Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11127/19.5T8SNT.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
TRANSIÇÃO PARA O NRAU
IMPEDIMENTO OU DIFERIMENTO DA TRANSIÇÃO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
PERMANÊNCIA NO LOCADO POR MAIS DE 30 ANOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - Os documentos autênticos fazem prova plena apenas dos factos praticados ou percecionados pela autoridade ou oficial público.
2 - A consequência da não invocação pelo arrendatário, na resposta à comunicação do senhorio da intenção de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, das circunstâncias previstas do nº 4 do art. 31º do NRAU é a preclusão da faculdade de impedir ou diferir a transição para o NRAU.
3 - Tenha ou não sido redigida pela R., a sua resposta, no seu todo, revela conhecimento das opções ao dispor do arrendatário.
4 - O legislador não tratou de igual forma as comunicações do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviadas durante a vigência da L 30/2018 e as enviadas antes e tal diferença de tratamento está conforme ao disposto no art. 12º do C.C.
5 - O art. 36º nº 10 do NRAU, na redação dada pela L 13/2019, de 12 de fevereiro, só visa as novas oposições à renovação do contrato de arrendamento.
6 - A questão da ofensa do direito do arrendatário à permanência no local arrendado quando aí se tenha mantido por um período superior a trinta anos integralmente transcorrido à data da entrada em vigor da L 31/2012, de 14 de agosto, por violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, poderá ser pertinente na aplicação de disposições legais em que a transição para o NRAU e a conversão em contrato com prazo certo ocorre contra a vontade do arrendatário, o que não é o caso dos autos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Na presente ação declarativa que A… move contra R…, a R. interpôs recurso do despacho saneador pelo qual foi julgada a ação procedente e, em consequência, foi considerada válida e eficaz a oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado com a R., decretando-se a cessação deste; e foi ordenada a entrega imediata do locado à A. livre de pessoas e bens.
Na alegação de recurso, a recorrente pediu que seja revogada a decisão recorrida, absolvendo-a do pedido, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1ª) Versa o presente recurso matéria de facto e de direito, tais como, os vícios que afectam a validade da decisão proferida, nomeadamente, erro na aplicação do direito aos factos, erro na determinação da norma aplicável, violação de normas jurídicas, sendo certo que constam do processo documentos ou outros meios de prova plena que, só por si, implicam decisão diversa da proferida (cfr. artº 616º nº 2 al. a) e b) do CPC).
2ª) Fundamentação: nulidade do despacho saneador-sentença - omissão de pronúncia - e erro de julgamento - concretos pontos de facto incorrectamente julgados provados e não provados e meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida - aplicação do direito aos factos/ normas jurídicas violadas/ sentido em que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas: Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador- -sentença que decidiu o seguinte: “Em face do exposto, julga-se procedente a presente acção declarativa com forma de processo comum, e, em consequência: a) Considera-se válida e eficaz a Oposição à Renovação do contrato de arrendamento celebrado com a ré, decretando--se a cessação deste. b) Ordena-se a entrega imediata do locado à autora livre de pessoas e bens. Custas pela ré.”
3ª) Por uma questão de economia processual, dá-se aqui por integralmente reproduzida toda a matéria de facto considerada provada na decisão recorrida. Para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, o douto tribunal recorrido referiu que: “A matéria de facto dada como provada teve somente em consideração a prova documental junta aos autos, cujo teor foi aceite pelas partes, designadamente o teor das cartas, o contrato de arrendamento, a doação, certidão de assento de nascimento da ré.” - …
4ª) Para julgar a acção procedente, o douto despacho saneador-sentença recorrido, fundamentou a sua decisão, invocando, designadamente, que: “Considera-se, pois, válida e eficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato, que se considera recebida a 23.04.2018 e produziu os seus efeitos a 31.03.2019 em virtude da suspensão prevista na al. b), do artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 30/2018, de 14.06. Assim sendo, considera-se que a 01.04.2019 o contrato de arrendamento celebrado entre as partes caducou por via da oposição à renovação do contrato pela senhoria, ficando a ré obrigada à restituição do locado, conforme requerido nos autos. Não se acolhe pois a posição da ré de que não aceitou a transição do contrato para o NRAU, nem o prazo de duração do mesmo.”
5ª) Salvo o devido respeito, a Mª Juíz “a quo”, não se pronunciou cabalmente sobre questões essenciais que foram submetidas à sua apreciação, verificando-se a existência de erro de julgamento e de diversas nulidades e irregularidades ao longo do processo.
6ª) O facto julgado provado no ponto 29 do douto despacho saneador-sentença encontra-se incorrectamente dado por provado, porquanto, o tribunal “a quo” referiu que “A matéria de facto dada como provada teve somente em consideração a prova documental junta aos autos…”, pelo que, não existindo nos autos qualquer documento que o comprove, deverá o mesmo ser eliminado dos factos julgados provados.
7ª) Existem documentos autênticos junto aos autos, não impugnados pela autora, cujo teor, incorrectamente, não consta do elenco dos factos julgados provados no douto despacho saneador-sentença ora recorrido.
8ª) Pelo que, devem ser aditados aos factos provados, os seguintes factos:
1- “A Ré nasceu no dia 12/12/1948” (cfr. certidão de nascimento junta aos autos – vidé requerimento de 03/10/2019 – referência Citius:15511488);
2- “A Ré reside no imóvel objecto do contrato de arrendamento desde 30/12/1978” (cfr. Atestado de Residência emitido pela Junta de Freguesia de Colares – documento anexo ao doc. 2 da contestação);
3- “O RABC da Ré é inferior a 5 RMNA” (cfr. Certidão emitida em 13/06/2018, pela Autoridade Tributária e Aduaneira – documento anexo ao doc. nº 1 da contestação);
4- “Os rendimentos da Ré mantém-se inalterados desde o ano de 2013” (cfr. Notas de liquidação de IRS juntas sob o doc. nº 4 da contestação);
5- “A Ré sofre de Perturbação depressiva, Perturbação da ansiedade grave, Hipertensão arterial essencial, Distipidémia, Patologia osteoarticular da coluna vertebral, lncontinência urinária mista, lnfeções do trato urinário de repetição e Fissura anal crónica, sendo seguida em consulta desde o ano de 2016” (cfr. Relatório médico junto sob o doc. nº 5 da contestação);
9ª) Toda esta factualidade, por constar de documentos autênticos juntos aos autos, não impugnados pela Autora, deve ser julgada provada e devidamente aditada ao elenco dos factos julgados provados no douto despacho saneador-sentença. Os referidos documentos têm força probatória plena (cfr. arts. 371º e 347º do CC), tendo a douta decisão recorrida violado as regras da força probatória dos documentos autênticos, existindo, assim, erro de julgamento (cfr. artº 616º nº 2 al. b) do CPC).
10ª) Ao contrário do que a A. pretende fazer crer na sua p.i., a R. não aceitou expressamente a transição do contrato para o NRAU, como decorre das cartas trocadas entre ambas para o efeito (cfr. cartas juntas à p.i). Como resulta dos autos, a ora apelante, por não ter sido devidamente esclarecida pela pessoa que contratou para lhe tratar desse assunto, estava convicta de que a transição do contrato para o NRAU e aumento de renda, decorria de uma imposição legal e, nessa medida, acabou por conformar-se com tal.
11ª) Com a entrada em vigor, em 17/07/2018, da Lei nº 30/2018, de 16/07, que estabeleceu um regime extraordinário e transitório para proteção de pessoas idosas ou com deficiência que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado há mais de 15 anos, no que ao caso da apelante interessa, suspendeu-se a oposição à renovação do contrato deduzida pela senhoria, uma vez que, a apelante tem mais de 65 anos de idade e reside no mesmo locado há muito mais de 15 anos, ou seja, a apelante reside no locado há mais de 40 anos.
12ª) O RABC da mesma era e é inferior a 5 RMNA, o que não invocou na resposta à comunicação da senhoria para transição do contrato para o NRAU e aumento da renda, por ter sido mal informada a esse respeito e por desconhecer que o podia fazer.
13ª) Nos termos do disposto no artº 36º nº 7 alínea b) e nº 9 alínea b) do NRAU, em vigor à data dos factos – Lei 31/2012 – “7- Se o arrendatário invocar e comprovar que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA: b) o valor da renda vigora por um período de cinco anos, correspondendo ao valor da primeira renda devida; 9- Findo o período de cinco anos a que se refere a alínea b) do n.º 7: b) O contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes.”
14ª) Assim, caso o arrendatário invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de oito anos, a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário, como se verifica do disposto no artº 35º nº 1 do NRAU, com as alterações introduzidas pela Lei 43/2017.
