Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
241/08
Relator: ANA SEBASTIÃO
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/01/2008
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário:
1. O juiz de instrução "não prossegue " uma investigação nem se limitará a apreciar o arquivamento do M°P°, a partir da matéria indiciaria do inquérito.
2. O juiz de instrução responde ou não a uma pretensão, não bastando para a realização de uma instrução que o assistente se limite a criticar o arquivamento do inquérito contra o qual poderia ter reagido através da reclamação hierárquica.
3. Ao requerer a instrução, o assistente deve fazer a delimitação do campo factual sobre que esta há-se versar, sob pena de a instrução ser a todos os títulos inexequível.
Decisão Texto Integral:
I-
1. Nos Processo n.º 977/05.0TAALM, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca do Seixal, o Assistente J. veio interpor recurso do despacho de fls. 1274 a 1280, através do qual o Ex.mo Juiz indeferiu o requerimento de abertura de instrução, apresentando motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões:
I. Entende o rec.te ter dado cabal cumprimento, no seu articulado de abertura da fase instrutória, ao disposto no n.° 2 do art. 287.° do C.P.P.;
II. O Assist.te apurou que funcionários do ex-BNU e da C.G.D. do Seixal movimentaram, em proveito próprio e com prejuízo para o aqui rec.te, elevadas quantias de sua propriedade;
III. Para tanto procederam à abertura de alegados "contratos de conta corrente", sem a intervenção do Assist.te, sem lhe darem a conhecer os termos de tais contratos...
IV. E fazendo-se cobrar de elevadas comissões, juros e variadas alcavalas...
V. Toda uma engrenagem montada com um único objectivo: o de dissiparem o património de várias centenas de milhares de euros do rec.te;
VI. Ao longo do seu articulado de abertura de instrução narra os factos de que tomou
conhecimento e imputa diversos tipos de crimes aos autores dos mesmos;
VII. Sendo certo que, porque a C.G.D. não colaborou com a investigação, escudando-se em falsos pretextos de não encontrarem os documentos de suporte daquelas operações bancárias sob suspeita;
VIII. Por tal comportamento processual, as suspeitas de ilicitude ainda mais se adensaram...
IX. Deveria a autoridade judiciária ter promovido, junto do Ex.mo J.I.C., a realização de buscas na Agência da C.G.D. do Seixal, como aliás, foi requerido a seu tempo pelo Assistente;
X. Tratando-se, como se trata, de crimes financeiros, o seu rasto ou os indícios, passam, necessariamente, pela documentação de suporte dessas alegadas operações;
XI. Documentação cuja entrega nos autos foi sistematicamente negada pela entidade bancária visada!
XII. O motivo só pode ter sido um: o de ocultar a prática dos crimes e obstar à realização da justiça e descoberta da verdade material;
XIII. O Ac. do S.T.J. de jurisprudência obrigatória n.° 7/2005 não tem aplicação ao presente caso, pois aqui nem sequer foram constituídos arguidos;
XIV. Foi. pelo M.°P.°, ordenado a realização de diversos meios de prova, mas, a final, o referido magistrado acabou por nada relevar, nem tendo aguardado pelo envio da documentação bancária que havia solicitado;
XV. De igual forma acabou por não realizar exame grafológico à escrita do rec.te, embora o tivesse determinado anteriormente!
XVI. Embora tivesse narrado a factualidade, só a realização das diligências instrutórias requeridas e outras pertinentes para a descoberta da verdade material, seria adequado para concretizar com rigor a elaboração de uma peça processual que se quer o mais objectiva possível;
XVII. Nesta fase apresentar uma acusação seria totalmente vaga e imprecisa, desde logo sem se verificar a constituição de arguidos nos autos e a sua identificação;
XVIII. E o que dizer dos montantes desviados e as falsificações dos documentos (como seja o tal "contrato de conta corrente" e documentação de suporte, que aparece sem ser assinada por quem quer que seja) cometidas pelos funcionários daquela instituição?
XIX. Estando perante uma investigação deficitária, qualquer acusação apresentada sempre passaria pela exposição dos propósitos ilícitos e generalistas dos acusados, mas sempre faltaria a concretização das datas e montantes desviados ao rec.te ao longo dos anos!
XX. A CGD ao não apresentar os microfilmes daquela documentação está a cometer grave ilícito criminal!
XXI. Entende-se que foi violado o disposto no art. 287.° n.° 3 do CPP pelo tribunal 'a quo', sendo certo que o rec.te deu cabal cumprimento ao disposto no n.° 2 do mesmo preceito legal;
XXII. O Tribunal recorrido deveria ter considerado que o requerimento de abertura de
instrução apresentado cumpre todos os requisitos formais e substantivos, não
enfermando de qualquer irregularidade;
XXIII. Após a efectiva realização das diligências probatórias, estará o Assist.te na posse
de elementos que lhe possibilitem a realização concreta de uma peça acusatória;
XXIV. Sendo certo, porém, que desde já e na abertura de instrução foram narrados
todos os factos que possibilitam a realização de uma eficaz instrução, com vista
à submissão da causa a julgamento;
XXV. Por outro lado, entende-se que a postura do M.°P,° ao ter arquivado os autos,
sem sequer ter levado a cabo diligências de prova que haviam sido, por si,
anteriormente ordenadas, releva para a verificação da nulidade insanável de falta
de promoção do processo penal;
XXVI. Verificando-se, salvo melhor entendimento em contrário, na nulidade prevista no
art. 119.° al. b) do CPP;
XXVII. Ocorrendo, sempre, a nulidade prevista no art. 120.° n.° l al. d) do CPP, pois
trata-se da prática de crimes que se apuram da análise da documentação!
XXVIII. Embora tivesse sido ordenada a junção aos autos dessa variada documentação, a visada CGD sempre se negou a juntar os originais da mesma, escudando-se no tempo entretanto ocorrido;
XXIX. Olvida que quando assim se verifica, deverá juntar os microfilmes de que deverá
estar munida, como é obrigação legal!
XXX. De todo o modo, sempre deveria o M.°P.° ter promovido a realização de buscas
na agencia do Seixal da CGD para efectiva apreensão daquela documentação, do
tal contrato de conta corrente (que nunca foi comunicado ao Assistente, nem sequer a sua existência ou condições) e do suporte das alegadas transacções efectuadas com os dinheiros do rec.te!
XXXI. Ao não ter realizado essas diligências de prova, nomeadamente a busca e a
efectivação de uma auditoria completa àquela agência, assim como às condições
económicas dos funcionários visados, ou o exame grafológico, foram preteridas
actos legalmente obrigatórios, como seja a constituição e interrogatórios como
arguidos dos visados funcionários da entidade bancária!
XXXII. Por tal motivo entende-se verificar-se a nulidade processual do inquérito, a qual está tempestivamente invocada, pois foi requerida a fase instrutória e nesse requerimento foi invocado a ausência de realização desses actos processuais pelo M.°P.°;

