Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4604/20.7T8FNC.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: DESERÇÃO PARCIAL DA INTÂNCIA
INCIDENTE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIRO
LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - Como claramente resulta da norma do art.º 281º, nº 1, do CPC, a deserção da instância nela cominada só pode ser declarada judicialmente no caso de poder considerar-se negligente a falta de satisfação do ónus de impulso processual por parte daquele sobre quem tal ónus impende.
2 – Existindo fundamento para considerar-se negligente a falta de satisfação do ónus de impulso processual por parte do autor sobre quem tal ónus impende, a consequência regra é a deserção in totum da instância, não sendo prima facie de admitir a prolação de decisão de deserção parcial da instância quanto a parte do pedido, prosseguindo a acção quantos aos demais;
3. – O referido em 2. mais se justifica porquanto do disposto nos art.ºs 264º e 265º,nº2, do CPC, decorre que as alterações do pedido (v.g. a redução) implicam uma definitiva alteração do OBJECTO da instância, equivalendo a uma desistência do pedido, a qual, uma vez homologada, produz os mesmos efeitos que uma sentença desfavorável ao autor, extinguindo o direito que se pretendia fazer valer (cfr. art.º 283º, nº 1 , n.º 1 do artigo 285.º  e nº 3, do art.º 290º, todos Código de Processo Civil).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de LISBOA
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1.- Relatório. 
A, intentou em JUNHO de 2019 acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a sociedade comercial B (… Imobiliária, S.A., com sede no Funchal, deduzindo o seguinte PEDIDO:
1) Seja reconhecido e declarado judicialmente o direito da demandante poder realizar de segunda a sexta-feira, no horário legalmente estabelecido para o efeito, obras de remodelação no interior das correspectivas duas fracções autónomas supra identificadas e ser a demandada condenada a respeitar o direito da demandante poder realizar as ditas obras de remodelação, reconhecendo e declarando judicialmente o direito da demandante passar pela áreas comuns do prédio para entrar e sair das respectivas fracções autónomas de que é dona e de fazer passar pelas áreas comuns do prédio o empreiteiro e a equipa deste para entrarem e saírem das ditas fracções autónomas para realizarem as respectivas obras de remodelação;
 2) Seja reconhecido e declarado judicialmente o direito da demandante poder colocar nas couretes do sobredito prédio em propriedade horizontal localizadas junto das respectivas fracções os correspondentes contadores de água e de electricidade e ser a demandada condenada a respeitar este direito da demandante, reconhecendo e declarando judicialmente o direito da demandante passar pela áreas comuns do prédio para entrar e sair das respectivas fracções autónomas de que é dona e de fazer passar pelas áreas comuns do prédio o empreiteiro e a equipa deste para entrarem e saírem das ditas fracções autónomas para realizarem as necessárias obras de colocação dos contadores de água e de electricidade para medir a água e a electricidade consumidas na ditas fracções autónomas da propriedade e da posse exclusivas da demandante;
3) Seja reconhecido e declarado judicialmente o direito da demandante poder contratar a colocação, através das couretes do sobredito prédio em propriedade horizontal localizadas junto das respectivas fracções, da cabelagem necessária a ter serviço de televisão e de internet por cabo nos apartamentos de que a demandante é, de forma exclusiva, dona e possuidora e ser a demandada condenada a respeitar este direito da demandante, reconhecendo e declarando judicialmente o direito da autora passar pela áreas comuns do prédio para entrar e sair das respectivas fracções autónomas e de fazer passar pelas áreas comuns do prédio o empreiteiro e a equipa deste para entrarem e saírem das ditas fracções autónomas para realizarem as necessárias obras de colocação da cabelagem necessárias a ser instalado nas sobreditas fracções autónomas o serviço de televisão e de internet por cabo ;
4) Seja reconhecido e declarado judicialmente o direito da demandante poder dar de arrendamento as duas ditas fracções autónomas de que a demandante é dona e ser a demandada condenada a respeitar este direito da demandante e ser reconhecido e declarado o direito de a demandante (por si ou através dos inquilinos ou através de terceiros autorizados pela demandante para utilizarem as sobreditas fracções) não ter de fornecer cópia do contrato de arrendamento à demandada, nem ter de fornecer à demandada quaisquer elementos identificativos dos inquilinos das fracções da propriedade da demandante e ser a demandada condenada a não exigir da demandante nem dos inquilinos desta a cópia dos contratos de arrendamento, nem quaisquer elementos ou documentos identificativos da demandante e dos respectivos inquilinos ou de terceiros autorizados pela demandante a utilizar as duas sobreditas fracções autónomas de que a demandante é dona ;
4) Seja reconhecido e declarado judicialmente o direito da demandante a entrar e a utilizar, por si própria ou pelos respectivos inquilinos ou por terceiros autorizados pela demandante para o efeito, todas as áreas comuns do sobredito prédio em propriedade horizontal, designadamente poder aceder e usar a piscina interior, a piscina exterior, o jacuzzi, a sauna, o ginásio e os jardins e ser a demandada condenada a respeitar este direito da autora, a ser exercido pessoalmente pela demandante ou através dos respectivos inquilinos ou de terceiros autorizados para o efeito pela demandante ;
5) Seja reconhecido e declarado judicialmente o direito de compropriedade e de composse do demandante relativamente ao sobredito estacionamento comum e ser a demandada condenada a reconhecer e a respeitar o direito de compropriedade e de composse do demandante relativamente ao sobredito estacionamento comum;
6) Seja a demandada condenada a limpar e a desocupar imediatamente a sobredita sub-cave (estacionamento) de todos os seus haveres que impedem a respectiva utilização pelo demandante como estacionamento;
7) Seja a demandada condenada a facultar imediatamente ao demandante a chave de acesso ao sobredito estacionamento comum pelo interior do prédio e a chave de acesso ao sobredito estacionamento comum pelo exterior do edifício, remetendo as ditas chaves ao demandante por carta registada com aviso de recepção para o escritório do mandatário do demandante sito na Rua …, nº …, segundo andar, freguesia de Santa Luzia, concelho do Funchal;
8) Seja a demandada condenada no pagamento da sanção pecuniária compulsória nos termos supra explicitados;
9) Que o Tribunal condene a demandada no pagamento das custas judiciais e das custas de parte.
