Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20767/18.9T8LSB.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
MAGISTRADO
IMPEDIMENTO
REENVIO PREJUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A dedução de incidente de Direito da União, suscitada perante tribunal de cujas decisões seja admitido recurso, não impede o indeferimento liminar do requerimento em que o mesmo pedido se encontra inserido, sobretudo quando outra razão de indeferimento, que não apenas a questão relativamente à qual se pede o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça, se verifica.
II - O juízo de antecipação de improcedência manifesta contido em despacho liminar de indeferimento de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais afigura-se correctamente formulado quando se não pode inferir, a partir do ordenamento jurídico nacional e internacional a que Portugal está vinculado e que consagra o direito a uma justiça imparcial, norma que proíba a participação de magistrados judiciais e do Ministério Público nos corpos sociais de uma associação desportiva, nem são alegados factos concretos da parcialidade activa ou contaminante de tais magistrados.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório[1]
A e B , nos autos melhor identificados, intentaram nos Juízos Locais Cíveis desta Comarca, o qual foi distribuído ao J 16, procedimento cautelar especial de suspensão de deliberação social contra o Sporting Clube de Portugal, desde logo informando que em tempo oportuno será requerida a apensação deste processo e da correspondente acção de fundo à acção de fundo e análoga providência que correm já seus termos sob o Processo nº 19765/18.7T8LSB do Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 18 nesta Comarca, peticionando a final seja decretada providência cautelar de suspensão da deliberação social da Assembleia Geral de dia oito de Setembro de 2018, e que a resistência ou incumprimento da decisão judicial seja cominada com a fixação de uma sanção pecuniária compulsória de cem mil euros por dia de atraso do cumprimento.
Em síntese, alegaram os requerentes que são sócios do requerido e que têm desempenhado as funções de direcção desde 2013, que foram “alvo de vários procedimentos (…) materializando tentativas de denegação de direitos e entorpecimento à respectiva defesa jurisdicional (…) que culminam no pretenso acto eleitoral do passado dia oito de Setembro”.
Desse acto eleitoral “foi – arbitrária, ilegalmente e com violação das normas pactadas em Estatuto e regulamentos - excluída a lista que, atempada e regularmente, foi apresentada para submeter ao dito sufrágio e na qual se inseriam os requerentes como candidatos”, pois, nenhum sócio suspenso “pode ser impedido de se candidatar às eleições internas, porque a inelegibilidade é uma sanção específica nos termos do artº 4º do pretenso regulamento disciplinar (doc. nº 5 – Estatutos SCP aplicáveis à data e Doc.6 – proposta de regulamento disciplinar)” impedimento de candidatura esse que “basta para inquinar a pretendida eleição e determinar (…) a repetição do acto”.
Por outro lado, a actuação dos “opositores” dos requerentes transformou “o assalto à direcção e património da associação desportiva num problema de Estado, designadamente pelo comprometimento (público e sem reservas) da independência jurisdicional, ostentando a presença em Lista de dois juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça ainda em funções e um deles como inspector judicial extraordinário, um Desembargador, também no activo, e um Magistrado da Procuradoria da República igualmente no desempenho de funções”, tanto mais no quadro de litígio pendente e tanto mais que foi “noticiado repetidamente que esses senhores magistrados ali estavam para fazerem “ braço de ferro “ (sic) em favor do Sporting “na Justiça”, o que “fere de nulidade a eleição e a investidura pela gravidade, amplitude e ilicitude dos propósitos enunciados e da anomalia da presença mobilizada e alinhada, em litígio pendente, de magistrados em funções que integram tribunais superiores e estão vinculados pelo princípio da discrição nas suas condutas profissionais e pessoais”.
Com tal propósito, a eleição é nula por “radical contraditoriedade com a Ordem Pública, o que, no caso, é exigência normativa mais intensa do que a formulada no Código Civil (…)”.
No contexto dito “pragmático” que os requerentes melhor referem, “a candidatura, eleição e “empossamento” de quatro magistrados de tribunais superiores e um bastonário (com honras protocolares vitalícias de PGR) traduz, quanto aos magistrados e antes de mais, o desrespeito do princípio da discrição, que emerge do Direito do Pretório quanto ao alcance, sentido e natureza da independência dos tribunais em quanto respeita ao art.º 6º/1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União)” de cujo respeito “pelo magistrado judicial (integrando aliás os compromissos internacionais do Estado Português) espera-se que o magistrado saiba preservar a função dos conflitos
a) onde pode vir a ser chamado a intervir, ou
b) onde pode vir a ser chamado a intervir o tribunal que integra,
c) ou tribunal sob a jurisdição daquele que integra e que,
sem a sua discrição, ficaria condenado a ser temido pela parcialidade, que sempre se traduzirá (…) numa vulneração insuportável do princípio da igualdade”.
Acresce que é “clara a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nessa matéria, os AA ou RR, os arguidos ou ofendidos (…) não podem temer o juiz a título pessoal, ou, o que é o mesmo, pela inserção ostentada deste numa trama relacional, mesmo contra vontade sua e sem qualquer intervenção da sua parte”.
A independência dos magistrados “consubstancia-se na possibilidade objectiva da imparcialidade que a traduz e da qual a discrição é, a um tempo, condição e expressão” como “ensina” e “vincula a doutrina do Direito do Pretório quanto ao art.º 6º /1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Convenção integralmente integrada no Direito dos Tratados pelo Tratado de Lisboa (artº 6º do Tratado de Lisboa) mas também integrada pela Carta dos Direitos Fundamentais estabelecendo, nos casos da coincidência de formulações entre o seu texto e o da Convenção, que as normas respectivas se interpretarão e aplicarão em consonância com o Direito do Pretório, i.e. com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que o Tribunal de Justiça tomará, também ele, como norma (…) Assim o devendo fazer igualmente o juiz nacional diante de quem se suscitar questão do Direito dos Tratados, porque essa simples ocorrência faz dele um Juiz da União”.
Sustentam consequentemente os requerentes que é “nula a eleição de tal lista e nula a dita “tomada de posse” (…) por violação do Direito dos Tratados e por violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, constituindo “uma intrusão inaceitável nos direitos da Liberdade de associação (art. º 12º da Carta e art.º 11º/1/2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, significando também a própria vulneração da respectiva defesa e do direito à tutela jurisdicional (art.º 6º/1 da Convenção e 47º da Carta) que lhes cabe, traduzindo-se, até, na violação do princípio da igualdade em Direito (art. 20º da Carta dos Direitos Fundamentais da União)”, intrusão para a qual, por “inaceitável face às referências jusfilosóficas da sociedade democrática (art. º 12º da Carta de Direitos Fundamentais e artº 11º/2 da CEDH) não basta o tratamento da anulabilidade do Código Civil, exigindo-se a radicalidade da nulidade, pela radicalidade do desafio a normas com primado material absoluto na ordem interna e às quais e, por isso, não é possível resistir por via interpretativa, já que o decisor está, justamente, vinculado pelo Direito do Pretório”.
Sustentam ainda os requerentes o entendimento de que “em caso de dúvidas na aplicação do Direito dos Tratados - que o Tribunal de primeira instância deve suscitar imediatamente a pronúncia do Tribunal da União, porque a produção doutrinária local nenhum esforço sistemático fez ainda para estabelecer o impacto do Direito Internacional no Direito Interno – nem sequer no plano do Direito da União e em bom rigor – nunca tendo sido tratada com suficiência a substantivização de direitos que se continuam a referir como “meramente adjectivos” pelo que o socorro do Tribunal de Justiça se mostraria, aqui, a mais segura das vias (…)”, percurso que entendem ser mais razoável do que o mais grave de “pedir ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem uma intervenção, em sede de medidas provisórias urgentes, intimando o Estado a garantir a independência dos tribunais (…)”.
