Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6251/08.2TBCSC.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: ALIMENTOS
CESSAÇÃO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Os alimentos que decorrem da obrigação de quem detém o poder paternal só podem manter-se enquanto se mantiver o poder paternal. Quando este se extingue – com a maioridade ou a emancipação do filho - caducam, sem necessidade de qualquer pedido de cessação nesse sentido, mesmo que o filho esteja na situação do art 1880º CC, isto é, não haja ainda completado a sua formação profissional.
II – Esta conclusão não exclui o entendimento de que quando a maioridade ou a emancipação sobrevêm em acção de regulação ou alteração do poder paternal a acção deve ainda prosseguir para se apurar a medida, ou a nova medida, da pensão alimentar, que será devida desde a data da propositura da acção até à data da ocorrência da maioridade ou emancipação.
III - È que os pais quando pretendem a fixação ou alteração da pensão de alimentos, estão a regular questões que tendo embora como único beneficiário o filho, também lhes concernem por nela estarem co-envolvidos.
IV –Nessas situações, porque estão a agir também no seu próprio e directo interesse tentando harmonizar os seus diferentes interesses para melhor consecução do interesse superior do filho, a acção deve prosseguir, não agindo eles desde então em representação legal do filho, mas na defesa dos seus próprios interesses.
V- Já assim não é em acção em que esteja apenas em causa o cumprimento do acordo ou da decisão referente à fixação de alimentos, porque nessa situação o progenitor guardião age apenas em representação legal do filho.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
            B..., intentou em 11/8/2008, acção de alteração da regulação do poder paternal contra C..., pedindo a alteração do valor do duodécimo a ser pago mensalmente, fixado na sentença homologatória, de € 250,00, para o valor médio do duodécimo, a igualmente ser pago a título de pensão de alimentos às filhas, no montante de € 440,14, a que corresponde o valor anual de € 5.281,68, mais requerendo que o tribunal reconheça que ele  pagou a titulo de pensão de alimentos, os valores descritos e documentalmente comprovados nos arts 7º a 13º da petição, alegando que, por sentença que decretou o divórcio dele e da requerida, e que homologou o acordo sobre a regulação do poder paternal relativo ás filhas de ambos, D... e E..., ficou estipulado, além do mais, que o ele contribuíria a título de pensão de alimentos das menores com a quantia de € 250,00 durante 14 mensalidades, sendo a prestação actualizada anualmente na percentagem do aumento do seu vencimento. Alega que sempre contribuiu com valores acima dos estipulados nesse acordo, concretamente, no ano de 2001 pagou a título de alimentos às filhas o valor de € 5.246,00, no ano de 2002, o de € 5.214,86, no ano de 2003, o de  € 4.5000,00,  no ano de 2004, o de € 5.000,00, no de 2005, o de € 4.900,00, no ano de 2006,  o de € 6.762,00, e no ano de 2007, o de € 5.350,00, o que corresponde, respectivamente, aos seguintes duodécimos pagos mensalmente, de 434,55, 375,00, 414,66, 408,33, 563,50 e 445,83, o que significa que pagou o valor médio de 440,14. Esclarece ter a acção por fundamento o art 128º/1 do C. do Imposto sobre o Rendimento Singular visando a comprovação dos encargos por ele tidos na educação e formação das suas filhas através do pagamento da referida pensão de alimentos.
A requerida contestou alegando que, uma vez que o requerente pelo acordo de regulação do poder paternal ficou obrigado a pagar as despesas médicas não abrangidas pela Segurança Social e demais despesas extraordinárias com a educação e formação das menores, em igualdade de quotas com a requerida, pese embora haja pago às filhas as quantias que refere na petição, nem por isso cumpriu tal acordo, por um lado, porque nunca a informou dos aumentos do seu vencimento para actualizar a prestação acordada, por outro, porque, aplicando as taxas de inflação médias anuais dos anos imediatamente anteriores a cada ano de pagamentos, os duodécimos que o requerente deveria ter pago seriam superiores aos que pagou, totalizando a dívida o valor de 6,747,00, devendo o requerente ter em atenção para o ano de lectivo de 2008-9 que as duas jovens se encontram a frequentar universidades privadas, com os relevantes acréscimos de encargos que tal representa.

Tendo sido designado dia para uma conferência de pais, nos termos do art 175º/1 da OTM, constatou-se das certidões de nascimento entretanto juntas aos autos que a D... nasceu a 9/1/88 e a E... a 15/12/89, tendo, respectivamente, 21 e 19 anos de idade. Em face dessas circunstâncias, referindo-se que “com a maioridade cessa o exercício do poder paternal e que agora têm as filhas capacidade judiciária para intervirem em juízo, por si só, nomeadamente, para acordarem ou reclamarem directamente dos seus progenitores o seu sustento, não sendo possível já uma alteração da regulação do poder paternal quando o próprio já não existe quanto às filhas do requerente e da requerida”, julgou-se a acção totalmente improcedente.
II- Inconformado, veio o requerente apelar, tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:
1- Por decisão do Meritissimo Juiz do Tribunal a quo foi a acção de alteração da regulação do poder paternal intentada por B... contra C..., julgada totalmente improcedente;
2-Entendendo-se não ser possível alterar a regulação do poder paternal das filhas maiores;
3- Não podendo o ora Recorrente conformar-se ou concordar com tal decisão, porquanto, apesar de ser verdade que as suas filhas D... e E... tem, respectivamente, 21 e 19 anos de idade, não considera este, ao contrário do que foi afirmado no douto despacho de que ora se recorre, que "Com a maioridade cessa o exercício do poder paternal. ..", não sendo, em consequência, "possível a alteração da regulação do poder paternal quando o poder paternal já não existe quanto as Filhas do Requerente e da Requerida.";
4- Pois, e tal como dispõe o Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de Abril de 2005, Processo n° 4149/2005, "Não obstante os alimentos devidos a menores constituírem uma específica obrigação alimentar, o fim da menoridade não consta entre as causas de cessação da obrigação de prestação de alimentos, a que se reporta o artigo 2013° do CC, razão pela qual esta carece de ser judicialmente declarada a requerimento do obrigado, que alegará e demonstrará qualquer uma das causas aí previstas, exceptuando, como e óbvio, a situação da "morte do obrigado ou do alimentado", consagrada na respectiva alínea a).";
5- Sendo que, o que o ora Recorrente vem pedir no seu articulado de alteração de regulação do poder paternal, é que "A alteração do valor do duodécimo a ser pago mensalmente fixado na douta sentença homologatória de € 250,00, para o valor médio do duodécimo a igualmente ser pago a título de pensão de alimentos ás filhas, no montante de € 440,14, a que corresponde o valor anual de € 5.281,68;
6- Vindo, assim, pedir uma alteração do valor médio mensal superior que em tudo só virá beneficiar as suas filhas, dispondo, ainda, o já referido Acordão que, " ... se, na pendência da acção de regulação do exercício do poder paternal, ocorrer a maioridade do filho ou a sua emancipação, tal não determina a extinção automática e imediata da instância, porquanto, sendo a prestação alimentícia devida desde a data da formulação do pedido, com base no preceituado pelo artigo 2006° do CC, naquela acção se deverá estabelecer a pensão adequada, até ter sido atingida a maioridade, ou ser concedida a emancipação, alem de que a maioridade ou a emancipação não impedem que o processo de regulação do poder paternal se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso ao mesmo, como decorre do preceituado pelo artigo 1412°  1 e 2, do CPC.".
