiu convencido de que a informação era verdadeira”- afirmação que não merece acolhimento, pois está provado que em todas as situações agiu com dolo directo, mormente na de 06.11.2007, referente ao 3º trimestre, até 3009.2007, como acima referimos.
- Por outro, esquece que a natureza do bem jurídico tutelado pelo dever de prestação de informação qualitativa, da entidade bancária, de acordo com as disposições legais conjugadas dos artº 389º nº 1 al. a) e artº 7º nº 1, ambos do CdVM, é segurança do investimento e a confiança no mercado financeiro, condições essenciais para o seu funcionamento regular e equilibrado, de modo a incutir nos investidores credibilidade bastante, para neles aplicarem o respectivo capital.
Tendo em conta o bem jurídico tutelado, conclui-se que as informações prestadas, não podem pela sua natureza, função, momentos temporais distintos, diferentes resoluções e destinatários, integrar um concurso homogéneo.
No contexto factual referido, a actuação do recorrente, integra duas contra-ordenações nos termos já anteriormente qualificados, improcedendo assim a sua pretensão.
*
8. Do direito à não auto-incriminaçãoPRINCÍPIO “NEMO TENETUR SE IPSUM ACCUSARE”
A propósito da questão anteriormente abordada, mais especificamente quanto ao problema da interpelação que lhe endereçou o supervisor sobre a qualidade da informação por si fornecida ao mercado até 30 de Setembro de 2007 e também em vários trechos da motivação e conclusões do recurso, a propósito de outros itens que suscitou, o recorrente vem invocar, ainda que de forma frágil, a violação do princípio “nemo tenetur” por parte da entidade supervisora, CMVM.
Abordaremos neste capítulo, de forma global, todas as questões suscitadas pelo recorrente, analisando a essência deste princípio e o regime jurídico de competências e acção da CMVM.
Alega basicamente, que a mesma não poderia utilizar as informações por si prestadas, para lhe instaurar um processo de contra-ordenação, sem antes lhe dar prévio conhecimento de que o iria fazer, ou a que fim destinava a documentação, defendendo que deveria ser previamente informado da finalidade e constituído arguido; não o tendo feito e utilizando a informação para o acusar, violou o princípio “nemo tenetur se ipsum accusare”.
Sobre este princípio, sem consagração constitucional entre nós, diremos sumariamente que radica a sua origem na tradição anglo-saxónica, desconhecendo-se ao certo a data precisa do seu aparecimento - Segundo Rogall in “Nemo tenetur se ipsum prodere”, 1ª ed. 1977 pág. 81, terá surgido em meados do Sec. XVII, (1679) mas a sua aplicação integral com obrigatoriedade do arguido ser informado do seu direito ao silêncio, apenas terá ocorrido em meados do Sec. XIX. Entre nós Costa Andrade aponta o ano de 1679 como aquele em que tal princípio surgiu e triunfou no direito inglês. Böse discorda e defende que apenas surgiu em meados do Sec. XIX na Inglaterra., todavia, entre nós, embora tivesse surgido em teoria, ainda no Séc. XVIII - Cfr. Pascoal de Melo Freire in “Código Criminal intentado pela Rainha D. Maria I”, 3ª ed de 1844., teve a primeira consagração legal com o Decreto de 28.12.1910, que estabeleceu aquilo que ainda hoje vigora, ou seja, que nenhum réu poderia ser obrigado a responder em audiência de julgamento, sobre a matéria de acusação, excepto às perguntas sobre a identidade. O cód. procº penal de 1929, que vigorou até 1987, consagrou tal direito, apenas obrigando a falar verdade sobre a identidade e os antecedentes criminais. O cód. procº penal actual, na versão de 1987, manteve a sua consagração nos moldes anteriores, (cfr. artº 61º nº 1 al. d) 132º nº 2 141º nº 4 al. a) e 343º nº 1), vindo a ter maior abrangência após o acórdão do Tribunal Constitucional nº 695/95 de 5/12 ter declarado inconstitucional o nº 2 do artº 342º na parte em que obrigava o arguido a falar com verdade aos antecedentes criminais, pronunciando-se nos seguintes termos:
- “(…) a imposição ao arguido do dever de responder a perguntas sobre os seus antecedentes criminais – formulada no início da audiência de julgamento viola o direito ao silêncio, enquanto direito que integra as garantias de defesa do arguido».
Embora sem estar consagrado na constituição da república, alguma jurisprudência e doutrina, têm vindo a atribuir-lhe uma “natureza constitucional implícita”, de matriz processualista, na medida em que se pode englobar no âmbito das garantias de defesa do arguido previstas no artº 32º nº 1 da CRP – quanto a nós entendemos que só nesta última perspectiva se pode conceder-lhe implicitamente cariz constitucional.
Tal princípio, assume entre nós a sua expressão máxima na vertente do “direito ao silêncio”, pese embora tenha vindo a ser alargado, nomeadamente no que respeita à entrega de documentos protegidos pela reserva de vida privada e que possam incriminar o detentor, centrando-se a discussão sobre o alargamento a outro tipo de documentação legal e outras matérias, embora sem consensualidade.