15ª) Dispõe o artº 36º nº 10 da Lei 13/2019, de 12/02 que: “Em caso de transição de contrato para o NRAU nos termos do artigo 30.º e seguintes, sem que tenha sido exercido o direito à aplicação do disposto nos n.ºs 1 ou 7 do presente artigo, se o arrendatário residir há mais de 15 anos no locado e o demonstrar mediante atestado emitido pela junta de freguesia da sua área de residência, e tiver à data da transição do contrato, idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60%, o senhorio apenas pode opor-se à renovação do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, aplicando-se com as devidas adaptações os requisitos estabelecidos no artigo 1102.º do mesmo código.” – …
16ª) Como resulta da prova documental junta aos autos, a apelante tem um RABC inferior a 5 RMNA (cfr. certidão emitida pela Autoridade Tributária comprovativa do RABC da R. junta ao doc. nº 1 da contestação), não tendo exercido o direito à aplicação do nº 7 do artº 36º do NRAU, fez 65 anos em 12/12/2013, pelo que, à data da transição do contrato para o NRAU tem mais de 65 anos de idade (cfr. certidão de nascimento junta aos autos) e reside há muito mais de 15 anos no locado, ou seja há 40 anos (cfr. Atestado de residência emitido pela junta de freguesia de Colares).
17ª) O artº 36º nº 10 da Lei nº 13/2019, de 12/02, declara expressamente que se encontram abrangidos todos aqueles que não tenham exercido o direito de invocar a aplicação do disposto nos nº 1 ou 7 do mesmo artigo, desde que residam há mais de 15 anos no locado, como se verifica no caso em apreço. Sendo certo que, a apelante exercendo o direito de aplicação do disposto no nº 7 do referido artigo, por possuir à data um RABC inferior a 5 RMNA, o contrato não transitou para o NRAU.
18ª) Mesmo que assim não se entenda, o que não se aceita, sempre se dirá que, nos termos do disposto no artº 14º nº 3 da referida Lei nº 13/2019, transitando o contrato para o NRAU, residindo a inquilina há mais de 20 anos no locado e tendo idade superior a 65 anos, a senhoria apenas pode opor-se à renovação ou denúncia do contrato com fundamento na alínea b) do artº 1101º do Código Civil.
19ª) De acordo com o douto despacho saneador – sentença, a oposição à renovação do contrato efetuada pela apelada é válida e eficaz, tendo produzido os seus efeitos após 31/03/2019, data em que deixou de estar suspensa.
20ª) Ora tal interpretação padece de erro de julgamento e errada interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso em apreço, não se adequando, nomeadamente, ao espírito da Lei nº 13/2019, pois deixa de fora situações em que a oposição à renovação foi efetuada antes da entrada em vigor da lei, apesar dos seus efeitos se produzirem já após a sua entrada em vigor, o que criaria situações de desigualdade e grave desequilíbrio na proteção de arrendatários nas mesmas condições, violando o princípio da igualdade, o que certamente não foi de todo a intenção do legislador, pois só assim se entende que tenha suspendido os efeitos das oposições à renovação dos contratos de arrendamento efetuadas antes da sua entrada em vigor.
21ª) Neste sentido temos o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/07/2021 (procº nº 1045/20.0YLPRT.L1-7), in www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que: “Com a disposição transitória prevista no art.º 14, n.º 3 da Lei 13/2019, pretendeu-se manter a proteção que havia sido conferida pela Lei 30/2018, exigindo-se contudo que a residência no local tenha uma duração de 20 anos em 2019.”
22ª) Como resulta do referido Acórdão, com o qual concordamos e subscrevemos, com a devida vénia: “É inquestionável que nos movemos no âmbito de interesses legitimamente antagónicos, por um lado o dono do imóvel tentando obter da sua propriedade o maior ganho possível, face até aos encargos que tal qualidade lhe impõem, mas também do arrendatário, na realização do seu direito à habitação condigna, com rendas que sejam comportáveis, mas também a uma estabilização que lhe permita organizar a sua vida, e sobretudo, quando em situações de debilidade, por doença ou velhice, os salvaguarde permitindo que possam melhor suportar as limitações e fragilidades que os afetam.
Daí que ambas qualidades tenham merecido consideração na Constituição da República Portuguesa, respetivamente no âmbito dos direitos e deveres económicos, no art.º 62, direito à propriedade, e nos direitos sociais no art.º 65, habitação e urbanismo, pese embora neste último caso a norma ter um elevado cariz programático.
Compreende-se, de igual modo, que o regime jurídico de arrendamento urbano, face à sua importância social, sofra com as inerentes movimentações, gerando, uma visível instabilidade, traduzida em sucessivas reformas, com uma complexa articulação de regimes, visando contemplar a normal diversidade de situações concretas existentes.
No nosso ordenamento jurídico, durante um largo período, vigorou um regime, designado de vinculístico porquanto o senhorio estava obrigado a sucessivas renovações do contrato de arrendamento, estando-lhe também vedado alterar a renda inicialmente estipulada.
Com o DL 321-B/90 de 15.10, aprovando o Regime de Arrendamento Urbano (RAU), salientou-se no seu amplo preâmbulo que o anterior regime detinha condições que o limitavam e o tornavam pouco atrativo, condicionando a sua adequada e objetiva participação na política da habitação, e desse modo prevendo os contratos de duração limitada, de prazo não inferior de cinco anos, art.º 98, podendo o senhorio efetuar a denúncia, obstando à renovação, art.º 100, n.º 2, para além da possibilidade de atualização das rendas, mediante critérios estabelecidos.
A Lei 6/2006, de 27.02 (NRAU), e as suas múltiplas alterações, veio cimentar a tendência anterior, na previsão de arrendamentos para a habitação a prazo a certo e um sistema de atualização de rendas, prevendo no artigo 27.º, um regime legal para os contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, como o caso nos presentes autos, aplicando-se, nos termos do art.º 28, na redação inicial, o regime do artigo 26.º, isto é, passavam a estar submetidos ao NRAU, com especificidades, caso dos sem duração limitada que continuavam a reger-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, mantendo-se a aplicação para além do mais do disposto no art.º 107, da RAU, vedando a denúncia do arrendamento para habitação própria, art.º 69, n.º1, a), nos casos do arrendatário ter 65 ou mais anos de idade, mantendo-se no arrendado há mais de 30 anos.
A Lei 31/2012, de 14.08, veio rever o regime de arrendamento urbano, consignando no art.º 1, que as medidas se destinavam a dinamizar o mercado do arrendamento urbano, retendo, a) Alterando o regime substantivo da locação, designadamente conferindo maior liberdade às partes na estipulação das regras relativas à duração dos contratos de arrendamento; b) Alterando o regime transitório dos contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor da Lei 6/2006, de 27.02, reforçando a negociação entre as partes e facilitando a transição dos referidos contratos para o novo regime, num curto espaço de tempo.
Deste modo, conforme a redação dada ao art.º 28, passou-se a ser aplicável as especificidades constantes nesse artigo, bem como como as constantes do art.º 30 a 37º, pelo que não se aplicava a denúncia pelo senhorio por mera comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a dois anos sobre a data em que pretendia a cessação do contrato, alínea c) do art.º 1101, do CC, e nos termos do art.º 30 a 37.º para o que agora nos interessa, a iniciativa do senhorio com vista à transição para o NRAU e atualização da renda, art.º 30, resposta do arrendatário (prazo de 30 dias) aceitar ou opor-se ao valor da renda, pronunciar--se quanto ao tipo e duração do contrato, invocar, isolada ou cumulativamente o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), idade igual ou superior a 65 anos, considerando-se que a falta de resposta do arrendatário valia como aceitação da renda como do tipo e duração do contrato, ficando o contrato submetido ao NRAU, a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte, se aceite a renda, o contrato ficava submetido ao NRAU, de acordo com o tipo e a duração acordadas, no silêncio ou falta de acordo pelas partes, considerava-se celebrado pelo período de 5 anos. No art.º 32, sob a epígrafe comprovação da alegação, consignava-se com relevo, que o arrendatário que não dispunha à data da resposta do documento comprovativo das finanças, juntaria o comprovativo de já ter sido requerido, devendo juntá-lo no prazo de quinze dias após a obtenção, devendo igualmente ser feita a comprovação da idade. Reportando-se o art.º 33 à oposição do arrendatário, e o 34.º a denúncia do contrato pelo arrendatário. Já o art.º 35, relativo ao arrendatário com RABC inferior a cinco RMNA, comprovado o mesmo, previa que o contrato só ficava submetido ao NRAU mediante acordo das partes, ou na falta dele, no prazo de cinco anos após a comunicação de oposição do arrendatário. Por sua vez, o art.º 36, previa que o arrendatário que invocasse idade igual ou superior a 65 anos só fica submetido ao NRAU mediante acordo das partes, e o art.º 37 ao valor da renda em termos da respetiva atualização.