7- Razão pela qual, e em respeito do disposto no artigo 1880° do CC, se deve entender que, "Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a quem se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete", sendo esta a situação em apreço;
8- Pelo que este pai só quer prover ao sustento das suas filhas, assumindo as despesas relativas á sua segurança, saúde e educação, sendo, pois, este  um dos casos, que passaram a ser frequentes, em que "ainda não se completou uma formação profissional, especialmente se esta depende de habilitação de uma escola superior (assim, Rodrigues Bastos, Anotações ao Código Civil, Direito da Família, vol. V, 1980, p.18)";
9- Pelo que, neste caso, há todas as razoes para se manter a obrigação específica de sustento e de custeio das despesas de segurança, de saúde e de instrução das filhas do Recorrente; e
10- Devendo, como já se peticionou, em face do exposto, o douto Despacho de que ora se recorre ser revogado, no sentido da não extinção automática e imediata da instância e, consequentemente considerar-se procedente a acção de alteração de regulação do poder paternal intentada por B.... contra C....
Não foram oferecidas contra-alegações.

III- Colhidos os vistos, cumpre decidir tendo presente o circunstancialismo fáctico  processual acima relatado de que se destaca:
- A presente acção de alteração da regulação do poder paternal foi interposta em 11/8/2008, sendo referente a D... e E..., respectivamente nascidas em 9/1/88 e 15/12/89 e que são filhas do requerente e da requerida ;
- Pede-se na acção – entre o mais - que se altere a pensão de alimentos que o requerido ficou obrigado a pagar àquelas suas filhas no valor de 250 €  durante 14 mensalidades, sendo tal  prestação actualizada anualmente na percentagem do aumento do vencimento do requerente e acrescida com o pagamento de metade das despesas médicas não abrangidas pela Segurança Social e demais despesas extraordinárias com a educação e formação das filhas, para  o montante mensal  de  € 440,14.

IV - Vistas as conclusões das alegações, constitui objecto do recurso, a questão de saber se, ao contrário do que foi decidido na 1ª instância, a acção – de alteração do poder paternal - deveria ter prosseguido, não obstante a maioridade de ambas as filhas a que respeita.

            Sublinhe-se, desde já, que não pode ser despiciendo para a apreciação de tal questão, a circunstância de que o apelante parece prescindir na apreciação que faz da decisão recorrida de logo à data da instauração da acção ambas as filhas serem já maiores (a D... tinha então 20 anos e a E... tinha 18, que perfizera  em 15/12/2007). Esta circunstância implica que a maioridade das filhas não possa ser equacionada, nem em relação a uma, nem em relação à outra, como uma circunstância superveniente na decorrência da acção, mas como um facto jurídico já existente à data da interposição da mesma.
             È sabido que os filhos (só) estão sujeitos ao poder paternal [1]até á maioridade ou emancipação, como o refere o art 1877º CC.  
            E sabido também, que a fonte da prestação de alimentos aos filhos, não é a mesma relativamente a filho menor, ou a filho maior.
Ali, a obrigação funda-se no poder paternal do(s) alimentante(s) (art 1878º/1           CC), aqui, na carência económica do alimentando (art 1880º).
 Esta diferente fonte da obrigação de alimentos vai-se repercutir  no regime dos alimentos: enquanto que o filho sujeito ao poder paternal não tem que provar a necessidade de alimentos, por ser da natureza do poder paternal prover ao sustento dos filhos,[2] [3] já o filho maior (ou emancipado) tem que fazer a prova de que carece de alimentos e que o(s) progenitore(es) lhos podem prestar. E enquanto que no caso dos alimentos do menor sujeito a poder paternal, os alimentos tenderão a proporcionar ao menor condições de vida semelhantes à dos seus progenitores, no caso de alimentos devidos a maiores, os alimentos destinam-se essencialmente a suprir as necessidades básicas do alimentando [4].
Por assim ser, os alimentos que decorrem da obrigação de quem detém o poder paternal, só podem manter-se enquanto se mantiver o poder paternal. Quando este se extingue – com a maioridade ou a emancipação do filho - os alimentos caducam, sem necessidade de qualquer pedido de cessação nesse sentido [5].
