Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0072466
Nº Convencional: JTRL00020925
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
NOTIFICAÇÃO PARA PREFERÊNCIA
Nº do Documento: RL199501190072466
Data do Acordão: 01/19/1995
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS.
Legislação Nacional: L 63/77 DE 1977/08/25 ART1.
DL 321-B/90 DE 1990/10/15 ART1 ART3.
RAU90 ART47.
CPC67 ART514 ART1460 ART1465.
CCIV867 ART2309 PAR5.
CONST89 ART65 N2.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1990/11/15 IN BMJ N401 PAG570.
Sumário: I - O locatário habitacional de imóvel urbano, mesmo que só de parte dele, tem sempre o direito de preferência na celebração da compra e venda ou dação em cumprimento do mesmo ainda que estes negócios abranjam todo o imóvel.
II - O exercício do direito de preferência não exige o afastamento prévio dos demais titulares do direito através do processo previsto no art. 1465 do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
- Intitulando-se arrendatário habitacional do 1. andar esquerdo de um prédio urbano que identifica, prédio esse não constituído no regime de propriedade horizontal e que foi vendido pela primeira ré,
(E), sua anterior senhoria, aos demais réus, sem que a ele autor tenha sido dado prévio conhecimento dos elementos essenciais da alienação, veio (J) instaurar contra (E) e (A) e mulher, (G), acção com processo ordinário, com vista ao exercício do direito de preferência de que se diz titular, pedindo a condenação dos réus a reconhecerem o direito dele autor de haver para si o dito prédio, na sua totalidade, operando-se a substituição daqueles réus adquirentes pelo preferente, ora autor, devendo aqueles restituir as rendas recebidas desde a data da escritura de compra e venda até decisão final calculando-se então o valor.
Após depósito, pelo autor, do preço, que era de 9200000 escudos, os réus contestaram, em parte por impugnação e, em parte, sustentando que o autor não tinha direito de preferência precisamente porque só o poderia ter em relação ao andar que lhe estava arrendado, o que era impossível por o objecto da venda ser todo o prédio, não constituído em propriedade horizontal, além de que o prédio tinha mais inquilinos, não tendo o autor feito uso prévio do processo de notificação para preferência; daí que concluam pela improcedência da acção.
Em réplica, o autor rebateu a matéria de excepção.
Proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções nem nulidades secundárias, foram elaborados especificação e questionário. Apenas daquela reclamou o autor, tendo a sua reclamação sido deferida por ter havido manifesto lapso na redacção inicial de uma das alíneas da mesma peça.
Oportunamente teve lugar a audiência de discussão e julgamento, tendo sido dadas respostas aos quesitos, após o que foi proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando os réus no pedido.
Apelaram os réus. Os adquirentes, - (A) e mulher -, porém, só extemporâneamente apresentaram alegações, que por isso foram desentranhadas, tendo o seu recurso sido julgado deserto. Já a ré (E) apresentou alegações tempestivas, que terminou pelas seguintes conclusões:
1) O art. 47 do RAU não reconhece ao autor direito de preferência na venda do prédio a que os autos se reportam;
2) A entender-se de forma diversa, e por especificado que havia outros inquilinos habitacionais, deveria o autor ter usado o meio processual previsto no art. 1465 do CPC, que é absolutamente indispensável para determinar quem de entre os preferentes pode arrogar-se o direito de preferência.
Por isso entende que a sentença deve ser revogada, com a absolvição da ré do pedido.
O autor contra-alegou, sustentando a confirmação da sentença.
