Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3202/18.0T8PDL-C.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
CONDENAÇÃO EM CUSTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2022
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I - O regime do art.º 423.º do CPC, atinente ao momento da apresentação dos documentos, não visa afastar ou excecionar a regra do art.º 598.º do CPC, a qual foi aditada à Proposta de Lei n.º 113/XII já na Assembleia da República e não podia ter sido visada pelo legislador quando delineou o regime do art.º 423.º do CPC.

II - A regra do art.º 598.º representa um plus relativamente à regra geral atinente à apresentação dos requerimentos probatórios nos articulados, complementando-a, ao possibilitar, em termos amplos, a alteração dos requerimentos probatórios; quando o regime do art.º 598.º não seja aplicável, então sim, as partes poderão lançar mão de outras regras legais, como a do art.º 423.º do CPC.

III - As regras do art.º 423.º podem não ser aplicáveis quando ao caso convierem outros princípios ou regras, em particular as relativas ao dever de gestão processual ou aos princípios da cooperação e do inquisitório (cf. art.ºs 6.º, 7.º e 411.º, do CPC). Com efeito, se o juiz convidar ou ordenar à parte que junte um documento, não poderá, caso esta corresponda ao convite ou determinação do tribunal, condená-la em multa.

IV - Nos presentes autos, os Réus-Apelantes viram atendida a sua pretensão de alteração do requerimento probatório, para a qual lhes havia concedido prazo na audiência prévia em termos amplos, sem qualquer espécie de restrição. Logo, à semelhança do que sucederia se o tivessem requerido na audiência prévia, por aplicação do disposto no art.º 598.º do CPC, podiam, não apenas, ter alterado o seu rol de testemunhas (conforme fizeram, mediante aditamento), mas também alterado a prova documental, juntando novos documentos, não se justificando a sua condenação em multa nos termos do art.º 423.º do CPC, aqui inaplicável.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

AO intentou a presente ação declarativa de condenação contra JSC, Lda., (1.ª Ré) JS (2.º Réu), JB (3.º Réu), JC (4.º Réu) e Companhia de Seguros Allianz, S.A. (5.ª Ré), peticionando a condenação dos Réus no pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela execução de obras no prédio pertencente à 1.ª Ré.
Foi admitida a intervenção principal da Liberty Seguros, S.A. e da Ageas Portugal - Companhia de Seguros de Vida, S.A., vindo a realizar-se, em 09-05-2022, audiência prévia, no decurso da qual as partes e a interveniente principal Liberty Seguros, S.A. requereram que lhes fosse concedido o prazo de 10 dias para alteração dos seus requerimentos probatórios, o que foi deferido.
 Em 12-05-2022, os 1º, 2.º, 3.º e 4.º Réus apresentaram um requerimento (ref.ª Citius 4645820) para junção de nove documentos - numerados de 37 a 45, considerando os 36 documentos já juntos com a Contestação -, bem como aditamento do seu rol de testemunhas.
Os Autores e as Intervenientes foram notificados desta junção de documentos e nada disseram.
Em 26-05-2022, foi proferido o despacho (recorrido) que, além do mais, admitiu tal aditamento e, no ora importa, tem o seguinte teor:
“Ref. 4645820, de 12.05.2022:
(…) Quanto aos documentos:
Vieram os Réus apresentar nove documentos.
Dispõe o artigo 423.º do Código de Processo Civil o seguinte: 1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Atenta a data agendada para a realização da audiência de julgamento (14.10.2022), a parte pode apresentar documentos nesta fase, contudo deverá a mesma condenada em multa, excepto se provar que não os pode apresentar com o articulado.
Ora, no caso concreto nada sequer é alegado sobre a não junção de tais documentos com o respectivo articulado – a contestação.
Pelo exposto, admito a prova documental junta – 9 (nove) documentos, mas condeno os apresentantes em multa de 1 UC (artigo 423.º, nº 2, do Código de Processo Civil).”