Sendo certo que o “art.º 267º do Tratado de Funcionamento só torna obrigatório o reenvio para o decisor nacional de cuja decisão não caiba recurso, mas o problema é que nestas circunstancias materiais o recurso, como o processo, estão sob risco de não poderem sequer existir a não ser como meras formalidades (…) sendo certo que não há, no espaço do Conselho da Europa, processos reconhecíveis a) sem tribunal independente, i.e. imparcial, b) sem respeito pela equidistância do procedimento, c) sem efectividade de acesso à justiça (o que comporta a decisão tecnicamente suficiente e em prazo razoável)”.
A questão relativa aos magistrados integrarem a lista e à sua eleição, acima resumidamente exposta, levou os requerentes, no início da exposição, a introduziram o título “Incidente de Direito da União por violação do Direito dos Tratados”.
      
Sob o título “A situação contenciosa de requerentes e requeridos” prosseguiram os requerentes alinhando que no dia 23 de Junho de 2018 “não obstante as várias irregularidades atempadamente arguidas, reuniu a Assembleia Geral Extraordinária sob presidência de C, presidente (demissionário) da mesa da Assembleia-Geral do requerido” – deliberando a “destituição com justa causa do inteiro Conselho Directivo” e que “O processo de impugnação correspondente corre sob o número acima indicado da Instância Central Cível da Comarca de Lisboa”, ou seja, salvo erro, o processo nº 19765/18.7T8LSB do Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 18.
Descrevem os requerentes as razões que os levaram a requerer a suspensão da deliberação e as circunstâncias relacionadas com a referida Assembleia, concluindo terem um vasto contencioso com o requerido, “tendente à eliminação dos danos que lhes foram causados à reputação e à dignidade pessoal, além de, evidentemente, se manterem discutindo as várias invalidades que ferem os actos que lhes foram e são opostos como decisões e deliberações”.
Acrescentam ter o requerido “em curso um vasto contencioso com jogadores que rescindiram os seus contratos (…)” mantendo “ainda com o treinador despedido (…) uma acção (…)” e que o requerido “terá ainda provavelmente de fazer face aos litígios que emergirão” com trabalhadores “suponham fiéis à direcção dos requerentes”, sendo que a “tradução financeira destes conflitos é ruinosa (…)”.
Concluem, resumindo, os requerentes, que a deliberação eleitoral de dia oito de Setembro se apresenta “ferida em duas das suas circunstâncias (…) a) a primeira das quais é o impedimento ilegítimo, violador dos estatutos e da Lei pelo qual se vedou a apresentação a sufrágio da lista integrada pelos aqui requerentes (sob o fundamento de uma suspensão nula em si própria, mas mesmo que assim não fosse, jamais uma suspensão sem a sanção acessória da inelegibilidade prevista no nº 4 do pretenso Regulamento Disciplinar invocado (…) poderia servir de base ao impedimento de uma candidatura eleitoral”, “b) e a segunda é a eleição da lista pretensamente vencedora nos termos que acima ficaram tratados, sendo a raiz da nulidade um escopo delitual e insufragável, como acima se viu, que impende sobre a inteira lista e exige a remoção das respectivas presenças e sempre assim seria mesmo que o processo houvesse sido formalmente correcto, o que, (…) não pode dizer-se”.
Acrescentam os requerentes que “103. Inúmeras anomalias ocorreram que sempre feririam os procedimentos e comprometeriam irremediavelmente o acto e a deliberação, assim,
104. O presidente da mesa demissionário anunciou uma hora limite para a recepção dos votos por correspondência, diferente da hora da convocatória (doc. nº 14 que se protesta juntar)
105. Tendo declarado a recepção de votos por correspondência após a hora limite que anunciara ele próprio e após a hora fixada na convocatória (doc. nº 15 que se protesta juntar)
106. Deu conta da existência de “votos duplicados” (doc., nº 16 que se protesta juntar)
107. Deu conta de uma avaria de computadores (que não identificou) com reflexo na afecção na contagem dos votos, com amplitude não esclarecida (doc. nº 17 que se protesta juntar)
108. As percentagens dos resultados oficialmente publicados somam 99% (doc. nº 18 que se protesta juntar)
109. Além disso, gente houve que se deslocou para votar, vinda de longe e à chegada foi informada de que já tinha votado (antes de chegar à mesa) doc. n,º 19 que se protesta juntar
110. Até às 13 horas, (…) segundo (…) C, teriam votado 9500 pessoas presencialmente o que implica um votante em cada 1,3” (1,3 segundos) e isso não é materialmente possível (doc. n. 20 que se protesta juntar)
111. O movimento de pessoas durante a tarde foi muito menor do que de manhã e não pode por isso ter-se duplicado a pretendida votação presencial com menos votantes presentes, aliás nem filas houve (…).
112. Na chegada dos votos por correspondência há milhares que não são considerados sem que isso apareça nas contagens ou nas percentagens (doc. n.21 que se protesta juntar);
113. Há várias queixas formuladas em público e em privado quanto à redução arbitrária do número de votos a que alguns votantes tinham direito juntando-se um exemplo (doc. nº 22 que se protesta juntar)
114. Antes do início da contagem de votos, já circulava a informação de que Varandas tinha ganho (…)
      
A terminar o requerimento inicial, referem os requerentes, sob o título “Periculum in mora” que:
117. A situação com o recorte explicitado não deve nem pode prolongar-se, sendo como é de execução continuada o acto em presença (eleição de lista com propósitos ilícitos publicamente enunciados, nem havendo razoavelmente prejuízo que se possa opor ao prolongamento de tal situação que traduz desafio à Ordem Pública e viola compromissos internacionais do Estado Português
118. Não sendo razoável esperar pela longa tramitação da acção de fundo, para eliminar, pela suspensão imediata da deliberação, as nefastíssimas consequências funcionais que decorreriam da contemporização com tão aberrante situação – traduzidas na violação continuada das obrigações internacionais do Estado Português comportando violação do Direito dos Tratados, como se viu;
119. Entre as consequências funcionais está a intimidação de quem se oponha em acção submetida a órgãos jurisdicionais aos interesses desta organização
120. E evidentemente os requerentes estão entre essas pessoas, foram alvo das tropelias enumeradas, e a eles também se lhes dirige a ostentação do “braço de ferro” prometido e publicamente declarado;
121. Tais situações, como bem se vê, não devem consentir-se nem por um segundo, não se vendo interesses de igual peso – e muito menos de peso superior - que possam opor-se aos que determinam a requerida suspensão e muito menos alegar-se seriamente como prejuízos da suspensão decorrentes,
122. De resto, as estruturas do status quo ante (o regresso à manhã de dia 23 de Junho) assegurariam perfeitamente a normalidade da vida associativa e viabilizariam a repetição necessária do acto eleitoral,”.

Distribuídos os autos a J 16 do Juízo Local Cível, o mesmo proferiu despacho liminar, discorrendo sobre os pressupostos do procedimento cautelar e em particular sobre a questão do valor, vindo então a considerar incorrecto o valor de €30.000,01 atribuído pelos requerentes, e a fixar outrossim à causa o valor de €100.000,00, declarando-se por isso incompetente face ao disposto no artigo 117º nº 1, al. a) da Lei 62/2013 e ordenando a remessa à distribuição pela Instância Central Cível.

Distribuídos os autos e conclusos, foi proferida decisão de indeferimento liminar, nos termos que aqui se transcrevem na parte relevante à decisão do presente recurso:
“Dispõe o art.º 380.º n.º 1 do Código de Processo Civil que, se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.
Resulta, assim, que são três os pressupostos para a procedência do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais:
- A qualidade de sócio do requerente;
- A tomada de deliberação por associação ou sociedade contrária à lei, os estatutos ou o contrato;
- A existência de dano apreciável na execução da deliberação.
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Quanto ao primeiro pressuposto, os requerentes invocam a qualidade de sócios, ainda que não a comprovem.
*
Quanto ao segundo pressuposto, há que distinguir a deliberação em si e a sua formação, incluindo a convocação da Assembleia Geral onde foi tomada.