É unanimemente aceite que tal princípio é extensivo às pessoas colectivas, todavia não é um princípio absoluto, como a dado passo da sua motivação, o recorrente parece dar a entender em abono da sua tese. É também inquestionável que regime legal do direito ao silêncio, assim como a sua vigência alargada e a possibilidade da sua restrição legal, valem tanto para o processo criminal como para o processo contra-ordenacional, (cfr. artº 32º nº 10 da CRP).
É em função do papel e atribuições da CMVM, legalmente consagradas e na restrição ao princípio “nemo tenetur”, por força do conflito de interesses com outros direitos e garantias tendo em conta os critérios de proporcionalidade, (cfr. artº 18º nº 2 da CRP), que devemos centrar a questão colocada pelo recorrente e avaliar até que medida, os deveres de prestar informação “completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”, (cfr. artº 7º nº 1 e 389º nº 1 al. a) do CdVM), prevalecem ou não sobre o princípio “nemo tenetur” dentro do contexto factual apresentado nos autos.
A tese plasmada pelo recorrente conduz-nos claramente à derrogação do dever de cooperação e fornecimento de informações que possam incriminá-la, devendo, quando tal se verifique, constituir previamente a entidade supervisionada em arguida.
Tal entendimento, é quanto a nós inaceitável se tivermos em conta que o CdVM, por um lado, impõe ao recorrente a obrigação de prestar a informação verdadeira, completa, actual, clara objectiva e lícita, sob cominação de uma coima, por outro lado, atribui à entidade supervisora prerrogativas e poderes coercivos para a realização de buscas, revistas, apreensões de elementos documentais (cfr. artº 360º 361º, 385º e 408º todos do CdVM), assemelhando-se formalmente aos poderes de um órgão de polícia criminal. A CMVM tem inequívocos poderes administrativos de supervisão, de inspecção, instrutórios e sancionatórios.
Para além disso, sanciona como crime de desobediência a entidade que se recusar a acatar as ordens ou os mandados legítimos da CMVM, emanados no âmbito das suas funções de supervisão, ou criar, por qualquer forma, obstáculos à sua execução incorre na pena prevista para o crime de desobediência qualificada, (cfr. artº 381º do CdVM).
Destas atribuições e competências decorre uma óbvia limitação ao princípio “nemo tenetur”.
Conforme doutamente e com clareza foi defendido pelos ilustras Prof. Figueiredo Dias, Costa Andrade - Cfr. obra, “Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova”, ed. Almedina, pág. 55.:
-“Da análise do regime legal, (…) decorre que direito ao silêncio, previsto no cód. procº penal para momentos em que o arguido é chamado prestar declarações, pode aplicar-se analogicamente a casos em que, fora daquele quadro, sejam solicitadas ao arguido informações que o exponham ao perigo da perseguição penal. Todavia, não tendo este direito um carácter absoluto, ele pode ser sujeito por via legal a limitações, sendo diversas e visíveis estas restrições no ordenamento jurídico português.
Para que estas restrições tenham validade constitucional, defendem os ilustres Professores, impõe-se a obediência a dois requisitos essenciais:
- Estarem previstas em lei prévia e expressa; e,
- Serem impostas em nome da protecção e salvaguarda de interesses constitucionalmente protegidos e em obediência ao princípio da proporcionalidade previsto no artº 18º n° 2, da CRP.

Tendo em conta os princípios de supervisão, (artº 358º do CdVM), os procedimentos de supervisão, (artº 360º do CdVM) e o exercício dessa mesma supervisão, (artº 361º do CdVM), dúvidas não restam, que existe uma clara limitação ou restrição do princípio “nemo tenetur se ipsum accusare”, que deve ceder perante o regime previsto no CdVM, que tem acolhimento constitucional expresso, como acima já referimos.
Tal restrição é manifestamente extensiva a toda a fase de recolha e análise de documentação que a entidade bancária está obrigada a entregar à entidade supervisora, seja por mera rotina, seja a pedido desta, sem que, em caso de irregularidade passível de sanção, tenha previamente de constituir a entidade supervisionada como “arguida”.
Ao contrário do que pretende o recorrente, a CMVM não tem de constituir a entidade supervisionada como arguida na fase de supervisão e só depois solicitar tais elementos pretendidos.
“O direito do arguido ao silêncio não tem de ser comunicado pela CMVM as entidades sujeitas à sua supervisão para permitir uma decisão dos visados no sentido de não fornecer os elementos requeridos. O direito do arguido ao silêncio inclui apenas a possibilidade de este não prestar declarações quando inquirido” - Cfr. Frederico Lacerda Costa Pinto in “Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova”, Ed. Almedina, pág. 124.
De acordo com o entendimento expresso por Figueiredo Dias e Costa Andrade na obra supra citada - Conclusão 20, fls. 56. , essa restrição respeita os dois requisitos considerados necessários à sua integridade constitucional.