1.2. – No seguimento de decisão proferida (em 7/3/2022) e que julgou verificada a exceção dilatória da incompetência relativa em razão do valor,  e remetidos os autos para o juízo central cível do Funchal (Tribunal Judicial da Comarca da Madeira), veio a 9/6/2022 a ser proferido despacho a ordenar/convidar (no pressuposto de que, tendo sido peticionada a declaração judicial do direito de compropriedade relativamente a estacionamento do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, impunha-se a intervenção de todos os comproprietários do prédio, no lado passivo, ocorrendo a situação de litisconsórcio necessário passivo) o autor a requerer a necessária intervenção dos restantes comproprietários, no prazo de 10 dias.
1.3. - Notificado do despacho identificado em 1.2., veio o demandante requerer (em 27/6/2022), prorrogação do prazo para cumprimento do solicitado, o que foi deferido (por despacho de 29/6/2022), e, já em 19/9/2022, veio atravessar nos autos instrumento de intervenção principal provocada de 70 chamados, porque alegadamente todos eles comproprietários das áreas comuns do prédio dos autos em regime de propriedade horizontal.
1.4. - Notificado – no seguimento do instrumento referido em 1.3. – o autor para juntar aos autos formulário devidamente preenchido nos termos da portaria 267/18 de 20/9 art.º 7, n.º 4, veio o autor requer em 3/10/2022 a concessão de prazo de 30 dias para deduzir o formulário devidamente preenchido nos termos da portaria 267/18 de 20/9, art.º 7, n.º 4, o que foi deferido (por despacho de 6/10/2022)  e, por novo despacho de 9/12/2022, foi concedida a prorrogação - para o mesmo efeito - do prazo por mais 60 dias.
1.5. – Chegados a 6/2/2023, e não havendo ainda sido junto pelo autor o formulário identificado em 1.4. e nos termos da Portaria 267/18 de 20/9 art.º 7, n.º 4, foi pelo Emº Juiz titular proferido o seguinte despacho (Refª 53051680):
“Aguardem os autos que o autor cumpra o solicitado, sem prejuízo das consequências decorrentes do decurso do prazo previsto no art.º 281º, nº 1 do C.P.C.
Notifique”.
1.6. - Nada sendo carreado para os autos – após o despacho identificado em 1.5. -, veio a 13/10/2023) a ser prolatado o seguinte despacho (Refª 54206014):
“ (…)
O autor requereu a 09.11.2022 a concessão de um prazo de 60 dias para deduzir o formulário devidamente preenchido, com a identificação dos intervenientes cujo chamamento se torna necessário ao prosseguimento dos autos, o que veio a ser deferido, por despacho que lhe foi devidamente notificado a 12.12.2022.
Entretanto, uma vez que os autos se encontravam parados a aguardar que o autor desse cumprimento ao solicitado, o mesmo foi advertido, por despacho proferido a 06.02.2023, devidamente notificado às partes, que os autos iriam continuar a aguardar que este cumprisse o solicitado, mas que se considerava em curso o prazo de deserção da instância, previsto no art.º 281º, nº 1 do C.P.C.
Ora, até a presente data o autor continuou a manifestar total desinteresse pelo prosseguimento dos autos, nada tendo requerido, mantendo-se estes sem qualquer impulso processual.
Estabelece o artigo 281º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na parte que aqui importa considerar, que a instância se julga deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
De referir que o prazo em causa é contínuo e não se suspende durante o período das férias judicias, uma vez que é igual a seis meses. Isso mesmo resulta do disposto pelo artigo 138º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Analisados os autos, constata-se que os mesmos se encontram parados há mais de seis meses porque o autor, apesar de notificado para esse efeito e com a advertência do disposto no art.º 281º, nº 1 do C.P.C., não completa o seu requerimento de intervenção provocada, com a identificação completados chamados.