Inconformados com esta decisão, na parte atinente à sua condenação em multa, vieram os 1.º, 2.º, 3.º e 4.º Réus interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
a) No âmbito da segunda sessão da audiência prévia, realizada a 09-05-2022, foi requerido pelos Réus, ora Recorrentes e por outros intervenientes processuais, um prazo de 10 dias para alteração do seu requerimento probatório, o que foi deferido
b) No prazo concedido, mais precisamente a 12-05-2022, os ora Recorrentes procederam à alteração do requerimento probatório, juntando 9 documentos e aditando o rol de testemunhas.
c) O tribunal a quo admitiu a junção dos documentos, e, ao abrigo do disposto no artigo 423.º n.º 2 do CPC, condenou os Recorrentes em multa de 1 UC.
d) Ora, os recorrentes requereram prazo para alteração do requerimento probatório na audiência prévia, que foi concedido sem a menção de cominação em multa.
e) Na audiência prévia – tanto na primeira como na segunda sessões - foi o autor instado pelo tribunal a juntar aos autos um documento – certidão de nascimento do próprio - que o próprio tinha protestado junta na sua petição inicial, que deu entrada em 29-12-2018, nos seguintes termos:
“EM TEMPO
4. Protesta-se a junção da certidão de nascimento do A.”.
f) Pelo autor foi para esse efeito requerido um novo prazo de 10 dias, que foi deferido, e a junção daquele documento foi efectuada dentro do prazo, através do requerimento com a referência 4655966, de 19-05-2022.
g) No último parágrafo do douto despacho recorrido, o tribunal justifica a admissão desse documento por ser apresentado “na sequência de convite formulado pelo Tribunal.”.
h) Essa sua junção foi admitida sem a cominação de qualquer multa.
i) Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou princípios jurídicos e disposições legais expressas, além de ter incorrido em erro de facto, o que torna o despacho recorrido não só ilegal como ilegítimo.
j) Entendem os Recorrentes que a lei permite expressamente a alteração do requerimento probatório em todos os tipos de prova, desde que tenha sido apresentado com o articulado atinente um requerimento probatório inicial, ao abrigo do artigo 598.º n.º 1 do CPC.
k) Aliás, no caso em apreço, se o regime legal fosse o de penalizar com multa a junção de documentos na audiência prévia, não faria qualquer sentido requerer nessa audiência prazo para apresentar documentos pois, mediante pagamento de multa, a lei permite essa junção até 20 dias antes da audiência final.
l) O entendimento dos recorrentes é pacífico na doutrina e na jurisprudência, designadamente nos seguintes arestos:
i) - no Ac TRE de 24-10-2019, Relator Cons. Conceição Ferreira, segundo qual “Uma coisa é alterar o requerimento probatório, que pode abranger prova pericial, documental testemunhal, outra coisa, bem mais limitada, é alterar ou aditar o rol de testemunhas, que é, apenas, um dos segmentos do requerimento probatório.
Os tempos de apresentação desses pedidos também são diferentes. Enquanto a alteração do requerimento probatório pode ocorrer na audiência prévia, quando a esta haja lugar, o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.”
ii) - No Ac do TRE, do mesmo Relator, de 24-10-2019, segundo qual “O facto da prova pericial não ter sido requerida pelos autores no final da petição, não torna extemporâneo o mesmo requerimento no momento apresentado após a notificação de que a audiência prévia tinha sido dispensada.”
iii) Também pode ler-se no Ac TRL de 30-04-2019, segundo o qual:
“2. A alteração do requerimento probatório prevista no n.º 1 do art.º 598.º do C.P.C., não conhece restrições, apenas se exigindo que a parte tenha apresentado inicialmente requerimento probatório, condição para se falar em alteração.(...) 4. Assim, a mera apresentação de um documento com a petição inicial ou com a contestação, para efeitos probatórios, compreende um requerimento, mesmo que implícito, de admissão como meio de prova, tanto bastando para que o autor ou o réu fiquem habilitados a alterar este requerimento em qualquer um dos momentos referidos em 1., apresentando, por exemplo, um rol de testemunhas. 5. Questão diferente é a que se prende com a alteração do rol de testemunhas, pois que, uma coisa é alterar o requerimento probatório, que pode abranger prova pericial, documental, testemunhal, etc., outra coisa, bem mais limitada, é alterar ou aditar o rol de testemunhas, que é apenas um dos segmentos do requerimento probatório. 6. Enquanto a alteração do requerimento probatório pode ocorrer na audiência prévia, quando a esta haja lugar, ou mediante requerimento nos termos já referidos, ou seja, quando aquela diligência seja dispensada, o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.”