Colhidos os vistos legais, cabe decidir, com base nos seguintes factos, que se encontram assentes:
1) Entre os réus (E) e (A) foi celebrado o contrato constante da certidão de fls. 24 e seguintes, que se reporta ao prédio descrito na certidão de fls. 84 e seguintes e cuja propriedade está inscrita a favor do réu (A), conforme essa certidão;
2) O autor é arrendatário habitacional do 1. andar esquerdo do prédio em causa, sendo a renda mensal de 2467 escudos;
3) Tal prédio tem, para além do autor, os inquilinos habitacionais constantes do art. 3 da contestação da ré (E);
4) O arrendamento referido no n. 2 teve início em 1970, vivendo o autor com o seu agregado familiar, desde então, no locado;
5) A ré (E), atráves de procurador, enviou ao autor, e este recebeu, a carta constante do documento de fls. 14;
6) A que o autor respondeu pela carta constante do documento de fls. 15;
7) Na sequência da troca de correspondência referida, foram enviadas as cartas constantes dos documentos de fls. 16 e 19, as quais foram recebidas pelos seus destinatários;
8) Posto o que a ré (E) apenas informou o autor, da alienação do prédio em causa nos termos indicados no n. 1, atráves de carta constante do documento de fls. 20;
9) O autor, antes de propor a presente acção, notificou por carta registada com aviso de recepção as pessoas referidas no n. 3, no sentido de saber se as mesmas estavam ou não interessadas em preferir na alienação do prédio em causa;
10) Os inquilinos (L), (B) e (C), responderam ao autor que não estavam interessados na aquisição do prédio onde residem.
Dada a remissão feita para documentos e artigo da contestação, há que esclarecer tais factos, ao que nada obsta, e que a própria economia processual impõe.
Assim, quanto ao n. 1, a certidão de fls. 24 e segs. titula o contrato de compra e venda, celebrado em 1991/04/23, pelo qual a primeira ré, por intermédio de procurador, vende ao réu (A), - casado com a ré (G) sob o regime de comunhão geral de bens -, pelo preço de 9200000 escudos, o prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão, dois andares e logradouro, com a superfície coberta de 180 m2, e o logradouro com 469 m2, sito na Rua (K), na freguesia de S. João de Brito, em Lisboa, o qual está descrito na 2 Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n. 20056 do Livro B-65, registado a favor da vendedora pela inscrição n. 45105 do Livro G-59, e inscrito na matriz sob o art. 864 daquela freguesia, com o valor patrimonial de 1627080 escudos; e a certidão de fls. 84 e seguintes contém a indicação desses elementos da descrição e inscrição, aditados da inscrição da aquisição de propriedade sobre o mesmo prédio, pelos Réus (A) e mulher, pela compra feita à ré (E), inscrição essa feita pela apresentação n. 03/910424.
Quanto ao n. 3 os inquilinos habitacionais do prédio, para além do autor, são: a) R/c Dto. - (L); b) R/c Esq. - (S); c) 1 Dto. - (C); d) 2 Dto. - (D); e) 2 Esq. - (F).
Quanto ao n. 5, a carta aí referida contém a comunicação ao autor de que a ré (E) tencionava vender o prédio, datando a carta de 1989/07/20 e perguntando ela ao autor se estava interessado na compra e por que preço, ou, para a hipótese de vir a constituir propriedade horizontal, se ele estaria interessado na compra do andar respectivo, e por que preço.
Quando ao n. 6, a carta aí referida, datada de 1989/07/28, integra a informação do autor de estar interessado na compra, de todo o prédio ou só do andar que habitava, tudo dependendo do preço a fixar pela ré (E).
Quanto ao n. 7, a carta de fls. 16 foi remetida em 1990/07/13 pela mesma ré, por intermédio de procurador, ao autor, comunicando-lhe que o preço que propunha era o de 34000000 escudos, a pagar, 50 por cento, com a outorga da escritura, devendo o contrato-promessa ser celebrado até finais de Setembro e a escritura até final do ano; e pede-lhe que informe, se discorda do preço, qual o valor pelo qual se propõe adquirir o prédio;
A carta de fls. 17, de 1990/08/01, é a resposta do autor, que indica o preço entre 4200 contos e 6000 contos e pede a indicação, pela ré, de preço mais razoável, em atenção a que todo o prédio estava arrendado e não devoluto, bem como à necessidade de obras.
A carta de fls. 18, de 1990/09/03, é remetida da mesma forma pela ré ao autor, insistindo com este para que indicasse um preço exacto;
A carta de fls. 19 é a resposta do autor, datava de 1990/09/06, o qual aí indica o preço de 5800 contos que oferecia pela compra do prédio, embora admitindo pagar preço mais alto desde que não fosse substancialmente elevado e a proposta respectiva fosse de pessoa não inquilina do prédio.
