Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8622/09.8TCLRS.L1-6
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
RENDA
ACTUALIZAÇÃO
COMUNICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A comunicação a que alude o artigo 34.º, n.º 2, NRAU, é uma «comunicação aberta», pois o valor da nova renda pode variar em função de determinados elementos trazidos pelo arrendatário, designadamente a invocação de circunstâncias que levem ao faseamento em 10 anos (artigos 37.º, n.º 3, e 38.º, n.º 3, NRAU), ou o pedido de segunda a avaliação, feito no prazo de resposta de 40 dias (artigo 37.º, n.º 6, NRAU).
2. No entanto, a lei não prevê uma segunda comunicação com o valor final da nova renda, contrariamente ao pretendido pela apelante. Nem tal comunicação é a que alude o artigo 43.º, n.º 3, NRAU.
3. A afirmação, constante do artigo 43.º, n.º 3, NRAU, que o senhorio deve comunicar por escrito ao arrendatário, com a antecedência mínima de 30 dias, o valor da nova renda reporta-se às actualizações subsequentes referidas no número anterior [«as actualizações seguintes são devidas, sucessivamente um ano após a actualização anterior«], e não à nova renda devida no primeiro ano, pois a essa se reporta o n.º 1 do artigo 43.º NRAU, nos termos do qual é devida no terceiro mês seguinte ao da comunicação do senhorio.
( Da responsabilidade da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

A e mulher B , casados no regime de comunhão geral, residentes na freguesia de …. , ….. , S..., intentaram acção de despejo, sob a forma de processo sumário, contra C , residente na Rua dos …., n.º 00, …., …. , 0000 P...,
pedindo que se decrete a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento relativo à fracção onde habita, e se condene a R. a despejar imediatamente o arrendado e a entregá-lo aos AA. livre de pessoas e bens, e ainda a pagar o pagamento do valor de rendas em falta, de Abril de 2009 a Novembro de 2009, no montante de € 132,00 e vincendas até entrega efectiva do arrendado livre de pessoas e bens.
Alegaram para tanto, e em síntese, que:
- A R. é arrendatária do rés do chão sito na Rua ……, freguesia de P..., o qual integra o prédio urbano composto por R/C e 1° andar, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 000000;
- Em 17 de Julho de 2008, o A. requereu junto dos Serviços competentes da Câmara Municipal de ... a determinação do nível de conservação do locado, para efeitos de actualização de renda, ao abrigo do Novo Regime do Arrendamento Urbano ;
- Não conformada com o resultado da primeira vistoria ao locado, a R. apresentou reclamação junto da Comissão Arbitral Municipal;
- Na sequência da reclamação apresentada pela R., e ao abrigo do Novo Regime do Arrendamento Urbano, foi realizada segunda vistoria, no dia 29/11/2008;
- A final, foi deliberado pela Comissão Arbitral Municipal de …. na 1.ª Reunião Ordinária de 2009, realizada em 9 de Janeiro de 2009, atribuir ao locado o Coeficiente de 0,9, que corresponde ao estado de conservação médio;
- Por carta de 20 de Janeiro de 2009, o A. comunicou à R. a iniciativa da actualização da renda, informando-a ainda que:
· O valor da renda actualizada será de € 78,00;
· Este valor resulta de uma avaliação fiscal que atribui ao imóvel o valor de € 25.790,00 e da aplicação de um coeficiente de conservação de 0,9, correspondente a um estado de conservação médio, sendo que o coeficiente de conservação foi atribuído nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 156/2006 de 08 de Agosto;
· Este valor será devido após um período de faseamento que poderá ser de 2, 5, ou 10 anos;
· A actualização será em 10 anos no caso da R. ter idade igual ou superior a 65 anos ou de ter deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%;
· Não se verificando qualquer dessas circunstâncias, o faseamento:
Ø Será em 10 anos se o Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do agregado familiar for inferior a 29.820,00 euros (valor correspondente a 5 salários mínimos anuais em 2008);
Ø Será em 5 anos se o RABC do agregado familiar se situar entre 29.820,00 euros e 89.460,00 euros (valor correspondente a 15 salários mínimos anuais em 2008);