m) Também é esta a posição da doutrina - segundo Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 704., “o requisito mínimo é que tenha sido anteriormente apresentado algum requerimento probatório, podendo a alteração traduzir-se, se necessário, na indicação de outros meios de prova que tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova que não tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova já enunciados”.
n) E segundo Rui Pinto, em Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, pp. 141-142, “está em causa a alteração de requerimento probatório que foi apresentado no momento devido, ou seja, com o respetivo articulado. Ora, visto que o artigo 598.º, n.º 1 se refere a este ato processual, sem mais distinções, forçoso é concluir que os concretos meios de prova nele indicados podem ser alterados».
o) Em suma, ao ser deferido prazo para alteração do requerimento probatório no âmbito da audiência prévia, tal alteração é feita ao abrigo do disposto no artigo 598.º n.º 1 do CPC e não nos termos do artigo 423.º n.º 2 do CPC, pelo que não podia o tribunal aplicar qualquer multa à Recorrente pois a dita alteração não foi tardia.
p) Por outro lado, ainda que este não fosse este o entendimento correcto das disposições legais invocadas, ainda assim o tribunal não poderia aplicar aos recorrentes a multa que aplicou.
q) Na verdade, foi certamente por erro quanto aos pressupostos de facto, que a junção da certidão de nascimento do autor foi admitida sem cominação de multa, pois se trata de um documento que deveria ter sido junto com a petição inicial, e não o foi; deveria ter sido junta no prazo de 10 dias concedido pelo tribunal na primeira sessão da audiência prévia, e não foi; e só o foi dez dias depois da segunda sessão desta audiência.
r) Ou seja, a sua junção aos autos resultou da iniciativa do autor, que protestou juntá-lo na sua petição inicial, e não de um documento a ser junto aos autos por iniciativa e “a convite” do tribunal.
s) Tendo sido este o fundamento invocado para a sua admissão sem cominação, verifica-se erro nos pressupostos da decisão, que a tornam anulável.
t) Por outro lado, tratando-se de um documento que já se encontrava em falta nos autos desde há mais de três anos, a sua junção no âmbito da audiência prévia – 10 dias depois desta - constituiu o resultado da inércia ou mesmo da negligência da parte a quem cumpria esse acto. E uma tal actuação não podia ser “premiada” com a isenção da multa que o tribunal achava aplicável à junção de documentos na audiência prévia, tanto que a aplicou aos recorrentes por comportamento que poderia, no limite, ser considerado idêntico.
u) Assim, se o douto despacho recorrido não fizesse uma errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 423.º n.º 2 do CPC, em vez da aplicação do artigo 598.º n.º 1 do mesmo código, constituiria a violação do princípio da igualdade das partes, com protecção constitucional e no artigo 4º do CPC, e do dever de imparcialidade, tal como foi entendido no Ac. do TRC de 26-10-2021, Relator Cons. Fonte Ramos, que concluiu que: “2. Salvaguardado o dever de imparcialidade (equidistância), tal poder-dever, inerente ao indeclinável compromisso do juiz com a verdade material, emerge e justifica-se independentemente da vontade das partes na realização das diligências/produção de meios de prova (e da tempestividade dessa iniciativa). 3. Ponderados os princípios do dispositivo, do inquisitório e da auto responsabilidade das partes, situações de conduta grosseira e indesculpavelmente negligente da parte (v. g., na junção tempestiva dos documentos) poderão ditar a inobservância daquela regra.”.