Assim sendo, apenas podem ser aqui apreciados e valorados os vícios relacionados com a convocatória para a assembleia geral, os vícios relacionados com a tomada da deliberação e seu processo formativo.
Já não se inclui aqui a bondade e acerto da deliberação tomada.
Os requerentes interpõem o presente procedimento cautelar invocando a nulidade da deliberação por a sua lista não ter sido admitida ao sufrágio.
Quanto a este fundamento, não se vislumbra em que medida ou de que forma é que o facto de a lista - em que o primeiro requerente figurava como candidato a Presidente do Conselho Directivo e o segundo requerente como candidato a Vice-Presidente, não ter sido admitida por os requerentes se encontrarem suspensos da qualidade de sócios por decisão da Comissão de Fiscalização - determina a nulidade da assembleia geral do requerido de 08 de Setembro.
Não vem invocado que aquela decisão da Comissão de Fiscalização do Sporting tenha sido, por qualquer forma, validamente impugnada, pelo que a mesma é plenamente eficaz na ordem jurídica, ou seja, produz os seus efeitos.
Como também não vem colocado em causa que o art.º 29º do Regulamento da Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal, aprovado na Assembleia Geral de 24 de Abril de 2012, cuja epígrafe é a Capacidade Eleitoral Passiva disponha que qualquer sócio efectivo pode ser eleito para os órgãos sociais desde que, sem prejuízo de requisitos especiais para cargos específicos consignados nos estatutos:
a. se encontre no pleno gozo dos seus direitos associativos.
No caso, é manifesto que os requerentes não estavam no pleno gozo dos seus direitos associativos, uma vez que se encontravam suspensos da sua qualidade de sócios, ou seja, para todos os efeitos, os mesmos não eram, á data, sócios do requerido. E não podendo ser sócios, não podiam ser eleitos para os órgãos sociais do requerido.
Os requerentes invocam ainda que a deliberação é nula por fazerem parte da lista eleita dois Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça ainda em funções, um Juiz Desembargador também em funções e um Procurador da República.
Também aqui não vem invocada qualquer norma dos Estatutos ou do Regulamento da Assembleia Geral do requerido que determinem a inelegibilidade de sócios que sejam Magistrados Judiciais ou do Ministério Público.
Os requerentes invocam um conjunto de normas das quais retiram a ilicitude da eleição de Magistrados Judiciais ou do Ministério Público para os órgãos de uma associação desportiva.
Vejamos
O artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem diz respeito ao direito a um processo equitativo e dispõe o seguinte:
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:
a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;
b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;
c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem;
d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;
e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.
O art.º 11º da mesma Convenção diz respeito á liberdade de reunião e de associação e dispõe:
1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação, incluindo o direito de, com outrem, fundar e filiar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses.
2. O exercício deste direito só pode ser objecto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros. O presente artigo não proíbe que sejam impostas restrições legítimas ao exercício destes direitos aos membros das forças armadas, da polícia ou da administração do Estado.
O art.º 12º da Carta dos Direitos Fundamentais da União diz respeito à Liberdade de reunião e de associação e dispõe:
1. Todas as pessoas tê direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação a todos os níveis, nomeadamente nos domínios político, sindical e cívico, o que implica o direito de, com outrem, fundarem sindicatos e de neles se filiarem para a defesa dos seus interesses.
2. Os partidos políticos ao nível da União contribuem para a expressão da vontade política dos cidadãos da União.
O art.º 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União respeita ao Direito à acção e a um tribunal imparcial e dispõe:
Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal.
Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei.
Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.
É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efectividade do acesso à justiça.
Da simples leitura e a interpretação das referidas normas, resulta manifesto que nenhuma delas, isolada e conjugadamente, considera ilícita da eleição de Magistrados Judiciais ou do Ministério Público para os órgãos sociais de uma associação desportiva.
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Em face de tudo o exposto, impõe-se considerar inverificado o segundo pressuposto, o que é suficiente para determinar o indeferimento liminar do presente procedimento cautelar.
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Mas, mesmo que assim não fosse, sempre seria de considerar não estarem alegados factos consubstanciadores do terceiro pressuposto: que a execução da deliberação causa dano apreciável.
Desde logo, “mesmo que se entenda que é suficiente o juízo de probabilidade ou de verosimilhança na apreciação do requisito do dano apreciável (no sentido de se exigir uma probabilidade muito forte de dano, o certo é que não se prescinde em hipótese alguma da exigência de alegação (cujo ónus recai sobre o requerente) de factos concretos que permitam aferir da existência desse dano” (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 677; Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª ed, 111; Ac. do STJ de 20/05/97 in BMJ 467-529; Ac. do STJ de 16/03/99, no processo 99A103, disponível in www.dgsi.pt).
A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar dano apreciável reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade. O tribunal deve exigir, a respeito desse requisito a certeza ou pelo menos uma probabilidade muito forte e séria de que a execução da deliberação poderá causar dano apreciável- cfr. Ac. do STJ de 04/05/2000, no proc.00B337, in www.dgsi.pt.
Refere António Santos Abrantes Geraldes relativamente ao dano apreciável:
«Esta expressão integra um conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e comprovação de factos de onde possa extrair-se a conclusão de que a execução do deliberado acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe dos danos irrisórios ou insignificantes, embora sem se confundir com as situações de irrecuperabilidade ou de grave danosidade.» (in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 2º Edição, Almedina, página 92).
No Ac. da RL de 28.02.2008., consultável in www.dgsi.pt/jtrl pelo processo 920/2008-6 considerou-se:
«O dano apreciável é o dano significativo que pode resultar da execução da deliberação social ilegal, que a própria providência visa conjurar reconhecendo o periculum in mora na obtenção de uma decisão através da acção judicial de oposição a uma determinada deliberação. Como é evidente, a exigência legal de demonstração de que a providência cautelar da suspensão de deliberações sociais pode causar dano apreciável, impõe a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade, o que acarreta a certeza ou, pelo menos, a probabilidade muito forte e séria de que a execução da deliberação poderá causar prejuízo considerável. Exige-se, portanto, um juízo de forte probabilidade de dano iminente, bem como da medida e extensão do mesmo, que permitam tomá-lo por considerável, não sendo suficiente a alegação da mera possibilidade de prejuízo cujo volume não possa aquilatar-se. (…) Mostra-se, pois, necessária a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade, sendo, por conseguinte, incumbência do Requerente a demonstração da certeza ou probabilidade muito forte do dano.».
No Ac. da RL de 8 de Março de 2012, consultável in www.dgsi.pt./jtrl pelo processo 10903/11.2TBBNV.L1-8, considerou-se:
«A qualidade de sócio e a ilegalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao “dano apreciável”, exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação. A exigência legal de demonstração de que a execução da providência ode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade. O “dano apreciável” não é toda e qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesma comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo. (…) Daí que (…) basta um juízo de probabilidade no tocante à ilegalidade da deliberação, mas é necessário um juízo de certeza ou probabilidade muito forte quanto ao dano.»
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A anteceder o art.º 117º do requerimento inicial, os requerentes inseriram o que supomos ser um titulo “ Periculum in mora”.
Porém, lidos e relidos os artigos 117º a 122º do requerimento inicial não encontramos neles quaisquer factos concretos consubstanciadores da verificação do citado requisito, limitando-se a um conjunto de afirmações vagas e obscuras: “nefastíssimas consequências funcionais”; “ intimidação de quem se oponha em acção submetida a órgãos jurisdicionais aos interesses desta organização “…
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Nos termos conjugados do disposto nos artigos 226º n.º 4 alínea b) e 590º n.º 1 do CPC, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente.
Este fundamento baseia-se em razões substanciais ligadas à antevisão manifesta da inviabilidade da pretensão.
Estamos aqui perante um julgamento antecipado do mérito da providência que se justifica apenas nos casos de evidente inutilidade de qualquer instrução ou discussão posterior.
É o caso dos autos em face do exposto.
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Termos em que indefere-se liminarmente o presente procedimento cautelar.