Ø Será em 2 anos se o RABC do agregado familiar a for superior a 89.460,00 euros;
· Consoante o período de actualização, o valor da renda a pagar no primeiro ano de actualização será o seguinte:
Ø Actualização em 2 anos: 46,00 euros
Ø Actualização em 5 anos: 29,00 euros
Ø Actualização em 10 anos: 20,00 euros
· Sendo que, caso a R. se encontre em alguma das situações que permitam a actualização em 10 anos deverá invocá-lo no prazo de 40 dias, por carta contendo comprovativo da situação invocada, sob pena de o faseamento se processar em apenas 5 anos;
· Informou ainda que a nova renda será devida a partir do mês de Abril de 2009;
- A R. recepcionou aquela comunicação em 23 de Janeiro de 2009;
- Por carta de 11 de Fevereiro remeteu ao A. um documento do Centro Nacional de Pensões;
- Por carta de 25 de Fevereiro de 2009, foi-lhe solicitado o documento emitido pelo Serviço de Finanças Competente, exigido ao abrigo do Novo Regime do Arrendamento Urbano;
- Por carta de 17 de Março de 2009, a R. remeteu ao A. um documento emitido pelo respectivo Serviço de Finanças;
- Nos termos do artigo 38.º, n.º 1 do Novo Regime do Arrendamento Urbano, "a actualização do valor da renda é feita de forma faseada ao longo de cinco anos, sem prejuízo do disposto nos números seguintes".
- Para o efeito e de modo a obstar à actualização ao longo de cinco anos, o arrendatário deverá invocar no prazo de 40 dias e mediante apresentação de documento comprovativo, alguma das circunstâncias previstas no n.º 3 do artigo 37.º do NRAU;
- Uma vez que a actualização da renda foi comunicada à R. por carta por esta recepcionada a 23 de Janeiro de 2009, o prazo de 40 dias expirou em 10 de Março de 2009;
- Atento ao supra exposto, a actualização da renda deverá ser efectuada ao longo de 5 anos;
- Sucede que, apesar de notificada, a R. apenas tem vindo a liquidar o quantitativo de renda até então em vigor — € 12,50;
- Caso a R. preenchesse os requisitos exigidos para actualização em 10 anos, o valor da renda a pagar no primeiro ano de actualização seria de 20 euros mensais, calculado nos termos do artigo 41.º do NRAU;
- No entanto e uma vez que a comunicação da R. apenas foi efectuada em 17 de Março de 2009, deverá ser considerada manifestamente extemporânea e a actualização efectuada ao longo de 5 anos, sendo o valor da renda a pagar no primeiro ano de actualização de € 29 mensais, calculado nos termos do artigo 40.º do NRAU.
- Ainda nos termos do NRAU, a nova renda é devida no terceiro mês seguinte ao da comunicação do senhorio (artigo 43.º do NRAU);
- Encontra-se pois a R. em falta de pagamento de rendas desde Abril de 2009;
- Deve aos AA. os diferenciais entre o valor da renda antiga que tem vindo a pagar e a renda actualizada com faseamento em 5 anos, ou seja a quantia de 132,00 euros (16,50 x 8 meses);
- Nos termos do disposto no artigo 1083.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil, "é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (...)" e "inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas (...)".
Contestou a R. nos termos seguintes:
- Pela carta de 11 de Fevereiro a R. invocou a circunstância mencionada na alínea a) do n.º 3 do artigo 37.º do NRAU, pelo que não se verifica a cominação estabelecida no n.º 4 da referida disposição legal;
- Como se alcança da carta dos AA. datada de 20 de Janeiro de 2009, o RABC do agregado familiar diz respeito a salários vigentes em 2008, o que significa que o IRS da R. só podia ser manifestado e obtido em Março de 2009;
- A R. por carta de 17 de Março enviou ao A. o documento obtido do Serviço de Finanças;
- O referido documento foi obtido em 6 de Março de 2009;
-Nos termos do n.º 2 do artigo 44.º do NRAU, a R. devia juntar o mencionado documento no prazo de 15 dias após a sua obtenção, a qual se verificou em 6 de Março de 2009;
-Enviando a R. o referido documento para os AA. em 17 de Março estava dentro do prazo, o qual só terminava em 21 de Março;
- A R. não se encontra em qualquer falta de pagamento de rendas, pois nunca comunicaram "por escrito, com a antecedência mínima de 30 dias, o novo valor da renda", como é exigido pelo n.º 3 do artigo 43.º do NRAU.