Na descrição das vicissitudes legais, no atendimento do caso concreto, a Lei 79/2014, de 19.12, veio proceder a nova alteração, salientando-se a relativa ao art.º 30, no sentido que a transição para o NRAU e a atualização da renda, dependendo da iniciativa do senhorio, devia ser feita por comunicação, indicando sob pena de ineficácia, para além do mais já aludido e vigente desde 2012, que o prazo de resposta era de 30 dias, o conteúdo que podia representar a resposta, e as circunstâncias que o arrendatário podia invocar, isolada ou conjuntamente, bem como a necessidade de juntarem a documentação comprovativa, e ainda as consequências de falta de resposta, e da não invocação das mencionadas circunstâncias. Em sede de disposição transitória, no seu art.º 6, previa-se a aplicação aos procedimentos de transição para NRAU que ainda se encontrassem pendentes na data da sua entrada em vigor (30 dias após a sua publicação).
Com vista a garantir de forma transitória, enquanto não fosse publicada legislação que definitivamente corrigisse os desequilíbrios que se entendia existirem no mercado da habitação, no que concerne aos inquilinos considerados em situação de fragilidade, face a ações de despejo e procedimentos de despejo que tivessem por causa de pedir a oposição pelo senhorio à renovação dos contratos de arrendamento que proviessem da transição para o NRAU de contratos celebrados antes da entrada dos mesmos, suspendendo transitoriamente os prazos previstos nas normas transitórias do NRAU, foi publicado o regime extraordinário e transitório constante da Lei 30/2018, de 16 Julho entrando em vigor no dia seguinte ao da sua aplicação e produzindo efeitos até 31.03.2019, restringindo nesse período transitório a denúncia à oposição à renovação do contrato pelo senhorio, no caso de pessoas idosas ou que residissem no mesmo local há mais de 15 anos, aos caso da alínea a) do art.º 1101, do CC, necessidade de habitação. – …
A Lei 13/2019, de 12.02, entrando em vigor no dia seguinte à sua aplicação, art.º 16, tem como objeto estabelecer medidas destinadas a corrigir situações entre arrendatários e senhorios, reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade, art.º 1. – …
As alterações produzidas por este diploma no NRAU, regime de arrendamento urbano vigente, segundo a regra constante do art.º 12, n. º2, do CC, aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, e desse modo a situações constituídas antes da vigência da lei 13/2019, nos termos até apontados do art.º 14, da mesma. - …
Assim, quanto às alterações produzidas e relevantes para o caso sob análise, atente--se às produzidas no art.º 36, aplicáveis apenas a arrendamentos habitacionais iniciados antes do RAU, no atendimento da sua inserção sistemática, relevando a relativa ao n.º 10, na qual se prevê a hipótese de o contrato transitar para o novo regime, sem que o arrendatário tenha invocado idade ou igual superior a 65 anos de idade, à data da transição do contrato, e sem que tivesse sido invocado que o RABC do agregado familiar era inferior a 5RMNA, comprovando-se que o arrendatário reside no local arrendado há mais de quinze anos, o senhorio apenas se pode opor à renovação do contrato com fundamento previsto na alínea b) do art.º 1101, do CC, denúncia para realização de obras. - …
Finalmente, no que concerne ao enquadramento jurídico do caso dos autos, surge com particular importância a norma transitória, prevista no n.º 3, do artigo 14.º da Lei 13/2019, no qual se consigna que nos contratos de arrendamento habitacionais de duração limitada, previstos no art.º 26 n.º1, do NRAU, cujo arrendatário, à data de entrada em vigor dessa lei, resida há mais de 20 anos no locado e tenha idade igual ao superior a 65 anos, o senhorio apenas pode opor-se à renovação ou proceder à denúncia do contrato, com fundamento previsto na alínea b) do art.º 1011, do CC – extinção do contrato para realização de obras, ficando assim o arrendatário protegido face à possibilidade de o locador se opor à renovação do contrato, apenas possível no apontado caso. - …
Importa ter presente, como se aludiu, e se mantém no regime ora em vigor, aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aplica-se nos termos do art.º 28, as disposições constantes no disposto no art.º 26, com as especificidades referidas nos artigos 30 a 37, todos do NRAU, passando tais contratos estar submetidos, segundo o mesmo art.º 26, n.º 1, ao NRAU, e na abrangência do determinado nesta disposição legal, sujeitos a um processo, previsto nos aludidos artigos 30 e seguintes do NRAU que presumivelmente alterou a sua periodicidade, passando para duração limitada, no sentido de aposição de prazo. - …
Daí que a necessária articulação de tais disposições permita o entendimento que com a disposição transitória prevista no art.º 14, n.º 3 da Lei 13/2019, pretendeu-se manter a proteção que havia sido conferida pela Lei 30/2018, exigindo-se contudo que a residência no local tenha uma duração de 20 anos em 2019, proteção essa, sublinhe-se, por uma disposição transitória, o que assentará, num juízo de presumível existência de um número cada vez menor de situações em que tal proteção se justifica, face ao tempo decorrido da ocupação do imóvel aliado a circunstâncias de debilidade do arrendatário. - …
Diga-se que na atividade hermenêutica desenvolvida sempre se deverá atender ao elemento literal da lei, no sentido dos respetivos termos e devida correlação, excluindo desse modo a interpretação que não tenha na letra da norma um mínimo de correspondência, não podendo, contudo, ser esquecidos os elementos lógicos, isto é, o sistemático, o histórico e o teleológico, reportados essencialmente à unidade do sistema jurídico e à justificação social da lei, art.º 9, do CC. - …
Com efeito, vertem-se neste último preceito legal os princípios gerais sobre o método de interpretação das leis, visando o legislador, desse modo, conciliar, o interesse da retidão e do progresso da ordem jurídica, mediante a presunção que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, assim como a certeza do direito, com a decorrente segurança do comércio jurídico, assentes na presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Cabendo o sentido achado na letra da lei, na procura do prevalente dentro dos possíveis, não resulta contraditório com outro já existente, nem se mostra evidenciado que tenha sido ultrapassado o fim para que foi criada a norma, sendo certo que tal tem que decorrer, de forma percetível, do texto, retirando-se, ainda que indiretamente, uma alusão ao sentido que o intérprete venha acolher, resultante da interpretação, o que no caso sob análise, está evidenciado, repita-se, no objeto constante do art.º 1, da Lei 13/2019, porquanto a “presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorio, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”. - …
Reportando-nos aos autos, resultou relevantemente apurado que a Recorrente, nasceu no dia 22.07.1953 e enquanto arrendatária reside no andar objeto do contrato de arrendamento desde 15.06.1979, pelo que, aquando da entrada em vigor da lei 13/2019 de 12.02, tinha já completado os sessenta e cinco anos de idade e residia há mais de vinte anos no locado, pelo que não podia a Recorrida, enquanto senhoria deduzir oposição à renovação do contrato de arrendamento.”- …
23ª) Ora, reportando-nos ao presente caso, a apelante nasceu no dia 12/12/1948 e reside no imóvel locado desde 01/12/1975, pelo que, seguindo o mesmo raciocínio, não podia a apelada opor-se à renovação do contrato de arrendamento, improcedendo, assim, a sua pretensão, ao contrário do que se refere no douto despacho saneador-sentença.
24ª) A apelante alegou, ainda, na sua peça processual de 09/12/2019 (referência Citius: 15963304) que, mesmo que assim se não entendesse, o que não se aceita, mas apenas se admite como mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá também que, tendo o contrato de arrendamento em questão nos autos, sido celebrado em 1 de Dezembro de 1975, à data da entrada em vigor da Lei nº 31/2012, de 14/08, ou seja, em 12/11/2012, a ora apelante mantinha-se no locado de forma contínua desde há mais de 30 anos (cfr. artº 107º nºs 1 al. b) e nº 2 do RAU), o que lhe conferia à luz do regime em vigor à data da entrada em vigor da Lei 31/2012, o direito de se opor à cessação do contrato de arrendamento, seja ela decorrente de denúncia ou de oposição à renovação do contrato.
25ª) Consequentemente, no seguimento da doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 297/2015 (e que se mostra acolhida também no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 277/2016), há que concluir que a norma do artigo 26º, n.º 4 al. a), da Lei n.º 6/2006 de 27.02, na redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012 de 14/08, ao limitar a remissão ali prevista apenas para a alínea a) do n.º 1 do artigo 107º do RAU, desconsiderando a previsão da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 107º, desprotegeu, de forma arbitrária e demasiadamente onerosa, a posição da arrendatária (que se encontrava no arrendado, à data de entrada em vigor da dita Lei n.º 31/2012 há mais de 30 anos) – impedindo-a de se opor, com tal fundamento, à denúncia ou à cessação do contrato de arrendamento por oposição à sua renovação.
26ª) Violando esta solução legal os princípios da segurança e protecção da confiança, integrantes do princípio do Estado de Direito Democrático contido no artº 2º da CRP, pois colocou em causa direitos já antes consolidados e sobre os quais o arrendatário construiu as suas justas expectativas e a sua vida.