Nestes termos, roga-se a V. Ex.as que revoguem o despacho recorrido e em sua
substituição seja ordenada a abertura de instrução pretendida, com a realização das diligências probatórias, findas as quais deverá ser concedido prazo não inferior a 10 (dez) dias para a junção, pelo Assistente, de acusação formal contra aqueles que vierem a ser constituídos como arguidos, e pelos concretos factos que se apurarem na fase cuja abertura se requer, sempre com a realização de debate instrutório.


2- Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e sem efeito suspensivo, respondeu o MP em 1ª instancia concluindo:
(…)

3- Neste Tribunal a Ex.ma Procuradora Geral Adjunta lavrou parecer defendendo que o recorrente ao invés de narrar factos, datá-los, imputá-los a um agente determinado e subsumi-los jurídico-penalmente, pronuncia-se apenas sobre as diligências probatórias complementares cuja realização se imporia, defendendo a sua imprescindibilidade, para o que, o meio adequado de que deveria lançar mão seria o da reclamação hierárquica previsto no art.º 287.º, do Código de Processo Penal. Pelo que, em seu entender, o recurso deverá ser rejeitado por manifestamente improcedente, por decisão sumária, nos termos do art.º 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. a) do C.P.P..


4- Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417.º do C.P.P., sem resposta.


5- Por ser manifesta a improcedência do recurso cumpre proferir decisão sumária nos termos do art.º 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. a) do C.P.P..



6- O objecto do recurso reporta-se à questão de saber se o requerimento de abertura de instrução contem todos os requisitos legalmente exigíveis e se não os tendo deveria o juiz de instrução “ convidar” a Assistente a aperfeiçoá-lo sob pena de, não o fazendo, não se realizar a instrução.