Foi proferida decisão que:
a) Declarou a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento relativo ao R/C do n.º 00, porta 0, da Rua …, Casal ..., 0000 P...;
b) Condenou a R. a despejar imediatamente o arrendado e a entregá-lo aos AA. livre de pessoas e bens;
c) Condenou a R. no pagamento do valor das rendas em falta até à data da propositura da acção — de Abril de 2009 a Novembro de 2009, no montante de € 132,00 —, bem como no pagamento das entretanto vencidas e vincendas até entrega efectiva do arrendado livre de pessoas e bens.
Inconformada, recorreu a R., apresentando as seguintes conclusões:
«1.ª É suscitada nos autos a questão de saber se houve ou não apuramento da renda, bem como a comunicação por escrito do novo valor dessa renda, de modo a colocar em "mora" a ré, nos termos do art° 1083°, n°3 do Código Civil;
2.ª Questão simples, mas tornada complexa em face da má feitura das leis, como todos sabemos;
3.ª A carta de 20 de Janeiro de 2009, enviada pelos autores à ré, não constitui, como é manifesto, qualquer comunicação do valor da renda, mas apenas, iniciativa de actualização de renda, como se vê dos dizeres do próprio senhorio logo no primeiro parágrafo da dita carta;
4.ª Mas, os autores fazem crer, na acção, que essa carta constitui comunicação da nova renda, induzindo em erro o próprio Tribunal, salvo sempre o devido respeito, como se vê claramente do último passo da douta sentença;
5.ª A Ré, ora apelante, respondeu à dita carta, enviou o documento das Finanças, pedido pelos autores, mas estes nunca tomaram qualquer posição quanto à defesa da mesma ré, ora apelante, nunca se pronunciando sobre o novo valor da renda;
6.ª Daqui se segue que não houve renda apurada, a final, e, por conseguinte, nunca houve qualquer comunicação por escrito de um novo valor de renda, como é exigido pelo 43°, n°3, do NRAU;
7.ª E não havendo renda apurada, nem tão pouco comunicada expressamente por escrito, nos termos da disposição acabada de referir, não se pode falar em "mora" no pagamento das rendas, por parte da ré, nos termos de quanto é definido pelo disposto no art° 1.083°, n° 3, do Código Civil;
8.ª Violou, assim, a douta sentença o disposto nos art°s 43, n°3, do NRAU, e 1083°, n°3, do Código Civil;
Nestes termos e nos mais sempre doutamente supridos, deverá ser dado acolhimento à apelação, revogando-se a douta sentença, julgando-se a acção proposta totalmente improcedente, com o que se fará
JUSTIÇA»
Contra-alegaram os AA., nos termos seguintes:
«1. A comunicação dos AA a 20 de Janeiro de 2009 constitui comunicação válida e eficaz para actualização de renda e contem o apuramento da renda devida pela Ré;
2. O documento emitido pelo Serviço de Finanças foi comunicado aos AA extemporaneamente, pelo que. a actualização deveria ser efectuada em 5 anos, não podendo a Ré prevalecer-se do prazo de 10 anos.
3. Consta da comunicação dos AA. que a nova renda será devida a partir do mês de Abril de 2009,
4. Consequentemente, persistindo a Ré no pagamento da renda então em vigor. verifica-se a falta de pagamento de rendas.
5. A Ré incorreu na falta de pagamento de rendas sendo "inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a 3 meses no pagamento da renda, encargos ou despesas(...)", nos termos do art.° 1083°/2 e 3 do Código Civil.
6. A sentença recorrida é clara e mostra-se devidamente fundamentada não merecendo quaisquer reparos.
Termos em que, deverá manter-se a douta sentença recorrida, nos precisos termos em que foi proferida,
Fazendo V. Ex.as,
A COSTUMADA JUSTIÇA!»
2. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação:
1. A R. é arrendatária do rés-do-chão sito na Rua …., n.º 00, porta 0, Casal ..., freguesia de P..., o qual integra o prédio urbano composto por R/C e 1.º andar, inscrito na matriz predial urbana sob o art.° 0000 (doc. n.º 1).
2. Em 17 de Julho de 2008, o A. requereu junto dos Serviços competentes da Câmara Municipal de ... a determinação do nível de conservação do locado, para efeitos de actualização de renda (doc. n.º 2).
3. Não conformada com o resultado da primeira vistoria ao locado, a R. apresentou reclamação junto da Comissão Arbitral Municipal (doc. n.º 3).
4. Na sequência da reclamação apresentada pela R. foi realizada segunda vistoria, no dia 29/11/2008 (doc. n.º 4).
5. A final, foi deliberado pela Comissão Arbitral Municipal de ..., na 1.ª Reunião Ordinária de 2009, realizada em 9 de Janeiro de 2009, atribuir ao locado o coeficiente de 0,9, que corresponde ao estado de conservação médio (doc. n.º 5 que se junta).
6. Por carta de 20 de Janeiro de 2009, o A. comunicou à R. a iniciativa da actualização da renda, informando-a ainda de que:
· O valor da renda actualizada será de € 78,00;
· Este valor resulta de uma avaliação fiscal que atribui ao imóvel o valor de 25.790,00 euros, e da aplicação de um coeficiente de conservação de 0,9, correspondente a um estado de conservação médio, sendo que o coeficiente de conservação foi atribuído nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 156/2006 de 08/08;
· Este valor será devido após um período de faseamento que poderá ser de 2, 5, ou 10 anos;
· - A actualização será em 10 anos no caso da R. ter idade igual ou superior a 65 anos ou de ter deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%;
· Não se verificando qualquer dessas circunstâncias, o faseamento:
Ø Será em 10 anos se o Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do agregado familiar for inferior a 29.820,00 euros (valor correspondente a 5 salários mínimos anuais em 2008);
Ø Será em 5 anos se o RABC do agregado familiar se situar entre 29.820,00 euros e 89.460,00 euros (valor correspondente a 15 salários mínimos anuais em 2008);
Ø Será em 2 anos se o RABC do agregado familiar a for superior a 89.460,00 euros;
· Consoante o período de actualização, o valor da renda a pagar no primeiro ano de actualização será o seguinte:
Ø Actualização em 2 anos: 46,00 euros
Ø Actualização em 5 anos: 29,00 euros
Ø Actualização em 10 anos: 20,00 euros
· Sendo que, caso a R. se encontre em alguma das situações que permitam a actualização em 10 anos deveria invocá-lo no prazo de 40 dias, por carta contendo comprovativo da situação invocada, sob pena de o faseamento se processar em apenas 5 anos;
· Informou ainda que a nova renda seria devida a partir do mês de Abril de 2009 (doc. n.º 6).
7. A R. recepcionou aquela comunicação em 23 de Janeiro de 2009 (doc. n.º 7).
8. Por carta de 11 de Fevereiro remeteu ao A. um documento do Centro Nacional de Pensões (doc. n.º 8).
9. Por carta de 25 de Fevereiro de 2009, foi-lhe solicitado o documento emitido pelo Serviço de Finanças competente (doc. n.º 9).
10. Por carta de 17 de Março de 2009, a R. remeteu ao A. um documento emitido pelo respectivo Serviço de Finanças (doc. n.º 10).
11. Apesar de notificada, a R. apenas tem vindo a liquidar o quantitativo de renda até então em vigor — € 12,50.
*
Consigna-se, nos termos do artigo 659.º, n.º 3, ex vi artigo 713.º, n.º 2, CPC, que o documento referido no ponto 8 da matéria de facto é um comprovante do Centro Nacional de Pensões, de que a pensão anual auferida pela apelante é no montante de € 2.556.46, e o documento referido no ponto 10 é cópia da declaração de rendimentos relativa a 2008.
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 685.º A, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º, n.º 2, in fine), consubstancia-se na questão de saber se a carta de 20 de Janeiro de 2009, que constitui o documento n.º 6 junto com a petição inicial, é idónea para proceder à comunicação do aumento de renda, ou se esta estava dependente de comunicação subsequente.
