| Decisão Texto Integral: | 1-Relatório:
O Banco Mais, SA. intentou contra, Maria …, execução de sentença para pagamento das importâncias que pela sentença proferida em acção declarativa deduzida, tinha a ré sido condenada, a pagar-lhe.
O Banco Mais, SA., nomeou à penhora, entre outros bens, um veículo automóvel de marca Volkswagen, modelo Transporter, com a matrícula … .
Efectuada a respectiva penhora e junta aos autos, a certidão do seu registo, requereu o exequente que fosse dado cumprimento ao disposto no artigo 864º. do CPC.
Da aludida certidão consta que a propriedade do veículo se encontra registada a favor de Maria …, recaindo o encargo-reserva, a favor do Banco Mais, SA.
O Sr. Juiz a quo, constatando então que se encontrava inscrita a favor da exequente, a propriedade sobre o veículo automóvel penhorado, proferiu despacho com o seguinte teor:
«Este facto, conforme propugnamos, impede que se desenvolvam as subsequentes diligências relativas à venda do veículo sem que se mostre comprovado pelo exequente o cancelamento do registo do encargo, não relevando que o exequente declare renunciar expressamente a tal reserva de propriedade. Com efeito, o facto da propriedade continuar reservada para o mutuante não é conciliável com a venda através da execução para pagamento do respectivo preço, ficando os autos a aguardar a comprovação do exequente do cancelamento do registo da referida reserva de propriedade».
Inconformado com tal despacho, do mesmo agravou o recorrente, concluindo nas suas alegações, em síntese:
1.Nos autos em que sobe o presente recurso foi logo de início requerida a penhora sobre o veículo automóvel com a matrícula …, penhora que foi ordenada pelo Senhor Juiz a quo.
2. Não é por existir uma reserva de propriedade sobre o veículo dos autos em nome do ora recorrente que é necessário que este requeira o cancelamento da dita reserva, não tendo, aliás, o Senhor Juiz a quo competência para proceder a tal notificação ao exequente, ora recorrente.
3. O facto de a reserva de propriedade estar registada não impede o prosseguimento da penhora, pois de acordo e harmonia com o disposto no artigo 824º do Código Civil e 888º do Código de Processo Civil, aquando da venda do bem penhorado, o Tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam.
4. No caso de surgirem dúvidas sobre a propriedade dos bens objecto de penhora, se deve agir de acordo com o que se prescreve no artigo 119º do Código do Registo Predial caso a penhora já tenha sido realizada.
5. Tendo o ora recorrente optado pelo pagamento coercivo da dívida em detrimento da resolução do contrato e do funcionamento da reserva de propriedade para chamar a si o bem sobre a qual a mesma incide, tendo a exequente renunciado ao “domínio” sobre o bem - pois desde o início afirmou que o mesmo pertencia ao recorrido -; tendo, como dos autos ressalta, a reserva de propriedade sido constituída apenas como mera garantia, e para os efeitos antes referidos; prevendo-se nos artigos 824º do Código Civil e 888º do Código de Processo Civil, que aquando da venda do bem penhorado, o Tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam; e não se prevendo no artigo 119º do Código do Registo Predial que se notifique o detentor da reserva de propriedade para que requeira o seu cancelamento, é manifesto que no despacho recorrido, se errou e decidiu incorrectamente.
6. Caso, assim, não se entenda, sempre se dirá, que deveria a exequente – titular da reserva de propriedade – ter sido notificada para se pronunciar pela renúncia ou não à propriedade do veículo, como o foi, tendo respondido, mas não ser notificada para requerer o seu cancelamento.
7. No despacho recorrido, ao decidir-se pela forma como se decidiu, claramente se violou e erradamente se interpretou e aplicou o disposto no artigo 888º do Código de Processo Civil e violou também o disposto nos artigos 5º, nº 1, alínea b) e 29º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, artigos 7º e 119º do Código do registo Predial e artigos 408º, 409º, nº 1, 601º e 879º, alínea a), todos do Código Civil.
Não foram apresentadas contra-alegações e foi proferido despacho de sustentação.
Considerando a simplicidade da questão a decidir e atento o disposto nos artigos 701º. e 705º., ambos do CPC., bem como, o facto de já a termos apreciado jurisdicionalmente no âmbito de outros autos, proferiremos decisão sumária sobre a mesma.
2- Cumpre apreciar e decidir:
As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º., nº. 2, 664º, 684º., 690º. e 749º., todos do CPC.
A questão a dirimir consiste em apreciar se, a instância executiva deve prosseguir sem que o exequente comprove o cancelamento do registo da reserva de propriedade incidente sobre o veículo penhorado.