II- A decisão recorrida é do seguinte teor:

Fls. 1254 e ss.:
A,. assistente nos autos, requereu a abertura de instrução nos termos do requerimento em apreço.
Terminado o inquérito, o Ministério Público decidiu-se pelo arquivamento dos autos nos termos do despacho de fls. 1155 e ss., que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos.
No requerimento de abertura de instrução agora em análise, o assistente conclui, a fls. 1264 que, após a junção da documentação e análise pericial tal como solicita, lhe seja concedida a análise de tais elementos probatórios, bem como um prazo de 10 dias para elaborar e juntar aos autos a acusação pelos factos concretos que se vierem a apurar.
Vejamos:
Estatui o art.º 286º, n.º 1, do CPP que, “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Por outro lado, decorre do preceituado no art.º 287º daquele diploma, que a instrução poderá ser requerida pelo arguido ou pelo assistente, nos casos em que seja legalmente admissível, no prazo de 20 dias, sendo que, “o requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no art.º 283º, n.º 3, alíneas b) e c)” (cfr. n.º 2 do citado preceito legal). Por força da remissão que, no n.º 2 do art.º 287º para as alíneas b) e c), do n.º 3 do art.º 283º, ambos do CPP.,dúvidas não se suscitam de que o requerimento para a abertura de instrução, quando feito pelo assistente, deve conter, entre outras:
- as indicações tendentes à identificação do arguido;
- a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação, ao arguido, de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
- a indicação das disposições legais aplicáveis.
Requerida, pois, a instrução pelo assistente relativamente a factos por que o Ministério Público se tenha abstido de acusar, o respectivo requerimento tem de enumerar os factos que fundamentam a eventual aplicação ao arguido de uma pena, factos esses que são indispensáveis para possibilitar a realização da instrução, particularmente no que diz respeito ao princípio do contraditório e à elaboração da decisão instrutória (neste sentido, cfr., Ac. RE de 17 de Maio de 1994, C.J., Tomo III, pág. 291.).
“A actividade cognitória do Juiz de Instrução está limitada, pois, pelo objecto da investigação (no caso de não ter havido acusação pelos factos que o assistente pretende provar), o que implica a necessidade da respectiva enunciação no requerimento de instrução, até para possibilitar a sua realização” (Ac. RP de 5 de Maio de 1993, C.J., Tomo III, pág. 244). E, seguido de perto o Exmo. Senhor Doutor Souto de Moura (in Jornadas de Direito Processual, págs. 120 e 121), “se o assistente requerer a abertura de instrução sem a mínima delimitação do campo factual (…) a instrução será inexequível, ficando o juiz sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver provados”.
Na verdade, o Juiz de Instrução está substancial e formalmente limitado, na pronúncia, aos factos pelos quais tenha sido deduzida acusação formal ou tenham sido descritos no requerimento de abertura de instrução e que este considera que deveriam ser o objecto da acusação, por parte do Ministério Público. Nesta conformidade, o requerimento de abertura de instrução, quando formulado pelo assistente, deverá consubstanciar uma verdadeira “acusação alternativa” que, atenta a divergência com a posição assumida pelo Ministério Público, será necessariamente sujeita a comprovação judicial.
Aliás, a comprovar o que se deixa dito, surge o regime estatuído no art.º 309º, do CPP, que comina com o vício da nulidade a decisão instrutória na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituem alteração substancial daqueles outros descritos na acusação ou no requerimento de abertura de instrução, tendo em atenção a definição de alteração substancial dos factos plasmada no art.º 1º, n.º 1 do CPP.
Como acusação que constitui, o requerimento de abertura de instrução deve conter todos os elementos de uma acusação, nomeadamente a matéria de facto que consubstancie o ilícito que se pretende imputar ao arguido.
Desta forma, são lógicas as exigência de conteúdo constantes dos preceitos acima referidos, na medida em que são impostas pela evidente premência, naquele contexto, de demarcar os factos concretos susceptíveis de integrar o ilícito que o assistente pretende indiciado.
“… regendo-se o processo penal pelos princípios do acusatório e do contraditório, a necessidade de uma tal demarcação tem subjacentes duas ordens de fundamentos: - um, inerente ao objectivo imediato da instrução: a comprovação judicial da pretensa indiciação (que, para que se possa demarcar o âmbito do objecto específico desta fase do processo e para que o arguido se possa defender, tem que reportar-se a imputação de factos concretos delimitados); - e, outro, implícito a uma finalidade mediata, mas essencial no caso de se vir a decidir pelo prosseguimento do processo para julgamento: a demarcação do próprio objecto do processo, reflexo da sua estrutura acusatória com a correspondente vinculação temática do Tribunal, que, por sua vez, na medida em que impede qualquer eventual alargamento arbitrário daquele objecto, constituindo uma garantia de defesa do arguido, possibilita a esta a preparação da defesa, assim salvaguardando o contraditório.” (Ac. RL de 19/10/2006, Rec. 7143.06, 9ª Secção).
