Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6829/13.2TBSXL.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO
RENDIMENTO INDISPONÍVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - No incidente de exoneração do passivo, o valor do rendimento indisponível deve ser fixado de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, de forma a, por um lado, garantir o sustento do devedor com o mínimo de dignidade e, por outro lado, a proteger os interesses dos credores, havendo que encontrar um ponto de equilíbrio entre estes dois interesses, que passará sempre por sacrifícios a assumir pelo insolvente com a necessária contenção de despesas.
- Vivendo a insolvente sozinha, sem encargos para além das normais despesas com renda de casa, alimentação, água, luz, gás, transportes, telefone e internet e não tendo outros bens ou rendimentos para a satisfação do passivo para além da pensão de sobrevivência por morte do seu marido e o direito à herança deste, composta por um prédio rústico, não deverá fixar-se o rendimento indisponível em montante superior a uma vez e meia o salário mínimo nacional.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



RELATÓRIO:


No processo de insolvência em que é insolvente M…, veio esta, no requerimento em que se apresentou à insolvência, requerer a exoneração do passivo restante.

Foi proferida sentença que declarou a insolvência da requerente e, no que respeita ao pedido de exoneração do passivo, foi oportunamente proferido o despacho inicial a que se refere o artigo 239º do CIRE, que determinou que, do rendimento disponível destinado a ser entregue aos credores, fosse excluído o valor correspondente a um salário e meio, tendo ainda sido declarado o encerramento do processo, ao abrigo dos artigos 230º nº1 d) e 232º nº1 e 2 do CIRE.

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Inconformada com o valor fixado para o rendimento indisponível, a insolvente interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões:

34. De acordo com o supra exposto, não pode a ora recorrente conformar-se com a sentença que determinou a fixação do rendimento disponível a aplicar nos 5 anos que dura o período de cessão de rendimento nos termos do art. 239º do CIRE, no montante decidido pelo Tribunal a quo de um ordenado mínimo e meio.
35. Ou seja, deverá ser fixado como limite mínimo a ceder pela ora recorrente um valor que salvaguarde o sustento minimamente digno da devedora ora recorrente.
36. Pelo que se requer que a sentença que determinou que o valor a ceder pela ora recorrente seria de um ordenado mínimo e meio seja revogada nesta parte, devendo fixar o valor a ceder no valor indicado de dois ordenados mínimos, pelos motivos já supra expostos.
37. O que se requer a V/Exas, pois é o que é entendido de Justiça!

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Não há contra-alegações.

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A questão a decidir é a de saber qual o valor do rendimento indisponível para vigorar no período de cessão.

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FACTOS:

Os factos a atender são, desde logo, os factos dados como provados na sentença que decretou a insolvência da ora apelante e que são os seguintes:

1. A requerente nasceu no dia 25 de Dezembro de 1953 e é viúva.
2. Está actualmente desempregada, recebendo subsídio de desemprego e uma pensão de sobrevivência por morte do cônjuge, nos montantes respectivos de 13,97 euros diários e de 10 340,64 euros anuais.
3. A requerente não tem bens imóveis ou móveis no seu património, para além das suas roupas e objectos pessoais, nem é titular de outros direitos para além do aludido subsídio e da referida pensão.
4. A casa onde habita foi tomada de arrendamento, pagando, como contrapartida pelo gozo dessa habitação, a quantia pecuniária mensal de 550,00 euros.
5. O passivo da requerente ascende ao montante total de cerca de 182 800,00 euros.
6. Os credores da requerente são os que constam da lista de fls 55, cujo teor se dá por reproduzido.
7. Pende contra a requerente o processo nº1537/10.9TBSXL, o qual corre termos pelo 2º Juízo Cível deste Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Seixal.
8. A requerente, noutra altura da sua vida, contraiu obrigações financeiras num valor muito superior aos rendimentos que aufere presentemente.
9. A requerente foi cumprindo com as suas obrigações financeiras, até ao falecimento do seu marido, ocorrido em 30.07.2011.
10. As despesas mensais da requerente ascendem ao total de 1 005,00 euros, assim discriminadas:
a. Telemóvel e internet: 50,00 euros;
b. Transportes: 100,00 euros;
c. Renda: 550,00 euros;
d. Despesas com electricidade: 80,00 euros;
e. Despesas com água: 25,00 euros.
f. Despesas com gás: 50,00 euros.
g. Despesas com alimentação: 150,00 euros. 