A materialidade fáctica pertinente para a solução é a constante do presente relatório, para o qual se remete.
Vejamos:
Nos termos constantes do artigo 408º. nº.1 do C.Civ. consagra-se a regra de que a transferência da propriedade se opera por mero efeito da celebração do contrato de compra e venda.
A possibilidade de diferir convencionalmente o efeito translativo, por via de um pacto de reserva de propriedade é admitida como excepção àquela regra (art. 408º nº.1, in fine do CC), nos termos do nº 1 do art. 409º do mesmo diploma legal.
E é admitida de modo tão amplo, que se pode dizer que a regra é, afinal, a da colocação convencional do momento da transferência de propriedade (cfr. Luís Lima Pinheiro, in, A Cláusula de Reserva de Propriedade).
Segundo resulta do nº 1 do art. 409º do C. Civ., a transmissão do direito de propriedade por via do contrato de compra e venda sob reserva de propriedade a favor do devedor fica suspensa até à verificação de um evento futuro e incerto, designadamente de um termo inicial.
Através do “pactum reservati dominii”, o alienante reserva para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento.
No que respeita à eficácia da reserva de propriedade, determina o nº 2 do mesmo preceito que, tratando-se de coisa imóvel ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante de registo é oponível a terceiros.
E, nos termos do art. 5º. nº 1 al. b) do DL nº 54/75 de 12/02, está sujeita a registo a reserva de propriedade estipulada em contratos de alienação de veículos.
Destas disposições resulta que a cláusula de reserva de propriedade será exclusiva dos contratos de alienação.
Porém, embora a reserva de propriedade tenha sido pensada para contratos de alienação, parece nada obstar a que se considere, tendo em conta o princípio da liberdade contratual, a aplicação desta figura a contratos diferentes, nomeadamente ao de mútuo a prestações que com o contrato de compra e venda de veículo automóvel apresenta uma relação de estreita conexão, consubstanciada no facto de o objecto mediato do primeiro – quantia mutuada – constituir o elemento preço do segundo, situação que se configura como se o pagamento do preço relativo ao contrato de compra e venda do veículo automóvel fosse fraccionado no tempo.
Efectivamente, ambos os contratos podem considerar-se interdependentes, mais não constituindo o de financiamento que uma extensão do de compra e venda.
A reserva de propriedade devidamente registada, surge como uma situação de especial afectação do bem à garantia de um crédito com eficácia erga omnes.
Apesar de dever ser a hipoteca o adequado direito real de garantia a incidir sobre um veículo automóvel para salvaguarda do cumprimento das prestações pecuniárias decorrentes do contrato de mútuo instrumental em relação ao pagamento do preço correspondente ao contrato de compra e venda (cfr. art. 686º nº 1 do C. Civ.), as partes, tendo em conta o princípio da liberdade contratual, podem optar pela reserva de propriedade sobre o veículo automóvel, estabelecida não a favor do vendedor, mas em benefício da mutuante, precisamente por o primeiro haver recebido da segunda, devido ao contrato de mútuo outorgado pelo comprador, o preço convencionado no âmbito do contrato de compra e venda do veículo.
E, como é evidente, também a estes casos são aplicáveis os efeitos prescritos na lei e próprios da reserva de propriedade.
O que quer dizer que, no caso em apreço, embora se trate de uma situação anómala de constituição de reserva de propriedade em favor da mutuante ou financiadora, não se altera o regime legal que decorre da lei, sendo os seus efeitos idênticos àqueles que derivariam de ela haver sido constituída a favor do vendedor do veículo automóvel que foi penhorado.
Isto é, também neste caso se poderá chamar à colação o disposto nos artigos 408º nº 1 e 409º nº 1 do CC, ou seja, a regra – consagrada no primeiro – de que a transferência dos direitos reais, maxime do direito de propriedade, se dá por mero efeito do contrato, admite a excepção – prevista no segundo – de que, convencionalmente, se pode diferir tal efeito translativo, através do denominado pactum reservati dominii para o alienante, até ao cumprimento total ou parcial das obrigações – tradicionalmente, o pagamento do preço – ou até à verificação de qualquer outro evento – in casu, o pagamento das prestações objecto do financiamento acordado.
Ora, o registo da propriedade automóvel encontra-se especificamente regulado no D.L. nº 54/75 de 12 de Fevereiro.
Conforme preceitua o art. 29º desse diploma, àquele registo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições relativas ao registo predial, na medida indispensável ao suprimento das lacunas da regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições especialmente previstas.
