Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11162/08.9YYLSB-A.L1-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA REUNIÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Constitui título executivo a acta de reunião de condóminos que define a comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o respectivo montante e o prazo de pagamento.
2. O montante em dívida pelo condómino constitui mero exercício de liquidação que poderá ser realizado no requerimento executivo, sendo dispensável a junção de acta de reunião de condóminos que quantifique o montante em dívida pelo condómino.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - RELATÓRIO

O Condomínio do prédio E…, representado pela Administração, veio intentar a presente acção executiva, contra S…Lda., pedindo a condenação desta a pagar à exequente a quantia de 6.354,84 Euros correspondente à soma das prestações de condomínio em dívida, tendo o executado, ora oponente, deduzido oposição.

Para tanto, alega, em síntese, a inexistência de título executivo, uma vez que não se encontram discriminados nas actas dadas à execução a que se refere não determinam o quantum da prestação em dívida.

Notificado o exequente, impugnou a versão apresentada pelo oponente.

Foi proferida decisão que julgou a oposição totalmente procedente, em consequência, decide-se extinguir a execução.

            Vem a Exequente recorrer da decisão, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:

           1. Depois de especificar os fundamentos de facto (as actas dadas à execução) e os de direito (o regime de exequibilidade das actas das assembleias de condóminos consignado no nº 1 do art. 6º do Dec.-Lei nº 268/94), a sentença não faz a aplicação do regime jurídico às actas apresentadas pelo Exequente, em termos de expressar as razões pelas quais entende que essas actas não reúnem aquela aptidão executória, especificando em concreto os requisitos que na sua óptica estão ausentes;

2. Residindo nesta questão o fundamento da decisão, e estando a mesma ausente da sentença, esta não pode deixar de ser considerada não fundamentada e, por isso, nula, por incorrer na causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC pré vigente;

3. Mesmo no pressuposto de que a sentença está fundamentada, ela é não deixa de ser nula, por os fundamentos aduzidos estarem em oposição com a decisão e, dessa forma, incorrer na causa de nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC pré vigente;

4. Caso se entenda que a sentença não é nula, ela incorre então num erro de julgamento manifesto e grosseiro, que quase parece um mero engano;

5. O thema decidendum do presente recurso consiste em apurar se as actas dadas à execução nos autos reúnem, ou não, os requisitos estabelecidos no nº 1 do art. 6º do Dec.-Lei nº 268/94, para que possam constituir títulos executivos;

6. De acordo com esta disposição, são requisitos de exequibilidade da acta da assembleia de condóminos: (i) Deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio; (ii) Fixação da quotaparte devida por cada condómino, e (iii) Fixação do prazo de pagamento respectivo;

7. Todas as actas dadas à execução, atento o respectivo teor, reúnem aptidão para constituir títulos executivos, na exacta medida em que preenchem todos os requisitos estabelecidos no nº 1 do art. 6º do Dec.-Lei nº 268/94;

8. A posição da Oponente genericamente acolhida na sentença evidencia claramente uma interpretação deficiente desta disposição e, bem assim, do nº 1 do art. 45º do CPC em vigor à data, porquanto depender o valor das actas como título executivo da menção ao montante em dívida (capital e juros) pelo executado, com especificação inequívoca das dívidas;

9. Esta posição já não encontra o mínimo de suporte na jurisprudência firmada sobre a questão sub judice;

10. A aptidão executiva da acta da assembleia de condóminos emerge da al. d) do nº 1 do art. 46º do CPC pré vigente, o qual confere a lei especial (que in casu é o art. 6º, nº 1, do Dec.-Lei nº 268/94) a possibilidade de atribuição de força executiva a determinados documentos, logicamente nas condições prescritas nessa lei.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso de apelação ora interposto e fundamentado, com as legais consequências.

       Contra-alegou a Executada para se pronunciar no sentido da manutenção da sentença.

            Corridos os Vistos legais,

           Cumpre apreciar e decidir.

Como se sabe, o objeto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formulado, importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, pelo que, no essencial, importa saber se as actas dadas à execução nos autos reúnem, ou não, os requisitos estabelecidos no nº 1 do art. 6º do Dec.-Lei nº 268/94, para que possam constituir títulos executivos e se, consequentemente, existe ou não fundamento para o indeferimento liminar do requerimento inicial nos presentes autos de execução.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) A Assembleia de Condóminos decidiu mandatar a Administração para proceder à cobrança das comparticipações para despesas de condomínio devidas pelo ora oponente.

2) Deu como título executivo as actas de 05.03.1995 – acta n.º 7, de 29.10.2007 – acta n.º 29, de 29.07.1997 – acta n.º 8

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação

Alega a Exequente/Recorrente que a sentença é nula com fundamento no disposto na al. b) do nº 1 do Art. 668º do CPC [(atual art. 615º nº 1 al b)] já que não especifica os fundamentos de facto e de direito justificam a decisão.

Vejamos.

Ainda que a sentença recorrida não apresente uma fundamentação extensa e exaustiva, mostra-se suficiente, dela constando a fundamentação de facto e de direito, nomeadamente a legislação aplicável tendo em conta que a natureza dos títulos dados à execução.

Ademais, segundo a doutrina e jurisprudência dominantes só a falta absoluta de motivação e não a motivação meramente deficiente ou medíocre conduz à nulidade. A nulidade da sentença prevista na al. b) do art. 668º do CPC, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente.

      2. Da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão

Alega ainda o Apelante, que a sentença é nula por os fundamentos aduzidos estarem em oposição com a decisão, de acordo com os disposto na al. c) do nº 1 do art 668º do CPC [(atual art. 615º nº 1 al c)], atendendo a que na sentença recorrida se refere que “as atas das deliberações da assembleia de condóminos para poderem ser título executivo, devem fixar os montantes das contribuições devidas ao condomínio ou despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou a serviços de interesses comuns, bem como estabelecer prazo para o pagamento e fixar a quota parte de cada condómino ”o que levaria à conclusão lógica de que as actas reuniam os requisitos estabelecidos no nº 1 do art. 6º do Dec-Lei nº 268/91 e, por consequência, à improcedência da oposição à execução.

       Constata-se, porém, que, a sentença recorrida, para fundamentar a inexistência de título executivo, estriba-se em orientação que defende que as actas só constituem título executivo quando liquidam os valores em dívida, não se verificando, por isso, oposição entre os fundamentos invocados e a decisão e consequentemente mostra-se improcedente a arguida nulidade.

3. Do título executivo

3.1. A acção executiva tem por finalidade exigir e obter, coercivamente o cumprimento de uma obrigação, e funda-se, necessariamente, num documento, o título executivo, que determina o seu fim ou limites, nos termos do artigo 45º do CPC, sendo por ele que se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor, título esse que se entende não se confundir com a causa de pedir da acção executiva, já que esta se traduz na obrigação exequenda, que deverá ela sim, constar do título oferecido à execução[1].

Entre os títulos executivos encontra-se a acta de reunião da assembleia de condóminos.

No caso concreto, importa apurar se as actas dadas à execução nos autos constituem título executivo, por reunirem os requisitos legalmente estabelecidos para o efeito, como defende o Exequente, ou se, pelo contrário, tal não sucede, conforme resulta da sentença recorrida.

De acordo com o nº 1 do art. 6º do Dec.-Lei nº 268/94, de 25OUT, «a  acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte».

3.2. Em causa está o entendimento do que deva considerar-se por “contribuições devidas ao condomínio: trata-se das venham a ser devidas em função de deliberação da assembleia que fixa as comparticipações a pagar por cada condómino, ou, antes das reconhecidas na deliberação da assembleia, como já então vencidas e não pagas.

Segundo a sentença, para haver título executivo, a acta terá de fixar as prestações a suportar por cada condómino, bem como o respetivo prazo de pagamento, devendo, ainda liquidar as quantias já em dívida pelo condómino, como parece ser o sentido perfilhado na decisão sob recurso.

Defende a Recorrente/Exequente, o entendimento que considera como título executivo, a acta de reunião de condóminos que define a comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, o respetivo montante e prazo de pagamento, sem prejuízo do exequente poder liquidar esse valor no próprio requerimento executivo.

Afigura-se ser este o entendimento a seguir e o que maior apoio encontra na jurisprudência[2].

Na verdade, a indicação do valor em dívida corresponde a um mero exercício de liquidação, pelo que, poderá o mesmo ser realizado no próprio requerimento executivo, tendo em conta que as prestações exequíveis serão aquelas que já se mostrem vencidas, artigos 802 e 805, n.º1, do CPCivil.

São, assim, requisitos de exequibilidade da acta da assembleia de condóminos:

- Deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio;

- Fixação da quota-parte devida por cada condómino;

- Fixação do prazo de pagamento respectivo.           