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Custas pelos requerentes – art.º 527º n.º 1 do CPC”.
                         
Inconformados, os requerentes interpuseram o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
“1. A douta sentença viola o art.º 2º /1 e 2 do CPC traduzindo evidente negação da tutela jurisdicional efectiva, com isso violando também as obrigações do Estado no âmbito do Direito Europeu dos Direitos do Homem, sublinhando-se que nesta matéria ousa o texto fazer interpretações suas e próprias que contrariam a jurisprudência do TEDH no que respeita ao Dever de Discrição dos magistrados – sendo valorável à luz dessa jurisprudência o facto de magistrados dos tribunais superiores e até do Supremo Tribunal de Justiça, um dos quais com funções de inspector judicial extraordinário e cujo conjuge – ou equiparável – exerce funções na secção civel desta comarca, tomarem posição pública no dissídio de um clube de futebol, fazendo-se eleger - em acto cuja nulidade se arguiu – por tal modo que se comprometem com posição de parte a si próprios, fazendo pairar tal sombra sobre os tribunais que integram e bem assim sobre aqueles que a eles se encontrem subordinados, mostrando isso incompatível com o disposto no artº 6º da Convenção por ferir a independência dos tribunais
2. A interpretação feita no texto decisório traduz a violação prevista no artº 17º da Convenção
3. O indeferimento da arguição da violação do art.º 47º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia traduz, bem como a arguição das demais violações dos Direitos da Convenção integrados no Direito dos Tratados pelo art. 6º do Tratado de Lisboa, com o incidente de Direito da União deduzido, indeferimento desse incidente, acto para o qual faltam radicalmente as competências ao juiz nacional pelo que se mostra violado o art. 267º do Tratado de Funcionamento acarretando a nulidade da douta decisão
4. A consideração decisória em cujos termos a tomada fraudulenta dos corpos gerentes de uma associação não viola a liberdade de associação pela violação dos direitos da respectiva liberdade, traduz evidentemente e também a violação prevista no artº 17º da Convenção
5. O mesmo se dizendo da consideração de que as arguidas violações não comportam o dano apreciável para efeitos da decisão da presente providência
Termos em que deve declarar-se nula a douta decisão remetendo-se os autos à primeira instância para que julgue em conformidade ao Direito aplicável (…)”

Citado, tanto para os termos do requerimento inicial como para os do recurso, contra-alegou o recorrido, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1. A questão da inelegibilidade dos Recorrentes e da suspensão da sua qualidade de sócios (bem, como os respetivos fundamentos) não constam das Conclusões das Alegações de Recurso, pelo que não pode o Tribunal ad quem delas conhecer, por se encontrarem fora do âmbito do recurso interposto (cfr. artigo 635.º, n.º 4 do CPC).
Sem prejuízo, e porque a tanto obriga a cautela de patrocínio, sempre se diga que:
2. Tais questões e argumentos (quanto à inelegibilidade dos Recorrentes e da suspensão da sua qualidade de sócios) são absolutamente irrelevantes para o objeto dos autos, já que o aqui se discute é a validade (ou invalidade) da Deliberação tomada na AG Eleitoral e não dos atos que lhe são anteriores (como sejam, a decisão de suspensão da condição de sócio dos Recorrentes e/ou a rejeição da sua candidatura ao órgão executivo do Recorrido não tem que ver com a Deliberação tomada da AG, atos que tampouco são impugnados nesta sede);
3. À data da AG Eleitoral não estava em causa uma qualquer medida de “suspensão preventiva” dos Recorrentes, mas antes uma verdadeira decisão final proferida (em 02.08.20108) no âmbito do procedimento disciplinar instaurado contra os Recorrentes, e que decretou a aplicação definitiva de, respetivamente, um ano, para o Recorrente A, e 10 (dez) meses, para o Recorrente B, de suspensão da condição de associado;
4. A exclusão de um sócio de uma associação (ou de uma sociedade comercial) não pode ser entendida como uma sanção disciplinar, mas sim como um direito potestativo atribuído à pessoa coletiva, que tem como consequência a cessação de um vínculo contratual e associativo de natureza privada (cfr. artigos 2.º dos Estatutos do Recorrido, 167.º, n.º 2, 181.º e 1003.º do CC e 242.º do CSC). Podendo a sociedade excluir um sócio, poderá também - por força do princípio básico interpretativo segundo o qual a norma que permite o mais, permite o menos - suspendê-lo, incluindo preventivamente;
5. A sanção acessória prevista no n. º 4 do artigo 4.º do Regulamento Disciplinar do Recorrido não pode senão ser entendida como uma extensão da punição do sócio, o qual, pela gravidade da infração praticada, após cessar a sua suspensão e recuperar a sua qualidade de sócio e os inerentes direitos, contínua inibido, durante um período de tempo que não pode ser superior a 8 anos, de exercer funções nos órgãos sociais do Recorrido (podendo, no entanto, exercer todos os restantes direitos inerentes àquela qualidade que recuperou).
6. Resulta do artigo 59.º, n.º 1, alínea h) dos Estatutos do Recorrido que o Conselho Fiscal e Disciplinar tem poderes e competência para proceder à instauração de processo disciplinar contra qualquer sócio do Clube, mesmo que o visado seja membro de qualquer dos órgãos sociais em exercício de funções (ou seja, contra os tais “sócios-funcionários” a que se reportam os Recorrentes);
7. Em momento algum o Conselho Diretivo do Recorrido foi suspenso; quem foi suspenso foram determinados membros desse órgão – entre os quais os Recorrentes –, não estando em causa, portanto, a “suspensão de um outro órgão eleito” pelo Conselho Fiscal e Disciplinar, ao contrário do que asseveram os Recorrentes;
8. O facto de a qualidade de sócio dos Recorrentes estar suspensa implica, para todos os efeitos, que os mesmos não podem ser considerados sócios durante o período da suspensão. E não sendo os Recorrentes sócios, então também não têm legitimidade para impugnar a Deliberação da AG Eleitoral;
9. A transcrição das declarações do Dr. Frederico Varandas, plasmadas pelos Recorrentes no teor do artigo 13.º do seu Requerimento Inicial, são parciais e estão totalmente (e intencionalmente) descontextualizadas, já que o que o presidente de Conselho Diretivo do Recorrido aí referiu foi que os magistrados judiciais e do Ministério Público constantes da sua lista não iriam abdicar dos seus valores e que iriam exigir o máximo rigor, assim garantindo que a lista por si encabeçada, caso fosse
eleita, nunca colocaria em causa a legalidade democrática do Clube.
10. A existir alguma invalidade na deliberação da AG Eleitoral (o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona), a mesma seria sempre reconduzível à figura da anulabilidade, nos termos do disposto no artigo 177.º do CC supra citado, e não à da nulidade, conforme pretendido pelos Recorrentes (o que sempre ditaria a improcedência da nulidade arguida);
11. Nos termos do artigo 177.º do CC, as deliberações apenas são anuláveis se o seu objeto for contrário à lei (ou aos estatutos ou se tivesse existido qualquer irregularidade na convocação dos associados ou no funcionamento da própria assembleia). In casu, eleição de órgãos sociais não é, nem nunca poderia ser, um objeto contrário à lei – é, aliás, uma deliberação comum e necessária para o funcionamento regular e democrático das associações, pelo que nunca poderia ser anulada a Deliberação com tal fundamento;
12. Acresce que as disposições da CDFUE não têm aplicação direta às deliberações de associações desportivas porquanto (i) não só as associações desportivas – em particular, o Recorrido – não são Estados-Membros da União Europeia (ou qualquer órgão de soberania dos mesmos), como ainda (ii) a deliberação em causa não aplica direito da União Europeia;
13. As questões relacionadas com os impedimentos dos magistrados judicias (e os magistrados do Ministério Público) estão intimamente relacionadas com os ordenamentos jurídicos internos dos Estados Membros, não existindo qualquer regulamentação específica nesta matéria – nem devendo existir – a nível da União Europeia. É manifesto, pois, que as normas da CDFUE relativas à liberdade de associação e ao princípio da imparcialidade e independência dos magistrados judiciais
(e do Ministério Público) não têm qualquer aplicabilidade no caso sub judice;
14. Sem prejuízo, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da CEDH e 52.º, n.º 1 da CDFUE, o exercício do direito de liberdade associativa só pode ser objeto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros;
15. Para que a exigência de uma justiça independente e imparcial impusesse uma restrição à liberdade de associação dos magistrados judiciais, em particular, ao seu direito de eleição para os órgãos sociais de uma associação desportiva, necessário seria que tal restrição resultasse de lei expressa - o que não é o caso -, não podendo resultar de uma interpretação de um tribunal nacional;
16. De facto, os artigos 6.º, n.º 1 da CEDH e 47.º da CDFUE não impõem expressamente uma restrição à eleição de magistrados judiciais para órgãos sociais de associações desportiva, sendo que não existe qualquer outro normativo europeu ou nacional que a imponha;
17. Não existindo qualquer regra jurídica que expressamente impeça a participação de magistrados judiciais (ou do Ministério Público) em órgãos sociais de associações desportivas, a deliberação da AG Eleitoral não viola qualquer das normas europeias citadas pelos Recorrentes – nem qualquer norma nacional a este respeito –, sendo, por conseguinte, plenamente válida.
18. Se absurdo se considerasse existir um impedimento legal à elegibilidade de magistrados judiciais para os órgãos de uma associação desportiva, isso nunca determinaria a invalidade da Deliberação de eleição dos órgãos sociais, mas tão somente a caducidade do mandato desses concretos magistrados judiciais e a sua substituição pelos suplentes eleitos.
19. A CDFUE não é diretamente aplicável à deliberação da AG Eleitoral, sendo de acrescentar que a CEDH- e a interpretação das suas normas - não está incluída na previsão normativa do artigo 267.º do TFUE. Por conseguinte, não existia qualquer dever de reenvio de qualquer questão para o TJUE, sendo o Tribunal a quo inteiramente competente para conhecer da questão material subjacente aos presentesautos;
20. Sem prejuízo, a submissão de determinada questão ao TJUE – ou seja, o recurso ao mecanismo do reenvio prejudicial – é meramente facultativa, tendo sido deixada pelo texto europeu à discricionariedade do Tribunal nacional que decide a questão de fundo.
Não existe, pois, qualquer incompetência do Tribunal a quo para a decisão de indeferimento do incidente de Direito da União Europeia deduzido pelos Recorrentes;
21. Os Recorrentes não cumpriram o ónus de alegação e de consubstanciação que sobre si impendia no que respeita à (suposta) existência de um prejuízo considerável resultante da execução da deliberação impugnada, imputável à demora da acção principal de anulação e não à deliberação em si, antes optando por[2]
22. A violação de direitos da convenção invocado pelos Recorrentes, caso existisse (e não existe), apenas fundamentaria o fumus boni iuris, e não os prejuízos/danos resultantes da manutenção da deliberação da AG Eleitoral;
23. É facto público e notório que a deliberação da AG Eleitoral foi executada no próprio dia em que foram anunciados os seus resultados, na medida em que foi nesse mesmo dia (9 de setembro de 2018) que os membros recém-eleitos para os órgãos sociais do Recorrido, entre os quais o Conselho Diretivo, tomaram posse;
24. Por conseguinte, quaisquer eventuais danos que pudessem resultar para os Recorrentes de tal Deliberação (e que os mesmos não concretizam) sempre estariam já consumados.
25. Nesse sentido, é manifesto que a presente providência cautelar não teria qualquer utilidade, não tendo os Recorrentes qualquer interesse em agir;
26. Por fim, atentos os factos de conhecimento público relativos às relevantes questões que a Direção do Recorrido tem “em mãos”, tanto a nível financeiro e institucional como na relação com os seus atletas – e que a frágil situação do passado recente apenas foi estabilizada após a eleição de uma nova liderança considerada credível e competente –, é inquestionável que a suspensão da deliberação da AG Eleitoral teria o efeito prejudicial de criar uma nova crise institucional no Recorrido, com a consequente perda de confiança do mercado (tanto dos investidores, como dos jogadores) e as consequentes implicações financeiras e de tesouraria, que afetariam não só os associados do Recorrido mas também todos os seus atletas e trabalhadores e das quais o Recorrido poderá nunca recuperar;
27. Nestes termos, o pedido dos Recorrentes sempre teria de ser rejeitado pelo Douto Tribunal a quo na medida em que os danos causados ao Recorrido com a suspensão da deliberação da AG Eleitoral seriam manifestamente superiores a quaisquer danos alegadamente sofridos pelos Recorrentes – cfr. artigo 368.º, n.º 2 do CPC.
Nestes termos e nos demais de Direito (…) suprirá, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente (…)”.
Com as contra-alegações, apresentadas via Citius e notificadas aos recorrentes, o recorrido juntou certidão notarial da Acta da Assembleia Geral de 8.9.2018.
      
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, a questão a decidir é a de saber se o tribunal recorrido não devia ter indeferido liminarmente o requerimento inicial do presente procedimento cautelar, e ao invés deveria ter determinado o prosseguimento dos autos.

III. Matéria de facto
A constante do relatório que antecede e dando ainda aqui por reproduzido o teor da acta da Assembleia Geral Eleitoral de 8 de Setembro de 2018, de cujas deliberações é pedida a suspensão.

IV. Apreciação
Nos termos conjugados dos artigos 380º, 376º, 365º, 548º e 546º nº 2, 2ª parte, e 590º nº 1, todos do CPC, a petição é indeferida, no despacho liminar, quando o pedido seja manifestamente improcedente.
O tribunal recorrido, invocando os requisitos de procedência do procedimento cautelar nominado de suspensão de deliberações sociais – a saber, a qualidade de sócio do requerente, a tomada de deliberação por associação ou sociedade contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato e a existência de dano apreciável na execução da deliberação, conforme da decisão recorrida melhor consta e que nesta elucidação de direito não foi impugnada – passou a cotejar quanto no requerimento inicial se alinhou, e concluiu que tal alinhamento não iria integrar com sucesso o segundo pressuposto ou requisito e que não tinham sido alegados factos consubstanciadores do terceiro pressuposto, sendo por isso manifestamente previsível que a decisão a proferir fosse a de improcedência, do que, resultando a inutilidade do prosseguimento dos autos, se impunha indeferir liminarmente o requerimento inicial.
É desta decisão que vem interposto o presente recurso, em cujo petitório final se especifica que a decisão deve ser declarada nula e em consequência devem os autos ser remetidos à primeira instância para que julgue em conformidade ao Direito aplicável.
Nos termos do artigo 665º do CPC, sendo a decisão declarada nula, o tribunal de recurso substitui-se ao tribunal recorrido, quando evidentemente o possa fazer, isto é, quando esteja munido dos factos provados, após a correspondente actividade probatória a desenvolver na primeira instância. Significa isto que o sentido do petitório apresentado na sequência das conclusões do recurso tem o alcance de que a nulidade da decisão deve determinar que este tribunal de recurso determine ao tribunal recorrido que ordene o normal prosseguimento dos autos.
Significa isto também que não compete a este tribunal de recurso proferir uma decisão de mérito, que afirme o bem fundado das posições factuais e jurídicas alegadas no requerimento inicial, mas sim, em primeira linha, escrutinar se tinha ou não o tribunal recorrido razões para indeferir liminarmente o requerimento inicial, e mais concretamente se era ou não manifesta a improcedência da providência requerida.
Dizer agora que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 3 e 639º nº 1, ambos do CPC aprovado pela Lei 41/2013 de 26 de Junho, pelo que, sem prejuízo dos casos de conhecimento oficioso, as questões que delas não constem se têm de considerar definitivamente decididas.
Não constam das conclusões do recurso as questões relacionadas com as anomalias que os requerentes elencaram nos artigos 103º a 114º do requerimento inicial.