Nesse contexto, sobressai a presunção consagrada no art. 7º do C.R. Predial, segundo a qual, com o registo definitivo, o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Trata-se de uma presunção juris tantum, que pode ser ilidida mediante prova em contrário, em conformidade com o disposto no nº 2 do art. 350º do CC.
Os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo (art. 8º nº 1 do CRP.).
No caso concreto, a agravante apresentou um requerimento onde expressamente aludiu que renunciava à reserva de propriedade a seu favor.
Também se diga que, nem tal necessitava de fazer, pois, ao nomear à penhora o veículo, o exequente renunciou tacitamente àquela (cfr. Ac. STJ. de 2-2-2006, in, http://www.dgsi.pt.).
Ora, o registo da propriedade automóvel encontra-se especificamente regulado no D.L. nº 54/75 de 12 de Fevereiro.
Conforme preceitua o art. 29º desse diploma, àquele registo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições relativas ao registo predial, na medida indispensável ao suprimento das lacunas da regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições especialmente previstas.
Nesse contexto, sobressai a presunção consagrada no art. 7º do C.R. Predial, segundo a qual, com o registo definitivo, o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Trata-se de uma presunção juris tantum, que pode ser ilidida mediante prova em contrário, em conformidade com o disposto no nº 2 do art. 350º do CC.
Os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo (art. 8º nº 1 do CRP.).
No caso concreto, a agravante apresentou um requerimento onde expressamente aludiu que renunciava à reserva de propriedade a seu favor.
Também se diga que, nem tal necessitava de fazer, pois, ao nomear à penhora o veículo, o exequente renunciou tacitamente àquela (cfr. Ac. STJ. No caso da venda judicial do veículo automóvel, o registo da reserva de propriedade não pode ser cancelado, oficiosamente, nos termos do art. 888º do CPC, pois os registos aí previstos reportam-se apenas aos direitos especificados no nº 2 do art. 824º do CC.
Ora, o direito resultante da reserva da propriedade, que constitui um direito real de gozo, não se enquadra nos direitos ali previstos, não caducando por efeito da venda judicial.
O cancelamento do registo da reserva da propriedade pode ser feito por qualquer interessado, designadamente pelo adquirente, necessário se torna é que esteja munido de uma declaração escrita de renúncia, que deve ser efectuada pelo respectivo beneficiário, designadamente no âmbito do processo executivo.
Nestas condições, não está a agravante obrigada a proceder ao cancelamento do registo da reserva da propriedade sobre o veículo penhorado, bastando a conduta por si espelhada de que renunciava à aludida reserva.
Na execução só podem ser penhorados bens dos executados e não do credor, como se estabelece no art. 817º. do C. Civ. e art. 821º. do CPC.
A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida e, tendo o exequente renunciado à reserva de propriedade, esse direito já não existirá na altura da venda.
Tendo o exequente renunciado à reserva de propriedade, esse direito não existirá na data da venda, não sendo aplicável o disposto no artigo 824º. do C. Civ., nem o disposto no artigo 888º. do CPC.
Como se alude no AC. desta RL. de 29-6-2004, in, http://www.dgsi.pt. « Mas transferindo a venda em execução para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida, e sendo o executado, após a renúncia do exequente à reserva de propriedade, o proprietário do veículo, ao adquirente, para registo da aquisição do veículo terá de ser entregue certidão nos termos da alínea b) do nº. 2 do art. 25º. do Regulamento do Registo de Automóveis, do D. Lei nº. 54/75, de 12 de Fevereiro, que se refere a certidão de decisão judicial, passada em julgado, proferida no processo civil em que, de modo expresso ou implícito, seja reconhecido o direito de propriedade do veículo a quem deva figurar como titular do registo, ou seja, terá tal certidão de mencionar a renúncia do exequente à reserva de propriedade, efectuando-se o registo dessa extinção em face da certidão, como resulta do disposto no art. 28º., nº. 1, do citado Regulamento, que estabelece que, o registo de extinção de qualquer direito ou acto anteriormente registado efectua-se em face de documento comprovativo do facto a registar».
Assim, estando efectuado o registo da penhora do veículo, não se justifica face ao princípio da celeridade processual, que um mero formalismo impeça o prosseguimento dos autos.
Destarte, não se vislumbra qualquer razão que impeça o prosseguimento da execução, merecendo acolhimento as conclusões do recurso apresentado.
3- Decisão:
Nos termos expostos, concede-se provimento ao agravo e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, ordenando-se o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
Lisboa, 2006/11/7 |