Acolhemos este douto entendimento, pois caso contrário, a vingar a tese do recorrente e de uma muito escassa jurisprudência, na qual não nos revemos - Referimos especificamente ao acórdão da 5ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa datado 15.02.2011 e disponível em www.dgsi.pt. estar-se-ia a transformar o papel da entidade supervisora numa inutilidade, com todas as consequências gravosas daí advindas para a transparência dos mercados financeiros e consequentemente, para a economia. Se mesmo assim, já se torna difícil fazer cumprir determinadas regras de transparência dos mercados, a sufragar-se a tese perfilhada pelo recorrente, esta conduziria inevitavelmente a uma total ineficácia e impossibilidade de cumprimento dos objectivos da CMVM enquanto entidade de supervisão dotada de poderes sancionatórios; duvida-se que esta alguma vez mais conseguisse sancionar uma entidade bancária, a menos que a vontade política europeia e mundial pusessem termo ou proibissem algumas operações, nomeadamente as operações bancárias em sociedades offshore. Não foi por acaso que o legislador a dotou de tão amplos poderes - de supervisão, de inspecção, instrutórios e sancionatórios.
Até os autores que defendem uma maior abrangência do princípio “nemo tenetur”, como Augusto Silva Dias e Vânia Ramos Cfr. a obra “O Direito à não auto-inculpação no processo penal e contra-ordenacional português”, Coimbra Editora., pág. 74. , acabam por referir a dado passo da sua obra:
“ (…) O princípio ‘nemo tenetur’ não é um princípio de vigência absoluta. Poderá ser limitado por pressão de outros direitos e garantias segundo critérios de proporcionalidade (…)”.
Pela sua objectividade e clareza não podemos deixar de citar também a posição do ilustre Prof. F. Lacerda Costa Pinto - Cfr. obra, “Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova”, Ed. Almedina, pág. 125.:
-“Os deveres legais das entidades sujeitas à supervisão de colaborarem com a CMVM e de prestarem informação verdadeira e completa (ao mercado e à autoridade de supervisão) não podem ser limitados ou excluídos pela existência genérica de um direito do arguido ao silêncio e à não auto-incriminação, ao ponto de não se informar ou de se poder prestar informações falsas - Sublinhado e realce nosso. . O direito ao silêncio do arguido apenas legitima que o mesmo não preste declarações sobre os factos quando inquirido sobre os mesmos”.
Também a esmagadora maioria da jurisprudência, mormente a deste Tribunal, tem alinhado o seu entendimento por esta perspectiva. Citamos a título de exemplo o Ac. de 30.10.2008 da 9ª secção proferido no procº nº 2.140/08; o Ac. de 22.07.2009 da 3ª secção proferido no procº 3839/06 e o Ac. de 16.12.2009 da 3ª secção, proferido procº 5523/07, embora, infelizmente nem todos tivessem sido disponibilizados no site www.dgsi.pt, mas cuja consulta é possível pela identificação que referimos.
*
Perante o entendimento aqui expresso, quanto ao papel da CMVM, a análise do seu regime jurídico e enquadramento constitucional, é manifesto que a alegada inconstitucionalidade do artº 360º nº 1, e) do CdVM que consagra os “procedimentos de supervisão” não merece qualquer acolhimento. Nesta norma se consagram os poderes/deveres do supervisor e se impõem especiais deveres às entidades que pretendem operar no mercado. As regras são expressas e pré-existentes aos operadores e estes, tal como o recorrente, quando iniciam a actividade bancária e financeira têm que as conhecer, tal como as devem respeitar e cumprir, sob cominações também previamente expressas cujo desconhecimento também não podem ignorar. Para além disso, a disciplina das regras de mercado mereceram tutela constitucional, (artº 81º al. f) e 101º da CRP) como acima referimos, pelo que, não pode uma entidade bancária escudar-se no princípio “nemo tenetur se ipsum accusare”, em qualquer das suas vertentes, para desse modo se furtar às exigências legais previstas no CdVM de apresentação de documentos que a possam incriminar, pois isso violaria o disposto nas normas constitucionais referidas e esvaziava a capacidade e eficácia sancionatória da CMVM, que o legislador de forma bem clara lhe quis atribuir.
Como bem referiu o Prof. F. Lacerda Costa Pinto - Cfr. obra, “Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova”, Ed. Almedina, pág. 124.:
- “O direito do arguido ao silêncio não permite que o mesmo obste a diligências de obtenção da prova, como resulta claramente do dever de sujeição previsto nos artigos 60° e 61°, nº 3, al. d), do cód. procº penal”.

Pelo exposto improcede, também nesta parte, o recurso do recorrente, considerando não ter havido qualquer violação do princípio “nemo tenetur se ipsum accusare” ou do direito ao silêncio e à não auto-incriminação, por considerarmos que se lhe sobrepõe a restrição, de acolhimento constitucional, que acima referimos.