Quanto ao n. 8, a carta aí referida data de 1991/04/29, sendo acompanhada da dita escritura de 1991/04/23, por fotocópia.
Tendo em atenção que o âmbito do recurso se afere pelas conclusões das alegações da recorrente (art. 660, n. 2, 684, n. 3, e 690, n. 3, do CPC), há que apreciar apenas as questões postas nessas conclusões, que são as seguintes: a) Saber se o autor dispõe do direito de preferência em relação a todo o imóvel, uma vez que este não se encontra no regime de propriedade horizontal e o autor apenas é arrendatário do 1 andar esquerdo; b) Saber se pode exercer tal direito apesar de não ter instaurado, previamente, processo judicial de notificação para preferência dos demais inquilinos do mesmo imóvel.
Quanto à primeira questão, o legislador, a fim de satisfazer o imperativo constitucional de prossecução de uma política de acesso à habitação própria (art. 65, n. 2, da CRP), deliberou conferir aos arrendatários habitacionais direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento dos imóveis respectivos, o que fez pela Lei n. 63/77, de 25/8, cujo art. 1 dispõe que o locatário habitacional de imóvel urbano tem o direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do mesmo (n. 1), e que o locatário habitacional de fracção autónoma de imóvel urbano também goza do direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento da respectiva fracção (n. 2); e, no art. 2, estipula (n. 1) que, quando mais de um locatário habitacional exercer o direito de preferência, se abrirá entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante.
Essa Lei foi revogada pelo DL n. 321-B/90, de 15/10 (art. 3), mas esse mesmo DL, simultâneamente (art. 1), aprovou o RAU, que, no seu art. 47, reafirma aquele direito: no n. 1 estabelece que o arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma tem o direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento do local arrendado há mais de um ano; no n. 2 determina que, sendo dois ou mais os preferentes, abre-se entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante.
É devido à expressão "local arrendado", utilizado no n. 1 desse art. 47 e que não era utilizada naquela
Lei n. 63/77, que a apelante entende ter sido propósito do legislador restringir o direito de preferência apenas aos casos de venda ou dação em cumprimento do objecto preciso do contrato de arrendamento habitacional. Em seu entender, pois, o apelado só seria titular do direito de preferência se a venda fosse apenas do 1 andar esquerdo, que era o que lhe estava arrendado; como a venda foi de todo o imóvel, já o apelado não disporia de tal direito, pois, embora o 1 andar esquerdo estivesse incluído no objecto da venda, não tinha autonomia por o imóvel não estar constituído em regime de propriedade horizontal.
Não pode reconhecer-se razão à apelante.
É que, do preâmbulo do referido DL que aprovou o RAU, nada consta que implique a conclusão de ter havido, da parte do legislador, qualquer intenção de alterar a política habitacional que, a este respeito, seguia, antes reafirmando a ideia de primazia da habitação própria. E é manifesto que tal primazia, que o legislador, ao reafirmar o direito de preferência, mostrou não querer eliminar, correria sérios riscos, em muitos casos, de o ser, a considerar-se consagrada a restrição pretendida pela apelante. É bem sabido, e portanto atendível nos termos do art. 14 do CPC, serem numerosos os casos de prédios antigos com vários locais habitáveis, não constituídos em regime de propriedade horizontal mas ainda perfeitamente conservados, pelo que, sob pena de agravamento das condições de habitação, que não são as melhores, não se vê justificação, por exemplo, na demolição daqueles, visto que não seriam de imediato substituídos por outros.
Assim, bem fácil seria aos respectivos senhorios - proprietários defraudarem as intenções do legislador, em detrimento dos inquilinos habitacionais: bastar-lhes-ia absterem-se de constituir os prédios em regime de propriedade horizontal, para depois os venderem na sua totalidade a quem bem entendessem, fosse a uma só pessoa, fosse a um conjunto delas, sem terem de observar o direito de preferência dos arrendatários.