Tudo ponderado, considerando o lapso temporal já decorrido e o expressamente previsto pelo artigo 281º, do Código de Processo Civil, estando o processo parado há mais de seis meses por negligência do autor, concluímos que os presentes autos se mostram em condições de deserção.
Em face do exposto, julgo deserta a instância, correndo as suas custas pelo autor.
Notifique.
Oportunamente ingressem os autos no arquivo”.
1.7. – Notificado da Decisão/sentença identificada em 1.6., e da mesma discordando, veio então o Autor A, interpor a competente APELAÇÃO, sendo que, a justificar a impetrada REVOGAÇÃO do decidido, formula o recorrente as seguintes conclusões:
I - Ora, o autor não deduziu o formulário preenchido com a identificação dos intervenientes cujo chamamento torna-se necessário tão-somente ao conhecimento e à decisão judiciais dos pedidos 6, 7 e 8 constantes na PI, mas que já não o é necessário ao conhecimento e à decisão judiciais dos pedidos de 1 a 5 constantes da PI.
II - Todavia, por douto despacho judicial de fls … constitui caso julgado formal que tão-somente relativamente ao conhecimento e ao julgamento dos pedidos de 6 a 8 da PI é que tornava-se necessária a intervenção principal provocada de todos os demais comproprietários e já não em relação aos pedidos de 1 a 5 da  PI, pelo que o autor não cometeu nenhuma negligência quanto ao impulso processual dos autos no que respeita ao conhecimento e à decisão a ser tomada pelo Tribunal relativamente aos pedidos de 1 a 5 da PI, até porquanto para que haja o conhecimento e a decisão judicial dos pedidos de 1 a 5 da PI basta figurar na parte passiva da presente acção judicial tão-somente a ré desacompanhada de todos os demais comproprietários das áreas comuns do prédio ora em causa.
III - Pelo que a decisão do Tribunal ad quo deveria ter sido a da extinção da instância, por ilegitimidade da ré, quanto aos pedidos de 6 a 8 da PI e já não a da extinção da instância quanto aos pedidos de 1 a 5 da PI relativamente aos quais o presente processo judicial não enferma de nenhuma nulidade, de nenhum vício processual e nem da falta de quaisquer pressupostos legais.
IV - Pelo que a sentença recorrida de extinção de toda a instância configura erro de julgamento que aqui se invoca, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
V - E, por conseguinte, a decisão de extinção de toda a instância com violação do princípio da economia processual consubstancia a prática de acto que a lei não admite e que por poder influir no exame e na decisão da causa quanto aos pedidos de 1 a 5 da PI mostra-se ferida de nulidade, que ora se argui e de que ora se reclama, tudo com todas as legais consequências.
VI - É, destarte, inconstitucional e constitui uma compressão intolerável dos direitos de defesa do autor a interpretação, com violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e do princípio da tutela jurisdicional  efectiva, da norma do artigo 281.º, n.º 1 e da noma do artigo 277.º, alínea c), ambas do CPC, no sentido de julgar extinta a instância quer em relação a pedidos da PI relativamente aos quais o processo enferma de nulidade e de vício processual e da falta de quaisquer pressupostos legais e quer em relação a pedidos constantes da PI relativamente aos quais o processo não enferma de nenhuma nulidade e de nenhum vício processual e nem da falta de quaisquer pressupostos legais, inconstitucionalidade que aqui se invoca, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
Nestes termos e nos mais e melhores de direito que V.as Ex.as Senhores Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve o presente recurso de Apelação interposto pelo recorrente ser totalmente procedente, tudo com todas as legais consequências, designadamente com:
1) O reconhecimento e a declaração por douto Acórdão da verificação das nulidades, dos erros de julgamento e das inconstitucionalidades supra discriminados, tudo com todas as legais consequências.
2) Reconhecer e declarar por douto Acórdão o presente recurso como totalmente procedente e, em consequência, revogar a douta sentença ora recorrida, tudo com todas as legais consequências, com o que, assim decidindo, farão V.as Ex.as Senhores Juízes Desembargadores a costumada Justiça.
1.8. – Com referência à apelação identificada em 1.7., não foram apresentadas Contra-Alegações.
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Thema decidendum
2. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões (daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem) das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a resolver resume-se à seguinte:
I - Aferir se importa revogar o despacho recorrido, e o qual “declarou” a deserção da instância ao abrigo do disposto no artigo 281.º, nº 1, do CPC, e isto porque:
a)Apenas quanto aos pedidos de 6º a 8º da PI se justificava a deserção da instância, e não já quanto aos pedidos de 1º a 5º, porque quanto as estes últimos não se exigia a intervenção de terceiros;
b)É inconstitucional e constitui uma compressão intolerável dos direitos de defesa do autor a interpretação a que chegou o tribunal a quo das normas dos artigos 277.º, alínea c) e 281.º, n.º 1, ambos do CPC, incorrendo em violação do artigo 20.º, n.º 4, da CRP e do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
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3. - Motivação de Facto.