Tecido o necessariamente breve enquadramento jurídico do requerimento de abertura de instrução quando formulado pelo assistente, analisemos o requerimento apresentado pelo assistente nos presentes autos.
Importa referir que, em termos factuais, é o requerimento em apreço completa e absolutamente omisso, limitando-se o assistente a levantar suspeitas e a tecer comentários naquela que é, em sua opinião, a actuação delituosa daqueles que pretende ver como arguidos.
No fundo, o assistente pretende que o juiz de instrução continue o inquérito, averigúe o que acha importante e, no fim, lhe conceda prazo para formular a sua acusação.
Tal não está legalmente previsto, está vedado à fase de instrução do processo e, no fundo, não é essa a finalidade desta fase.
A fase de instrução culmina, após um debate instrutório obrigatório, com um despacho pronunciando, ou não, o arguido pelo crime por que vem acusado de acordo com o despacho de acusação ou com o requerimento de abertura de instrução que, como se referiu, consubstanciará, se requerida pelo assistente, uma acusação alternativa.
O assistente limita-se, apenas, a referir que o processo ainda deverá continuar a ser instruído com os elementos que, em sua opinião, lhe faltam e acha que essa instrução se deverá fazer, agora, na fase de instrução.
Só que neste caso, não é como o próprio nome indicaindica e a fase de instrução não pode servir, como não serve em processo penal, para acabar de instruir o processo com vista à dedução de acusação. Em processo penal, a instrução visa apenas a comprovação judicial da acusação ou do arquivamento.
E essa comprovação será feita com base no despacho de acusação do Ministério Público ou com base na “acusação” deduzida no requerimento de abertura de instrução, pelo assistente.
Mas não é o que se verifica no requerimento de abertura de instrução em apreço!
O assistente não imputa qualquer ilícito a quem quer que seja, omitindo, completamente, a subsunção jurídico-penal.
Desta forma, o requerimento em análise não permite fundar um efectivo objecto da fase processual da instrução e, a final e no limite, não permitirá que se use da faculdade a que alude o art.º 307º, n.º 1 do CPP.
Como já se referiu, a Instrução não é um prolongamento do inquérito pelo que se impõe a não-aceitação do requerimento apresentado.
Outra questão prende-se com a reacção à imperfeição formal do requerimento de abertura de instrução: indeferimento imediato ou correcção das irregularidades.
O convite ao aperfeiçoamento, ainda que se admita que a inobservância das exigências referidas constitui mera irregularidade processual, enquadrável no art.º 123º do CPP, estando em causa, como se referiu, peça processual equiparável à acusação, um convite, por parte do Juiz, à sua reformulação (por forma a descrever, com suficiência e clareza, factos que consubstanciem acusação), para além de exorbitar a “comprovação judicial” objecto da instrução e referida no art.º 286º, do CPP, envolveria, de alguma forma, “orientação” judicial que, em certa medida, poderia reconduzir-se a procedimento próprio de um processo de tipo inquisitório.
Aliás, não compete ao tribunal formular convite à correcção de quaisquer peças processuais, formal ou substancialmente deficientes.
Não está aqui em causa a independência do Tribunal, traduzida na garantia da imparcialidade do Juiz. O que está em questão é a sua imparcialidade que consiste na alheabilidade do Juiz em relação aos interesses das partes em causa.
A separação do Juiz da parte acusadora, agora tida como primeira garantia orgânica, supõe a configuração do processo como uma relação triangular entre três sujeitos, dois dos quais estão como partes na causa e o terceiro, super partes: o acusador, o defensor e o juiz.
“O convite dirigido às partes, pelo Juiz, para correcção de peças processuais, implica uma cognoscibilidade prévia, ainda que perfunctória, da solução do pleito, interfere nas funções atribuídas às partes e seus mandatários e pode criar falsas convicções quanto aos caminhos a seguir por forma a obter uma decisão favorável da causa. Tal convite viola o princípio da imparcialidade do Tribunal e como tal é, em nosso entender, inconstitucional. E viola não só o princípio da imparcialidade em si, como a própria aparência de imparcialidade: tendo em conta que o Tribunal não deve apenas ser imparcial mas parecer imparcial, conforme tem sido jurisprudência prevalente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem” (Ac. RL de 19/10/2006, Rec. 7143.06, 9ª Secção).
Relativamente a esta matéria, foi publicado o Acórdão do STJ n.º 7/2005, in DR I SÉRIE-A n.º 212, de 4 de Novembro de 2005, que fixou a seguinte jurisprudência obrigatória:”Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do art.º 287º, n.º 2 do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.
Por tudo o que se deixa dito, ao abrigo das disposições legais supra mencionadas e ainda do art.º 287º, n.º 3 do CPP, decido indeferir o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, por inadmissibilidade legal.
Custas pelo assistente, com taxa de justiça que fixo em 3 UC’s.
Notifique.
Oportunamente, arquive-se.