Nestas condições, a utilização da citada expressão só poderia implicar a interpretação feita pela apelante se não tivesse outra explicação mais lógica.
E tem-na.
Basta atentar em que o que a Lei n. 63/77 dizia em dois números do mesmo artigo (art. 1), passou o legislador do RAU, por uma questão de simplificação, a dizê-lo apenas em um número, do art. 47 naquela Lei, o n. 1 do art. 1 referia-se apenas à hipótese de "locatário habitacional de imóvel urbano", sem distinguir se de todo o imóvel ou de parte dele, para lhe atribuir o direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento "do mesmo", e daí que se concluisse que o locatário habitacional de imóvel urbano, mesmo que só de parte dele, tinha sempre o direito de preferência na celebração daqueles negócios mesmo que abrangessem todo o imóvel; e, do confronto daquele número com o n. 2 do mesmo artigo, via-se claramente que o n. 1 não abrangia a hipótese da propriedade horizontal, configurada no n. 2, que fala no "locatário habitacional de fracção autónoma de imóvel urbano" para lhe atribuir idêntico direito, mas restrito à "respectiva fracção". No dito art. 47, já o n. 1 abrange essas duas hipóteses: "arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma". É obvio que, dessa forma, não podia manter a redacção da Lei n. 63/77, tendo da alterar para outra que abrangesse a solução a dar às duas hipóteses sem perigo de confusões. Se mantivesse a expressão "do mesmo", daí pareceria resultar que pretendia reconhecer direito de preferência ao inquilino da fracção autónoma em relação a todo o prédio; e, se mantivesse a expressão "da respectiva fracção", ficar-se-ia sem se perceber qual o objecto do direito de preferência reconhecido ao inquilino de imóvel urbano que, tendo vários locais arrendatários, não estivesse constituido em regime de propriedade horizontal.
Por isso é que o legislador substituiu as duas mencionadas expressões, dos ns. 1 e 2 do art. 1 da Lei n. 63/77, pela expressão única do n. 1 do art. 47 do RAU, "local arrendado", utilizando-a com o mesmo sentido das anteriores; comum às duas hipóteses, mas adaptada a qualquer delas conforme a situação concreta. Isto com a vantagem de, com uma única expressão, consagrar também, simultaneamente para as duas hipóteses e sem para tal ter de fazer repetições desnecessárias, a única restrição que pretendia estipular, e que era a de, para evitar abusos ou oportunismos, exigir que o arrendamento, para dar origem ao direito de preferência, já tivesse sido celebrado mais de um ano antes da compra ou da dação.
Portanto, e fora esta restrição, pretendeu o legislador a manutenção do direito de preferência nos mesmos termos em que, antes, fôra consagrado: na titularidade do locatário do imóvel urbano, mesmo em relação a todo o prédio, ainda que não constituido em propriedade horizontal e ainda que só fosse locatário de parte dele; do locatário da fracção autónoma quando houvesse propriedade horizontal, só em relação a essa fracção. Não se restringiu, assim, com a citada expressão, o direito de preferência do arrendatário de imóvel urbano não sujeito a propriedade horizontal, e manteve-se a restrição que recaía sobre o arrendatário de fracção autónoma, que só quando a essa fracção tinha, como continuou a ter, direito de preferência.
No mesmo sentido aponta a consideração do disposto no já transcrito n. 2 daquele art. 47. Com efeito, só excepcionalmente ocorrerá alguma situação em que haja vários arrendatários, em simultâneo, de uma mesma fracção autónoma, ou de um prédio urbano que só disponha de um lugar arrendável, ou em que, por qualquer outro motivo, possa haver concurso de direitos de preferência na titularidade de arrendatários, e nessa qualidade, em relação a um mesmo prédio urbano, para além da hipótese de existência de vários arrendatários de um mesmo prédio urbano não constituido em propriedade horizontal mas dotado de vários locais arrendáveis, cada um dos quais com autonomia de facto e arrendado apenas ao respectivo inquilino. Assim, não se vê que utilidade prática pudesse ter esse dispositivo que não fosse a de se referir a esta última hipótese, o que implica o reconhecimento, pelo legislador, de que os arrendatários nessas condições têm direito de preferência no caso de venda ou dação em cumprimento da totalidade do imóvel, abrangendo mesmo a ou as partes deste que não lhes estejam arrendadas.