Contra esta conclusão costuma argumentar-se, como o faz o apelante, com a disciplina do art 2013º CC, que, referindo-se às causas de cessação de alimentos, não elenca a maioridade ou a emancipação. Será, no entanto, caso para se dizer, como se observa no Ac R L 26/4/68 [6], que “atingida a maioridade o filho deixa de precisar dos alimentos que eram prestados pelo pai, já que a necessidade desses alimentos provinha unicamente da sua menoridade, encontrando-se assim a situação em causa abrangida na al b) do nº 1 do art 2013º do CC”.
Entende-se assim que a maioridade ou emancipação, fazem cessar imediata e automaticamente a obrigação de alimentos ao filho, e isso sucede mesmo que este se encontre na situação do art 1880º CC, isto é, “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional”.
É certo que a extinção, por caducidade, da obrigação alimentar decorrente da maioridade ou emancipação do filho, não obsta a que ambos os progenitores, ou apenas um, continuem a prestar-lhe alimentos, fazendo-o  em idêntica, ou diferente quantia, na medida em que o entendam, ou na medida em que venham a ser condenados em tribunal quando demandados, ambos, ou apenas um, em acção a intentar pelo filho maior, verificados os pressupostos facticos contidos no referido art 1880º CC.
Contrariando aparentemente o que se acaba de expor, refere o art 1412º/1 CPC, sob a epígrafe “ Alimentos a filhos maiores ou emancipados” que “quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do art 1880º CC, seguir-se-á, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores”. E o nº 2 dessa norma refere que “tendo havido decisão sobre alimentos a menores, a maioridade ou emancipação dos filhos não impedem que a alteração ou cessação corram por apenso.”
Decorre desta norma que quando o progenitor queira fazer alterar os alimentos que tenham sido fixados a filho menor, que entretanto se tornou maior ou emancipado, o processo respectivo corre por apenso àquele em que os alimentos foram fixados. Pretende o legislador que a nova definição dos alimentos - agora a filho maior ou emancipado - corra à vista do processo onde foram judicialmente estabelecidos alimentos aquando da menoridade, determinando uma competência por conexão.
E dir-se-á também deste nº 2 - quando nele se refere  a cessação de alimentos depois de ter havido decisão sobre alimentos a menor - que tal só poderá significar, que, afinal, a maioridade ou a emancipação não provocam a cessação imediata e automática da obrigação alimentar, antes carecendo o interessado nessa cessação de o requerer em juízo.
Ora, quer-se crer, que o segmento  da norma em referência, se mostra compatível com o entendimento que vamos defendendo, havendo apenas que restringir o seu campo de aplicação às situações, bem vulgares, do progenitor, após a maioridade ou emancipação do filho, continuar - voluntariamente -a prestar-lhe alimentos, por saber que o filho tem a eles direito nos termos do art 1880º, e, subsequentemente, vir a ter interesse em ver-se judicialmente desvinculado dessa assumida obrigação, por entender que já não se verificam os pressupostos de que o art 1880º faz depender a prestação de alimentos a filho maior, pedindo então ao tribunal que simplesmente declare a inexistência desse direito a alimentos (cfr art 4º/2 al a) CPC).  
            O que se vem a sustentar não exclui o entendimento de que, quando a maioridade ou a emancipação sobrevêm em acção de regulação ou alteração do poder paternal, a acção deva ainda prosseguir para se apurar a medida ou a nova medida da pensão alimentar, que será devida desde a data da propositura da acção  até à data da ocorrência da maioridade ou emancipação. Como é referido no Ac RP 3/11/87 [7], a prossecução da instância limitar-se-á a definir o montante da prestação mensal a pagar no período que antecede a maioridade.
 Há que acentuar para se compreender esta solução, que os pais ao regularem o exercício do poder paternal de um seu filho, mormente quando pretendem a fixação ou alteração da pensão de alimentos, estão a regular questões que, tendo embora como único beneficiário o filho, também lhes concernem por nela estarem co-envolvidos.