Igualmente é de improceder a pretensa inconstitucionalidade do artº 360º nº 1 al. f) do CdVM.
*
9. Da alegada omissão da fase de investigação e da “falta de inquérito”.
O B…, S.A., volta a reiterar perante este Tribunal “ad quem” a questão já rebatida e decidida em 1ª instância e a nosso ver bem, quanto à alegada omissão da fase de investigação, arguindo a nulidade processual, que o tribunal “a quo” julgou e indeferiu por entender não estar verificada.
Em rigor nem teríamos que voltar a abordar a parte relativa à fase administrativa, na medida em que o recorrente o faz, visando subtilmente alterar a parte factual da sentença no tocante à imputação subjectiva, todavia, sempre adiantaremos a nossa posição, ainda que ela seja óbvia perante o que já se defendeu.
Na análise desta questão, o recorrente parte do pressuposto que o processo contra-ordenacional integra uma fase de investigação destinada à obtenção da prova – e que tal fase teria sido in casu omitida, violando assim o artº 54º nº 2 do RGCOC que nos diz:
-“A autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima”.
Causou-lhe estranheza o facto do Conselho Directivo da CMVM ter decidido a abertura do presente processo em 10.12.2008 e a acusação ter sido notificada em 12.12.2008.
Para cimentar a sua tese, confunde depois o recorrente, o processo de inquérito previsto no cód. procº penal, com o processo contra-ordenacional previsto no RGCOC e normas correlativas do CdVM, pretendendo aplicar a este a tramitação prevista para aquele em toda a sua dimensão, socorrendo-se apenas da alusão acima feita no artº 54º nº 2 à expressão “procederá à sua investigação e instrução”.
Só que no caso concreto, não são aplicáveis as disposições do cód. procº penal, pois nem sequer é o Ministério Público que detém a titularidade do processo, mas sim uma entidade administrativa, dotada de poderes de supervisão, investigação, instrução e aplicação de sanções, como de resto também já explicámos.
O processo administrativo de carácter sancionatório diferentemente do processo penal, é uno e comandado por uma única entidade que, em regra, tem natureza administrativa e a quem cabe investigar, instruir e aplicar a coima, sendo caso disso - Neste sentido se pronunciaram os Prof. Figueiredo Dias e Costa Andrade, in obra citada – pág. 56..
Nos termos dos artigos 41° do RGCOC, 57° e 58° do cód. procº penal, impõe-se como regra, a constituição de arguido aquando da notificação da acusação por parte da CMVM, sendo inaceitável a tese dos que preconizam (como o recorrente) a necessidade de constituição de arguido, da entidade supervisionada na fase de supervisão.
Não existe qualquer exigência legal de uma fase similar à prevista no código de processo penal e muito menos se fixa no RGCOC um prazo para a tal “investigação e instrução”. A CMVM formulou a acusação logo que dispôs de elementos suficientes para o efeito, notificando-a então ao recorrente, que passou a ter ao seu dispor todas as garantias de defesa. O princípio da presunção de inocência e o princípio in dúbio pro reo não constituem um obstáculo legal à obtenção e uso destes elementos como meio de prova nos processos de contra-ordenação da competência da CMVM - Cfr. mesma obra Prof. Costa Pinto pág. 125. .
O recorrente parte do errado pressuposto de que nas contra-ordenações em apreço deve haver obrigatoriamente uma fase de investigação correspondente ao inquérito em direito processual penal, daí considerar aplicável o artigo 119º al. d) do cód. procº penal. Mas sem razão, ainda que assim fosse, [que não é], estava precludido o direito de vir invocar tal vício nesta fase; no entanto, como já deixámos claro, a fase de inquérito a que alude não é obrigatória em sede de contra-ordenação. Não é confundível a fase de “investigação” e “instrução” prevista no artº 54º nº 2 do RGCOC, com a fase de inquérito do cód. procº penal, pois têm âmbitos bem distintos.
O processo de contra-ordenação no âmbito do CdVM, possui duas fases: a administrativa e a judicial. Na fase administrativa destrinçamos três sub-fases:
- Recolha de elementos no âmbito dos poderes de supervisão, (artº 360 e 361º do CdVM)
-A defesa (artº 50º do RGCOC); e,
- E a decisão, (artº 58º do RGCOC).
Daqui se pode concluir que não faz o menor sentido invocar a falta de inquérito, por estarmos em âmbitos completamente diferentes e nenhuma norma legal existe no RGCOC e no CdVM que imponham tal exigência. O legislador impôs no âmbito do processo contra-ordenacional a exigência de deveres de actuação específicos às entidades administrativas e não fases de “inquérito e instrução”. Nem tão pouco se poderá falar de qualquer inconstitucionalidade, atento o que consta do artº 32º nº 10 da CRP. O Tribunal Constitucional defendeu no acórdão proferido no processo 581/04 que “a garantia constitucional dos direitos de audiência e de defesa em processo contra-ordenacional (nº 10 do artigo 32º) não pode comportar a consagração de um princípio da estrutura acusatória do processo, idêntico ao que a Constituição reserva, no nº 5 do artigo 32º, para o processo criminal”.
A argumentação do recorrente de que existiu investigação fora do processo de contra-ordenação não merece acolhimento. De acordo com a leitura que fazemos do CdVM, (normas supra citadas), a investigação deve começar sempre na supervisão, abrindo-se o processo de contra-ordenação a partir do momento em que se verifiquem indícios fortes e consistentes da prática de infracção. O mercado e o sistema financeiro, como já referimos várias vezes neste aresto, são valores que, pela sua importância, revestem dignidade e protecção Constitucional, que o legislador constituinte reconheceu nos artigos 81º al. f) e 101º da CRP.
Reiteramos aqui a ideia já expressa noutro item, de que a visão plasmada pelo recorrente a propósito da interpretação normativa que faz dos artigos 54º nº 2 do RGCOC, 262º/2 do cód. procº penal ou dos artigos 359º nº 1, al. b) e c), 359º nº 3; 360º nº 1 e 361º nº 2 al. a) do CdVM), no sentido de que existe uma fase de investigação obrigatória nos processos de contra-ordenação, padece ela mesma de inconstitucionalidade por violação dos artigos 81º al. f) e 101º da CRP, que tutelam o mercado e o sistema financeiro, como noutra sede referimos.
Pela adequação que tem ao caso concreto, transcrevemos aqui a conclusão final do Prof. F. Lacerda Costa Pinto na obra que citámos:
-“Quando a CMVM obtém elementos exercendo os seus poderes legais de supervisão junto de entidades que têm um dever de colaboração enquanto profissionais do mercado, sem que estes possam opor o segredo profissional por determinação da lei, não estamos perante provas ilegais ou proibidas. Tal facto não constitui um meio enganoso de obtenção da prova, nem violação do segredo bancário. As exigências legais para determinar o efeito à distância das provas proibidas (artº 122°, n° 1, do cód. procº penal), os limites a esse efeito reconhecidos pela lei, pela doutrina e pelo Tribunal Constitucional e o dever legal de aproveitamento de actos processuais (artº 122º n° 3 do cód. procº penal) impõem que se aproveite a prova autónoma e não dependente da prova proibida. Uma prova proibida que afecte integralmente um processo têm de ser declarada no início da audiência (artº 338° do cód. procº penal) e não no final da mesma, depois de o arguido ter sido confrontado com os factos e se ter produzido prova autónoma em relação àquela cuja legalidade foi questionada”.
Inexistiu qualquer irregularidade e muito menos nulidade na obtenção das provas por parte da CMVM, que actuou sempre dentro dos limites e poderes que a lei lhe confere na exigência do cumprimento dos deveres da entidade recorrente. É inexigível nos processos desta natureza – contra-ordenacional - a aplicação integral do regime do inquérito previsto no cód. procº penal. A lei das contra-ordenações em geral é bastante sucinta nessa matéria e apenas no nº 2 do artº 54º do RGCOC faz breve alusão às fases de investigação e instrução, sem nada especificar de concreto, apenas daí decorrendo a exigência de que feita a recolha de elementos indiciários de infracção, se acuse ou caso contrário se arquive.

Não perfilhamos a argumentação do recorrente, no sentido de ter sido cometida uma nulidade ou qualquer outro vício, como a inexistência jurídica.
Na senda do que foi habitual ao longo do recurso, o recorrente, aventa todas as hipóteses (ainda que nalguns casos incongruentes) e neste caso, alega que “se não existir nulidade, segundo o seu entendimento, a “(…) investigação por entidades administrativas fora do processo de contra-ordenação, se não for geradora dos vícios invocados, será fonte de inconstitucionalidade”.
Tal pretensão não merece minimamente acolhimento algum, nem quanto a vícios geradores de nulidade nem de inconstitucionalidade, remetendo nós quanto a este último aspecto para as considerações feitas acerca da constitucionalidade do artº 389º do CdVM.
A CMVM tem responsabilidades de supervisão sobre o mercado, (cfr. artº 358º e s. do CdVM), que incluem a “prevenção e a repressão das actuações contrárias a lei ou a regulamento” – al. e) da norma citada. Os procedimentos de supervisão (artº 360º CdVM) incluem instruir os processos e punir as infracções que sejam da sua competência, al. e) do artº 360º CdVM, sendo para tal necessário que a CMVM pratique “os actos necessários” para assegurar a efectividade dos princípios de supervisão (artº 361º, CdVM), gozando de poderes de fiscalização (artº 364º CdVM).

Pelo exposto, concluímos que a actuação da CMVM foi legítima, respeitou as normas legais que a vinculam e nenhuma nulidade ou inconstitucionalidade se verificou em toda essa fase processual, quer administrativa, quer judicial, reconhecendo-se igualmente que todas as garantias de defesa da recorrente foram observadas.
*
10.Da valoração dos meios de prova
O B…, S.A., veio ainda arguir a nulidade das provas em que assentaram a decisão administrativa e a sentença judicial, socorrendo-se para tanto do disposto nos artº 126º e 122º, nº 1, do cód. procº penal, aplicáveis ex vi artigo 41º, nº 1, do RGCOC, e que teria como consequência a nulidade insanável de “todo e qualquer desenvolvimento posterior do presente processo de contra-ordenação”.
Na base de tal questão invoca a junção de certidões recebidas de processo a correr à data, no Banco de Portugal e por se ter socorrido de declarações escritas que G… F… e M… R… endereçaram ao processo - Não podemos deixar de notar aqui a incoerência e contradição do recorrente que num mesmo recurso, invoca por um lado a nulidade da prova por terem sido juntos documentos de outro processo em separado, ainda em curso; por outro lado interpôs outro recurso [não admitido] justamente por lhe ter sido indeferida a junção de documentos similares e em condições idênticas! .
Esta questão foi apreciada na sentença recorrida e a nosso ver bem, inexistindo assim qualquer erro por parte do tribunal “a quo”.
Por força do disposto no artº 360º do CdVM, é conferido à CMVM amplos poderes, permitindo-lhe no âmbito das suas atribuições de supervisão, entre outros, os seguintes procedimentos:
a) Acompanhar a actividade das entidades sujeitas à sua supervisão e o funcionamento dos mercados de instrumentos financeiros, dos sistemas de liquidação de instrumentos financeiros, de câmara de compensação, de contraparte central e dos sistemas centralizados de valores mobiliários;
b) Fiscalizar o cumprimento da lei e dos regulamentos;
c) Aprovar os actos e conceder as autorizações previstas na lei;
d) Efectuar os registos previstos na lei;
e) Instruir os processos e punir as infracções que sejam da sua competência;
f) Dar ordens e formular recomendações concretas;
g) Difundir informações;
h) Publicar estudos.
(…)
No nº 2 da mesma norma se prevê:
Os poderes referidos na al. e) do nº 1 são exercidos em relação a quaisquer pessoas, ainda que não incluídas no âmbito do nº 1 do artigo 359°.
No exercício desses poderes de supervisão previstos no artº 361º do CdVM, a recorrida pratica os actos necessários para assegurar a efectividade dos princípios referidos no artigo 358°, salvaguardando tanto quanto possível a autonomia das entidades sujeitas à sua supervisão.
Mais se refere no nº 2 que:
“No exercício da supervisão, a CMVM dispõe das seguintes prerrogativas:
a) Exigir quaisquer elementos e informações e examinar livros registos e documentos, não podendo as entidades supervisionadas invocar segredo profissional;
b) Ouvir quaisquer pessoas, intimando-as para o efeito, quando necessário;
c) Determinar que as pessoas responsáveis pelos locais onde se proceda à instrução de qualquer processo ou a outras diligências coloquem à sua disposição as instalações de que os seus agentes careçam para a execução dessas tarefas, em condições adequadas de dignidade e eficiência;
d) Requerer a colaboração de outras pessoas ou entidades, incluindo autoridades policiais, quando tal se mostre necessário ou conveniente ao exercício das suas funções, designadamente em caso de resistência a esse exercício ou em razão da especialidade técnica das matérias em causa;
(…)
Como facilmente se conclui destas normas, a CMVM possui amplos poderes no exercício da sua função, legalmente consagrados, os quais nos abstemos de voltar a referir, sendo certo que actuou sempre dentro dos limites fixados, sem que nenhuma irregularidade se vislumbre, a não ser na perspectiva do recorrente, que faz em nosso entender, uma interpretação que a lei não consente.
Por outro lado e uma vez que invocou o cód. procº penal, cumpre salientar que no capítulo sobre a prova documental - artº 164º e seguintes – se permite a junção de prova documental ao Inquérito, com a limitação única do nº 2 do artº 164º, que é a proveniência anónima.
A junção de certidão de declarações prestadas validamente noutro processo é um expediente normal e aceite em sede de inquérito e investigação, sem que tal constitua qualquer vício processual.
Todavia, as declarações escritas de M… R… e G… F… foram as únicas usadas no processo, não tendo sido juntas a ele nem valoradas declarações presenciais dos mesmos junto da CMVM.
E quanto aos escritos que G… F… e M… R… endereçaram ao processo, em parte alguma a lei proíbe tal junção; já quanto à valoração que deles foi feito, de certo que não foram determinantes para a imputação objectiva e subjectiva, se tivermos em conta a demais prova documental junta (nunca posta em causa pelo recorrente). Como se refere na fundamentação trata-se de um elemento que analisado criticamente contribuiu para o alicerçar de uma convicção, ainda que em pequeno grau.
Por outro lado, convém referir que jamais o B…, S.A., pôs em causa a fonte emissora de tais documentos que foi o Banco de Portugal.