v) Assim, se o douto despacho recorrido não fizesse uma errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 423.º n.º 2 do CPC, e do artigo 598.º n.º 1 do mesmo código, constituiria a violação do princípio da igualdade das partes, com protecção constitucional e no artigo 4º do CPC, e do dever de imparcialidade,
w) Tal como foi entendido no Ac. do TRC de 26-10-2021, Relator Cons. Fonte Ramos, que concluiu que: “2. Salvaguardado o dever de imparcialidade (equidistância), tal poder-dever, inerente ao indeclinável compromisso do juiz com a verdade material, emerge e justifica-se independentemente da vontade das partes na realização das diligências/produção de meios de prova (e da tempestividade dessa iniciativa). 3. Ponderados os princípios do dispositivo, do inquisitório e da auto-responsabilidade das partes, situações de conduta grosseira e indesculpavelmente negligente da parte (v. g., na junção tempestiva dos documentos) poderão ditar a inobservância daquela regra.”.
x) O despacho recorrido, na parte em que condena a Recorrente em multa de 1 UC, deve ser revogado e substituído por outro que admita a alteração do requerimento probatório sem a aplicação da multa.
Terminam os Apelantes pugnando pela revogação do despacho recorrido na parte relativa à sua condenação em multa, nos termos do artigo 423.º n.º 2 do CPC.
Não foi apresentada alegação de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se os Réus não deviam ter sido condenados em multa.

Os factos que relevam para o conhecimento do mérito do recurso são os que constam do relatório supra.
Para resposta à questão em apreço importa que atentemos nas normas legais que regem sobre a apresentação dos requerimentos probatórios pelas partes. É sabido que o CPC de 2013 veio introduzir, no processo declarativo comum, a regra geral da apresentação pelas partes dos seus requerimentos probatórios nos articulados, o que, quanto à contestação, se encontra previsto no art.º 572.º, al. d), do CPC, sendo reiterado, de forma mais abrangente e especificamente quanto aos documentos, no art.º 423.º, n.º 1, do CPC.
No entanto, outras regras existem no sentido de mitigar as limitações que advêm desse ónus, designadamente as consagradas no art. 423.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, estabelecendo que, se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado; e que, após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
O desafio que o caso em apreço suscita é o da articulação destas regras com o disposto no art.º 598.º, n.º 1, do CPC, nos termos do qual o requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando à mesma haja lugar (ao abrigo dos art.ºs 591.º ou 593.º, n.º 3, ambos do CPC).
Sobre esta problemática, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, págs. 644-645, referem o seguinte (sublinhado nosso): «As partes podem alterar na audiência prévia, por substituição ou ampliação, a proposição da prova constituenda (isto é, daquela que se produz no processo: cf. art.º 415-2) feita nos articulados. Essa possibilidade de alteração também ocorre em momento anterior do processo (cf. os art.ºs 552-2, 2.ª parte, e 572-d-2.ª parte); não havendo audiência prévia, às partes deve ser consentida a alteração do requerimento probatório no prazo (geral) de 10 dias contados da notificação do despacho previsto no art.º 596-1, ainda que tal conduza à retificação do despacho de programação da audiência final. Com efeito, não se justificaria que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia. (…) É controvertido o âmbito consentido para a alteração do requerimento probatório. Assim, por exemplo, se a parte inicialmente se tiver limitado a arrolar testemunhas, pode perguntar-se se mais tarde pode requerer prova pericial, ou se apenas lhe é lícito alterar o rol. PAULO RAMOS DE FARIA – LUÍSA LOUREIRO, Primeiras notas, cit., n.º 1.1. da anotação do art.º 598, adotam uma interpretação generosa do art.º 598-1, aceitando nomeadamente que a parte que inicialmente só ofereceu prova documental arrole testemunhas mais tarde (mas, ao invés, pronunciando-se contra a possibilidade de alteração do requerimento probatório quando a audiência prévia não se realize). Também no ac. do TRP de 12.5.15 (HENRIQUE ARAÚJO), www.dgsi.pt, proc. 7724/10, se entende que o conceito de requerimento probatório “pode abranger prova pericial, documental, testemunhal, etc.” Tendemos a perfilhar uma interpretação do art. 598-1, e, em geral, dos preceitos que aludem a requerimentos probatórios, mais restritiva do que esta: a prova documental está sujeita a um regime particular quanto ao seu momento de apresentação (o dos arts. 423 a 425), pelo que aqueles preceitos não a têm em vista, não consentindo, nomeadamente, a substituição de um documento por uma testemunha e vice-versa, ou o aditamento de uma testemunha à oferta de um documento e vice-versa; mas, dentro da prova constituenda, não vemos obstáculo à substituição ou ao aditamento (assim, proposta inicialmente apenas prova testemunhal, é lícito à parte requerer prova pericial nos termos do art.º 598-1).»