A factualidade relevante a considerar em sede da presente apelação é a que resulta do relatório do presente Ac., para o qual se remete.
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4. - Motivação de direito.
4.1.- Se bem andou o tribunal a quo, no despacho recorrido, em declarar extinta a instância por deserção, e ao abrigo do disposto no artigo 281.º,  nº1, do CPC.
Como decorre do relatório do presente Ac., o thema decidenduum da apelação interposta pelo Autor A , prende-se tão só com a aferição da pertinência/correcção de decisão proferida - em 13/10/2023 - pelo tribunal a quo e que, no pressuposto de aguardarem os autos, pelo menos desde 6/2/2023, que o autor desencadeasse incidente de intervenção de terceiros através de pertinente formulário  (nos termos da Portaria 267/18 de 20/9 art.º 7, n.º 4), e , porque não o fez, declarou a  deserção da instância nos termos do artigo 281° n° 1 do CP.Civil.
 Discordando o apelante/autor da referida decisão do tribunal a quo, no essencial fundamenta/assenta o mesmo a sua divergência no pressuposto de que, em rigor, vedado estava ao Tribunal declarar a extinção por deserção da instância relativamente a todos os pedidos deduzidos nos autos, e isto porque, sendo o incidente de intervenção de terceiros apenas exigido quanto a 3 dos pedidos deduzidos nos autos (os nºs 6º a 8º), quando muito apenas relativamente a tais 3 pedidos (que não quanto aos restantes) podia o tribunal a quo ter proferido a decisão recorrida.
É que, esclarece o apelante, o certo é que no despacho proferido pelo tribunal a quo e em 9/6/2022 , considerou o Exmº Juiz titular dos autos que tão-somente relativamente ao conhecimento e ao julgamento de mérito dos pedidos nºs 6 a 8 da Petição é que se tornava necessária a intervenção principal provocada de todos os demais comproprietários , e isto em razão da existência de uma situação de litisconsórcio necessário passivo.
Apreciando
Decorre da posição do apelante que podia e devia o tribunal a quo, quando muito, ter enveredado pela prolação de decisão de deserção parcial da instância, prosseguindo já a instância quanto aos demais pedidos (os nºs 1º a 5º) nos autos deduzidos, pois que relativamente a estes a questão da preterição de litisconsórcio necessário passivo não se colocava.
Ou seja, e em rigor, não integra o objecto da apelação pelo autor interposta aferir se, na realidade, encontrava-se efectivamente o processo – aquando da prolação da decisão recorrida – a aguardar, há mais de seis meses e por negligência do autor, o impulso processual.
O que no essencial importa  indagar é se, no âmbito do instituto da deserção da instância, faz sentido aplicarem-se também as regras (decorrentes do principio da conservação dos actos jurídicos e, bem assim, das exigências de economia processual) aplicáveis aos vícios de NULIDADE dos actos processuais, e no sentido de que “a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes” (cfr. art.º 195º, nº 2, do CPC), considerando-se v.g. que deve “reputar-se independente doutro, para este efeito, sempre que não constitua o pressuposto necessário para a prática do acto subsequente, isto é, quanto o nexo que liga os actos entre si o não reduz a um todo unitário ”. (1)
Ora, bem a propósito da referida questão, e ainda que reportada à possibilidade de a deserção parcial da instância se dirigir apenas a parte de demandados (qual redução subjectiva da instância), considerou já este Tribunal da Relação de Lisboa (2) que tal possibilidade não era de aceitar, e isto porque “ a instância é única de modo que a deserção da instância é uma causa de extinção total da instância [Artigo 277º, alínea c)), não prevendo a lei a figura da deserção parcial da instância”.
Acresce que, acrescenta-se ainda no citado Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, a aceitar-se tal possibilidade - a saber, a “existência da figura da deserção parcial”-, tal “ convolaria a deserção da instância numa espécie de desistência não definitiva do pedido quanto a alguns Réus ”.
Ora, diz-se no mesmo e referido Ac., “a desistência do pedido constitui uma realidade totalmente distinta da deserção da instância ( cf. Artigo 285º, nº1 do Código de Processo Civil ) e a lei processual não admite a desistência não definitiva do pedido”, cabendo pois à parte, “querendo e agindo com devida diligência, ter desistido oportunamente do pedido quanto a alguns dos Réus em causa (cf. Artigo 288º, nº1, do Código de Processo Civil ”).
Também o STJ, e em Acórdão de 14/5/2019 (3), prima facie também considera que para efeitos de aplicação do disposto no art.º 281º, do CPC, a instância é una, razão porque exige a lei que a respectiva deserção decorra igualmente da paragem do processo globalmente considerado.