Acresce ainda referir que, o suscitar da questão não é nesta fase pertinente, tendo em conta que o recorrente, B…, S.A., renunciou à produção de prova em sede de julgamento, sendo certo que era aí o lugar adequado para dirimir tais questões, tendo em conta os princípios do contraditório e da imediação da prova (artº 355º cód. procº penal), podendo inclusive ter requerido a audição de G… F… e M… R…, se dúvidas tivesse quanto ao conteúdo do que declararam e confrontando-os com os documentos que entendesse. Mas não o fez.
Aproveitamos para apontar a total ausência de fundamento [que só o desconhecimento do processo justificam], das afirmações do recorrente, quando diz que o Tribunal valorou declarações daqueles (G… F… e M… R…), que não foram juntas. Quanto a esse ponto, limitamo-nos a remeter para o conteúdo dos documentos de fls. 11.384, 11.515, 11.516, 11.396, 11.397, 11.430 a 11.434, 11.520 e 11.534, encontrando-se aí a resposta.
Falece assim a argumentação do recorrente quanto à alegada invalidade das provas produzidas e valoradas, fazendo ainda menos sentido invocar o regime dos métodos proibidos de prova do artº 126º do cód. procº penal, tendo em conta:
- o modo da sua obtenção;
- os poderes e competência de quem as recolheu;
- a renúncia do recorrente à produção de prova em audiência de julgamento; e,
- a correcta valoração, sem motivo de censura, que delas fizeram, tanto a entidade administrativa, como o Tribunal “a quo”.
Não passa de uma temeridade do recorrente, vir invocar a existência de meio enganoso de obtenção de prova. A admitir-se tal premissa, seria partir do errado pressuposto de que o B…, S.A., enquanto entidade bancária, estava complemente alheado dos seus deveres e obrigações para com a CMVM e com os mercados financeiros, desconhecendo o que era certo e errado, o que à luz das regras de experiência comum, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido, nem como hipótese académica.
Pelo exposto, julga-se improcedente a pretensa nulidade da prova, tanto no que respeita à sua obtenção, como à respectiva valoração, reconhecendo-se a sua legalidade, com observância de todos os formalismos exigidos.
*
11. Da medida da coima
O recorrente veio também invocar a sua discordância quanto à medida da coima, considerando-a excessiva e defendendo a sua redução.
Conclui o recorrente o seguinte:
- “A coima aplicada ao Recorrente, em valor equivalente ao máximo aplicável na moldura concursal em causa, é desproporcionada, existindo circunstâncias que concorrem para a redução substancial da coima aplicada aos Arguidos, designadamente as reconhecidas pelo Tribunal a quo como justificação da possibilidade de suspensão parcial da execução de € 2.500.000,00 da coima pelo prazo de dois anos.
Pelo que, caso o Tribunal da Relação decida manter a condenação do B…, S.A. em coima, deverá esta ser reduzida, mantendo-se, quanto à suspensão da sua execução, os exactos termos da Sentença recorrida”.
Vejamos a medida das coimas parcelares e do respectivo cúmulo jurídico.
Cada uma das seis contra-ordenações praticadas pela arguida é punida, abstractamente, com coima mínima de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e máxima de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) – artº 388º nº 1 al. a) do CdVM).
Na determinação da medida concreta de cada uma delas há que ponderar o disposto nos artigos 18º do RGCOC e 405º do CdVM).
Diz-nos o artº 18º do RGCOC:
“1. A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenacão, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
2. Se o agente retirou da infracção um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido.
3. Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo é mínimo da coima são reduzidos para metade”.
Por seu turno, o artº 405º do CdVM refere expressamente o seguinte:
“1. A determinação da coima concreta e das sanções acessórias faz-se em função da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente, dos benefícios obtidos e das exigências de prevenção, tendo ainda em conta a natureza singular ou colectiva do agente.
2. Na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas colectivas e entidades equiparadas, atende-se, entre outras, às seguintes circunstâncias:
a) O perigo ou o dano causados aos investidores ou ao mercado de valores mobiliários Ou de outros instrumentos financeiros;
b) O carácter ocasional ou reiterado da infracção;
c) À existência de actos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infracção;
d) A existência de actos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infracção.
3. Na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa das pessoas singulares, atende-se, além das referidas no número anterior, às seguintes circunstâncias:
a) Nível de responsabilidade, âmbito das funções e esfera de acção na pessoa colectiva em causa;
b) Intenção de obter para si ou para outrem, um benefício ilegítimo ou de causar danos;
c) Especial dever de não cometer a infracção.
4. Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a situação económica e a conduta anterior do agente”.
Analisados os parâmetros legais à luz dos quais se deve determinar a medida da coima, vejamos as circunstâncias agravantes e atenuantes tidas em conta.