Quanto à questão de saber se consta das conclusões do recurso referência que permita apreciar quanto o tribunal recorrido discorreu a propósito do primeiro fundamento – recorde-se: “a) a primeira das quais é o impedimento ilegítimo, violador dos estatutos e da Lei pelo qual se vedou a apresentação a sufrágio da lista integrada pelos aqui requerentes (sob o fundamento de uma suspensão nula em si própria, mas mesmo que assim não fosse, jamais uma suspensão sem a sanção acessória da inelegibilidade prevista no nº 4 do pretenso Regulamento Disciplinar invocado (…) poderia servir de base ao impedimento de uma candidatura eleitoral” – poderia, admite-se, entender-se que as conclusões 2ª e 4ª (recorde-se: “2. A interpretação feita no texto decisório traduz a violação prevista no artº 17º da Convenção; 4. A consideração decisória em cujos termos a tomada fraudulenta dos corpos gerentes de uma associação não viola a liberdade de associação pela violação dos direitos da respectiva liberdade, traduz evidentemente e também a violação prevista no artº 17º da Convenção”), visto que este preceito, sob a epígrafe “Proibição do abuso do direito” dispõe que “Nenhuma das disposições da presente Convenção se pode interpretar no sentido de implicar para um Estado, para um grupo ou indivíduo qualquer direito de se dedicar a actividade ou praticar actos em ordem à destruição dos direitos ou liberdades reconhecidos na presente Convenção ou a maiores limitações de tais direitos e liberdades do que as previstas na Convenção”, lograriam tal acesso por este tribunal de recurso.
Mesmo a admitir tal entendimento, porém, não há senão que dizer que não consta da Acta da Assembleia Eleitoral de 8 de Setembro de 2018 qualquer referência nem qualquer deliberação que vede a “apresentação a sufrágio da lista integrada pelos aqui requerentes” nem se encontra qualquer deliberação sobre a suspensão dos mesmos nem qualquer menção ao fundamento desta, pelo que também a questão da inelegibilidade como sanção acessória prevista no “nº 4 do pretenso Regulamento Disciplinar invocado” não pode ser oferecida e considerada por este tribunal de recurso como fundamento para revogar o indeferimento liminar.
Ponderando a argumentação constante do requerimento inicial e do recurso, a questão da destituição da Direcção, enquanto deliberação tomada na Acta da Assembleia da 23 de Junho de 2018, estará a ser alvo de procedimento cautelar e eventualmente acção principal no âmbito do processo ao qual os requerentes logo indicarem irem requerer a apensação deste. Nos termos do relato também feito pelos requerentes e recorrentes, e que parece não oferecer dúvidas, a suspensão dos requerentes terá sido decidida em 2 de Agosto de 2018. Reitera-se portanto que se estamos num procedimento cautelar que visa a suspensão de uma deliberação tomada em Assembleia de 8 de Setembro, e se da respectiva acta nada consta, naturalmente porque as deliberações e decisões foram tomadas antes da sua data de realização, relativamente a elas não é no âmbito deste processo que se pode pedir a sua suspensão e portanto nada há a dizer. De igual modo, quanto à deliberação ou decisão que não admitiu a sufrágio a lista de que faziam parte os requerentes, porque ela não consta – aliás compreensivelmente porque a exclusão de uma lista de candidatura se faz previamente ao acto eleitoral e a Acta de 8 de Setembro se reporta precisamente ao acto eleitoral – da referida Acta.
Julgamos outrossim que o interesse da alegação “impedimento ilegítimo, violador dos estatutos e da Lei pelo qual se vedou a apresentação a sufrágio da lista integrada pelos aqui requerentes (sob o fundamento de uma suspensão nula em si própria, mas mesmo que assim não fosse, jamais uma suspensão sem a sanção acessória da inelegibilidade prevista no nº 4 do pretenso Regulamento Disciplinar invocado (…) poderia servir de base ao impedimento de uma candidatura eleitoral” é o de demonstrar a existência dum conflito, entre os requerentes e os seus opositores, que assim melhor se apresenta como base do argumento da nulidade da eleição – e repare-se que é esta a deliberação em causa, e não a prévia admissão da lista em causa – de uma lista que integra magistrados judiciais e do Ministério Público.
Antes de entrarmos nesta questão, afaste-se ainda outro fundamento invocado contra a decisão recorrida, no sentido que a mesma nunca poderia ter decidido pelo indeferimento liminar do requerimento inicial porque nele havia sido deduzido incidente de Direito da União, pois que para o indeferimento deste incidente (obviamente decorrente do indeferimento liminar do requerimento inicial), o juiz nacional não tem competência, mostrando-se violado o artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
É que, e independentemente das questões que o recorrido sustenta nas conclusões das suas contra-alegações, o tribunal recorrido não decide em última instância, esta sua decisão de indeferimento liminar total (e não apenas do incidente) não é uma decisão que não admita recurso, e por isso, para o tribunal recorrido, o reenvio ao Tribunal de Justiça não é obrigatório, antes se insere numa sua faculdade, cuja ponderação lhe pertence e compete, de acordo com a atribuição de competência feita pelo próprio artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
Dispõe com efeito o artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia o seguinte:
“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
       a) Sobre a interpretação dos Tratados;
       b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível”.
Pode até defender-se que a faculdade de suscitar a decisão do Tribunal de Justiça, a título prejudicial, sobre uma determinada questão constitua um poder-dever do tribunal nacional cuja decisão é susceptível de recurso, e até se admite que há pouca elaboração doutrinária e jurisprudencial sobre a questão do que fica vedado a magistrados judiciais em função da imparcialidade a que estão sujeitos, mas a ponderação da oportunidade do reenvio está ainda sujeita a uma outra ordem de consideração, mais concretamente, à habilitação da decisão do Tribunal de Justiça à decisão global da causa. Com isto significamos que num caso, como é o dos autos, em que o tribunal recorrido considerou que, além de não resultar violação de estatutos nem lei na presença dos magistrados judiciais na lista vencedora, a manifesta improcedência resultava ainda da não alegação de factos concretos que integrassem o dano, tal improcedência manifesta resultando assim não apenas da questão sobre a qual se suscitou o incidente de Direito da União, mas de um outro fundamento, suscitar o reenvio prejudicial e obter uma decisão do Tribunal de Justiça não traria qualquer resultado útil, na medida em que não impediria a decisão de manifesta improcedência pelo fundamento sobrante.
Em rigor, a possibilidade de reenvio prejudicial não constitui uma oportunidade aberta de construção de jurisprudência, uma ocasião de consultar o Tribunal de Justiça, antes se encontra vinculada à integração da decisão do Tribunal de Justiça na decisão do processo.
Anote-se que nas conclusões do recurso não vem renovado o incidente, e que de resto não cumpriria a um tribunal de recurso que aprecia se o requerimento inicial não devia, ou devia ter sido liminarmente indeferido, o objecto do recurso não nos permite sequer pensar na oportunidade de ser este tribunal de recurso a determinar o dito reenvio.
Em conclusão, não é a decisão nula por falta de competência do tribunal recorrido para indeferir o incidente de Direito da União enquanto consequência da sua decisão de indeferir liminarmente todo o requerimento inicial do presente procedimento cautelar, e não era a dedução desse incidente que obrigava o tribunal recorrido a não ter indeferido liminarmente o requerimento inicial.
Passemos então à questão de não dever ter sido decidido o indeferimento liminar do requerimento inicial ao menos na parte em que se pedia a suspensão da deliberação que declarou a eleição da lista vencedora, porque integrada por magistrados judiciais e do Ministério Público.
Não vem questionado no recurso o segmento decisório sobre a presença em lista destes magistrados não violar norma expressa dos Estatutos do recorrido e do Regulamento da Assembleia Geral, nem vem referida a violação dos Estatutos dos referidos magistrados, como aliás resulta das menções feitas pelos requerentes e recorrentes às posições do Conselho Superior da Magistratura e às referências a que seria desejável, senão imperioso, que o Estado, porventura intimado internacionalmente, expressamente proibisse os magistrados de integrarem listas às eleições para os corpos sociais de associações desportivas.