III- APRECIANDO.

O Ex.mo juiz de Instrução, como se vê do despacho transcrito, considerou que o requerimento de abertura de Instrução não estava em conformidade com os preceitos legais aplicáveis, ou seja o requerimento apresentado pelo Assistente não contém factos capazes de preencherem suficientemente os elementos típicos quer objectivos quer subjectivo de qualquer crime.
Como refere o próprio Assistente, na sua motivação de recurso, não imputa qualquer ilícito a quem quer que seja,
Perante o estudo do enquadramento jurídico da questão, equacionada no recurso, levado a cabo no despacho recorrido, pouco há a dizer, na verdade, embora não sujeito a formalidades especiais, o Requerimento para Abertura de Instrução, tem de obedecer aos requisitos exigidos para a acusação nos termos do art.º 283º,n.º 3 alíneas b) e c), e n.º 2 do art.º 287,º do CPP..
A acusação define e delimita o objecto do processo fixando o thema decidendum tendo necessariamente que ser deduzida cumprindo as exigências do art.º 283° do CP., posto que é em função dela que o arguido organiza a sua defesa. O princípio acusatório é um dos princípios estruturantes da nossa constituição processual penal que exige que a decisão final há-de incidir apenas sobre a acusação.
O princípio acusatório, como referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Significa ele que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação (...) sendo "a acusação condição e limite do julgamento" cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3a ed. p. 205.
E o Requerimento de Abertura de Instrução, deverá, a par dos requisitos exigidos pelo n° 2 do art.° 287, incluir os necessários a uma acusação, os quais serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante à elaboração da decisão instrutória
Perante tal princípio de acusatório, e do contraditório, que regem o processo penal o Requerimento de Abertura da Instrução, quando requerida pelo assistente, na sequência de despacho de arquivamento, deve conter todos os elementos de uma acusação, descrevendo os factos que consubstanciem o ilícito, cuja pratica imputa e a quem identificando o arguido. Já que, o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente constitui substancialmente, uma acusação alternativa ( ao arquivamento ou à acusação deduzida pelo MºPº) que dada a divergência com a posição assumida elo Ministério Público, vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial” – cfr. Prof. Germano Marques da Silva ,In “ Do Processo Penal Preliminar, pág. 254).

Compulsando o Requerimento de Abertura da Instrução de fls. 1254 a 1264 verifica-se que, na verdade, o Assistente se limita a criticar o arquivamento do inquérito contra o qual poderia ter reagido através da reclamação hierárquica.
O Assistente limitou-se a apresentar uma argumentação em que formulava a sua discordância com o despacho de arquivamento e a apontar diligências de prova que a seu ver demonstrariam que funcionários da C.G.D. cometeram crimes de burla informática, de abuso de confiança, na forma agravada e falsificação de documentos autênticos, p. e p. pelos art.ºs 221.º, n.º 1 e 5, al. b), 205.º, n.º 1, 3, al. b) e 5 e 256.º, n.º 1 e 3, todos do Código Penal ( com a redacção da Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro).
Porém, ao invés de narrar factos (designadamente concretizando, já que pretendia imputar tais crimes: o quê; quando; onde; como; com intenção de ...), datá-los, imputá-los a um agente determinado, subsumi-los jurídico-penalmente, o Assistente pronuncia-se apenas sobre diligências probatórias complementares cuja realização se imporia, defendendo a sua imprescindibilidade.
Ora, como acima se referiu não é para isto que serve a instrução, não competindo ao juiz suprir falhas de investigação, o meio adequado legalmente estabelecido para esse efeito é a reclamação hierárquica.