Mais adiante (cf. págs. 674-675), continuam estes ilustres professores, lembrando que face à exigência de que a prova seja proposta com os articulados [com a possibilidade de alteração do requerimento probatório após o articulado-resposta da parte contrária – cf. art.ºs 552.º, n.º 2, e 572.º, al. d), ambos do CPC] se colocou ao legislador de 2013 a questão de saber se – e em que termos – devia admitir-se a alteração do requerimento apresentado na audiência prévia, tendo a Comissão dois entendimentos sucessivos, um no Anteprojeto e outro, mais restritivo, no Projeto (PL 521/2012, de 2012-11-22) e Proposta de Lei (n.º 113/XII), deixando-se neste último de admitir a alteração, na fase da audiência prévia, dos requerimentos probatórios, vindo, todavia, a ser reintroduzida pela Assembleia da República a admissibilidade da alteração.
Não podemos, todavia, acompanhar, pelo menos não inteiramente, a posição destes ilustres professores, seja no tocante à facultade de alteração do requerimento probatório fora da audiência prévia apesar de não prevista na lei (em nosso entender, só consentida por via dos deveres de gestão processual e adequação formal – cf. art.ºs 6.º e 547.º do CPC), seja, no que ora nos ocupa, quanto à amplitude consentida à alteração do requerimento probatório pelo art.º 598.º do CPC, não descortinando razão para uma interpretação restritiva nos moldes referidos, antes se nos afigurando mais defensável a posição sufragada pela citada doutrina e jurisprudência.
Nesta linha de pensamento, além do aludido acórdão da Relação do Porto, também parece apontar o acórdão da Relação de Évora de 24-10-2019, proferido no proc. n.º 1670/13.5TBPTM-J.E1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que:
Uma coisa é alterar o requerimento probatório, que pode abranger prova pericial, documental testemunhal, outra coisa, bem mais limitada, é alterar ou aditar o rol de testemunhas, que é, apenas, um dos segmentos do requerimento probatório.
Os tempos de apresentação desses pedidos também são diferentes.
Enquanto a alteração do requerimento probatório pode ocorrer na audiência prévia, quando a esta haja lugar, o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.”
Na verdade, o regime do art.º 423.º do CPC (à semelhança do previsto no art.º 510.º do CPC quanto à substituição de testemunhas) não visa afastar ou excecionar a regra do art.º 598.º do CPC, a qual foi aditada já na Assembleia da República e não podia ter sido visada pelo legislador quando delineou o regime do art.º 423.º do CPC. A regra do art.º 598.º representa um plus relativamente à regra geral atinente à apresentação dos requerimentos probatórios nos articulados, complementando-a, ao possibilitar, em termos amplos, a alteração dos requerimentos probatórios; naturalmente, quando o regime do art.º 598.º não seja aplicável, então sim, as partes poderão lançar mão de outras regras legais, como a do art.º 423.º do CPC.
Diga-se ainda, face à argumentação expendida pelas Apelantes, ao invocarem o princípio da igualdade, que mesmo as regras do art.º 423.º podem não ser aplicáveis quando ao caso convierem outros princípios ou regras, em particular as relativas ao dever de gestão processual ou aos princípios da cooperação e do inquisitório (cf. art.ºs 6.º, 7.º e 411.º, do CPC). Com efeito, é óbvio que se o juiz convidar ou ordenar à parte que junte um documento, não poderá, caso esta corresponda ao convite ou determinação do tribunal, condená-la em multa. Tal seria ilógico e até atentaria contra o princípio da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático – cf. art.º 2.º da CRP).