27ª) Assim, é inconstitucional a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, no artigo 26º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano), ao ofender o direito do arrendatário à permanência no arrendado quando aí se tenha mantido por um período superior a trinta anos integralmente transcorrido à data da entrada em vigor daquela Lei n.º 31/2012.
28ª) Sobre esta questão, verifica-se a existência de omissão de pronúncia, não tendo o tribunal “a quo” apreciado a mesma, como lhe competia.
29ª) Ao não se pronunciar sobre toda a factualidade supra exposta, a douta decisão recorrida é nula, tendo, ainda incorrido em erro na qualificação da norma aplicável e/ ou na qualificação jurídica dos factos, existindo no processo, nomeadamente, documentos que só por si implicariam decisão diversa da proferida, devendo tal factualidade ser dada por provada (cfr. artºs 608º nº 2, 615º nº 1 al. d), 616º nº 2 als. a) e b) e 617º do CPC), julgando-se o pedido formulado pela apelada improcedente por não provado.
30ª) Ao não decidir assim, a douta decisão recorrida violou, nomeadamente, todas as normas jurídicas supra mencionadas, devendo as mesmas ter sido interpretadas e aplicadas no sentido ora exposto.»
A recorrida respondeu à alegação da recorrente, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. Não tem razão a Ré nos vícios que imputa à decisão proferida, conforme resulta do que se alega infra, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao proferir a decisão ora posta em crise que se deve manter.
2. Suscita a Ré a Nulidade da decisão proferida por omissão de pronúncia invocando que a meritíssima Sra. juiz a quo não se pronunciou sobre toda a factualidade exposta.
3. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido pelas partes.
4. O Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação, todavia, mas, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir - (vide, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”.
5. Da sentença proferida resulta claro que o Tribunal a quo atendeu a todos os argumentos invocados pelas partes, tanto mais que faz uso deles na fundamentação da sua decisão.
6. Tendo a sentença conhecido das questões que lhe competia apreciar, não incorre, assim, em nulidade por omissão de pronúncia por não ter respondido, um a um, a todos os argumentos da recorrida ou por não ter apreciado questões com conhecimento prejudicado pela solução dada a anterior questão.
7. A arguição de nulidade carece de fundamento, não podendo esta ser invocada como discordância com o decidido, a fim de reverter o sentido da decisão proferida a seu favor, pelo que deverá improceder, o que se requer.
8. A fundamentação da matéria de facto, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objetividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal;
9. Na discriminação dos factos não tem o juiz que se pronunciar sobre todos os factos alegados pela parte, tendo antes o dever de selecionar os que interessam para a decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito – n.º 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil.
10. A indicação dos factos provados terá de fazer-se somente em relação aos que interessam à decisão da causa consoante as plausíveis soluções de direito.
11. Analisada a matéria de facto dada como assente é por mais evidente que os factos ali elencados são os que o Tribunal a quo considerou que interessavam à boa decisão da causa.
12. Os factos elencados pela Ré nas suas alegações de recurso - 1 a 5 – e que entende deveriam ser aditados à matéria de facto considerada assente, em nada alteram ou modificam a decisão proferida pelo tribunal a quo.
13. E a avaliar pela decisão proferida e a fundamentação de facto e de direito que lhe subjaz, foram considerados todos aqueles factos – e não ignorados – pelo tribunal a quo na decisão que proferiu, pelo que deverá improceder o pedido de aditamento dos factos 1 a 5 à matéria de facto provada.
14. Quanto ao facto elencado como 29, este está provado por acordo das partes, pois foi alegado pela Autora e não foi impugnado pela Ré, o facto de não constar documento que o prove não implica que aquele não possa ser considerado provado, pelo que deverá improceder o pedido de remoção do elenco dos factos provados.
15. É incontornável que a Ré aceitou expressamente a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, aceitando, ainda, a renda proposta e o prazo de vigência do contrato por 5 (cinco) anos.
16. Não restam dúvidas que a oposição à renovação do contrato operou os seus efeitos;
17. A Autora, na qualidade de senhoria, por carta registada com aviso de receção, datada de 26 de fevereiro de 2018, opôs-se à renovação do contrato de arrendamento e solicitou a entrega do locado livre de pessoas e bens até às 24 horas do dia 2 de setembro de 2018, Ré não levantou a carta enviada e esta foi devolvida à Autora.
18. Em 21 de março de 2018, a Autora, por carta registada com aviso de receção, voltou a enviar à Ré a comunicação de Oposição à renovação;
19. Como esta, pela segunda vez, não levantou a carta enviada, a Autora, por correio eletrónico enviado em 7 de abril de 2018, comunicou à Ré a oposição à renovação do contrato e anexou, digitalizadas, as cartas anteriormente enviadas e que aquela não levantou;
20. Em 12 de abril de 2018 voltou a expedir nova carta com o teor das anteriormente enviadas, solicitando mais uma vez a entrega do locado na data de 2 de setembro de 2018.
21. A Autora cumpriu na íntegra todas as formalidades exigidas por Lei para se opor à renovação do contrato de arrendamento.
22. Nem toda a falta de esclarecimento é considerada juridicamente relevante.
23. Resulta dos artigos 251.º e 247.º do Cód. Civil que o negócio jurídico só é anulável por erro se esse erro for tal que sem ele a parte não teria celebrado o negócio, ou não o teria celebrado com aquele conteúdo.
24. É esse o sentido da essencialidade a que se refere o art.º 247º do Cód. Civil e, concluindo-se que a parte teria celebrado o negócio do mesmo modo, ainda que não tivesse incorrido em erro, não haverá já fundamento para o anular.
25. Ainda que necessária a essencialidade não é, todavia, suficiente para fazer desencadear o efeito anulatório, pois para além da essencialidade é também necessário que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
26. A parte que errou tem, pois, para obter a anulação do negócio «o ónus de demonstrar este duplo requisito: que se não tivesse ocorrido o erro, não o teria celebrado ou não o teria celebrado desse modo, e que a outra parte sabia ou não devia desconhecer que assim era».
27. As alterações introduzidas pela Lei 14/2019, não se aplicam ao caso dos autos, pois à Ré foi dada a oportunidade de exercer todos os seus direitos ao longo do processo de transição do contrato de arrendamento para o NRAU.
28. A Ré, à data da transição do contrato para o NRAU, não tinha ainda 65 anos, pelo que não lhe é aplicável o regime estabelecido na Lei 13/2019.
29. À data da entrada em vigor da Lei 13/2019, já se haviam produzido todos os efeitos da transição do contrato de arrendamento para o NRAU há mais de 5 anos.
30. O n.º 5, do artigo 14.º, da Lei n.º 13/2019, de 12-02 estabelece que As comunicações do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviadas durante a vigência da Lei n.º 30/2018, de 14 de Junho, aos arrendatários por ela abrangidos, que não tenham como fundamento o previsto na alínea a) do artigo 1101.º, do Código Civil com a redacção dada pela presente lei, não produzem quaisquer efeitos.
31. Como resulta do alegado supra, a comunicação foi efetuada antes da vigência da Lei n.º 30/2018, de 14 de junho ficando somente os seus efeitos suspensos até 31.03.2019, pelo que o n.º 5, do artigo 14.º, da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro não tem aplicação ao caso em apreço.
32. Estabelece o n.º 10, do artigo 36.º, do NRAU que «Em caso de transição de contrato para o NRAU nos termos do artigo 30.º e seguintes, sem que tenha sido exercido o direito à aplicação do disposto nos n.ºs 1 ou 7 do presente artigo, se o arrendatário residir há mais de 15 anos no locado e o demonstrar mediante atestado emitido pela junta de freguesia da sua área de residência, e tiver, à data da transição do contrato, idade igual ou superior a 65 anos de idade ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60/ prct., o senhorio apenas pode opor-se à renovação do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, aplicando-se com as devidas adaptações os requisitos estabelecidos no artigo 1102.º do mesmo código.»
33. Como se viu atrás, a transição para o NRAU, atualização da renda e duração do contrato ocorreu em data anterior à Ré perfazer os 65, pelo que à data da transição ainda tinha 64 anos de idade, não sendo, pois, aplicável o disposto n.º 10 do artigo 36.º, do NRAU.
34. É, pois, válida e eficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato, que se considera recebida a 23.04.2018 e produziu os seus efeitos a 31.03.2019 em virtude da suspensão prevista na al. b), do artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 30/2018, de 14.06.
35. O contrato de arrendamento celebrado entre as partes caducou por via da oposição à renovação do contrato pela senhoria em 01.04.2019, ficando a Ré obrigada à restituição do locado;
36. A decisão proferida não violou qualquer lei ou formalidade;
37. Bem andou o Tribunal a quo ao proferir a decisão ora posta em crise, devendo esta manter-se, improcedendo o Recurso ora interposto por infundado e não provado.»