Já no âmbito da doutrina, e recentemente, vieram PAULA COSTA e SILVA e NUNO TRIGO DOS REIS (4), defender que quando na presença v.g. de instâncias com configuração subjetiva complexa, e , estando em causa uma situação de litisconsórcio necessário, passivo ou activo, a omissão/negligência da prática pelo autor de acto de regularização da instância não pode deixar de implicar a deserção da instância e a extinção total do processo.
Ao invés, estando em causa uma situação de mero litisconsórcio voluntário, passivo ou activo, a omissão/negligência da prática pelo autor de acto de regularização da instância só pode/deve implicar a perda do autor de obter determinada vantagem, v.g. o da impossibilidade de ser proferida no processo uma decisão que produza efeitos de caso julgado quanto aos sucessores – e não habilitados , por negligência do autor - da parte falecida , prosseguindo assim a acção (que assim vê a respectiva instância reduzida, na sua composição subjectiva, ao autor e aos demais réus litisconsortes não voluntários) apenas quanto às partes sobrevivas. (5)
O referido entendimento/interpretação, explicam PAULA COSTA e SILVA e NUNO TRIGO DOS REIS, é aquela que melhor se harmoniza com o disposto no art.º 9º, nº3, do CC, pois que, não é de crer que “o legislador quis consagrar no art.º 281º, do CPC, uma solução que afronta o principio do aproveitamento máximo dos actos jurídicos , a prevalência do proferimento de decisões de mérito sobre as decisões de forma, para mais quando uma instância é regular,  e  , ademais, a “proximidade dos regimes jurídicos da absolvição do réu da instância e da deserção é suficiente para afastar a ideia segundo a qual a deserção só poderia conduzir à extinção de todo o processo por razões conexas com a estrutura do processo, em especial com o carácter unitário da instância”  .
Por último, e ainda no caso de omissão de dedução de incidente de habilitação e herdeiros no caso de morte de uma das partes,  e , estando em causa uma situação de litisconsórcio voluntário, consideram PAULA COSTA e SILVA e NUNO TRIGO DOS REIS que a não aplicação inevitável/forçosa do disposto no art.º 281º, do CPC (justificando-se tão só a redução subjectiva da instância) é a única solução que se adequa e harmoniza com o PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO (pois que, relativamente aos compartes réus sobrevivos, a não habilitação dos herdeiros do Réu falecido não pode equivaler a falta de impulso processual , visto que relativamente a eles não é afectada a respectiva legitimidade), com o principio da AUTO-RESPONSABILIDADE das partes (pois que a consequência do incumprimento do ónus processual pelo autor não pode ser outra que não seja a não obtenção da vantagem que aquela parte teria obtido com o cumprimento daquele ónus), com o principio da PREVALÊNCIA DA SUBSTÂNCIA SOBRE A FORMA e com o principio da EFECTIVIDADE DA TUTELA.
Aqui chegados , o que de seguida importa aferir é se, de alguma forma, se justifica in casu aplicar, com as devidas adaptações, o entendimento – de deserção parcial da instância - defendido por PAULA COSTA e SILVA e NUNO TRIGO DOS REIS quando conduz aquela à redução subjectiva da instância, impondo-se circunscrever os efeitos daquela - deserção parcial da instância - a apenas três dos pedidos pelo autor deduzidos (os nºs 6 a 8 , nada obstando ao prosseguimento da acção quanto à apreciação do mérito dos demais).
A nosso ver, e como assim se decidiu (e bem) já em Acórdão proferido por este Tribunal da Relação e de 20/12/2016, certo é que a pretensão do apelante não pode ser atendida, desde logo porque a ser acolhida, tal equivaleria a, através da figura da deserção parcial da instância, se permitir que o demandante desistisse tacitamente da “instância” de pedido concreto deduzido, desistência que não seria em todo o caso definitiva , o que o CPC não admite de todo .
É que, como decorre claramente do disposto no art.º 260º, do CPC, certo é que “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.
Por sua vez, do disposto nos artºs 264º e 265º, nº 2, do CPC, decorre que as alterações do pedido (v.g. a redução) implicam uma definitiva alteração do OBJECTO da instância, equivalendo a uma desistência do pedido, a qual, uma vez homologada, produz os mesmos efeitos que uma sentença desfavorável ao autor, extinguindo o direito que se pretendia fazer valer (cfr. art.º 283º, nº 1 , n.º 1 do artigo 285.º  e nº 3, do art.º 290º, todos Código de Processo Civil).
Não sendo admitida uma desistência da instância de pedido e/ou pedidos, vedado estava portanto ao tribunal a quo (e  a seguir v.g. o entendimento perfilhado por PAULA COSTA e SILVA e NUNO TRIGO DOS REIS) a prolação de decisão de deserção parcial da instância ,  limitando-a – quanto aos efeitos – a parte do PEDIDO pelo autora formulado na petição inicial, ou seja, conferindo àquela um efeito e alcance que a Lei adjectiva não faculta em face do estipulado expressis verbis nos nºs 1 e 2, do art.º 285º, do CPC.