Foi assim que foi concluído no AC STJ, Uniformizador de Jurisprudência, de 4/7/95, DR I Serie A de 10-10-95,  onde se refere que, “sob pena de ilegitimidade, por se tratar de litisconsórcio necessário, deve ser proposta também contra o progenitor que tenha  a seu cargo a guarda do menor, a acção intentada para nova regulação do poder paternal para alteração da pensão de alimentos devida pelo outro progenitor”, sustentando-se para apoio desse entendimento que, “como os pais estão de igual modo obrigados a alimentar os filhos menores, cada um deles tem um interesse directo na fixação do montante com que o outro contribuirá para esse fim, pois quanto ao que cada um não dará, nem poderá dar, terá o outro que suprir essa falta na medida das suas possibilidades”, pelo que “qualquer alteração só poderá ser tomada com os dois  presentes como partes na nova acção”.
Refere Castro Mendes [8] que os processos de jurisdição voluntária têm por objecto uma situação anómala de interesses, que não é um litígio, constituindo um dos três tipos principais dessas situações os casos que refere, apelidando-os de desarmonia de interesses, como casos em que se entrecruzam interesses contrapostos, mas não no mesmo plano: um deles tem necessariamente posição de primazia. E acrescenta ser o que sucede com as providências relativas aos filhos  (os interesses dos pais são tomados em conta só num segundo plano).
Ora a partir do momento em que lucidamente se admita que os progenitores numa acção de regulação ou de alteração de regulação do poder paternal, estão a agir também no seu próprio e directo interesse, tentando harmonizar os seus diferentes interesses para melhor consecução do interesse superior do filho, passará a admitir-se que quando numa acção desse tipo sobrevenha a maioridade (ou emancipação) deste, a acção possa e deva prosseguir, não estando os pais a agir, nesse particular, em representação legal do filho - arts 1878º/1,123º e 124º do CC  – pois que essa representação cessa com a maioridade deste. O interesse que subsistirá, as mais das vezes, será o do progenitor guardião que foi prestando alimentos ao filho fazendo-o numa medida superior à que lhe competia em confronto com as possibilidades do outro [9], e a quem este deverá entregar, pese embora a maioridade do filho, o valor dessa diferença [10].
É que se o filho é, em última análise, o único credor dos alimentos, o facto é que os pais também são credores entre si relativamente à obrigação alimentar para com o filho.
Note-se, no entanto, que quando já esteja estabelecido o regime alimentar e esteja meramente em causa o cumprimento do acordo ou da decisão, já será apenas em representação legal do filho que o progenitor guardião poderá exigir este cumprimento, pelo que a maioridade ou emancipação deste, acarretarão, inevitavelmente, a extinção da acção.  

Feitas estas observações, aliás, muito aquém do concreto processo que está em causa, refira-se que na situação dos autos, em que o requerente continuou pacificamente a prestar alimentos às filhas depois que as mesmas atingiram a maioridade e em que pretende continuar a fazê-lo, e, no seu entender, em valor superior àquele a que foi obrigado pelo acordo de regulação do poder paternal que veio a ser homologado por sentença aquando do divórcio da mãe daquelas, não pode fazer qualquer sentido que venha requerer a alteração daquele acordo.
Por definição, aquele acordo já o não vincula, nem perante o tribunal, nem perante as filhas ou a requerida. Caducou e por isso não pode ser alterado.
Não está em questão, também, nos autos, o pedido de homologação de simples acordo extrajudicial relativo a alimentos a filho maior que se encontre na situação do 1880º CC (cuja admissibilidade poderia inclusivamente ser discutível) já que a tratar-se de um acordo tinha que ter como sujeitos os verdadeiros titulares dos interesses a dirimir, que são as próprias filhas, já maiores, e não tem.
Deste modo, poder-se-á concluir que a acção de que o requerente lançou mão não era  a própria – não se devia tratar de acção de alteração do poder paternal, porque o mesmo já findara.
Mas, a configurar-se como uma acção de alimentos, os seus sujeitos passivos haviam de ser, para além da progenitora, necessariamente, as filhas, e o facto é que as mesmas não foram demandadas. E a progenitora não as podia representar, na medida em que estas, com a respectiva maioridade, adquiriram capacidade de exercício.