3.3. Vejamos, então, se as actas dadas à execução preenchem os referidos requisitos.

     - Assim, da Acta nº 7, referente à assembleia de condóminos de 5.MAR.1995 (a fls 15 a 23vº dos autos de execução), constam os valores das contribuições mensais para despesas e serviços de interesse comum a pagar por cada condómino e que foram fixados respectivamente em 400$00 / € 2,00, para o titular da fracção “A” (a Oponente C…) 1.800$00 / € 8,98, para os titulares das fracções “B” e “C”, e 2.000$00 / € 9,98, para os titulares das fracções “D” a “M”.

         Na parte que à fracção da Oponente C… diz respeito, consta da referida acta o seguinte: «em conta as percentagens e valores estabelecidos na escritura de constituição da propriedade horizontal, foi fixada para a fracção A – Cave – a importância de quatrocentos escudos mensais, para integração no fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício».

         Mais se deliberou que as contribuições em causa deviam ser entregues até ao dia 10 do mês a que respeitavam.

           Afigura-se, pois, que os requisitos estabelecidos no nº 1 do art. 6º do Dec.-Lei nº 268/94 estão presentes nesta acta.           

- Também a Acta nº 29, referente à assembleia de condóminos de 29.OUT.2007 (a fls 24 a 28vº dos autos de execução), fixa os valores das contribuições mensais a pagar por cada condómino, a título de despesas de condomínio, foram fixados em, respectivamente, € 4,00, para o titular da fracção “A” (a Oponente C…), € 18,00, para os titulares das fracções “B” e “C”, e € 9,98, para os titulares das restantes fracções.

            Foi, ainda, deliberado que estes valores passavam a vigorar a partir de Janeiro de 2008, inclusive.

           Mais se deliberou aprovar o pagamento de uma contribuição extraordinária única, no valor de € 200,00 por fracção, para criação de um fundo de maneio destinado a fazer face a despesas extraordinárias, contribuição essa a pagar até 31 de Dezembro de 2007.

          Assim sendo, também esta acta reúne os requisitos de exequibilidade estabelecidos no nº 1 do art. 6º do Dec.-Lei nº 268/94.           

- Por último, da Acta nº 8, referente à assembleia de condóminos de 29.JUL.1997 (a fls 29 a 34vº dos autos de execução) consta que foi deliberado e aprovado, por unanimidade, proceder à realização de obras e ao pagamento para esse efeito de uma contribuição extraordinária no valor de 700.000$00 / € 3.491,60, para o titular da fracção “A” (a Oponente C…), 350.000,00 / € 1.745,79, para os titulares das fracções “B” e “C”, e 400.000$00 / € 1.995,19, para os titulares das restantes fracções.

          Relativamente ao prazo de pagamento desta contribuição, «a assembleia de condóminos deliberou que as contribuições fixadas deverão ser depositadas na conta (…) no prazo de quinze dias, a contar da data de recepção pelos condóminos ausentes da reunião, da comunicação das deliberações da assembleia (…)».

          Ora, a C... fez-se representar nesta assembleia e votou favoravelmente as deliberações nela tomadas.

Também esta acta reúne os requisitos de exequibilidade fixados no nº 1 do art. 6º do Dec.-Lei nº 268/94.           

Em resumo, o Recorrente, enquanto Exequente, apresentou as actas de reunião do condomínio, nas quais, para além do mais, mostra-se aprovada a fixação das prestações a satisfazer por cada condómino e o respetivo prazo de pagamento, definindo a quota-parte da responsabilidade de cada um deles, assim constituindo título executivo relativamente à Executada, liquidados que foram, em sede do requerimento inicial, os montantes em dívida.

            Concluindo:

1. Constitui título executivo a acta de reunião de condóminos que define a comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o respectivo montante e o prazo de pagamento.

2. O montante em dívida pelo condómino constitui mero exercício de liquidação que poderá ser realizado no requerimento executivo, sendo dispensável a junção de acta de reunião de condóminos que quantifique o montante em dívida pelo condómino.

            IV – DECISÃO

            Termos em que se acorda em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida e julga-se improcedente a oposição, determinando o prosseguimento da execução.

            Custas pelo Recorrido.

            Lisboa, 29 de Maio de 2014.

(Fátima Galante)

(Gilberto Santos Jorge)

(António Martins)


[1] Cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 7.5.2005, in www.dgsi.pt.
[2] Entre outros o Ac. RL de 11 de julho de 2013, Relatora Ana Resende, www.dgsi.pt/jtrl.