O Tribunal “a quo” ponderou as seguintes circunstâncias:
- “O valor dos bens jurídicos tutelados pelas incriminações típicas, supra apontados;
- O elevado grau de culpa com que a arguida actuou no cometimento das infracções, na sua modalidade mais grave, de dolo directo;
- A especial intensidade do dolo e da ilicitude na divulgação do comunicado de 23.12.2007, na sequência de notificação da autoridade reguladora, no qual reiterou a divulgação de informação falsa;
- O longo lapso de tempo durante o qual a arguida não deu a conhecer ao mercado a sua real situação económico-financeira, bem como o seu real universo empresarial;
- Os antecedentes contra-ordenacionais que possui, os quais dizem respeito a cinco condenações definitivas pela prática de contra-ordenações previstas no CVM;
- A sua situação económica no ano de 2008 e primeiro trimestre de 2009;
- O facto de a arguida ter introduzido, nas contas referentes a 31.12.2007, divulgadas em 24.04.2008, correcções às contas anteriores, de molde a que a informação financeira passasse a ser verdadeira”.
Haverá alguma censura a fazer à medida das coimas parcelares? E ao cúmulo jurídico e regime de suspensão determinada?
Também neste ponto, não vislumbrámos no recurso do B…, S.A., fundamento relevante que nos permita proceder à respectiva alteração. Aliás, diremos mesmo que, em face de todo o circunstancialismo factual demonstrado e os antecedentes contra-ordenacionais do recorrente, que a medida da coima, se peca, é por alguma benevolência, tendo em conta o que atrás expusemos sobre a importância do rigor e transparência das entidades bancárias perante o órgão de supervisão e mercados financeiros.
Assim, afiguram-se-nos inteiramente justos, adequados e proporcionais os critérios utilizados pelo tribunal “a quo” na fixação das coimas parcelares.
Como acima reconhecemos, a conduta do recorrente no tocante à contra-ordenação de 23.12.2007 foi punida de forma ligeiramente mais grave e entende-se que assim seja, pois como acima fizemos referência, a conduta do recorrente não só não pode ser considerada como estando em concurso aparente com a de 06.11.2007, como assumiu maior gravidade.
Quanto ao cúmulo jurídico, prevê o artº 19º do RGCOC:
“1. Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas, às infracções em concurso.
2. A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso.
3. A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações.”
Importa ainda reter o que significa para o B…, S.A., em termos de valor a aplicação da coima pela CMVM, tendo em conta que os proveitos operacionais consolidados do B…, S.A. em 2008, foram de 2.591.350.000,00 €, a coima aplicada correspondia a um valor de 23,15€ a quem ganhasse € 1.000 por mês. Nas contas individuais os proveitos operacionais foram de € 1.961.520.000 pelo que, a coima aplicada ao B…, S.A. correspondia a um valor de € 30,59 a quem ganhasse € 1.000 por mês.
Feitas estas contas, não colhe o argumento da recorrente quanto ao carácter excessivo da coima.
O Tribunal “a quo” socorrendo-se das regras legais, manteve a condenação da arguida numa coima única de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros), decisão que não nos merece qualquer censura, por se mostrar em conformidade com os critérios referidos e em conformidade com a orientação jurisprudencial dos Tribunais superiores.
Quanto à suspensão da execução da coima, o Tribunal “a quo” decidiu determinar suspensão, pelo período de dois anos, contados desde o trânsito em julgado da sentença, da execução de metade do valor da coima única - € 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil euros).
Nos termos do artigo 415º do CdVM:
“1. A CMVM pode suspender, total ou parcialmente, a execução da sanção;
2. A suspensão pode ser condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para regularização de situações ilegais, à reparação dos danos ou à prevenção de perigos para o mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros ou para os investidores.
3. O tempo de suspensão da sanção é fixado entre dois e cinco anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória”.
Tal preceito não define expressamente os pressupostos da sua aplicação, pelo que, nos termos do artº 41º nº 1 do RGCOC, deverá ser subsidiariamente aplicável, o regime geral da suspensão de execução da pena, estabelecidos no artº 50º do cód. penal, sem perder de vista o disposto no artº 415º citado.
Tendo em conta as considerações e fundamentos constantes da sentença recorrida, não nos merece qualquer censura a suspensão de execução da pena determinada nos termos referidos. Em situação similar se pronunciou o acórdão deste Tribunal, 5ª secção, datado de 08.06.2010 e disponível em www.dgsi.pt, no sentido de julgar adequado e proporcional, decretar a suspensão da execução da coima por metade do seu valor, por se entender que satisfazia de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Pelos fundamentos expostos, entendemos manter a condenação nos seus precisos termos, quer em montantes, quer no regime de suspensão de execução, improcedendo assim a pretensão do recorrente.
*
Analisadas todas as questões suscitadas, com excepção das que era vedado conhecer a este Tribunal, por visarem alteração da matéria de facto, (ainda que indirectamente) conclui-se pela improcedência da totalidade do recurso.
*
DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso interposto pelo B…, S.A. e confirmar integralmente a sentença recorrida.
*
Custas a cargo do recorrente que se fixam em 12 UC.
*
Lisboa 6 de Abril de 2011 - Elaborado e revisto pelo relator.

________________________
(A. Augusto Lourenço)

____________________________
(João Lee Ferreira)

__________________________
(Moraes Rocha)
(Presidente da Secção)