Nos presentes autos, os Réus-Apelantes viram atendida a sua pretensão de alteração do requerimento probatório, para a qual, sublinhe-se, lhes havia sido concedido prazo na audiência prévia em termos amplos, sem qualquer espécie de restrição (como a propugnada pelos ilustres Professores).
Destarte, à semelhança do que sucederia se o tivessem requerido na audiência prévia, por aplicação do disposto no art.º 598.º do CPC, podiam, não apenas, ter alterado o seu rol de testemunhas (conforme fizeram, mediante aditamento), mas também alterado a prova documental, juntando novos documentos, não se justificando a sua condenação em multa nos termos do art.º 423.º do CPC, aqui inaplicável.
Assim, procedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual deve ser concedido provimento.

Da responsabilidade tributária
1) No artigo 527.º, n.º 1, do CPC estipula-se que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.
2) A conjugação do disposto no art.º 527.º, n.ºs. 1 e 2 com o n.º 6 do art.º 607.º e no n.º 2 do artigo 663.º do CPC permite aferir que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respetivo impulso processual.
3) De acordo com o estatuído no n.º 2 do art.º 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
4) Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A condenação em custas rege-se pelos aludidos princípios da causalidade e da sucumbência, temperados pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso e da justa medida (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, p. 359 e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., p. 419).
5) Assim, deve pagar as custas a parte que não tem razão, litiga sem fundamento ou exerce no processo uma atividade injustificada, pelo que interessa apurar o teor do dispositivo da decisão em confronto com a posição assumida por cada um dos litigantes.
6) O princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado, tendo presente, contudo, a especificidade acima apontada quanto à constituição da obrigação de pagamento da taxa de justiça, pelo que tal condenação envolve apenas as custas de parte e, em alguns casos, os encargos.
7) Nos casos em que não haja vencedor nem vencido, onde, por isso, não pode funcionar o princípio da causalidade consubstanciado no da sucumbência, rege o princípio subsidiário do proveito processual, de acordo com o qual pagará as custas do processo quem deste beneficiou.
8) Como tal, sempre que haja um vencido, com perda de causa, é sobre ele que deve recair, na precisa medida desse decaimento, a responsabilidade pela dívida de custas. Fica vencido quem na causa não viu os seus interesses satisfeitos; se tais interesses ficam totalmente postergados, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial.
9) “"Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses, ficando, pois, a seu cargo, a responsabilidade total ou parcial pelas custas” (assim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-1997, P.º 97S079, rel. MATOS CANAS).
10) Quando não haja uma parte vencida, se também não existir uma outra vencedora, será responsável pelas custas aquele (ou aqueles) cuja esfera se mostrar favorecida, e também na sua exata medida, em face do teor da decisão.
11) No caso dos autos, os recorrentes/apelantes (1.º a 4.º réus) obterão “ganho de causa”, relativamente à pretensão recursória que trouxeram a juízo, ou seja, logram obter a revogação do despacho recorrido.
12) Contudo, o autor/recorrido não deu causa ao recurso, não tendo, como se viu, tido vencimento.
13) O autor - que não contra-alegou - é alheio à sorte do recurso, não lhe podendo ser oposto o critério da causalidade.
14) Assim, de acordo com o exposto, o critério da causalidade, não se mostra operante relativamente a qualquer das partes.
15) Mas, então, dever-se-á lançar mão do critério da vantagem ou proveito processual?
16) Salvador da Costa, aponta um caminho (no texto “Segmento decisório “sem custas” - Acórdão da Relação de Guimarães de 31.10.2018, no texto “Dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na globalidade do processo - Acórdão da Relação de Évora de 14.03.2019 (Jurisprudência 2019 (56))”, disponíveis no Blog do Instituto Português do Processo Civil – IPPC, em https://blogippc.blogspot.com/), relativamente a situação semelhante, embora no âmbito de procedimento cautelar de arresto – decidido sem audiência da parte contrária – em que a requerida não teve intervenção nem no procedimento, nem no recurso do despacho que indeferiu liminarmente a petição cautelar, concluindo o seguinte:
“(…) 1.ª – O segmento “sem custas”, constante da parte final do acórdão da Relação, está afetado de nulidade por falta absoluta de fundamentação;
2.ª – A responsabilidade das partes pelo pagamento das custas processuais em geral assenta no critério principal da causalidade e, não havendo vencimento, no critério subsidiário do proveito;
3.ª – Como se trata de um recurso do despacho de indeferimento liminar da petição inicial relativa ao procedimento cautelar de arresto, em que a requerida B não pôde intervir, só a recorrente A, com base no critério do proveito, podia ser condenada no pagamento das custas, se a tal nada obstasse.