São as seguintes as questões a decidir:
- da nulidade da sentença;
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- da transição do contrato de arrendamento para o NRAU; e
- da oposição pelo senhorio à renovação do contrato de arrendamento.
*
Na decisão recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
«1. A Autora é atual dona e legitima proprietária do prédio sito em…, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob nº …, inscrito na matriz predial Urbana sob artigo …, da freguesia de Colares, Concelho de Sintra e Distrito de Lisboa, conforme certidão permanente cujo código de acesso é …
2. Em 02 de dezembro de 1975, Ju…, deu de arrendamento a Jo… a moradia com garagem e logradouro sita no …, Freguesia de Colares, inscrita na matriz predial Urbana sob artigo … do Concelho de Sintra.
3. A renda fixada à data foi de 2.500$00 (dois mil e quinhentos escudos), hoje cerca de 12,00€ (doze euros).
4. À presenta data, fruto das sucessivas atualizações legais, é de 579,34€ (quinhentos e setenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos).
5. Jo… faleceu a 25 de março de 2010 e o contrato de arrendamento celebrado transmitiu-se para a sua mulher R…
6. Ju… faleceu e sucedeu-lhe no contrato sua mulher M… como senhoria, qualidade que a Ré aceitou.
7. Em 05 de junho de 2013, M…, na qualidade de senhoria, por carta registada com aviso de receção, comunicou à Ré a sua intenção de submeter o contrato de arrendamento celebrado ao Novo Regime do Arrendamento Urbano, propondo que:
a) a renda mensal fosse atualizada para o valor de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros);
b) o contrato de arrendamento passasse a vigorar com prazo certo;
c) o referido prazo fosse de 2 anos, conforme DOC. 5 que foi junto com a petição inicial que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.
8. A Ré por carta data de 9 de agosto de 2013, enviada à então senhoria M…, escreveu o seguinte:
Notificada da V/ proposta remetida a 11 de Julho de 2013, recepcionada a 17 de Julho, para alteração do valor de renda e tipo e duração do contrato, bem como da submissão do contrato ao regime jurídico previsto pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, venho responder, nos termos do artigo 33.º do referido diploma:
1. Relativamente à proposta de submeter o contrato ao novo regime do arrendamento urbano, e apesar da idade que já tenho – 64 anos – venho aceder a que o contrato a celebrar agora comigo seja submetido ao novo regime jurídico, regendo-se integralmente pela previsão normativa do referido diploma.
2. Relativamente à proposta de actualização de renda, referir não puder aceitar a proposta apresentada e, em contraproposta, considerando o circunstancialismo de idade, a situação de reforma e o facto de ter sempre realizado as obras de conservação necessárias a expensas próprias, propor o aumento da renda actuais €200,00 para o valor de €400,00, aumento em valor percentual de 10% relativamente ao valor da renda actual.
3. Relativamente ao tipo e duração do contrato é aceite que o mesmo seja de duração limitada, propondo uma duração de 10 anos, sem prejuízo dos aumentos de renda anuais nos termos previstos no referido diploma legal.
Termos em que, considerando ser a presente contraproposta uma posição equilibrada e equitativa entre a actual situação e a proposta apresentada, aguardo a competente resposta e, caso assim seja entendido, a celebração de um novo contrato em que já figure como arrendatária pelo período e renda ora propostos.»
9. Não tendo as partes chegado a acordo sobre o valor da renda e prazo do contrato, a Senhoria M…, enviou carta registada com Aviso de receção, datada de 2 de setembro de 2013, fixando o valor da renda em 564,22€ (quinhentos e sessenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos), e o prazo fixado em 5 (cinco) anos, conforme DOC. 7 que foi junto com a petição inicial e que aqui se reproduz para todos os legais efeitos.
10. A Ré, por carta datada de 01 de outubro de 2013, enviada a M…, aceitou o valor de renda referido 564,22 (quinhentos e sessenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos) e o prazo certo do contrato 5 (cinco) anos, conforme DOC. 8 que foi junto e reproduz para todos os legais efeitos.
11. No dia 5 de abril de 2016, M… doou à ora Autora o prédio arrendado.
12. Tal doação foi devidamente participada à Autoridade Tributária.
13. O contrato de arrendamento foi ainda comunicado à Autoridade Tributária e pago o imposto de selo devido.
14. Por carta datada de 18 de maio de 2016, enviada registada com Aviso de Receção, a Autora comunicou à Ré a doação feita e a transmissão da posição de senhoria para si.
15. A Ré não levantou a carta enviada pela Autora que veio devolvida, pelo que foi novamente enviada.
16. A Autora, na qualidade de senhoria, por carta registada com aviso de receção, datada de 26 de fevereiro de 2018 e enviada em 12.03.2018, opôs-se à renovação do contrato de arrendamento e solicitou a entrega do locado livre de pessoas e bens até às 24 horas do dia 2 de setembro de 2018.
17. A Ré não levantou a carta enviada e esta foi devolvida à Autora.
18. Em 21 de março de 2018, a Autora, por carta registada com aviso de receção, voltou a enviar à Ré a comunicação de Oposição à renovação.
19. Como esta, pela segunda vez, não levantou a carta enviada, a Autora, por correio eletrónico enviado em 7 de abril de 2018, comunicou à Ré a oposição à renovação do contrato e anexou, digitalizadas, as cartas anteriormente enviadas e que aquela não levantou.
20. Em 13 de abril de 2018 voltou a expedir nova carta com o teor das anteriormente enviadas, solicitando mais uma vez a entrega do locado na data de 2 de setembro de 2018.
21. A Autora enviou à Ré carta datada de 28 de agosto de 2018, comunicando que “o contrato de arrendamento celebrado com V. Exª. transitou para o NRAU em devido tempo, tal transição bem como o prazo e renda a pagar foram expressamente aceites por V. Exª e que o contrato de arrendamento cessará no próximo dia 2 de setembro, só não exigindo a entrega do locado nos termos das minhas anteriores comunicações por força da entrada em vigor da Lei nº 30/2018 de 16/07.”, conforme DOC. 22 e 23 que foram juntos com a petição inicial e aqui se dão por reproduzidos.
22. A Autora, por carta datada de 15 de fevereiro de 2019, solicitou à Ré a entrega efetiva do locado, conforme DOC. 24 junto com a petição inicial e aqui reproduz para todos os legais efeitos.
23. Apesar de toda a correspondência trocada, até à presente data, a Ré não entregou o locado à Autora.
24. Por carta datada de 19 de Julho de 2018, através das suas mandatárias, a Ré comunicou à Autora que:
(…) Antes de mais, importa salientar que, à data do envio da carta para comunicação da intenção de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e aumento de renda, a n/ constituinte perfazia 65 anos de idade e auferia rendimentos anuais ilíquidos inferiores a 5 RMNA (Retribuições Mínimas Nacionais Anuais), situação que ainda hoje se mantém, conforme se comprova pelo respetivo RABC que ora se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais (docº nº 1).
Nessa conformidade, a renda foi aumentada para um valor correspondente a 1/15 do valor patrimonial do imóvel arrendado, pelo que, tal valor deverá perdurar pelo prazo de 8 anos (artº 35º nº 1 e 2 do NRAU, versão atualizada), sendo certo que, a n/ constituinte não concorda com a transição do contrato para o NRAU, no que respeita ao prazo de duração do contrato, pois estamos perante um contrato celebrado há mais de 40 anos.
Não obstante este aumento extraordinário da renda, sem que ainda tenha decorrido o prazo de 8 anos, V.Exa. tem vindo a proceder a sucessivas atualizações anuais da renda, o que lhe está legalmente vedado, pelo que, deverão ser devolvidos à n/ constituinte os valores cobrados em excesso, mantendo-se a renda no valor mensal de 564,22€, o qual resultou da atualização extraordinária efetuada ao abrigo do disposto no artº 35º nº 2 alíneas a) e b) do NRAU.
Apesar da oposição da n/ constituinte à transição do contrato para o NRAU, foi-lhe comunicado que o contrato se consideraria celebrado com prazo certo, pelo período de 5 anos, e, por comunicação eletrónica de 17 de Maio de 2018, foi-lhe comunicado que não iria renovar o contrato de arrendamento, o que não se aceita.
Não obstante o que se deixou dito supra, sempre se dirá que, com a entrada em vigor, em 17/07/2018, da Lei nº 30/2018, de 16/07, que estabeleceu um regime extraordinário e transitório para proteção de pessoas idosas ou com deficiência que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado há mais de 15 anos, no que ao caso da n/ constituinte nos interessa, está suspensa a oposição à renovação do contrato deduzida por V.Exa., uma vez que, a n/ constituinte tem mais de 65 anos de idade, como se comprova pelo documento que ora se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais (docº nº 2) e reside no mesmo locado há muito mais de 15 anos.
