Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
970/17.0T8AGH-A.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
SOLICITADOR DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO
ACORDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O direito do agente de execução à remuneração adicional nas execuções para pagamento de quantia certa previsto na Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto, não está dependente de ter intervindo nas negociações entre exequente e executado para pagamento imediato ou em prestações da quantia exequenda.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
Na execução para pagamento de quantia certa instaurada por M……contra A…. e em que é agente de execução E…, foi proferido o seguinte despacho:
«RE 2463438 e seguintes: Assistindo totalmente razão ao reclamante, pelos exactos fundamentos de facto e de direito constantes do requerimento apresentado, e porque não há, in casu, qualquer nexo entre o valor garantido e a actividade do Ex.mo Senhor Solicitador de Execução, determina-se a rectificação da nota discriminativa apresentada pelo Ex.mo Senhor Solicitador de Execução, da mesma se excluindo a parcela relativa à remuneração adicional.».
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Inconformado, apelou o agente de execução, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
1. O douto despacho não faz qualquer exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer, não explicando porque valoriza os factos apresentados pela Rda e porque desvaloriza os factos apresentados pelo Rte.
2. Violando dessa forma o comando do art. 615º, nº 1, al. b), do CP Civil, devendo ser declarada a sua nulidade.
3. Os factos apresentados pela Rda são desmentidos pela própria existência e dinâmica dos presentes autos.
4. Aliás, a serem verdadeiros os factos alegados pela Rda, configurariam uma situação de simulação processual, nos termos do art. 612º do CP Civil.
5. Há nexo de causalidade entre a actividade desenvolvida pelo Rte, designadamente citação da executada e penhoras efectuadas e a concretização do acordo, onde a garantia obtida pelo Rte permanece.
6. Mesmo que assim não seja entendido, a actividade processual desenvolvida pelo Rte foi a adequada para a cobrança da quantia exequenda, pelo que é devida a remuneração adicional, nos termos da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto.
7. Pelo que o douto despacho ora em crise deverá ser alterado no sentido de confirmar a nota discriminativa apresentada pelo ora Rte.
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas., deve a douta decisão ora recorrida ser alterada nos termos peticionados, com as legais consequências.
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A exequente contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é esta:
- se o despacho recorrido é nulo
- se o agente de execução tem direito a receber remuneração adicional
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III - Fundamentação
A) Factos a considerar
1 - Em 13/10/2017 a exequente instaurou a execução para pagamento da quantia de 115.000 € apresentando Como título executivo escrito de «Confissão de dívida».
2 - Em 16/10/2017 foi proferido o seguinte despacho:
«Empregando-se a forma ordinária (art. 550.º, n.º 2, al. d), do CPC), ao abrigo do disposto nos arts. 726.º, n.º 6, e 728.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, cite-se a Executada para, em 20 dias, pagar ou se opor à execução.
Observe-se o disposto no art. 726.º, n.º 8, do Código de Processo Civil.».
3 - Em 16/11/2017 o agente de execução apresentou escrito onde se lê, referindo-se à quantia de 86,45 €:
«E…, Agente de Execução no processo supra identificado, declara que vai proceder-se à transferência/pagamento do valor supra indicado, mais declarando que se encontram reunidos os pressupostos processuais e legais para que este pagamento seja realizado.
Este documento não é comprovativo de realização de transferência, mas tão só como documento de suporte prévio a realização da transferência.».
4 - A executada foi citada em 25/10/2017 e não deduziu oposição à execução.
5 - Em 15/12/2017 o agente de execução apresentou escrito nestes termos:
«Exmo Senhor Doutor Juiz
E…..Agente de Execução nos presentes autos vem solicitar – com vista ao prosseguimento das diligências nos presentes autos - que se dignem informar se foi deduzida oposição/ embargos à execução, pela executada citada em terceira pessoa em 25-10-2017.».
6 - Em 10/01/2018 o agente de execução notificou a entidade patronal da executada de que «nos termos e para efeitos do disposto no artigo 779º do Código Processo Civil (C.P.C.), na qualidade de entidade patronal/entidade pagadora, para a penhora dos respetivos abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado adiante indicado.».