Nada justifica, em suma, a substituição da decisão recorrida por outra com um alcance mais reduzido, não se olvidando ainda que in casu e relativamente aos pedidos com os nºs 6º a 8º pacífico é existir uma situação de litisconsórcio necessário passivo.
Improcede, assim, a apelação quanto á preconizada/defendida prolação de deserção parcial da instância.
***
4.2. – Se a decisão recorrida sufraga interpretação de norma – a do artigo 281.º, n.º 1 e a do artigo 277.º, alínea d), ambas do CPC -, que é inconstitucional ao desencadear uma compressão intolerável dos direitos de defesa do autor, incorrendo em violação do artigo 20.º, n.º 4, da CRP e do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
O Tribunal Constitucional, em Acórdão proferido em 14/11/2018 (6), veio já a julgar não inconstitucional a interpretação conjugada dos artigos 281.º, n.º 1 e 351.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, no sentido de que, caso se mostre ultrapassado o prazo de seis meses sem que seja promovido o incidente de habilitação de herdeiros, o falecimento de um dos autores coligados impõe que o juiz decrete a extinção da instância quanto a todos os pedidos e não unicamente quanto ao pedido formulado pelo autor falecido ”.
Sobre tal questão (o da pretensa Violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva), recorda-se, discorreu-se – em parte - no douto e citado Acórdão do Tribunal Constitucional que:
“(…)
A questão que se coloca em primeiro lugar, no plano constitucional, consiste em saber se esse ónus viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos nºs 1 e 5 do artigo 20.º da CRP.
Ora, a respeito das exigências decorrentes da garantia constitucional do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, quando estejam em causa normas que impõem um ónus processual às partes, o Tribunal tem afirmado que tal garantia não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, não sendo incompatível com a imposição de ónus processuais às partes.
(…)
Todavia, isso não significa que o legislador ordinário detenha uma total liberdade na concreta modelação do processo, como se fosse este um campo vazio de vinculações jurídico-constitucionais. É ponto assente que esta matéria não é imune aos princípios constitucionais e que os regimes adjetivos deverão mostrar-se funcionalmente adequados aos fins do processo, de modo a não traduzirem imposições sem sentido útil ou razoável, e não poderão impossibilitar ou dificultar de modo excessivo a atuação processual das partes, nem estabelecer consequências ou preclusões que sejam desproporcionadas em relação à gravidade da falta que é imputada. O Tribunal Constitucional tem dito que as normas processuais, como decorrência do princípio do processo equitativo, não podem impossibilitar ou dificultar de modo excessivo a atuação processual das partes, nem estabelecer consequências ou preclusões que sejam desproporcionadas em relação à gravidade da falta que é imputada (Acórdãos n.ºs 468/01, 122/02, 260/02 e 46/05).
(…)
Num processo civil de tipo dispositivo, tal como se encontra estruturado no CPC, não surpreende a existência de ónus processuais: a relação jurídica processual não se exprime apenas por direitos e deveres, mas também por ónus e sujeições. Com efeito, não obstante os amplos poderes de gestão processual de que dispõe o juiz e a exigência de cooperação entre o tribunal e as partes, a direção ativa do processo pelo juiz faz-se «sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes» (n.º 1 do artigo 6.º do CPC). Assim, para além do impulso processual inicial (artigo 3.º do CPC), preceitos especiais podem impor às partes (autores ou reconvintes) ónus de impulso subsequente, mediante a prática de determinados atos cuja omissão impede o prosseguimento da causa.
(…)
Problema diferente é o de saber se a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento do ónus de impulso processual põem em causa a garantia do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
(…)
A questão de constitucionalidade que o Tribunal é chamado a apreciar consiste em determinar se é constitucionalmente legítimo que, numa situação de coligação de autores, em caso de falecimento de um deles, sem que no prazo de seis meses o incidente de habilitação dos sucessores tenha sido impulsionado por qualquer dos autores sobrevivos, se julgue extinta a instância relativamente a todos os pedidos e não apenas ao pedido formulado pelo autor falecido.
Ora, a compatibilidade deste critério normativo com o artigo 20.º da CRP não convoca como parâmetro o princípio da proibição da indefesa, associado ao princípio do contraditório, porque não integra quaisquer elementos ou circunstâncias relacionadas com a oportunidade de defesa. O recurso de constitucionalidade não vem reportado, por exemplo, a uma interpretação normativa do artigo 281.º do CPC que considere dispensável a audiência das partes antes de ser exarado o despacho que julga extinta a instância por deserção. Não está em causa qualquer norma ou dimensão normativa que vise limitar o direito de defesa de qualquer das partes, mas apenas apreciar se do ponto vista jurídico-constitucional é censurável que em caso de coligação ativa a sanção pela paragem prolongada do processo seja a extinção total da instância e não a deserção parcial.