Nesta conformidade, face ao supra exposto, a n/ constituinte não irá proceder à entrega do locado, não terminando o contrato em Setembro de 2018.” (…) – como se comprova pelo documento que ora se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais efeitos (docº nº 1).
25. Por carta datada de 13 de Março de 2019, através das suas mandatárias, a Ré respondeu à carta que a Autora lhe enviou datada de 15/02/2019 (cfr. docº junto à p.i.), comunicando-lhe o seguinte:
“(…)
Nesta conformidade, cumpre-nos informar que, ao contrário do referido na carta a que ora se responde, como resulta do disposto no artº 14º nº 4 da Lei nº 13/2019, de 12/02, a Lei nº 30/2018, de 16/07 ainda não cessou a sua vigência, vigorando até ao dia 31/03/2019 (cfr. artº 6º da Lei nº 30/2018, de 16/07), sendo certo que, a inquilina e V.Exa. reside no locado há mais de 40 anos (cfr. atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia de Colares que ora se anexa a esta carta), pelo que, posteriormente nos pronunciaremos sobre as restantes questões relativas ao contrato de arrendamento.
Acresce que, em virtude de V.Exa., sem qualquer motivo que o justificasse, ter procedido à devolução do valor da renda que lhe foi paga pela arrendatária, por transferência bancária, no dia 1 de Março de 2019, o que constitui V.Exa. em mora, vimos comunicar-lhe a mesma procedeu ao depósito da renda na Caixa Geral de Depósitos, como se comprova pelo documento que ora se anexa (cfr. artº 19º do NRAU).
Solicitamos ainda que, nomeadamente, a senhora, o seu marido e os seus pais parem de importunar a n/ constituinte insistindo para que a mesma deixe o locado, visto que, com tal atitude têm-lhe causado enormes problemas de saúde do foro psíquico, o que constitui assédio no arrendamento, proibido e punido por lei.” (…) – como se comprova pelo documento que se junta e dá por reproduzido para todos os legais efeitos (doc. nº 2)
26. Por carta datada de 11 de Julho de 2019, através das suas mandatárias, a Ré comunicou à Autora o seguinte:
“(…)
Conforme referido e comprovado na carta que lhe enviamos datada de 13/03/2019, a nossa constituinte reside no imóvel que lhe foi locado por V.Exa. há mais de 40 anos.
Sucedeu que, por ter sido mal informada e por desconhecer que o podia fazer, a nossa constituinte quando recebeu a sua comunicação para transição do contrato para o NRAU, não exerceu o direito de invocar que o seu RABC era e é (conforme declaração emitida pela Autoridade Tributária já enviada a V.Exa.) inferior a 5 remuneração mínimas nacionais anuais, pelo que V. Exa., na qualidade de senhoria não pode opor-se à renovação do contrato, não tendo este transitado para o NRAU – cfr. artº 36º nº 10 da Lei nº 13/2019, de 12/02.
Mesmo que assim não se entendesse, o que não se aceita, nos termos do disposto no artº 14º nº 3 da referida Lei nº 13/2019, transitando o contrato para o NRAU, residindo a n/ constituinte há mais de 20 anos no locado e tendo idade superior a 65 anos (como também já lhe foi documentalmente comprovado), V.Exa. apenas pode opor-se à renovação ou denúncia do contrato com fundamento na alínea b) do artº 1101º do Código Civil.” (…) – como se comprova pelo documento que se junta e dá por reproduzido para todos os legais efeitos (docº nº 3).
27. A Autora deu baixa do contrato celebrado com a Ré, na Autoridade Tributária, em 02/09/2018.
28. Tendo deixado de receber as rendas que a Ré lhe pagava, desde Março de 2019, o que levou a que a Ré tenha passado a fazer depósitos liberatórios da renda na Caixa Geral de Depósitos, o que se verifica até à presente data.
29. O que a Autora sabe é que a Ré foi patrocinada por mandatário (Advogado), que chegou a contactar a anterior proprietária do imóvel M… durante as negociações para a transição do NRAU e que culminaram na aceitação pela Ré da transição do contrato de arrendamento para o NRAU, do valor da renda e do prazo de duração do contrato 5 anos.»
*
A recorrente arguiu a nulidade da sentença com fundamento no disposto no art. 615º nº 1 al. d) do C.P.C., nos termos do qual “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar--se sobre questões que devesse apreciar”.
Tal causa de nulidade da sentença está diretamente relacionada com o art. 608º nº 2 do C.P.C., segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”
Acresce dizer que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, anotação ao art. 668º).
A recorrente afirmou que houve omissão de pronúncia por o tribunal recorrido não ter apreciado a questão da inconstitucionalidade da alteração introduzida pela L 31/2012, de 14 de agosto, no artigo 26º nº 4 al. a) do NRAU.
Não tendo o tribunal recorrido aplicado tal artigo, não tinha de apreciar a questão da sua inconstitucionalidade.
Afirmou ainda a recorrente que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre toda a factualidade.
À decisão sobre a matéria de facto não é aplicável o regime das nulidades da sentença previsto no artigo 615º nº 1 do C.P.C., mas sim o disposto no art. 662º nº 2 als. c) e d) do C.P.C. (no mesmo sentido, www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 23 de março de 2017, processo 7095/10.7TBMTS.P1.S1; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de outubro de 2015, processo 161/09.3TCSNT.L1-2).
Improcede, pois, a arguição da nulidade da sentença recorrida.
*
A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto quanto ao ponto 29 da matéria de facto provada.
Desse ponto consta o seguinte:
“O que a Autora sabe é que a Ré foi patrocinada por mandatário (Advogado), que chegou a contactar a anterior proprietária do imóvel M… durante as negociações para a transição do NRAU e que culminaram na aceitação pela Ré da transição do contrato de arrendamento para o NRAU, do valor da renda e do prazo de duração do contrato 5 anos.”
Na fundamentação da decisão recorrida, pode ler-se:
“A matéria de facto dada como provada teve somente em consideração a prova documental junta aos autos, cujo teor foi aceite pelas partes, designadamente o teor das cartas, o contrato de arrendamento, a doação, certidão de assento de nascimento da ré.”
O facto vertido no ponto 29 da matéria de facto provada não resulta da prova documental.
Aquele ponto reproduz o artigo 4º da resposta à exceção apresentada pela A. a 26 de novembro de 2019, artigo este que não foi impugnado pela R. no requerimento apresentado a 9 de dezembro de 2019.
Por força do art. 587º nº 1 do C.P.C., “a falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574º”.
Nos termos do art. 574º nºs 1 e 2 do C.P.C., “ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”, considerando-se “admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito”.
A falta de impugnação pela R. dos factos alegados pela A. na resposta à exceção não tem qualquer efeito.
Assim, por não conter facto plenamente provado, o ponto 29 da matéria de facto provada tem de ser eliminado.
A recorrente pretende que sejam aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:
- a R. nasceu no dia 12 de dezembro de 1948;
- a R. reside no imóvel objeto do contrato de arrendamento desde 30 de dezembro de 1978;
- o RABC da R. é inferior a 5 RMNA;
- os rendimentos da R. mantém-se inalterados desde o ano de 2013;
- a R. sofre de perturbação depressiva, perturbação da ansiedade grave, hipertensão arterial essencial, distipidémia, patologia osteoarticular da coluna vertebral, incontinência urinária mista, infeções do trato urinário de repetição e fissura anal crónica, sendo seguida em consulta desde o ano de 2016.
Apesar de, na fundamentação da decisão recorrida, o tribunal recorrido, quanto à prova documental, referir a “certidão de assento de nascimento da ré”, não fez constar da matéria de facto provada a data de nascimento da R., o que se deve certamente a lapso.
A recorrente afirmou que o atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia de Colares, a certidão emitida a 13 de junho de 2018 pela Autoridade Tributária e Aduaneira, as notas de liquidação de IRS e o relatório médico junto com a contestação são documentos com força probatória plena.
Decorre do art. 363º nºs 1 e 2 do C.C. que “os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares”, sendo que os “autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública”.
Nos termos do art. 371º nº 1 do C.C., “os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora”.
“Ou seja, nos termos deste normativo, a força probatória material dos documentos autênticos restringe-se aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou oficial público que emanam os documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas perante essa mesma autoridade ou oficial público” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 25 de março de 2004, processo 04B370).
Do atestado de residência assinado pelo presidente da Junta de Freguesia de Colares consta que este atesta, “em face dos elementos que constam na secretaria desta Junta de Freguesia”, que a R. “tem o seu domicílio/ recenseamento nesta Freguesia, desde 30-12-1978, residindo em Rua … Colares”.
Os factos percecionados pelo presidente da Junta de Freguesia prendem-se com o recenseamento e não com a residência efetiva da R.