7 - Em 10/01/2018 o agente de execução notificou a executada de que «Nos termos do disposto nos artigos 784º e 785º do Código Processo Civil (CPC), fica pela presente notificado para, no prazo de 10 (dez) dias deduzir, querendo, oposição à penhora dos bem(s) identificado(s) em anexo, com algum dos seguintes fundamentos:
(…)».
8 - Em 22/01/2018 o agente de execução penhorou o seguinte bem imóvel da executada: «Fração Autónoma "….", terceiro andar letra ….para habitação, tipo T2, do prédio sito na R…., descrito na Conservatória do Registo Predial de L… com a ficha 3…da Freguesia de S…, inscrito na matriz sob o artigo 1..da F…. de S…. (…)».
9 - Em 22/01/2018 o agente de execução notificou a executada da penhora dessa fracção autónoma.
10 - Em 22/01/2018 o agente de execução procedeu à citação dos credores para efeitos de reclamação de créditos.
11 - Em 30/01/2018 exequente e executada enviaram requerimento ao agente de execução, onde se lê, além do mais:
«(…) vêm, ao abrigo do disposto no artigo 806º do Código de Processo Civil, apresentar
Acordo para pagamento da quantia exequenda em prestações
O que fazem, nos termos e com os seguintes fundamentos:

A quantia exequenda é fixada em € 115.000,00 (cento e quinze mil euros).

A Executada propõe-se pagar o montante de € 115.000,00 (…) através de 230 (…) prestações mensais no valor de (…).

Após a concretização dos pagamentos referidos no artigo anterior pela Executada, nada mais é devido à Exequente seja a que título for.

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 807º do Código de Processo Civil, a Exequente não prescinde da penhora já feita na execução, que se converterá automaticamente em hipoteca.

O não pagamento implicará o prosseguimento da acção executiva para satisfação do remanescente do crédito, nos termos e para os efeitos do artigo 808º do Código de Processo Civil.
(…)
Face ao exposto, a Exequente e a Executada nos autos supra mencionados, requerem a suspensão da instância, nos termos e para os efeitos do artigo 806º do Código de Processo Civil.».
12 - Em 30/01/2018 o agente de execução proferiu a seguinte decisão, que foi notificada à exequente e à executada:
«Por comunicação desta data, vêm as partes submeter acordo de pagamento em prestações nos termos a para os efeitos do disposto no artº 806º do CPC, consignando-se no mesmo que a exequente não prescinde da penhora concretizada sobre bem imóvel titulado pela executada, devendo a mesma ser convertida em hipoteca nos termos do regulado pelo nº 1 do artº 807º do CPC.
Na execução encontra-se penhorado bem imóvel adquirido e titulado pela executada na condição de casada no regime da comunhão geral de bens com F…., que não é parte na acção, encontrando-se este casamento dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado em 16 de Outubro de 2017, não estando averbado no registo predial qualquer partilha do bem comum ora penhorado.
Por ter sido penhorado bem comum em execução movida apenas contra um dos cônjuges, decorrem nesta data as diligências de citação do ex-cônjuge da executada, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 740º do CPC.
Nestas circunstâncias e sem que se conclua o procedimento regulado pelo dispositivo legal acima referido não poderá a penhora ser convertida em hipoteca, na medida em que a executada por si só, e agora na condição de divorciada, só pode acordar em onerar bem ou direito que comprovadamente lhe pertença.
Pelo exposto decide-se pelo prosseguimento dos autos até que seja concluído o procedimento prescrito pelo artº 740º do CPC.».
13 - Em 02/02/2018 a exequente dirigiu requerimento ao agente de execução nestes termos:
«(...) tendo sido notificada do teor do V. despacho datado de 30-01-2018, vem, muito respeitosamente, expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1. Exequente e Executada alcançaram acordo para pagamento em prestações da dívida exequenda.
2. Nada tendo a opor que a acção executiva prossiga os seus trâmites até que seja possível converter a penhora do imóvel em hipoteca, não pretende a Exequente que prossigam as diligências de penhora em curso relativas ao salário da Executada.
3. Pois que tal poderá inviabilizar o cumprimento do acordo alcançado e já junto aos autos.
(…)
Termos em que requer a V. Exa. se digne ordenar o levantamento da penhora que incide sobre o salário da Executada, atento o disposto no n.º 2 do artigo 751.º do Código de Processo Civil, devendo ser notificada disso mesmo a entidade patronal da Executada, com a maior brevidade possível.».