Como bem nota a decisão recorrida, é na conjugação dos preceitos internacionais invocados pelos requerentes, cuja aplicação resulta além do mais do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, que se encontra, na perspectiva dos requerentes e ora recorrentes, o quadro normativo do qual tal proibição decorre e se impõe como inelutável referencial da sociedade democrática.
Ora, a decisão recorrida, percorrendo esse quadro normativo, não encontrou regra nem princípio que impusesse tal proibição, o que suscita a inconformidade dos recorrentes.
É verdade que a questão não obtém uma solução automática, directa e literal, no direito nacional, pois que é preciso um esforço de discussão teórica sobre o conceito de justiça, da sua administração em nome do povo e do conceito de independência e de exclusiva submissão à lei, constantes dos artigos 202º e 203º da Constituição da República Portuguesa, para lograr nele incluir a questão da imparcialidade dos juízes, e nem mesmo o artigo 216º nº 3 da mesma Constituição, de resto renovado nos artigos 13º da Lei 21/85 de 30 de Julho e 81º da Lei 47/86 de 15 de Outubro resolvem o problema, precisamente enquanto o conceito de exercício de outra função não coincide com o conceito de exercício de um direito associativo, designadamente, o de ser eleito para órgão social de associação de que o magistrado seja associado, sendo que em termos de dispositivo expresso apenas a actividade político-partidária pública se encontra vedada aos magistrados judiciais e do Ministério Público.
Que dizer então quando conjugamos o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - “1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (…)” com o artigo  47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União – “Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei” (sublinhados nossos)?
O tribunal imparcial exige que os magistrados não possam exercer os seus direitos associativos, justamente aqueles prevenidos pelo artigo 11º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 12º da Carta dos Direitos Fundamentais da União que a decisão recorrida transcreve, designadamente que não possam ser eleitos para os órgãos sociais das associações desportivas de que sejam sócios?
Ora, na perspectiva do recurso que decide sobre o indeferimento liminar não ser devido, não temos exactamente de responder a esta questão que reconhecemos que é extremamente interessante, mas sim temos de perceber se a interpretação que os requerentes e recorrentes extraem destes normativos, se a resposta que dão a esta questão, não é manifestamente desrazoável, manifestamente incapaz de ser acolhida e se pode por isso ser discutida no prosseguimento dos autos em primeira instância.
Dos indicados preceitos que expressamente mencionam a imparcialidade do tribunal enquanto direito humano em sociedade organizada, para mais democraticamente, direito necessário em tanto quanto permite que cada humano prossiga a sua vida de acordo com regra estabelecida por vontade comum, confiando que tal regra será imposta se alguma violação, por outro humano, dela for praticada – assumindo assim a garantia de efectividade da regra o carácter de elemento fundante da própria vida em sociedade e integrando deste modo a ordem pública – retiram os requerentes e recorrentes o princípio da discrição, o qual submete os magistrados à necessidade imperiosa de, mesmo na sua vida pessoal, se afastarem de tudo o que possa comprometer a imparcialidade das decisões que vão tomar, o que é, a um passo, condição de exercício imparcial, pelos magistrados, e a outro, direito humano à justiça, especificamente na vertente em que quem recorre à justiça, activa ou passivamente, pode tudo temer menos a pessoa do magistrado. Ele será portanto, para quem e para todos os que recorram à justiça, o reduto da confiança no funcionamento de uma sociedade organizada pelo Direito.
Subscrevemos inteiramente o pensamento dos requerentes e recorrentes, com o senão de que os magistrados, por defeito, também são humanos, nessa humanidade, e para sê-lo, têm de desenvolver a sua personalidade, e este desenvolvimento só ocorre em nível de relação com os demais humanos, por sinal em sociedade organizada, e por conseguinte que não há campo desse desenvolvimento onde não possa surgir conflito e em teoria o seu potencial de jurisdição pode estender-se a quase todos os campos, porque poucos estarão subtraídos ao poder do Direito, tanto mais quanto a magistratura se estabelece a si mesma como organização, com o potencial de contaminação de todos os seus membros. Vem isto a dizer que por natureza humana é impossível estabelecermos uma regra por via da qual os magistrados se excluam de estabelecer quaisquer relações humanas, para poderem julgar os conflitos delas resultantes com imparcialidade, até pela razão relativamente evidente que tanta pobreza relacional os não lograria constituir em pessoas capazes de apreciar os problemas de outras pessoas.
Concretizando um pouco mais, não podem os magistrados ser excluídos, pura e simplesmente, de participarem em organizações, quaisquer que sejam. Não podem os magistrados considerar-se impedidos de participar na associação de pais, porque eventualmente têm de julgar litígios ocorridos no seio escolar. Não podem os magistrados ser excluídos de serem sócios de um museu, porque nele pode surgir um conflito que apenas a justiça consegue dirimir. Evidentemente, os requerentes e recorrentes não vão tão longe, o que reclamam é que os magistrados não possam exercer cargos sociais em associação a que pertençam. Há aqui de facto um grau diferente de envolvimento mas ainda assim retomamos alguma – e é de facto a maior componente da vida real e não das ficções do Direito – organicidade segundo a qual um magistrado pode assumir um papel activo na associação de pais, no museu, na liga dos amigos contra o cancro, e em tantas outras organizações a que pertença.
A questão é que há associações particularmente complicadas, como no caso concreto, em que se move a paixão e, além do mais, se movem interesses económicos de monta e em que também por via de ambos o potencial de conflito é muito maior – é no fundo o problema para que alertam os requerentes e recorrentes.
Historicamente, nem sempre as leis foram gerais e abstractas, antes consagraram diversas espécies de privilégios. A Ordem Pública que os requerentes e recorrentes invocam é herdeira do passo civilizacional em frente que se dá na consagração da igualdade formal e esta igualdade exige a lei geral e abstracta, ou seja, termos leis, que assim se entendem, com as características necessárias de generalidade e abstracção é também condição de Ordem Pública, da mesma Ordem Pública.
Por isso, quando a questão da participação dos magistrados se funda na necessidade de evitar que decidam conflito ao qual sejam próximos, quer para se garantirem a si mesmos as condições de imparcialidade, quer para garantirem à sociedade que têm essas condições, não temos outra via senão a de estabelecer uma regra geral e abstracta que os proíba de participação em cargos associativos, sem discriminação do tipo de associação.
Esta é uma exigência do Direito, e atrás dele, da sociedade que, mal ou bem, o elege e perpetua.
Naturalmente, e porque a actividade legiferante obedece mais à oportunidade de gestão da coisa pública, é possível pensar em círculos de abstracção e generalidade restritos. E é portanto possível pensar que pode ser instituída regra, ainda assim geral e abstracta, que exclua a participação de magistrados em determinado tipo de associação – é o que sucede com as actividades político-partidárias de carácter público.
Mas isto significa também que na ausência de regra expressa, na ausência de regulação de um círculo mais restrito de generalidade e abstracção, persiste a opção de gestão da coisa pública pelo valor da liberdade, ou seja, que o que não é expressamente proibido, deve considerar-se permitido pela gestão da coisa pública.
Deve, dum ponto de vista técnico, mas pode discutir-se se deve continuar a ser assim, se acompanhando a evolução das coisas e dos tempos, não surge uma problemática específica no campo da participação de magistrados em determinado tipo de associação que mereça obter uma nova proibição.
Simplesmente, como é claro, estamos então no campo do direito a constituir, e não no campo do direito constituído. O pensamento dos requerentes, acusando a violação do princípio instituído pela ordem internacional, acaba por incluir esta lógica quando reconhece, a nível nacional, que o Estado Português não criou norma expressa de proibição e que não está, nem as suas instituições estão, a implementar o princípio da discrição.