Resulta do art. 36º nº 10 do NRAU, na redação dada pela L 13/2019, de 12 de fevereiro, que a demonstração que o arrendatário reside há mais de 15 anos no locado deve ser feita mediante atestado emitido pela junta de freguesia da sua área de residência, mas, para a prova da residência por 30 ou mais anos para efeitos do art. 107º nº 1 al. b) do RAU, o atestado é livremente apreciado pelo tribunal.
Quanto às certidões relativas às liquidações de IRS emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, importa ter presente que os rendimentos com base nos quais foi liquidado o IRS são os rendimentos declarados pela R.
No que toca à certidão relativa à RABC emitida a 13 de junho de 2018 pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a mesma é referente apenas e tão só ao ano fiscal de 2017.
Por força do art. 376º nº 1 do C.C., “o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”.
O relatório médico junto com a contestação não faz, pois, prova plena que a R. padece dos problemas de saúde mencionados pelo médico subscritor.
Assim, julgo parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, passando a matéria de facto provada a ter a seguinte redação:

29. A R. nasceu a 12 de dezembro de 1948.
*
Nos termos do art. 30º do NRAU, na redação dada pela L 31/2012, de 14 de agosto - redação em vigor à data da comunicação pela Maria G.S.D., então senhoria, da intenção de transição do contrato de arrendamento para o NRAU -, “a transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:
a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;
b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana;
c) Cópia da caderneta predial urbana.”
O art. 31º do do NRAU, na redação dada pela L 31/2012, dispõe o seguinte:
“1 - O prazo para a resposta do arrendatário é de 30 dias a contar da receção da comunicação prevista no artigo anterior.
2 - …
3 - O arrendatário, na sua resposta, pode:
a) Aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio;
b) Opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 33º;
c) Em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo e à duração do contrato propostos pelo senhorio;
d) Denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 34º.
4 - Se for caso disso, o arrendatário deve ainda, na sua resposta, invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias:
a) Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35º e 36º;
b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 36º.
5 - As circunstâncias previstas nas alíneas do número anterior só podem ser invocadas quando o arrendatário tenha no locado a sua residência permanente ou quando a falta de residência permanente for devida a caso de força maior ou doença.
6 - A falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU a partir do 1º dia do 2º mês seguinte ao do termo do prazo previsto nos nºs 1 e 2.
7 - Caso o arrendatário aceite o valor da renda proposto pelo senhorio, o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1º dia do 2º mês seguinte ao da receção da resposta:
a) De acordo com o tipo e a duração acordados;
b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos.
8 - …”
O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 393/2020, proferido a 13 de julho, julgou “inconstitucional, por violação do artigo 65°, n° 1, conjugado com os artigos 17° e 18°, nº 2, todos da Constituição, a norma extraível dos artigos 30° e 31°, nº 6, da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação conferida pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual a falta de resposta do arrendatário à comunicação prevista no artigo 30° determina a transição do contrato para o NRAU e vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU, sem que ao primeiro tenham sido comunicadas as alternativas que lhe assistem e sem que o mesmo tenha sido advertido do efeito associado ao seu eventual silêncio”.
O art. 32º do NRAU, na redação dada pela L 31/2012, dispõe o seguinte:
“1 - O arrendatário que invoque a circunstância prevista na alínea a) do nº 4 do artigo anterior faz acompanhar a sua resposta de documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar.
2 - O arrendatário que não disponha, à data da sua resposta, do documento referido no número anterior faz acompanhar a resposta do comprovativo de ter o mesmo sido já requerido, devendo juntá-lo no prazo de 15 dias após a sua obtenção.
3 - O RABC refere-se ao ano civil anterior ao da comunicação.
4 - O arrendatário que invoque as circunstâncias previstas na alínea b) do nº 4 do artigo anterior faz acompanhar a sua resposta, conforme os casos, de documento comprovativo de ter completado 65 anos ou de documento comprovativo da deficiência alegada, sob pena de não poder prevalecer-se das referidas circunstâncias.”
O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 277/2016, proferido a 4 de maio, julgou “inconstitucional a norma extraída dos artigos 30º, 31º e 32º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação dada pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual «os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de exceção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou ao grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da sua não junção», por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição”.
Apesar da redação atual do art. 30º do NRAU, dada pela L 79/2014, de 19 de dezembro, não ser aplicável ao caso dos autos, é de salientar que resulta da mesma o seguinte:
“A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando, sob pena de ineficácia da sua comunicação:

d) Que o prazo de resposta é de 30 dias;
e) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do nº 3 do artigo seguinte;
f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta prevista na alínea anterior, e no mesmo prazo, conforme previsto no nº 4 do artigo seguinte, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no artigo 32º;
g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no nº 4 do artigo seguinte.”
Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 250/XII, que esteve na origem da L 79/2014, pode ler-se:
“a monitorização da reforma, para a qual contribuiu a Comissão de Monitorização da Reforma do Arrendamento Urbano, …, e que integrou entidades privadas e serviços públicos com envolvimento na execução da reforma, nomeadamente associações de inquilinos e de proprietários, assim como de profissionais do sector, revelou que existiam alguns aspetos do regime legal previsto que podiam e deviam ser melhorados, nomeadamente no que respeita à transição dos contratos mais antigos para o novo regime.
Assim, alguns dos procedimentos previstos nessa matéria carecem de ajustamento e foram refletidos, inclusivamente, nas sugestões da Comissão de Monitorização da Reforma do Arrendamento Urbano, nomeadamente quanto à informação exigível na comunicação realizada pelo senhorio para atualização de renda, no sentido de esclarecer o inquilino das consequências da falta ou da extemporaneidade da sua resposta.”
No caso dos autos, a arrendatária respondeu, mas, na sua resposta, não invocou nenhuma das circunstâncias previstas do nº 4 do art. 31º do NRAU.
À data da resposta, a R. ainda não tinha 65 anos, pelo que não podia impedir a transição para o NRAU, mas poderia deferir tal transição caso invocasse e comprovasse, na resposta, “rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA)”.
A consequência da não invocação pelo arrendatário, na resposta à comunicação do senhorio da intenção de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, das circunstâncias previstas do nº 4 do art. 31º do NRAU é a preclusão da faculdade de impedir ou de diferir a transição para o NRAU.
Conforme resulta do ponto 8 da matéria de facto provada, a R. respondeu que, “relativamente à proposta de submeter o contrato ao novo regime do arrendamento urbano, e apesar da idade que já tenho – 64 anos – venho aceder a que o contrato a celebrar agora comigo seja submetido ao novo regime jurídico, regendo-se integralmente pela previsão normativa do referido diploma”.
Não só a R. não invocou “rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA)”, como aceitou expressamente a transição do contrato para o NRAU.
É de salientar que resulta do art. 35º nº 1 do NRAU que as partes podem acordar na submissão ao NRAU mesmo no caso de o arrendatário invocar rendimento anual bruto corrigido (RABC) do agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA).
No artigo 4º da contestação, a R. alegou que, “por não ter sido devidamente esclarecida pela pessoa que contratou para lhe tratar desse assunto, … estava convicta de que tal transição do contrato para o NRAU e aumento de renda, decorria de uma imposição legal e, nessa medida, acabou por conformar-se com tal.”
A expressão “apesar da idade que já tenho - 64 anos” empregue na resposta da R. tem implícito o reconhecimento que não se verifica a circunstância prevista no art. 31º nº 4 al. b) - 1ª parte - do NRAU.
Da resposta da R. consta a expressão “regendo-se integralmente pela previsão normativa do referido diploma” e, mais adiante, “é aceite que o” contrato “seja de duração limitada”.
Na sua resposta, a R. opôs-se ao valor da renda proposto pelo senhorio e propôs um novo valor. Propôs ainda o prazo de 10 anos.
Tenha ou não sido redigida pela R., a sua resposta, no seu todo, revela conhecimento das opções ao dispor do arrendatário.
Se a recorrente foi ou não devidamente esclarecida pela pessoa que contratou, é matéria com interesse para eventual ação de efetivação de responsabilidade contratual contra a pessoa contratada.
Assim, não faz sentido fazer prosseguir os autos para saber se, à data da comunicação pelo senhorio da intenção de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do agregado familiar da R. era inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA) e se a recorrente foi ou não devidamente esclarecida pela pessoa que contratou.
O art. 33º do NRAU dispõe o seguinte:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 35º e 36º, caso o arrendatário se oponha ao valor da renda, ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio, propondo outros, o senhorio, no prazo de 30 dias contados da receção da resposta daquele, deve comunicar ao arrendatário se aceita ou não a proposta.

5 - Se o senhorio não aceitar o valor de renda proposto pelo arrendatário, pode, na comunicação a que se refere o nº 1:
a) Denunciar o contrato de arrendamento, pagando ao arrendatário uma indemnização equivalente a cinco anos de renda resultante do valor médio das propostas formuladas pelo senhorio e pelo arrendatário;
b) Atualizar a renda de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 35º, considerando-se o contrato celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos a contar da referida comunicação.
