Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7570/2006-7
Relator: PIMENTEL MARCOS
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
OBRIGAÇÃO
FORNECIMENTO
PAGAMENTO
MULTIBANCO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- O tribunal competente em razão do território para o julgamento de uma acção em que se pede o pagamento de uma determinada quantia em dinheiro, pelo fornecimento de determinadas mercadorias, não se tendo convencionado o local do pagamento, é, à escolha do credor, o do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou o do domicílio do réu.
II- E a tanto não obsta a circunstância de terem sido feitos alguns pagamentos anteriores, via “Multibanco”, de local diferente, designadamente o do domicílio do devedor

(PM)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


“TMN _ Telecomunicações Móveis Nacionais, SA” propôs (em 23.03.2004) a presente acção contra
António […],

Pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe uma determinada quantia em dinheiro devida pelo fornecimento de determinadas mercadorias.

O R contestou e excepcionou a incompetência do Tribunal Civil da comarca de Lisboa, dizendo ser competente o tribunal de Santo Tirso.

Para tanto alegou:

A proposta de acordo e de adesão foram assinados pelo R na sua residência em Santo Tirso;

A facturação era enviada para a residência do réu;

Após a recepção das facturas, o R procedia habitualmente ao respectivo pagamento através de Multibanco nas ATMs existentes na comarca se Santo Tirso;

Nos termos do artigo 74º do CPC, a acção deveria ter sido proposta no local de cumprimento do contrato ou no domicílio do R.

O autor não respondeu.

Por despacho de 17.11.2005 foi decidido ser competente do ponto de vista territorial o Tribunal da comarca de Santo Tirso.

Para tanto foi referido o seguinte:

Não foram oferecidas quaisquer provas, pelo que o tribunal tem de decidir de acordo com os elementos constantes dos autos (art.º 109º, nº 3 do CPC);

Como resulta dos autos, a causa de pedir é representada por um contrato de fornecimento de serviços telefónicos, figurando a autora como fornecedora e o réu como comprador, sendo o pedido o pagamento da quantia em dívida pelos fornecimentos efectuados;

Nos termos do artigo 74º, nº 1 do CPC, a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento será proposta, à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu;

Os autos não fornecem elementos sobre o local do cumprimento da obrigação, pelo que se atende ao critério do domicílio do réu.

Deste despacho recorreu a autora, formulando as respectivas conclusões, nas quais, no essencial, se defende que, não tendo sido pactuado o local de pagamento, deverá aplicar-se a regra do artigo 74º, nº 1 do CPC.

O agravado não alegou.

Foram dispensados os vistos

Cumpre apreciar e decidir.
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O que está em causa é o seguinte: qual o tribunal competente em razão do território para o julgamento de uma acção em que se pede o cumprimento duma obrigação, mais concretamente o pagamento de uma determinada quantia em dinheiro, pelo fornecimento de determinadas mercadorias, enviadas para a morada do réu, não se tendo convencionado o local do pagamento, mas sabendo-se que alguns pagamentos eram feitos via “Multibanco” de local diferente do domicílio do credor, mais concretamente da residência do réu.

Nos termos do artigo 74º, nº 1 do CPC, a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento será proposta, à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu.

Por sua vez determina o artigo 774º do CC: se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.

Ora, o credor tem o seu domicílio em Lisboa.

Por isso, o pagamento devia ser efectuado nesta cidade e comarca.

Competia, pois, ao autor propor a acção em Lisboa ou em Santo Tirso, uma vez que não foi invocado qualquer pacto de competência.

O simples facto de o réu ter efectuado alguns pagamentos por Multibanco em nada releva para o efeito, pois a autora podia aceitar essa forma de pagamento, sem qualquer relevância para a competência relativa do tribunal, no caso de outras dívidas não virem a ser pagas. Nem por essa razão se pode dizer que os pagamentos eram feitos em Santo Tirso, pois os pagamentos por aquela via podem ser feitos de qualquer local, como é evidente. E também não tem qualquer interesse para o efeito serem as facturas enviadas para essa cidade.

Refere-se no despacho recorrido que os autos não fornecem elementos sobre o local do cumprimento da obrigação, por não haver acordo das partes, pelo que se deve atender ao critério do domicílio do réu.

A verdade é que, na dúvida, haveria que lançar-se mão do critério legal, ou seja, o do artigo 774º citado: o local do cumprimento da obrigação.

Nestes termos, sendo o local de cumprimento em Lisboa aí poderia ser proposta, como foi, a presente acção.

Em conclusão: o tribunal competente em razão do território para o julgamento de uma acção em que se pede o pagamento de uma determinada quantia em dinheiro, pelo fornecimento de determinadas mercadorias, não se tendo convencionado o local do pagamento, é, à escolha do credor, o do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no do domicílio do réu.

E a tanto não obsta a circunstância de terem sido feitos alguns pagamentos anteriores, via “Multibanco”, de local diferente, designadamente o do domicílio do devedor.
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Por todo o exposto acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido e decidindo-se ser competente o tribunal da comarca de Lisboa.

Custas pelo agravado.

Lisboa, 07.11.2006.

Pimentel Marcos
Abrantes Geraldes
Maria do Rosário Morgado