14 - Em 03/02/2018 o agente de execução notificou a exequente nestes termos:
«Fica V. Exª notificado(a) para, no prazo de 10 (dez) dias, proceder ao pagamento da conta final (que anexo), devendo para o efeito ter em consideração as referências de pagamento adiante indicadas.
Solicito que me seja remetida uma cópia do comprovativo do pagamento (talão de depósito ou confirmativo) por carta, mail ou fax
Tendo em consideração o disposto no artigo 721.º do Código do Processo Civil (CPC), regulado pelo artº 45º da Portaria nº 282/2013 de 29AGO, o pagamento da nota discriminativa de honorários e despesas do agente de execução é da responsabilidade do exequente, sendo a execução extinta em caso de incumprimento, constituindo título executivo a nota discriminativa, da qual não se tenha reclamado, acompanhada da sua notificação pelo agente de execução ao interveniente processual perante o qual se pretende reclamar o pagamento.».
15 - Com essa comunicação enviou nota de honorários e despesas onde consta a rubrica «remuneração adicional (art. 20º nº 1)» no valor de «€ 4.184,40».
16 - Em 12/02/2018 a exequente reclamou contra a nota de honorários e despesas «ao abrigo do disposto no artigo 46.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto» e terminou requerendo ao tribunal que «se digne ordenar a rectificação da nota discriminativa elaborada pelo Agente de Execução, mandando eliminar da nota de honorários a parcela relativa a remuneração adicional.».
17 - Em 12/06/2018 o agente de execução veio dizer:
«Exmo Senhor Doutor Juiz
E…, agente de execução designado no processo, tendo tomado conhecimento das reclamações submetidas pelo ilustre mandatário da exequente à nota de honorários e despesas que lhe foi apresentada pelo signatário, vem expor a V.Exa. o seguinte:
1- Na presente execução ordinária, foi penhorado imóvel, titulado pela executada e cônjuge, de acordo com a indicação da exequente;
2- Após concretização da referida penhora foi submetido aos autos acordo de pagamento em prestações celebrado entre as partes, constando do mesmo que a exequente não prescinde da garantia do seu crédito, pelo que deverá ser convertida em hipoteca a penhora registada, nos termos do regulado pelo nº 1 do artº 807º do CPC;
3- Porém atendendo a que o bem penhorado é titulado em comum pela executada e cônjuge, procedeu o signatário à citação deste, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 740º do CPC, o que se veio a concretizar em 29-03-2018.
4- Nos termos do nº 2 do artº 806º do CPC, a submissão do acordo de pagamento em prestações determina a extinção da execução;
5- Contudo, para que seja extinta a execução é devido o pagamento das custas, onde se incluem os encargos e despesas devidos ao agente de execução, conforme estabelece o nº 1 do artº 721º do CPC, sob pena de as mesmas saírem precípuas do produto dos bens penhorados, conforme regula o artº 541º do CPC;
6- Os honorários e despesas devidos ao agente de execução estão devidamente regulamentados pela Portaria 282/2013 de 29AGO, estabelecendo os seus artºs 45º e 51º a responsabilidade e o momento em que o pagamento dos mesmos é devido;
7- Regula o artº 50º da referida Portaria que, para além da remuneração fixa devida pela tramitação do processo, fixada na tabela do anexo VII, o agente de execução tem direito a uma remuneração adicional, no fim do processo, que varia em função do valor garantido, como é o caso, como se estabelece nos nºs 5 e 6 al. b), calculada conforme tabela do anexo VIII;
8- Assim considerando o valor total garantido pelo acordo de pagamento em prestações (115.000€) e a penhora efectuada, pela aplicação da tabela do anexo VIII, temos:
Até 160UC’s, 16.360€, aplicando a taxa de 7,5% - 1.224€
Superior a 160UC’s, 115.000€ - 16.360€ = 98.640€ aplicando a taxa de 3% - 2.960,40€
Remuneração adicional de, 1.224€ + 2.960,40€ = 4.184,40€, tal como indicado na nota de honorários e despesas apresentada, e que se anexa.».
18 - Em 21/09/2018 foi proferido o seguinte despacho: «Notifique o Ex.mo Senhor Solicitador de Execução para, em 10 dias, esclarecer a parcela relativa a valor adicional.».
19 - Em 26/09/2018 o agente de execução veio dizer:
«- Na presente execução ordinária, após concretizada a citação prévia da executada, foi solicitado ao signatário, pela ilustre mandatária da exequente, subscritora do Requerimento Executivo (RE), que fosse diligenciada a penhora do imóvel, tal como inicialmente indicado em requerimento anexo ao RE;
- Após concretizada a penhora foi submetido ao processo, em 30-01-2018, acordo de pagamento em prestações, subscrito por ambas as partes, considerando-se no mesmo a conversão da penhora em hipoteca, nos termos do disposto no artº 807º nº 1 do CPC, para garantia do cumprimento do acordo;
- Nos termos do disposto no nº 2 do artº 806º do CPC, tal comunicação de acordo de pagamento, determina a extinção da execução;
- Para que a extinção da execução ocorra implica que estejam pagas as custas, onde se incluem os honorários e despesas do agente de execução, salvo quando as mesmas saem precípuas do produto da penhora, conforme estabelece o artº 541º do CPC;
- Os honorários e despesas do agente de execução estão devidamente regulamentados pela Portaria Nº 282/2013 de 29AGO, estabelecendo o seu artº 50º nº 5, que, no termo do processo, é devida uma remuneração adicional cujo valor varia em função, do valor recuperado ou garantido, tendo como limite o crédito exequendo, e do momento processual;
- A alínea b) do nº 6 do artº 50º da referida Portaria, define “valor garantido” como o valor dos bens penhorados, e ou o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações, como é o caso na presente execução;
- O nº 9 do mesmo artigo 50º, regula o cálculo da remuneração adicional, estabelecendo o artº 51º o momento em que é devido o pagamento dos honorários ao agente de execução, ou seja, quando é celebrado acordo de pagamento em prestações entre as partes, e se extingue a execução, como é o caso.
- Para o cálculo da remuneração adicional, pela aplicação da tabela que constitui o Anexo VIII à referida Portaria, foi considerado:
•o valor garantido de 115.000,00 euros, que consta do acordo de pagamento e corresponde ao crédito exequendo;
•a submissão do acordo ocorreu após a concretização da penhora e antes da venda;
•o valor garantido é superior a 160UC, conforme nota de rodapé (ii)
•calculando, 160UC = 16.320,00 x 7,5% = 1.224,00 (taxa prevista em (A)
115.000,00 – 16.320,00 = 98.680,00 x 3% = 2.960,40 (taxa prevista em (B) 1.224,00 + 2.960,40 = 4.184,40€
Nestes termos e tendo presente os factos ocorridos no presente processo e o momento em que os mesmos se verificaram, considera o signatário que lhe é devido o pagamento da remuneração adicional de 4.184,40 Euros, tal como incluída na nota de honorários e despesas oportunamente notificada ao ilustre mandatário da exequente, para efeitos de extinção da execução.».
20 - Em 14/01/2019 disse o agente de execução:
«(…)
vem expor e requerer a V.Exa. o seguinte:
- É certo que o signatário não teve intervenção direta na celebração do acordo de pagamento em prestações realizado entre as partes;
- Contudo é inegável que o mesmo só foi celebrado na sequência da ação judicial executiva em causa e após concretização das diligências efetuadas pelo agente de execução, designadamente a penhora do imóvel;
- Com efeito, nem mesmo após ter sido previamente citada a executada para pagamento voluntário, e decorrido o prazo de oposição, chegaram as partes a acordo, tendo sido necessário concretizar a penhora de bens daquela para que tal acontecesse;
- É assim evidente o nexo de causalidade que as diligências executivas realizadas pelo agente de execução tiveram para que fosse celebrado o acordo de pagamento entre as partes;
- É este o critério da constituição do direito à remuneração adicional do agente de execução, regulado pela Portaria Nº 282/2013 de 29AGO, evidente no preambulo deste dispositivo legal, quando ali se refere, “…com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê -se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação.”
“Procura -se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê- se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução.”
- A propósito veja-se o entendimento do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-01-2018 (Pº 3559/16.7T8PRT-B.P1), que conclui,
“I – O critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, o que se verifica sempre que na sequência das diligências do agente de execução se conseguir recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou seja firmado um acordo de pagamento.