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Do relatório do Sr Administrador de fls 205 e seguintes e do auto de arrolamento e apreensão de bens do apenso de apreensão de bens, resulta ainda provado que:

Para além do subsídio de desemprego e da pensão de sobrevivência referidos em 2, a insolvente apenas é titular do direito ao quinhão hereditário por óbito de F…, seu falecido marido, sendo a herança constituída por um prédio rústico. 

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO:

O processo de insolvência concede ao devedor singular a possibilidade de se libertar do passivo não pago, cinco anos após o seu encerramento, através do incidente da exoneração do passivo, previsto nos artigos 235º e seguintes do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL 53/2004 de 18/3), verificados que sejam determinados requisitos legais, necessários para apurar se o devedor é merecedor da oportunidade que lhe é concedida e para assegurar que os credores também não deixem de ter protecção.

Para a concessão deste benefício, impõe o artigo 239º do CIRE a obrigação de o devedor, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, ceder o seu rendimento disponível a uma entidade, designada fiduciário e escolhida pelo tribunal, para ser utilizado no pagamento dos débitos do insolvente.

Mas, nos termos do disposto na alínea b) i) do nº3 do artigo 239º, é excluído do rendimento disponível o que for “razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional”.

Na fixação do montante a excluir do rendimento disponível, para razoavelmente garantir o sustento minimamente digno do devedor, terá se atender às diversas circunstâncias do caso concreto, havendo que ter presente a fase da vida do devedor, de recuperação e de não disponibilidade de outros rendimentos, bem como a conciliação entre o interesse do devedor prosseguido no instituto da exoneração do passivo e o interesse dos credores em ver satisfeitos os seus créditos.

Como resulta expressamente da lei, o montante a excluir do rendimento disponível terá, em princípio, como limite máximo, o valor de três vezes o salário mínimo nacional.

Já o limite mínimo não está fixado na lei, mas tem sido fixado pela jurisprudência no valor de um salário mínimo nacional, quer face às regras sobre a impenhorabilidade resultantes do artigo 738º do CPC (antigo artigo 824º), quer face à relevância indicativa que a remuneração mínima nacional tem como o mínimo necessário à sobrevivência humana com dignidade.

No caso dos autos, os bens e rendimentos da insolvente são constituídos exclusivamente pela pensão de sobrevivência por morte do seu marido e pelo direito à quota na herança deste, composta por um prédio rústico, recebendo ainda o subsídio de desemprego.

Vivendo sozinha e sem ninguém a seu cargo, a apelante tem como despesas a renda de casa no valor mensal de 550,00 euros e as normais despesas com alimentação, água, luz e gás, transportes, telefone e internet.

A decisão recorrida entendeu ser de fixar o rendimento indisponível no valor de um salário e meio, pretendendo a apelante que este seja fixado em dois salários.

Ora, no confronto de interesses acima referido, entre a preservação da dignidade do devedor e o direito de os credores verem os seus créditos minimamente satisfeitos, terá de se encontrar um ponto de equilíbrio e ter em conta, não só as mencionadas circunstâncias concretas relativas às condições da apelante, mas também o facto da manifesta insuficiência dos bens face ao passivo e a necessidade de sacrifícios e contenção de despesas por parte da devedora.

Tudo visto, apesar das dificuldades e sacrifícios que a insolvente terá de fazer, considera-se que o valor das suas despesas terá de ser controlado e reduzido, não devendo ser fixado um rendimento indisponível de valor superior ao de um salário e meio fixado na decisão recorrida.

Improcedem, assim, as alegações da recorrente. 
 
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e mantém-se o despacho recorrido. 

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Custas pela massa.


                                                        
Lisboa,2015-07-09
                                                          
                                                                   
Maria Teresa Pardal                                                                     
Carlos Marinho                                                                     
Anabela Calafate                                                                       
Decisão Texto Integral: