Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7959/2007-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: ARRESTO
EMBARGOS DE TERCEIRO
INCIDENTES DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - O art. 842º do CPC, que tem alguma aproximação ao conteúdo do primitivo art. 832º do CPC, na redacção do DL nº 180/96, de 25 de Setembro, afastou-se todavia dele, no que respeita à referência expressa feita no primeiro, à autoria da declaração, aí atribuída ao “executado, ou alguém em seu nome”, deixando-se agora consignada apenas a possibilidade da presunção ser ilidida, sem se dizer quem tem essa faculdade.
II - Embora à primeira vista, pudesse parecer que o incidente só podia ser suscitado, na execução (ou nos autos de arresto por aplicação subsidiária a este das disposição relativas à penhora, em tudo o que não for específico daquele (art. 406º nº 2 do CPC), se a questão fosse suscitada pelo executado/arrestado, devendo os terceiros fazer uso do incidente previsto no art. 351º do CPC, tal entendimento, não pode ser acolhido face à forma genérica adoptada pelo legislador do actual 848º nº 2 e às regras de interpretação constantes do art. 9º do C. Civil, particularmente, no seu nº 2.
III - Assim, faculta-se a ilisão, por procedimento simples e incidental, da presunção de titularidade dos bens penhorados, nomeadamente por iniciativa do terceiro que se arroga a titularidade, apresentando, para tal, “prova documental inequívoca” do seu direito – e sendo da competência do juiz a dirimição de tal litígio.”
IV - A não suscitação ou a improcedência do incidente não preclude a possibilidade do terceiro lançar mão dos embargos de terceiro, tendo necessariamente de os usar quando carecer de produzir outros meios probatórios, que não a prova documental.
FG
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório.
1. No procedimento cautelar de arresto que A. sociedade com sede na Holanda, intentou, no dia 6.10.2006, contra Lda, com sede em Lisboa, decretado o “arresto dos bens ou mercadorias, bem como equipamento informático, administrativo e de escritório” necessário e suficiente para garantir o aparente direito de crédito invocado e arrestados vários bens móveis, designadamente um pré-amplificador NAIM NAC 552 e respectiva alimentação NAIM NAC 551, veio M, fazendo expresso apelo ao disposto nos artigos 848º nº 2 e 406º nº 2, ambos do CPC, dizer pretender ilidir a presunção estabelecida no primeiro dos preceitos, porquanto o dito bem móvel era seu e não da requerida
E invocou, nesse requerimento, junto aos autos no dia 20.12.2006, que o dito bem lhe pertencia por o ter comprado à “Atitude” em Fevereiro de 2005, conforme factura e recibo de que juntou fotocópia certificada, mas que, posteriormente – em 9 de Setembro de 2006 – o entregara à vendedora, para reparação, conforme guia de reparação, de que igualmente juntou fotocópia certificada.
Terminou pedindo que se considerasse que o dito bem lhe pertencia e que fosse ordenado o levantamento do arresto nessa parte e a entrega do dito bem ao requerente.

Com data de 2.02.2007 e tendo por objecto o requerimento do mencionado Manuel Eduardo Melo, foi proferido despacho que, após ter considerado que o dito requerimento consubstanciava, pelo seu conteúdo, embargos de terceiro, ordenou que o mesmo fosse desentranhado e autuado por apenso como embargos de terceiro, devendo o requerente ser aí notificado para proceder ao pagamento da devida taxa de justiça inicial.

Inconformado com o assim decidido, veio do dito M interpor recurso de agravo.
Alegou e, em síntese, concluiu o seguinte:
- O requerimento em causa não é um requerimento inicial de embargos, mas antes um requerimento com vista a suscitar “um incidente de ilisão da presunção de propriedade estabelecida no art. 848º nº 2” do CPC;
- Incidente que deve ser admitido por força do citado preceito, conjugado com o art. 406º nº 2, sem necessidade de recurso ao procedimento de embargos de terceiro como foi decidido pelo tribunal recorrido, por se tratar de um meio de defesa dos interesses do recorrente, mais complexo e economicamente mais dispendioso.
- O tribunal recorrido violou os preceitos citados.
Terminou pedindo que revogado o despacho recorrido, fosse o mesmo substituído por outro a apreciar a pretensão do recorrente nos autos de arresto e a extinguir a instãncia de embargos, entretanto iniciada.

Não houve contra alegação e o despacho recorrido foi sustentado.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.

2. Para a apreciação do presente recurso há que atender aos factos constantes do relatório que antecede e que os autos evidenciam seguramente.

3. A questão a decidir traduz-se apenas em saber se o requerimento apresentado no dia 20.12.2006 pelo dito M, terceiro relativamente ao procedimento de arresto, deve ser considerado como petição inicial de embargos de terceiro, como entendeu o tribunal recorrido ou se, pelo contrário e como defende o recorrente, o mesmo tem cabimento legal, como incidente, a decidir nos próprios autos de procedimento cautelar de arresto, nos termos do citado art. 848º nº 2 do CPC.
Estatui este segmento normativo o seguinte: “ Presume-se pertencerem ao executado os bens encontrados em seu poder, podendo a presunção, feita a penhora, ser ilidida perante o juiz, mediante prova documental inequívoca do direito de terceiro, sem prejuízo dos embargos de terceiro”
Este preceito, que tem alguma aproximação ao conteúdo do primitivo art. 832º do CPC, na redacção do DL nº 180/96, de 25 de Setembro, na medida em que visa, por uma forma célere, resolver “ocorrências anómalas” verificadas no acto da penhora relativamente à titularidade dos bens a penhorar, afastou-se todavia dele, no que respeita à referência expressa feita no primeiro, à autoria da declaração, aí atribuída ao “executado, ou alguém em seu nome”, deixando-se agora consignada apenas a possibilidade da presunção ser ilidida, sem se dizer quem tem essa faculdade.
Daí que, à primeira vista, pudesse parecer que o incidente só podia ser suscitado, na execução - ou nos autos de arresto por aplicação subsidiária a este das disposição relativas à penhora, em tudo o que não for específico daquele (art. 406º nº 2 do CPC) – se a questão fosse suscitada pelo executado/arrestado, devendo os terceiros fazer uso do incidente que lhes é especificamente concedido para o efeito, nos termos do art. 351º e seguintes, também do CPC.
Mas, semelhante (e restritivo) entendimento, não pode ser acolhido face à forma genérica adoptada pelo legislador do actual 848º nº 2 e às regras de interpretação constantes do art. 9º do C. Civil, particularmente, no seu nº 2.
Donde deriva que, actualmente, e como refere Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, II, 2ª ed., p. 80 “Faculta-se (…) a ilisão por procedimento simples e incidental, de tal presunção de titularidade dos bens penhorados, nomeadamente por iniciativa do terceiro que se arroga a titularidade, apresentando, para tal, “prova documental inequívoca” do seu direito – e sendo da competência do juiz a dirimição de tal litígio.
E continua: “A não suscitação ou a improcedência do incidente não preclude a possibilidade do terceiro lançar mão dos embargos de terceiro (tendo necessariamente de os usar quando carecer de produzir outros meios probatórios, que não a prova documental “inequívoca” aqui prevista).

Procede, pelo exposto a argumentação do recorrente, impondo-se, assim, conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, após assegurar o necessário contraditório, decida o incidente suscitado.

Decisão.
4. Termos em que se acorda em conceder provimento ao presente agravo e revogar o despacho recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2007.
(Maria Manuela B. Santos G. Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes)
( Fátima Galante )