II – A remuneração adicional do agente de execução prevista na Portaria nº 282/2013 de 29.08, é sempre devida desde que haja produto recuperado ou garantido, excepto, nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado, se este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução.”
- Nestes termos, tendo presente tudo quanto foi já exposto e esclarecido pelo signatário, requer a V.Exa. que seja ordenado o pagamento da nota de honorários e despesas do agente de execução, como apresentada ao exequente, em observância do legalmente regulamentado.».
21 - Em 29/01/2019 veio a exequente dizer:
«(…) tendo sido notificada do teor da resposta datada de 14-01-2019, apresentada pelo Agente de Execução, vem, muito respeitosamente, expor, reiterar e requerer a V. Exa. o seguinte:
1. Vem o Sr. Agente de Execução confirmar que não teve intervenção directa na celebração do acordo de pagamento celebrado entre as partes.
2. O que aqui importa saber é se o Agente de Execução teve alguma influência no resultado obtido na acção executiva.
3. E não teve.
4. Exequente e Executada são irmãs.
5. Apesar do diferendo que entre si existiu, sempre comunicaram e sempre tiveram a intenção de alcançar um acordo que permitisse o pagamento do valor em dívida.
6. A Exequente instaurou a acção executiva a 13-10-2017, indicando desde logo no seu requerimento executivo que apenas pretendia a penhora do imóvel sito na freguesia de Santa Engrácia – pois que o valor mutuado visava, precisamente, aquisição do dito imóvel.
7. À revelia das instruções da Exequente (e em atropelo do preconizado 8. no n.º 2 do artigo 751.º do Código de Processo Civil) – que comunicou em Novembro de 2017 ao Agente de Execução que estavam em curso negociações para alcançar acordo de pagamento em prestações – o Agente de Execução procedeu à penhora do vencimento da Executada em Janeiro de 2018.
9. A penhora requerida sobre o imóvel era proporcional e suficiente para garantir o crédito da Exequente e a diligência de penhora sobre o vencimento da Executada quase inviabilizou a concretização do acordo já elaborado e que aguardava apenas o registo da penhora do imóvel a favor da Exequente.
10. A recuperação da quantia exequenda não teve lugar graças às diligências do Agente de Execução que aliás dificultou e retardou o acordo.
11. Para além das pesquisas às bases de dados – que nunca seriam necessárias, pois a Exequente indicou desde o início o bem que pretendia penhorar – apenas realizou citações, notificações e penhora do bem imóvel já indicado pela Exequente.
12. A remuneração adicional é uma recompensa ou um prémio devido ao Agente de Execução pelos resultados obtidos em função das diligências por si levadas a cabo.
13. Nesse sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 03-11-2015 (processo n.º 1007/13.3TBCBR-C.C1), onde conclui o seguinte:
“I. A remuneração adicional devida ao agente de execução nos termos do art.º 50.º da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, não prescinde da verificação do nexo causal entre a recuperação de valores pelo exequente e as diligências que nesse sentido foram por aquele desenvolvidas.
II. Destinando-se a premiar o resultado obtido, a dita remuneração adicional só se justifica quando a recuperação ou a garantia dos créditos da execução tenha ficado a dever-se à eficiência e eficácia da actuação do agente de execução.
III. Tal interpretação é aquela que se impõe considerando os critérios interpretativos fixados no art.º 9.º do CC, quando, logo no Preâmbulo,
o legislador deixou claro que é devido o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas.
IV. O agente de execução não tem direito à aludida remuneração adicional tomando como base de cálculo o valor constante de acordo de pagamento em prestações celebrado entre exequente e executado, se os autos evidenciam com clareza que nenhuma intervenção teve na obtenção do mesmo.”
14. No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 02-06-2016 (processo n.º 5442/13.9TBMAI-B.P1), onde se lê que “É ainda inconstitucional por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais na medida em que da referida norma resulte responsabilidade para o próprio exequente, o qual, face ao custo desmesurado que poderá ter de suportar com o pagamento ao agente de execução nos casos em que o seu direito de crédito tenha um valor significativo, verá significativa e desproporcionadamente cerceado o seu direito de acesso à justiça sempre que for incerta a existência de bens cuja penhora e venda possa gerar um produto suficiente para aquele pagamento.”