Não é demais lembrar o que diz Souto Moura In "jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal", Ed. Almedina, 1988, pag. 120 "se o assistente requerer a instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-se versar, a instrução será a todos os títulos inexequível. O juiz ficará sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver acusados. Aquilo que não está na acusação e que no entendimento do assistente lá devia estar pode ser mesmo muito vasto. O juiz de instrução "não prossegue " uma investigação nem se limitará a apreciar o arquivamento do M°P°, a partir da matéria indiciaria do inquérito. O juiz de instrução responde ou não a uma pretensão".
O mesmo se poderá dizer mutatis mutandis, no que concerne à instrução requerida ... ."
No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência citando-se, a título de exemplo, os Acórdãos da Relação de Lisboa:
- De 11/04/2002 publicado in C. J. II, pág. 147.
- De 14/01/2003 publicado in C.J. I, pág. 124.
- De 27/05/2003 - Pr. 0026885 - JTRL00049.
- De 03/07/2003 publicado in C.J. IV, pág. 127.
- De 30/03/2004 Pr 8701/2003 5a Secção do T.R.L..
- De 03/03/2005, Pr. 1045/2005 9a Secção do T.R.L.
- De 03/04/2005, Pr.1009/2005- 9a Secção do T.R.L., publicado in C.J., Tomo l - 2005, pág. 139 a 141.
- De 21/04/2005, Pr.3493/2004 9a Secção do T.R.L.
- De 05/05/2005, Pr.3235/2005 a Secção do T.R.L.
- De 05/05/2005, Pr.3460/2005 9a Secção do T.R.L
- De 19/05/2005, Pr.3713/2005 9a Secção do T.R.L.
- De 30/06/2005 ,Pr.23 82/2004 9a Secção do T.R.L. e actualmente, Douto Acórdão n° 7/2005 do S.T.J. - Pr. 430/2004 - 3a Secção. ( publicado no D.R. - Ia Série -A n°212 de 04.11.2005)

Seria caso de ordenar o aperfeiçoamento.
A questão foi objecto de decisões em sentidos opostos a que veio pôr termo o Acórdão para fixação de Jurisprudência n° 7/2005 do S.T.J. - Pr. 430/2004 - 3a Secção. ( publicado no D.R. - Ia Série -A n°212 de 04.11.2005), em que se decidiu: “ Não há lugar a convite do assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º n.º 2 do C.P.P., quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.”
Nem poderia ser outro o entendimento da jurisprudência, uma vez que, face ao quadro legal vigente, qualquer descrição factual que viesse a ser feita pelo juiz colmatando deficiências, transformando uma inócua narração de factos em infracção criminal, configuraria uma alteração substancial dos factos, o que, tornaria nula a decisão instrutória nos termos do art.º 309.º do C.P.P..
Assim porque em rigor o Assistente/Recorrente não apresentou o Requerimento de Abertura da Instrução em conformidade com os preceitos legais atinentes e acima mencionados, bem andou o Ex.mo Juiz “ a quo ao rejeitá-lo com os fundamentos invocados.
Em suma, sendo manifesta a improcedência do recurso, a consequência é a respectiva rejeição ao abrigo do art.º 420.º, n.º 1 do C.P.P..
.
DECISÃO.
Por todo o exposto decide-se, sumariamente, nos termos do disposto no art.º 417.º, n.º 6, al. b) do C.P.P., rejeitar o recurso por manifestamente improcedente nos termos do art.º 420.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Condena-se o Recorrente no pagamento de 3 Uc, nos termos do n.º 4 do art.º 420.º, n.º 1 do C.P.P..

Custas pelo Recorrente, fixando-se em 3 Uc a taxa de justiça.