Este problema envolve necessariamente dimensões do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva. Com efeito, a deserção é um evento que faz cessar a instância sem que tenha atingido a sua finalidade normal: a declaração, por ato jurisdicional, do direito controvertido. Na medida em que o processo, enquanto instrumento de realização do direito, não chega a alcançar o resultado desejado pelo direito material, pode dizer-se que a deserção da instância afeta o direito à tutela jurisdicional efetiva. Deste direito fundamental, em associação com a regra do processo equitativo (n.º 4 do artigo 20.º da CRP), decorre um princípio de efetividade processual, segundo o qual o processo deve proporcionar às partes, quanto for possível, a realização concreta, real e efetiva do direito violado. O princípio da efetividade processual exige, pois, que a sequência de atos fixados na lei, com vista à obtenção de uma determinada providência judiciária, seja capaz de alcançar a solução concreta do conflito levantado entre as partes.
Um dos parâmetros que o processo tem que satisfazer para merecer a qualificação de efetivo é o da funcionalidade material dos atos que o compõem. Quer dizer: a estruturação do conjunto de atos que formam o processo deve revelar-se funcionalmente adequada à realização da tutela jurisdicional dos direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos. O processo deve estar construído e organizado em ternos tais que se possa concluir que incide efetivamente sobre a pretensão deduzida pelo autor e que é suscetível de produzir um resultado útil e concreto. Exigências puramente formais e arbitrais, destituídas de qualquer sentido útil e razoável, tornam o processo inidóneo a realizar a função de garantia do direito cometido à tutela jurisdicional (Acórdão n.º 462/16).
Não obstante a instância findar em consequência da deserção, inviabilizando a realização final da tutela jurídica, daí não se pode concluir que tal cominação seja inidónea à realização dos fins do processo. Além dos valores da eficiência e da economia (artigos 130.º e 131.º do CPC), a efetividade processual compreende um fator temporal, que diz respeito ao tempo de tramitação da ação. O n.º 4 do artigo 20.º da CRP consagra que «todos têm direito a que a causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável»; e o n.º 5 do mesmo artigo garante que a tutela de direitos, liberdades e garantias pessoais faz uso de «procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos». Assim, efetividade temporal do processo implica não só o direito a uma decisão em prazo razoável como também o uso pelo legislador de instrumentos de celeridade processual.
Ora, já foi referido que a deserção da instância é um mecanismo que promove a celeridade processual, obstando à eternização do processo em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento, quando lhe compete fazê-lo. Como refere Paulo Ramos Faria, «o principal fundamento da deserção da instância residirá hoje no seu efeito compulsório com vista à tutela da celeridade processual» (cfr. “O julgamento da deserção da instância declarativa. Breve roteiro jurisprudencial”, in https//julgar.pt. Abril de 2015).
A vantagem do instituto da deserção está nesse efeito compulsório, estimulando as partes a serem diligentes e ativas no cumprimento dos ónus processuais, tendo em vista a diminuição do tempo de duração do processo.
Mas não se pode deixar de ter em conta que a extinção da instância por deserção é uma cominação particularmente gravosa, na medida em que inutiliza irremediavelmente a atividade que foi exercida no processo até ao momento da extinção. Dadas as consequências desfavoráveis para as partes, a sanção da deserção não pode revelar-se desproporcionada à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta que lhe deu origem. Como se disse, a ampla liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo, que lhe permite estabelecer ónus, cominações e preclusões, segundo critérios de conveniência, oportunidade e celeridade, encontra-se também limitada pelo princípio da proporcionalidade.
Todavia, no que respeita à situação dos autos, a extinção total da instância por deserção, nos casos de coligação ativa, não é incompatível com o princípio da proporcionalidade, por várias razões.
Em primeiro lugar, a deserção está prevista na lei para as situações em que o processo se encontra a aguardar impulso processual das partes há mais de seis meses.
Uma vez que sobre as partes impende o ónus do impulso processual (artigo 6.º, n.º 1 e 351.º, n.º do CPC), não podem queixar-se da extinção da instância por deserção, pois sofrem as consequências da falta de cumprimento desse ónus. A sanção pelo não cumprimento do ónus de diligência na condução do processo – deserção da instância – constitui uma manifestação do princípio da auto-responsabilidade das partes, que continua a vigorar no processo civil.
(…)
Em segundo lugar, a gravidade da extinção da instância pela paragem prolongada do processo é atenuada, quer pela exigência de “negligência das partes”, quer pelo reconhecimento ope judicis da deserção (nºs 1 e 4 do artigo 281.º do CPC). Não é qualquer paralisação que causa a deserção, mas apenas a que resulta de um acto que só as partes estão em condições de praticar. A deserção não prescinde, pois, do nexo entre a paragem do processo e a não atuação do ónus de impulso processual que recai sobre as partes e da negligência destas no que a tal omissão respeita. Deste modo, as partes têm sempre a possibilidade de demonstrar no processo que a paragem se deve a causas estranhas à sua vontade, por resultar de facto de terceiro, do tribunal ou de força maior que as impede de praticar o ato em falta.