Improcede, assim, a primeira conclusão das alegações da apelante.
Quanto à segunda questão, a douta sentença recorrida apresenta-se tão clara, completa e cuidada, - aliás, como quanto à primeira questão -, que pouco mais há a dizer sobre a matéria em causa. Basta atentar em que a mesma sentença se baseia essencialmente, a este respeito, no douto Acórdão do STJ de 1990/11/15, relatado com mestria pelo Exmo. Conselheiro Manuel Pereira da Silva e publicado no BMJ n. 401, a fls. 570. Com efeito, dos ensinamentos aí colhidos se vê que o exercício do direito de preferência não exige o afastamento prévio dos demais titulares do direito através do processo previsto no art. 1465 do CPC, segundo o qual, se já tiver sido efectuada a alienação, e o direito de preferência couber simultaneamente a várias pessoas, o processo para a determinação do preferente segue os termos do art. 1460, com alterações que indica. É que, baseando-se o direito de preferência de cada arrendatário no seu próprio contrato de arrendamento, o seu direito de preferência é autónomo em relação aos dos restantes arrendatários. E, entre os requisitos impostos por Lei para exercício de um direito de preferência, não se conta o prévio afastamento dos demais titulares de igual direito. Ou seja: qualquer arrendatário não perde o seu direito só pelo facto de existirem outros arrendatários. Tal direito mantém-se e poderá ser exercido sem necessidade do afastamento prévio dos demais titulares de direito de preferência.
Tal afastamento não constitui condição da acção, nem há preceito que o determine, ao contrário do que acontecia, no domínio do CC de 1867, em relação aos proprietários de prédios encravados, pois, segundo o respectivo art. 2309, parágrafo 5, havendo mais de um proprietário com direito de preferência, não poderia nenhum deles fazer valer em Juízo o seu direito sem previamente notificar os outros nos termos do art. 641 do CPC, para, se algum dos notificados se apresentasse a preferir, ser aberta licitação entre os preferentes. Esse preceito consagrava um regime que desapareceu no sistema vigente, que não tem preceito equivalente.
E, como diz Antunes Varela, in RLJ, ano 116, página 288, citado naquele acórdão, nada nos diz, no art. 1465 referido, - seja no n. 1 (preferência concedida simultaneamente a várias pessoas), seja no n. 3 (preferência sucessiva) - (ao invés do que ocorre nas hipóteses versadas nas disposições legais anteriores, relativamente ao obrigado à preferência), que a notificação de um dos preferentes aos outros -, para se saber a qual deve caber a prioridade -, seja obrigatórias.
Como no mesmo acórdão se acrescenta, e bem, não estando fixada a obrigatoriedade do afastamento prévio dos demais preferentes, deve deixar-se ao respectivo interessado a liberdade de agir como entender, não se lhe podendo impor uma sanção (a perda do exercício do direito) só porque não recorreu ao afastamento prévio dos demais através do processo do art. 1465. Se o legislador não lhe impõe uma tal obrigação, não é possível o julgador extrair consequências do não exercício ou efectivação de uma obrigação inexistente. Assim, o preferente pode optar por correr o risco de, tendo proposto a acção sem afastamento prévio dos demais preferentes, vir mais tarde a ser accionado por qualquer destes e ver - se substituido por ele na aquisição do prédio vendido. Só então é que o seu direito perderá relevância, efeito esse que não poderá ser produzido pelo terceiro, não preferente, adquirente do prédio, mas apenas pelos preferentes. Como diz Antunes Varela, local citado, o preferente tem a faculdade de notificar os restantes preferentes, para que, definitivamente, de uma vez por todas, se decida quem quer e pode preferir. "Mas não tem o dever jurídico nem sequer o ónus de fazê-lo".
Assim, improcede também a segunda conclusão das alegações da apelante.
Nestes termos, acorda-se em negar provimento à apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 19 de Janeiro de 1995.