A sentença recorrida, no pressuposto de que tal carta cumpria a função de comunicação de aumento de renda, considerou resolvido o contrato por falta de pagamento de renda, por a apelante ter continuado a depositar a renda antiga, ignorando o aumento de renda comunicado.
Contra tal entendimento se insurge a apelante, sustentando que não se verifica fundamento para resolução do contrato de arrendamento, pois não havendo renda apurada, nem tão pouco comunicada por escrito, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, NRAU, não se pode falar em mora no pagamento das rendas por parte da apelante, insubsistindo fundamento para resolução do contrato de arrendamento.
Está em causa a iniciativa do apelado, enquanto senhorio, de proceder ao aumento de renda, sendo aplicável o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, no que as partes estão de acordo.
Segundo o disposto no artigo 34.º, n.º 1, NRAU, a actualização da renda depende de iniciativa do senhorio.
Assim, nos termos do artigo 34.º, n.º 2, NRAU, o senhorio que pretenda o aumento de renda comunica ao arrendatário o montante da renda futura.
Dispõe o artigo 38.º, n.º 4, NRAU que a comunicação do senhorio prevista no artigo 34.º contém, sob pena de ineficácia:
a) Cópia do resultado da avaliação do locado nos termos do CIMI e da determinação do nível de conservação;
b) Os valores da renda devida após a primeira actualização correspondentes a uma actualização em 2, 5 ou 10 anos;
c) O valor em euros do RABC [Rendimento anual bruto corrigido — Decreto-Lei 158/2006, de 8 de Agosto] que, nesse ano, determina a aplicação dos diversos escalões;
d) A indicação de que a invocação de alguma das circunstâncias previstas no n.º 3 do artigo anterior deve ser realizada em 40 dias, mediante apresentação de documento comprovativo;
e) A indicação das consequências da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 3 do artigo anterior.
Acrescenta o n.º 5 deste artigo 38.º que a comunicação do senhorio contém ainda, sendo caso disso, a invocação de que o agregado familiar do arrendatário dispõe de RABC superior a 15 RMNA, com o comprovativo previsto no n.º 3 do artigo 44.º, sendo então referido nos termos da alínea a) do número anterior apenas o valor da renda devido após a actualização a dois anos.
A comunicação destinada a dar conhecimento do aumento de renda deve ser feita por escrito, e remetida por carta registada com aviso de recepção (artigo 9.º, n.º 1, NRAU), ou entregue em mão mediante assinatura aposta pelo destinatário em cópia, com nota de recepção (artigo 9.º, n.º 6).
E de acordo com o artigo 38.º, n.º 5, a comunicação do senhorio deve conter ainda, sendo caso disso, a invocação de que o agregado familiar do arrendatário dispõe de RABC superior a 15 RMNA, com o comprovativo previsto no n.º 3 do artigo 44.º[comprovativo a requerer pelo senhorio na Repartição de Finanças], sendo então referido nos termos da alínea a) do número anterior apenas o valor da renda devido após a actualização a dois anos.
Os termos da resposta do arrendatário constam do artigo 37.º NRAU.
Assim, no que ao caso concreto concerne, o prazo para a resposta do arrendatário é de 40 dias (n.º 1), podendo este, na sua resposta, pode invocar uma das seguintes circunstâncias:
a) Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA);
b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60% (n.º 3).
Caso invoque a circunstância prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 37.º NRAU, prescreve o artigo 44.º, n.º 1, que o arrendatário faça acompanhar a sua resposta de documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, estabelecendo o n.º 2 que, quando não disponha desse documento deve fazer acompanhar a resposta do comprovativo de ter sido requerido, dispondo de um prazo de 15 dias após a obtenção para entregá-lo.
Dispõe ainda o n.º 6 do artigo 37.º NRAU o arrendatário pode, no mesmo prazo de 40 dias, requerer a realização de nova avaliação do prédio ao serviço de finanças competente, dando disso conhecimento ao senhorio.
E, de acordo com o n.º 8 desse artigo, se da nova avaliação resultar valor diferente para a nova renda, os acertos devidos são feitos com o pagamento da renda subsequente.