…”
Assim, bem andou o tribunal recorrido em considerar que o contrato de arrendamento transitou para o NRAU e que foi celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, a contar da data da comunicação referida no ponto 9 da matéria de facto provada.
Na fundamentação da sentença recorrida, pode ler-se:
“Tendo em consideração que a comunicação à oposição à renovação do contrato ocorreu antes da entrada em vigor da Lei n.º 30/2018, de 16-07 não se aplica a al. a), do artigo 6.º, da referida lei porquanto a comunicação foi efectuada em momento anterior, mas a produção dos seus efeitos suspendeu-se até 31.03.2019, por via da alínea b), do artigo 6.º, do referido Decreto-Lei (vide norma transitória do artigo 3.º, n.º 2, da Lei n.º 30/2018, de 16.07).
Em 13.02.2019 entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12-02.
O n.º 5, do artigo 14.º, da Lei n.º 13/2019, de 12-02 estabelece que as comunicações do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviadas durante a vigência da Lei n.º 30/2018, de 14 de Junho, aos arrendatários por ela abrangidos, que não tenham como fundamento o previsto na alínea a) do artigo 1101.º, do Código Civil com a redacção dada pela presente lei, não produzem quaisquer efeitos.
Como vimos, a comunicação foi efectuada antes da vigência da Lei n.º 30/2018, de 14.06, ficando somente os seus efeitos suspensos até 31.03.2019, pelo que o n.º 5, do artigo 14.º, da Lei n.º 13/2019, de 12.02 não tem aplicação ao caso em apreço.
Por outro lado, apesar do disposto no n.º 10, do artigo 36.º, do NRAU que estabelece que «Em caso de transição de contrato para o NRAU nos termos do artigo 30.º e seguintes, sem que tenha sido exercido o direito à aplicação do disposto nos n.ºs 1 ou 7 do presente artigo, se o arrendatário residir há mais de 15 anos no locado e o demonstrar mediante atestado emitido pela junta de freguesia da sua área de residência, e tiver, à data da transição do contrato, idade igual ou superior a 65 anos de idade ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60/prct., o senhorio apenas pode opor-se à renovação do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, aplicando-se com as devidas adaptações os requisitos estabelecidos no artigo 1102.º do mesmo código.»
Como se viu atrás, a transição para o NRAU, actualização da renda e duração do contrato ocorreu em 04.09.2013, com a recepção da comunicação da senhoria.
A ré perfez 65 anos em 12.12.2013, pelo que à data da transição ainda tinha 64 anos de idade, não sendo, pois, aplicável o disposto n.º 10 do artigo 36.º, do NRAU.”
A recorrente afirmou que “tal interpretação padece de erro de julgamento e errada interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso em apreço, não se adequando, nomeadamente, ao espírito da Lei nº 13/2019, pois deixa de fora situações em que a oposição à renovação foi efetuada antes da entrada em vigor da lei, apesar dos seus efeitos se produzirem já após a sua entrada em vigor, o que criaria situações de desigualdade e grave desequilíbrio na proteção de arrendatários nas mesmas condições, violando o princípio da igualdade, o que certamente não foi de todo a intenção do legislador, pois só assim se entende que tenha suspendido os efeitos das oposições à renovação dos contratos de arrendamento efetuadas antes da sua entrada em vigor.”
Em apoio da sua posição, a recorrente invocou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 13 de julho de 2021, no processo 1045/20.0YLPRT.L1-7, acessível em www.dgsi.pt.
Contudo, no caso em questão naquele processo, a oposição à renovação do contrato de arrendamento foi comunicada em junho de 2019, enquanto que, nos presentes autos, a comunicação foi efetuada antes da entrada em vigor da L 30/2018, de 16 de julho.
O art. 3º nº 2 da L 30/2018 dispõe o seguinte:
“1 - Nos contratos abrangidos pela presente lei e durante o prazo estabelecido no artigo 6º, o senhorio só pode opor-se à renovação, ou proceder à denúncia, do contrato de arrendamento nas situações previstas na alínea a) do artigo 1101º do Código Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 5º.
2 - Nos contratos abrangidos pela presente lei, ficam suspensas as denúncias já efetuadas pelo senhorio, nos termos das alíneas b) e c) do artigo 1101º do Código Civil, ou a oposição à renovação deduzida pelo senhorio, quando a produção de efeitos dessas comunicações deva ocorrer durante a vigência da mesma”.
Por força do art. 14º nº 5 da L 13/2019, de 12 de fevereiro, “as comunicações do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviadas durante a vigência da Lei nº 30/2018, …, aos arrendatários por ela abrangidos, que não tenham como fundamento o previsto na alínea a) do artigo 1101º do Código Civil, com a redação dada pela presente lei, não produzem quaisquer efeitos”.
O legislador não tratou de igual forma as comunicações do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviadas durante a vigência da L 30/2018 e as enviadas antes e tal diferença de tratamento está conforme ao disposto no art. 12º do C.C., do qual consta o seguinte:
“1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
Nos termos do art. 14º nº 3 da L 13/2019, “nos contratos de arrendamento habitacionais de duração limitada previstos no nº 1 do artigo 26º do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, cujo arrendatário, à data de entrada em vigor da presente lei, resida há mais de 20 anos no locado e tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60/ prct., o senhorio apenas pode opor-se à renovação ou proceder à denúncia do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com a redação dada pela presente lei, havendo lugar à atualização ordinária da renda, nos termos gerais.”
Esta disposição transitória é aplicável aos “contratos de arrendamento habitacionais de duração limitada previstos no nº 1 do artigo 26º do NRAU, ou seja, “aos contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de outubro”. O contrato em questão nos presentes autos foi celebrado antes da entrada em vigor do RAU.
Resulta do art. 14º nº 4 da L 13/2019 que “a redação conferida pela presente lei ao nº 10 do artigo 36º do NRAU, só produz efeitos no dia seguinte à data da cessação da vigência da Lei nº 30/2018, de 16 de julho, que estabelece o regime extraordinário e transitório para proteção de pessoas idosas ou com deficiência que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado há mais de 15 anos”.
Nos termos do art. 36º nº 10 do NRAU, na redação dada pela L 13/2019, “em caso de transição de contrato para o NRAU nos termos do artigo 30º e seguintes, sem que tenha sido exercido o direito à aplicação do disposto nos nºs 1 ou 7 do presente artigo, se o arrendatário residir há mais de 15 anos no locado e o demonstrar mediante atestado emitido pela junta de freguesia da sua área de residência, e tiver, à data da transição do contrato, idade igual ou superior a 65 anos de idade ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60/ prct., o senhorio apenas pode opor-se à renovação do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101º do Código Civil, aplicando-se com as devidas adaptações os requisitos estabelecidos no artigo 1102º do mesmo código”.
O art. 36º nº 10 do NRAU, na redação dada pela L 13/2019, só visa as novas oposições à renovação do contrato de arrendamento.
De qualquer forma, como foi salientado pelo tribunal recorrido, a R. ainda não tinha 65 anos à data da transição do contrato para o NRAU.
A recorrente invocou o Acórdão nº 297/2015, proferido pelo Tribunal Constitucional a 2 de junho, que julgou “inconstitucional a alteração introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, no artigo 26º, nº 4, alínea a), da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, ao ofender o direito do arrendatário à permanência no local arrendado quando aí se tenha mantido por um período superior a trinta anos integralmente transcorrido à data da entrada em vigor daquela lei, por violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, integrantes do princípio do Estado de direito democrático contido no artigo 2º da CRP.”
No artigo 12º da contestação, a R. alegou que reside no arrendado há 40 anos.
Contudo, não faz sentido fazer prosseguir os autos para apuramento de tal facto pelas razões que se passa a expor.
O art. 26º do NRAU aplica-se aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo DL 321-B/90, de 15 de outubro, por força do art. 28º nº 1 do NRAU, mas apenas àqueles que não transitaram para o NRAU, o que não é o caso dos autos.
Se o contrato nos presentes autos não tivesse transitado para o NRAU, aplicável seria o art. 28º nº 2 e não o art. 26º nº 4 al. a) do NRAU, uma vez que em questão nestes autos está a oposição pelo senhorio à renovação do contrato de arrendamento e não a denúncia pelo senhorio por necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1º grau.
A questão da ofensa do direito do arrendatário à permanência no local arrendado quando aí se tenha mantido por um período superior a trinta anos integralmente transcorrido à data da entrada em vigor da L 31/2012, por violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, poderá ser pertinente na aplicação de disposições legais em que a transição para o NRAU e a conversão em contrato com prazo certo ocorre contra a vontade do arrendatário, o que não é o caso dos autos, conforme referido supra.
*
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.

Lisboa, 3 de fevereiro de 2022
Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães
Octávio Diogo