15. A recuperação da quantia exequenda não teve lugar graças às diligências do Agente de Execução.
16. Nunca houve qualquer contacto pessoal entre o Agente de Execução e a Executada, ou sequer com a Exequente.
17. Não há motivos para haver lugar a uma “remuneração adicional”, a um “prémio”, por um trabalho que, de facto, não teve lugar.
Nestes termos,
E nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, vem, uma vez mais, requerer a V. Exa. se digne ordenar a rectificação da nota discriminativa elaborada pelo Agente de Execução, mandando eliminar da nota de honorários a parcela relativa a remuneração adicional.».
*
B) O Direito
1. Da alegada nulidade do despacho recorrido
Sustenta o apelante que o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação, nos termos do art. 615º nº 1 al. b) do CPC, limitando-se a remeter para os «fundamentos de facto e de direito constantes do requerimento apresentado», e sendo certo que a apelada apresentou vários requerimentos.
O art. 154º do CPC (Código de Processo Civil) estabelece:
«1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.».
E dos art. 615º nº 1 al b) e 613º nº 3 do CPC resulta que é nulo o despacho que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
No caso vertente, a controvérsia entre a exequente e o agente de execução resume-se a uma questão de direito. Na verdade, é pacífico que o agente de execução não participou nas negociações para a celebração do acordo de pagamento em prestações com a executada, face à sua declaração: «É certo que o signatário não teve intervenção direta na celebração do acordo de pagamento em prestações realizado entre as partes».
Portanto, o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação de direito.
Mas resulta do art. 665º nº 1 do CPC que apesar de declarar nula a decisão recorrida, deve o tribunal da Relação conhecer do objecto da apelação. É o que se fará de seguida.
*
2. No despacho recorrido entendeu-se que não é devida remuneração adicional ao agente de execução aderindo-se aos fundamentos invocados pela exequente e dizendo-se «e porque não há, in casu, qualquer nexo entre o valor garantido e a actividade do Exmo. Senhor Solicitador de Execução».
A remuneração do agente de execução está disciplinada nos art. 43º a 52º da Portaria 282/2013 de 29/08.
Aí se prevê, ao que ora importa:
Art. 50º
«1 - Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 a 4, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos.
2 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que não há lugar a citação prévia e se verifique após a consulta às bases de dados que não existem bens penhoráveis ou que o executado foi declarado insolvente, caso o exequente desista da instância no prazo de 10 dias contados da notificação do resultado das consultas apenas é devido ao agente de execução o pagamento de 0,75 UC.
3 - Quando o exequente requeira a realização de atos que ultrapassem os limites previstos nos pontos 1 e 2 da tabela do anexo VII da presente portaria, são devidos pelo exequente pela realização dos novos atos os seguintes valores:
(…)
5 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
a) Do valor recuperado ou garantido;
b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido;
c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
6 - Para os efeitos do presente artigo, entende-se por:
a) «Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente;
b) «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por meio de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
7 - O agente de execução tem ainda direito a receber dos credores reclamantes de uma remuneração adicional pelos valores que foram recuperados pelo pagamento ou adjudicação a seu favor.
8 - Em caso de incumprimento do acordo de pagamento em prestações ou do acordo global, a comunicar pelo exequente, o agente de execução elabora a nota discriminativa de honorários e despesas actualizada tendo em consideração o valor efetivamente recuperado, afectando o excesso recebido a título de pagamento de honorários e despesas ao pagamento das quantias que venham a ser devidas, sem prejuízo de, no termo do processo, restituir ao exequente o saldo a que este tenha direito.
9 - O cálculo da remuneração adicional efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
10 - Nos casos em que, na sequência de diligência de penhora de bens móveis do executado seguida da sua citação seja recuperada ou garantida a totalidade dos créditos em dívida o agente de execução tem direito a uma remuneração adicional mínima de 1 UC, quando o valor da remuneração adicional apurada nos termos previstos na tabela do anexo VUU seja inferior a esse montante.
11 - O valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade, na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução.
12 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional.
13 - Havendo sustação da execução nos termos do artigo 794º do Código de Processo Civil e recuperação de montantes que hajam de ser destinados ao exequente do processo sustado, o agente de execução do processo sustado e o agente de execução do processo onde a venda ocorre devem repartir entre si o valor da remuneração adicional, na proporção do trabalho por cada qual efectivamente realizado nos respectivos processos.