(…)
É neste contexto normativo que se processa a troca de correspondência entre as partes.
É o seguinte o teor da carta enviada pelo apelado (senhorio) à apelante (inquilina), cujo alcance constitui objecto do presente recurso:
«Data: Lisboa, 20 de Janeiro de 2009
Exma Senhora,
Na qualidade de senhorio do rés-do-chão sito na Rua .…, n.° .. , Porta 0, Casal ..., 0000 P..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., de que V. Ex.ª é arrendatário, venho comunicar a iniciativa da actualização da renda, ao abrigo da nova Lei do Arrendamento Urbano.
O valor da renda actualizada será de € 78,00 (setenta e oito euros). Este valor resulta de uma avaliação fiscal que atribui ao imóvel o valor de 25.790,00 euros, e da aplicação de um coeficiente de conservação de 0,9, correspondente a um estado de conservação médio, conforme cópia da certidão de valor matricial junta, sendo que o coeficiente de conservação foi atribuído nos termos do art. 7° do Dec.-Lei n.° 156/2006 de 08/08.
Este valor será devido após um período de faseamento que poderá ser de 2, 5, ou 10 anos.
A actualização será em 10 anos no caso de V. Ex.a ter idade igual ou superior a 65 anos ou de ter deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
Não se verificando qualquer dessas circunstâncias, o faseamento:
- será em 10 anos se o Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do agregado familiar de V. Ex.a for inferior a 29.820,00 euros (valor correspondente a 5 salários mínimos anuais em 2008).
- Será em 5 anos se o RABC do agregado familiar de V. Ex.a se situar entre 29.820,00 euros e 89.460,00 euros (valor correspondente a 15 salários mínimos anuais em 2008).
Será em 2 anos se o RABC do agregado familiar de V. Ex.a for superior a 89.460,00 euros.
Consoante o período de actualização, o valor da renda a pagar no primeiro ano de actualização será o seguinte:
Actualização em 2 anos: 46,00 euros
Actualização em 5 anos: 29,00 euros
Actualização em 10 anos: 20,00 euros
Caso V. Ex.a se encontre em alguma das situações que permitam a actualização em 10 anos deverá invocá-lo no prazo de 40 dias, por carta contendo comprovativo da situação invocada, sob pena de o faseamento se processar em apenas 5 anos. O comprovativo do escalão de rendimento é obtido nos serviços de finanças.
A nova renda é devida a partir do mês de Abril de 2009.
Com os melhores cumprimentos, subscrevo-me
( A )
Junta: Cópia de certidão do valor matricial com o valor do resultado da avaliação e respectivo cálculo e da determinação do nível de conservação do locado».
Na sequência dessa comunicação houve a troca de correspondência reflectida nos artigos 2.9 a 2.10 da matéria de facto.
Através dessa troca de correspondência pretendia a apelante desencadear a aplicação do faseamento em 10 anos, questão que se encontra ultrapassada, pois a sentença recorrida entendeu — e nessa parte não foi objecto de impugnação — que não tinha sido cumprida a formalidade prevista no artigo 44.º, n.º 1, NRAU.
A única questão a decidir é se a carta supra transcrita é idónea para desencadear o aumento da renda, faseado em cinco anos.
Sustenta a apelante que, não havendo renda apurada, nem tão pouco comunicada por escrito, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, NRAU, não se pode falar em mora no pagamento das rendas por parte da apelante, insubsistindo fundamento para resolução do contrato de arrendamento.
A formulação do NRAU não prima pela clareza, em especial no que ao regime do aumento de renda concerne, o que é de lamentar numa matéria de tão elevado relevo social.
A comunicação a que alude o artigo 34.º, n.º 2, NRAU, é uma «comunicação aberta», pois o valor da nova renda pode variar em função de determinados elementos trazidos pelo arrendatário, designadamente a invocação de circunstâncias que levem ao faseamento em 10 anos (artigos 37.º, n.º 3, e 38.º, n.º 3, NRAU), ou o pedido de segunda a avaliação, feito no prazo de resposta de 40 dias (artigo 37.º, n.º 6, NRAU).