A questão é que as considerações que temos vindo a fazer, sobre a humanidade dos juízes e as exigências de ordem pública na própria construção do direito, abrangem também a ordem internacional, em cujos textos invocados pelos recorrentes se não encontra expressamente mencionada a proibição dos magistrados integrarem os corpos sociais de associações desportivas.
Como o princípio da discrição, pela naturalidade do conflito em qualquer área associativa, impediria os magistrados de desenvolverem actividades humanas relacionais estritamente necessárias à sua própria constituição em pessoas, como a Ordem Pública que assenta no princípio da igualdade exige a técnica de construção geral e abstracta das normas e esta impõe a lógica da liberdade nos campos sobrantes aos círculos restritos em que se impôs, por necessidade evolutiva, a regulação, também ao nível da ordem internacional conclamada pelos requerentes e recorrentes não conseguimos encontrar a proibição dos magistrados integrarem os corpos sociais de associações desportivas, do ponto de vista do direito constituído, sem embargo de reconhecermos a absoluta prudência de se operar a discussão em termos de direito a constituir, o que, num mundo tecnologicamente globalizado, porventura supera as diferenças na instituição da organização judiciária de cada membro da ordem internacional.
Assentemos assim que na nossa modestíssima opinião não se encontra em abstracto, na ordem interna nem na ordem internacional a que o Estado Português está obrigado, princípio que determine a proibição de magistrados integrarem corpos sociais de associações desportivas.
Saliente-se por isso que o destinatário e simultaneamente o interlocutor com competência de eficácia vinculativa para a posição abstracta reclamada pelos recorrentes não é o tribunal nacional, mas o Estado.
E portanto, do ponto de vista do indeferimento liminar, o prosseguimento dos autos para discussão desta questão, neste plano abstracto, não tem utilidade. Tanto bastaria portanto para dizer que um dos pressupostos do deferimento de uma providência de suspensão de deliberações sociais não se verificaria, pelo que haveria de confirmar-se a decisão recorrida.
Ainda assim, os requerentes e recorrentes fundam a sua posição a um outro nível, mais concreto.
Com efeito, argumentam, porque resulta das declarações de D conjugadas com o silêncio dos magistrados que integram a sua lista, que estes, apoiantes das posições desta lista, serão postos, ou tudo farão, na justiça, para que as posições e interesses dos requerentes e de seus apoiantes não vinguem, porque tais magistrados integram os quadros superiores da magistratura e um deles até tem funções de inspector, cria-se na sociedade credora da justiça enquanto garantia da sua existência e pacífico e acautelado desenvolvimento, o receio de parcialidade, não só destes magistrados mas de toda a, ou melhor, de ambas as magistraturas que integram o funcionamento da justiça.
A possibilidade dos requerentes e recorrentes terem razão quanto à interpretação das declarações e ao silêncio ou ao significado do silêncio não pode ser descartada sem produção de prova no tribunal recorrido.
Que, nós os juízes, vistos por eles os advogados, só para relembrar o ilustre jurista italiano mencionado pelos requerentes, ou que nós todos integrantes do sistema de justiça, juízes, magistrados do Ministério Público, advogados, solicitadores, e funcionários judiciais, garantamos a pés juntos que o receio de parcialidade não tem fundamento, é absolutamente deselegante, e indevido, fazê-lo.
Ponhamo-nos portanto no lugar do humano integrante da sociedade organizada credora da justiça e sobretudo credora da imparcialidade dos juízes, nas circunstâncias concretas de tempo e lugar deste humano, ou seja, no contexto nacional contemporâneo, marcado pela relevância do futebol profissional e pelo acesso tecnológico à cultura das redes sociais, e perguntemo-nos então se o facto de integrarem a lista vencedora às eleições para os corpos sociais da associação desportiva requerida e recorrida, quatro magistrados, sendo dois deles membros do Supremo e um deles inspector judicial extraordinário, permite dizer que para tal humano isso significa que todo o conflito em que os requerentes e recorrentes se dizem ter sido envolvidos, quando levado em qualquer dos seus múltiplos desdobramentos, à justiça, será decidido contra eles.
Encontra-se, esperamos, no senso comum, mesmo o mais superficial, a noção de que um juiz parcial pode ser afastado da decisão do processo, e há com efeito mecanismos legais de impedimento e suspeição que o permitem – e tais mecanismos são desde logo comprovação da inexistência de norma geral e abstracta que condicione o exercício de actividades associativas a magistrados em qualquer associação que seja, e são do mesmo modo demonstração de que o temor afirmado pelos requerentes e recorrentes não tem fundamento.
Encontra-se, estamos certos, no senso comum, a noção de que há uma margem reduzida da população que não se interessa por futebol – nela se podendo integrar magistrados – e encontra-se, com grande certeza, no senso comum, a ideia de que a paixão clubística se encontra dividida entre os portugueses pelos grandes clubes nacionais numa proporção que por certo se observará também entre os portugueses que são magistrados.
Alvitramos por isso que para a sociedade portuguesa credora da justiça imparcial, ela reconhecerá a dificuldade de todos os magistrados nacionais alinharem, por paixão, contra os requerentes e recorrentes. Alvitramos também que para a mesma sociedade, mais ou menos ciente de que ao menos existem vários tribunais espalhados pelo País e que portanto haverá um número não particularmente reduzido de juízes e de magistrados do Ministério Público, não se lhe instalará a desconfiança de que um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, mesmo aquele que é inspector, consiga, pela posição de prestígio ou pelo exercício inspectivo, condicionar todos os demais juízes à prolação de decisões desfavoráveis aos requerentes e recorrentes.
Nestes termos, que se oferecem com a humildade de quem reconhece que uma produção legislativa específica seria aconselhável, entendemos que nem do ponto de vista da sociedade credora da justiça imparcial se logrará demonstrar, no prosseguimento dos autos, a existência de grave ferida aos pressupostos existenciais da sociedade democrática causada pela participação de magistrados na lista vencedora.
Por isso, entendemos que é impossível ao tribunal deduzir – se é que não é criar – uma norma concreta, aplicável a estes magistrados e a esta lista vencedora – a partir do princípio da discrição, com a qual se preenchesse o segundo pressuposto de procedência da providência requerida.
Ademais, de facto, nada de concreto foi apontado aos mesmos magistrados, e se o fosse, haveria também de ponderar-se a existência de meios disciplinares contra eles, para reposição geral da confiança na justiça – e por certo o público está ciente de que vários magistrados têm sido sancionados e afastados justamente com invocação de parcialidade.
Em rigor, quando o tribunal afirma que não há alegação de dano concreto, de facto não há, nem mesmo quando se afirma uma execução continuada a que há que pôr termo, na qual os referidos magistrados se poriam então ao serviço que D lhes houvera cometido, estando-se apenas em presença da formulação de uma suspeita.
Do ponto de vista duma lesão geral da justiça, já demonstramos que não tem verosimilhança. Do ponto de vista da lesão dos direitos que os requerentes e recorrentes levaram ou pretendem levar à justiça, o que há é a indicação de um potencial de dano, num plano que não se confunde com o plano geral de descrédito da justiça, e que por isso mesmo precisaria realmente de indicação de factos concretos, de indícios concretos de parcialidade activa própria desses magistrados ou contaminante do restante corpo de magistrados, e não simplesmente da alegação da mera qualidade de magistrados em exercício e do seu silêncio sobre as declarações de D.
Também por esta razão – inteiramente processual – o procedimento cautelar, mesmo a prosseguir, seria com grande probabilidade brindado com a improcedência.
Nestes termos, e salvo melhor opinião, entende-se, que improcede o recurso.
Tendo nele decaído, são os recorrentes responsáveis pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso e em consequência confirmam a decisão de indeferimento liminar recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2019

Eduardo Petersen Silva

Cristina Neves

Manuel Rodrigues


[1] Com aproveitamento parcial do relatório da decisão recorrida.
[2] Reprodução exacta do teor da conclusão 21ª das contra-alegações.