È certo que o requerente formulou na acção um outro pedido autónomo daquele que se tem vindo a pressupor, e que era o de que o tribunal declarasse (reconhecesse) que ele pagou a título de pensão de alimentos, os valores descritos nos arts 7º a 13º da petição.
Mas para este pedido também a requerida não é por si só sujeito passivo, pois que o requerente também haveria de ter confrontado as filhas maiores com este pedido.
V- Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

                                               Lisboa, 10 de Setembro de 2009
                                               Maria Teresa Albuquerque
                                               Isabel Canadas
                                               José Maria Sousa Pinto          

[1] - Definia-o Armando Leandro, “Poder paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações”, como o conjunto dos poderes deveres que competem aos pais relativamente à pessoa e bens dos filhos, situação jurídica complexa, onde existem poderes funcionais, ao lado de puros e simples poderes. Tratava-se de um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta, exercido no interesse dos filhos e sob a vigilância da ordem jurídica, visando como objectivo principal a protecção e promoção dos interesses dos filhos, com vista ao seu desenvolvimento integral”.
[2] Cabe aos pais prover ao sustento dos filhos. O dever de manutenção é mesmo constitucionalmente imposto aos pais  - art 36º/5 da CRP – e compreende a habitação, o vestuário, a alimentação, prestações com a saúde e a segurança ou com a educação. O conteúdo e medida da obrigação alimentar resultante do poder paternal  é mais lato que a obrigação de alimentos que decorre dos termos gerais do art 2003º CC.
[3]- Na situação a que se refere o art 1879º  CC- os pais ficarem desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumirem as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, na medida em que os filhos estejam em condições de suportar pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos – serão os progenitores que têm o ónus de prova desta situação.
[4] Sem prejuízo de, quando o filho maior seja ainda convivente com um dos progenitores, os alimentos que lhe sejam devidos, também poderem ter como objectivo o proporcionar de condições semelhantes às do outro progenitor.
[5] Lembre-se que a caducidade, nas palavras de Castro Mendes, “Teoria Geral do Direito Civil” 1973, ed AAFDL, III, 495, é, em sentido amplo, a “ cessação de um direito, ou duma situação jurídica, não retroactivamente, pela verificação de um facto jurídico stricto sensu”, acrescentando como sinónimos, “ope legis”, “ope juris”, ipso jure”, “ipso facto” .
[6] JR,14º-317. No acórdão em referência diz-se no ponto 1 do seu sumário :” A obrigação imposta  (…) a um pai de prestar alimentos a um filho menor filia-se unicamente na menoridade desse filho, pelo que atingida a maioridade  termina o motivo que originou a obrigação e cessa automaticamente o dever de efectuar a prestação alimentícia”.
[7] BMJ 371º-544. Constitui sumário desse acordão: “A maioridade de filho ocorrida no decurso do processo de alteração de alimentos configura uma causa extintiva da instância, que se repercute no processo no sentido de o tribunal só apreciar o objecto da lide (alteração de alimentos) desde a formulação do pedido aao momento em que a maioridade foi atingida”. No mesmo sentido, cfr Ac RL 19/12/80 CJ, I, 39; Ac RL 11/11/82 CJ, V,90; Ac RP 29/11/84 CJ, V-255.
[8] -  “ Direito Processual Civil”, ed AAFDL 78/79, I , 82
[9] - O que se pode  até presumir que sucedeu
[10] Verificar-se-á no caso referido, visto que, manifestamente, os alimentos terão vindo a ser prestados sem intenção de liberalidade, uma situação subrogatória nos termos gerais do art 592º do CC, ficando o progenitor que supriu a omissão do outro nos alimentos, subrogado nos direitos do credor dos alimentos (o filho), e a prossecução da acção destinar-se-á, para lá da definição do montante da pensão devida, também à exigência do crédito subrogado.