No entanto, a lei não prevê uma segunda comunicação com o valor final da nova renda, contrariamente ao pretendido pela apelante. Nem tal comunicação é a que alude o artigo 43.º, n.º 3, NRAU.
A afirmação, constante do artigo 43.º, n.º 3, NRAU, que o senhorio deve comunicar por escrito ao arrendatário, com a antecedência mínima de 30 dias, o valor da nova renda reporta-se às actualizações subsequentes referidas no número anterior [«as actualizações seguintes são devidas, sucessivamente um ano após a actualização anterior«], e não à nova renda devida no primeiro ano.
A essa se reporta o n.º 1 do artigo 43.º NRAU, nos termos do qual é devida no terceiro mês seguinte ao da comunicação do senhorio.
E a comunicação do senhorio não pode ser outra senão a que está prevista no artigo 34.º, n.º 2, NRAU, pois nenhuma outra está prevista para esse efeito.
Um argumento de peso nesse sentido extrai-se do n.º 8 do artigo 37.º do NRAU: se da nova avaliação resultar valor diferente para a nova renda, os acertos devidos são feitos com o pagamento da renda subsequente.
Significa isto que a nova renda é devida no terceiro mês subsequente à comunicação do senhorio prevista no artigo 34.º, n.º 2, NRAU, mesmo que a avaliação que esteve na base da definição da nova renda seja questionada pelo arrendatário.
A nova renda foi comunicada à apelante através da carta de 20 de Janeiro de 2009, sendo devida no terceiro mês subsequente a tal comunicação.
A tal não obsta a circunstância de a apelante ter enviado, a instâncias do apelado, em 17 de Março de 2009 o comprovativo da sua declaração de rendimentos relativa a 2008 (artigo 10.º da matéria de facto), pois tal envio foi considerado na sentença recorrida por intempestivo, não sendo tal segmento da sentença objecto de recurso.
Nessa medida, a apelante ficou sujeita ao faseamento de cinco anos, que é a regra, o que, no caso, equivale a uma renda mensal no montante de € 29,00.
Poder-se-ia suscitar a questão da necessidade de uma nova comunicação do apelado na sequência do envio pela apelante da cópia declaração de rendimentos, no sentido de lhe dar conhecimento que tal envio não era relevante por ser intempestivo (i.e., para além do prazo de 40 dias previsto no artigo 37.º, n.º 1, NRAU), em observância dos ditames da boa fé.
Com efeito, tendo a apelante recebido a comunicação do aumento de renda em 23 de Janeiro de 2009 (artigo 7.º da matéria de facto), o prazo de 40 dias expirou em 4 de Março daquele ano, tendo a cópia declaração de rendimentos sido enviada em 17 de Março de 2009 (artigo 10.º da matéria de facto).
Recorde-se que, num primeiro momento, a apelante enviou apenas uma declaração do CNP, e foi na sequência da interpelação do apelado, datada de 25 de Fevereiro de 2009, que lhe foi solicitado o envio do documento emitido pela Repartição de Finanças (artigo 9.º da matéria de facto).
Sendo certo que a apelante não podia ignorar a intempestividade da sua declaração, a verdade é que a relevância desse documento não punha em causa o aumento, mas apenas o seu faseamento em cinco ou dez anos.
Por outras palavras, não estava em causa o aumento de renda, mas apenas o seu faseamento, pelo que, mesmo que a apelante tivesse razão quanto ao envio do documento comprovativo emitido pela Repartição de Finanças — e não tem, como decidiu a sentença — a dúvida apenas seria admissível entre os montantes de € 20,00 e € 29,00 (faseamento em 10 ou 5 anos), não sendo legítimo à apelante, em qualquer caso, continuar a pagar a renda antiga.
Não assistindo razão à apelante quanto à questão da comunicação suscitada no recurso, a sentença, que declarou a resolução do contrato do contrato de arrendamento e consequente entrega do locado ao apelado e condenou a apelante no pagamento da quantia de € 132,00, correspondente à diferença entre a renda antiga e a nova renda, não merece censura (artigo 1083.º, n.ºs 2 e 3, CC).


4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 12 de Maio de 2011

Márcia Portela
Fernanda Isabel Pereira
Manuela Gomes