(…)
15 - Havendo substituição do agente de execução, que não resulte de falta que lhe seja imputável ou de delegação total do processo, o agente de execução substituído e o substituto devem repartir entre si a remuneração adicional, na proporção do trabalho por cada qual efectivamente realizado no processo.
(…)».
Art. 51º
«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os honorários referidos no artigo anterior são pagos ao agente de execução no termo do processo ou procedimento, ou quando seja celebrado entre as partes acordo de pagamento em prestações.
2 - Nas execuções para entrega de coisa certa e para prestação de facto, os honorários são pagos imediatamente antes da entrega da coisa devida ou d a prestação de facto.
3 - Quando a entrega da coisa ou a prestação de facto não sejam realizadas por facto não imputável ao agente de execução, apenas é devido o pagamento de 1 U, a qual acresce ao montante da provisão inicialmente paga.».
No preâmbulo dessa portaria lê-se, relativamente aos honorários do agente de execução:
«Ao adoptar um regime de tarifas fixas, procura-se estimular a sã concorrência entre agentes de execução, baseada na qualidade do serviço prestado e não em diferentes valores a acordar, caso a caso, entre agente de execução e exequente, autor ou requerente.
Por outro lado, com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte daa execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação.
Procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução, Este regime visa em última linha, tornar mais simples e mais célere a fiscalização a actividade dos agentes de execução, no que respeita a esta matéria em particular, e promover uma mais rápida ação em caso de atuações desconformes.».
E o Anexo VIII contém, antes da tabela, este texto:
«O valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 22.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.».
Portanto, a remuneração adicional está apenas prevista para a execuções para pagamento de quantia certa.
O nº 1 do art. 719º do CPC dispõe:
«Cabe ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.».
Evidencia-se pois, que o Código de Processo Civil não prevê que seja função do agente de execução diligenciar pela conciliação entre exequente e executado.
Diferentemente, o nº 1 do art. 26º do Código Deontológico dos Agentes de Execução (aprovado pelo Regulamento nº 202/2015 de 28/04) estatui:
«O agente de execução, (…) cabendo-lhe (…) tentar conciliar exequente e executado, (…)».
Mas o Regulamento que aprovou o Código Deontológico não é um acto normativo (cfr art. 112º da Constituição da República Portuguesa), razão pela qual não foi publicado na I série do Diário da República, mas sim, na II série (DR II nº 82/2015 de 28/04/2015).
Assim, aquele art. 26º não prevalece sobre o que o vem estabelecido no art. 719º do CPC a respeito das funções do agente de execução.
Por outro lado, a seguir-se o entendimento de que o agente de execução só terá direito a remuneração adicional quando o pagamento integral ou em prestações resultar de conciliação por ele promovida, não se vê justificação para que não tenha direito a essa remuneração no caso de o pagamento integral da quantia em dívida ser efectuado até ao termo do prazo para a oposição à execução também em consequência de conciliação por ele obtida.
Igualmente não faz sentido que o agente de execução não tenha direito à remuneração adicional quando não interveio no acordo de pagamento em prestações, mas já tenha esse direito no caso de o «valor recuperado» ser o valor da adjudicação ou dos rendimentos consignados por «terceiro» e no caso de o «valor garantido» ser o da caução prestada por «terceiro», como previsto no nº 6 a l. a) e b) do art. 50º.
Assim, tendo presentes os princípios que regem a interpretação da lei plasmados no art. 9º do Código Civil temos por correcto o entendimento de que o direito do agente de execução à remuneração adicional nas execuções para pagamento de quantia certa previsto na Portaria 282/2013 não está dependente de o agente de execução ter tido intervenção nas negociações entre exequente e executado para pagamento imediato ou em prestações da quantia exequenda.
Conclui-se, assim, que assiste razão ao apelante.
*
IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, e em consequência:
a) declara-se nulo o despacho recorrido;
b) decide-se que o apelante tem direito à remuneração adicional, sem prejuízo do disposto no nº 8 do art. 50º da Portaria 282/2013 de 29/08.
Custas pela exequente/apelada.

Lisboa, 07 de Novembro de 2019

Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos
Ana de Azeredo Coelho