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Em terceiro lugar, a deserção é uma ocorrência que extingue a instância, sem prejudicar o direito de ação e o direito material ou substancial em litígio. Quer dizer, extinta a instância por deserção, o autor conserva o direito de propor nova ação sobre o mesmo objeto. A deserção não opera, pois, sobre as situações jurídicas materiais que constituem o objeto do processo, mas apenas sobre a relação jurídica processual, que em consequência extingue. A deserção tem o mesmo alcance que a absolvição da instância: não afeta o direito à ação, nem o direito que pela ação se pretendia fazer valer, afeta unicamente a relação processual que se constituíra, a instância. É uma forma de caducidade, por efeito do decurso do tempo, do direito ao desenvolvimento de uma concreta instância, que faz cair todo o processo. A deserção extingue totalmente a instância e não apenas na parte relativa ao interesse do autor falecido, porque o pressuposto é a paragem do processo imputável às partes – situação indesejada, que fundamenta objetivamente a cominação - e não a vontade de cada um dos autores sobrevivos ou sucessores do falecido.
Assim, não se afigura que a deserção da instância origine consequências processuais totalmente desproporcionadas à gravidade da falta de cumprimento do ónus de promoção pelos autores sobrevivos do incidente de habilitação dos sucessores dos autores falecidos.”.
Ora, porque as doutas considerações acabadas de transcrever parcialmente, se aplicam mutatis mutandis ao caso dos autos e, ademais, são provenientes de órgão jurisdicional com competência própria e especializada para conhecer e especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (cfr. artigos 277.º/283.º da CRP), estamos em crer que despiciendo se mostra algo mais acrescentar a propósito das apontadas – pelo apelante - inconstitucionalidade da interpretação a que chegou o tribunal a quo do art.º 281º, do CPC.
Acresce que, importa não olvidar que o efeito da deserção total da instância é sempre transitório e não necessariamente definitivo , e isto porque a parte não está impedida de propor ex novo a acção, ou seja, a deserção da instância não forma caso julgado material (Artigos 620º, nº 1 e 285º, nº 1, do Código de Processo Civil) , logo, não faz sentido também considerar-se que a sanção para o incumprimento do referido ónus adjectivo e  pela parte é desproporcionalmente gravosa.
Em conclusão, improcede outrossim a questão da inconstitucionalidade invocada.
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5.- Sumariando (cfr. nº 7, do art.º 663º, do CPC).
5.1 - Como claramente resulta da norma do art.º 281º, nº 1, do CPC, a deserção da instância nela cominada só pode ser declarada judicialmente no caso de poder considerar-se negligente a falta de satisfação do ónus de impulso processual por parte daquele sobre quem tal ónus impende.
5.2 – Existindo fundamento para considerar-se negligente a falta de satisfação do ónus de impulso processual por parte do autor sobre quem tal ónus impende, a consequência regra é a deserção in totum da instância, não sendo prima facie de admitir a prolação de decisão de deserção parcial da instância quanto a parte do pedido, prosseguindo a acção quantos aos demais;
5.3. – O referido em 5.2. mais se justifica porquanto do disposto nos artºs 264º e 265º,nº2, do CPC, decorre que as alterações do pedido (v.g. a redução) implicam uma definitiva alteração do OBJECTO da instância, equivalendo a uma desistência do pedido, a qual, uma vez homologada, produz os mesmos efeitos que uma sentença desfavorável ao autor, extinguindo o direito que se pretendia fazer valer ( cfr. art.º 283º, nº 1 , n.º 1 do artigo 285.º  e nº 3, do art.º 290º, todos Código de Processo Civil).
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6. - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em, julgando improcedente a apelação interposta pelo Autor A:
6.1. – CONFIRMAR a decisão/despacho recorrido.
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Custas pelo apelante.
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(1) Cfr. ARTUR ANSELMO DE CASTRO, em Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 111.
(2) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/12/2016, proferido no Processo nº 3422/15.9T8LSB.L1-7, e in www.dgsi.pt.
(3) Cfr. Ac. de 14/05/2019, proferido no Processo nº 3422/15.9T8LSB.L1.S2, e in www.dgsi.pt.
(4) Em A Morte de um Comparte e o Curioso Caso da Instância Subjetivamente Complexa: A lacuna oculta no Art.º 281º, do CPC e a verdade do aforismo nanos gigantum humeris, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol LXIV, 2023, págs. 1741/1779.
(5) Cfr. PAULA COSTA e SILVA e NUNO TRIGO DOS REIS Ibidem, pág. 1759/1760.
(6) Acórdão Nº 604/2018, Proferido no Processo nº n.º 1137/15, da 3ª Secção, senso Relator o Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro e acessível em www.dgsi.pt.
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LISBOA, 7/3/2024
António Manuel Fernandes dos Santos 
Teresa Soares
Jorge Almeida Esteves