4.ª – Uma vez que a recorrente A pagou previamente a taxa de justiça relativa ao recurso, e este não envolveu encargos, e a requerida B nele não interveio, a primeira não é responsável pelo pagamento de custas.
5.ª – O segmento do acórdão da Relação “sem custas” corresponde ao derivado dos factos e da lei”.
17) Em textos ulteriores, o mesmo Autor desenvolve semelhante posição (vejam-se, por exemplo, no mesmo local, os textos intitulados “Condenação do pagamento de custas da parte vencida a final - Acórdão do Tribunal Relação da Relação de Évora de 2.10.2018 -(publicado em Jurisprudência 2018 (160))”, “Segmento decisório “sem custas” - Acórdão da Relação de Guimarães de 31.10.2018”, “Custas a final pela parte vencida - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2018”, “Custas pela parte vencida a final face aos princípios da causalidade e do proveito - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.1.2019 (Publicado em Jurisprudência 2019 (3))” e “Custas do recurso conforme for devido a final - Acórdão da Relação do Porto de 10.1.2019 (publicado em Jurisprudência 2019 (38))”.
18) Não nos parece que a fixação de responsabilidade decorrente do disposto no artigo 527.º do CPC, exigida por via do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, possa resumir-se a uma decisão que verifique uma ausência de responsabilidade (“sem custas”): Se, por exemplo, os autos de recurso tivessem originado, nesta fase - ainda que sem intervenção da recorrida - encargos, por hipótese, decorrentes de uma perícia oficiosamente determinada pelo Tribunal (v.g. perícia com vista a determinar os elementos que foram submetidos no requerimento inicial, etc.) – a decisão “sem custas” seria incompreensível.
19) Não se pode, de facto, olvidar a prescrição geral de tributação processual – não afastada por qualquer norma de isenção tributária – constante do artigo 1.º, n.º 1, do RCP e do seguinte teor: “Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento”.
20) Na realidade, não havendo isenção tributária, o recurso em questão está sujeito a tributação, aspeto que é preliminar face à determinação da responsabilidade das partes relativamente a custas.
21) Assim, inexistindo norma que dispense tributação, deve ser apurada a responsabilidade tributária decorrente da instância gerada e do facto de ter desenvolvido atividade jurisdicional relevante para efeitos de custas, dos eventuais encargos assumidos e das custas de parte que poderá ter determinado.
22) Reiterando a necessidade de consideração dos critérios tributários da causalidade e do proveito – em detrimento de uma solução que isente de tributação o recurso – certo é que, no caso, não se compreenderia – verifica-se, como se disse supra, que o critério do vencimento não é prestável e, do mesmo modo, afigura-se que seria patente a injustiça da decisão (assinalando-se que todos os encargos de uma instância recursória ganhadora ficariam, incompreensivelmente, a cargo daquele que ganhou o recurso!) que, sem mais, determinasse que tais eventuais encargos ficassem a cargo do recorrente, porque teria tirado proveito do recurso.
23) E, de semelhante modo, também é patente que o “proveito” do recurso não é, por ora, encontrado na esfera da autora, pois, a revogação da decisão não lhe é favorável (implicando o prosseguimento dos autos).
24) No caso dos autos, no momento em que é proferida a presente decisão não é possível afirmar que o desfecho da apelação, ainda que anulando o decidido em 1ª instância, se reflete negativamente na esfera do autor.
25) A causalidade e o proveito não são, neste concreto ponto, congruentes e, como se viu, não parece que a questão se possa resumir a uma decisão enunciativa de uma não responsabilização tributária de qualquer das partes.
26) Quid iuris?
27) “Não obstante esta situação, seguro é que se impõe a tributação em custas, mesmo num caso como o dos autos, atento o estatuído no art.º 1º do RCP e, bem assim, a ausência de qualquer isenção prevista na lei (cf. art.º 4º do RCP)” (assim, o citado acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019 (P.º Proc. 45824/18.8YIPRT-A.L1 7ª Secção, rel. MICAELA SOUSA), sendo que, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 579, nota 4) “salvo quando exista alguma isenção objetiva (artigo 4.º, nº 2, do RCP), todas as ações (incluindo incidentes ou recursos) implicam o pagamento de custas (art.º 1.º do RCP)”.
28) Seria ilegal a decisão que reconhecesse uma isenção tributária não prevista na lei.
29) Na situação em apreço, porque se está perante uma decisão interlocutória – não tendo, como se viu, sentido uma decisão que sublinhe a ausência de responsabilização por custas e, igualmente, sendo, para além de injusto, prematuro, recorrer à situação extrema de responsabilizar o autor, ou os réus, pelas custas – e ponderando o sentido do comando normativo constante dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, afigura-se que a decisão que se impõe é a de relegar a decisão sobre a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso para aquela que decida sobre a responsabilidade tributária da decisão final.
30) O critério da causalidade (tal como enunciado na previsão contida no n.º 2 do artigo 527.º do CPC) adquirirá, relativamente a esta instância interlocutória, plena operatividade quando for conhecida a parte vencida da causa principal, a parte vencida da decisão nuclear e final do processo, podendo encontrar-se, nesse momento, aquele a quem deva ser imposta a obrigação de custas - no sentido de que se enquadra no iter processual que conduzirá a uma decisão final sobre o mérito do litígio (da ação e, eventualmente, da reconvenção) – e que permite patentear, ainda que em ulterior momento, a quem é imputável a instância recursória julgada.
31) Parece-nos, pois, ter plena aplicação a jurisprudência vertida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-01-2011 (processo n.º 277/08.3TBSRQ-F.L1-7, rel. LUÍS LAMEIRAS), onde, em situação similar, se concluiu nos seguintes termos: “(…) [T]odo o processo tem um objectivo primordial, que é o da obtenção de uma regulação jurídica, declarada ou efectiva, de interesses de direito material; e que é o caminho para se lá chegar que tem um custo, em parte representado pelas custas a pagar.
Este núcleo duro de custas tem sempre um responsável final; alguém que se volve em sujeito passivo das custas por se reconhecer que, à luz de tudo, deve ser ele a suportar o encargo; seja por ser vencido; seja pelo proveito obtido; seja, em derradeiro critério, por ser aquele que desencadeou o funcionamento da máquina judiciária. Por isso, e em todo o caso, o artigo 659º, nº 3 [correspondendo ao actual artigo 607.º, n.º 3] (…) exige (…) que se defina, com expressividade e clareza, quem são os responsáveis pelas custas e qual a relativa proporção da dívida.
Ora, do nosso ponto de vista, faz sentido que, na falta de uma outra referência juridicamente atendível, seja a esta derradeira distribuição que venha a aderir toda a restante responsabilidade a que, entretanto, não houvera oportunidade, ou possibilidade, de encontrar ajustado devedor. A autonomia tributária, que porventura houvesse, cede na parte da repartição de responsabilidade; e a quem seja onerado pelo custo global e final da acção acrescerá, na mesma proporção, por se entender que a essa principal responsabilidade devem ter adesão aquelas outras conexas ou meramente instrumentais, a dívida de custas gerada pelo acto ou termo a que antes se não conseguiu conhecer responsável.
A dívida interlocutória de custas adere, nesta óptica, à dívida final, referente à contrapartida global do “pacote” de serviço de justiça prestado; nascendo a respectiva obrigação na esfera daquele que, a final, venha a ser reconhecido como o devedor das principais custas da acção. É o que comummente se chama de dívida de custas pela parte que seja vencida a final (…)”.
32) Sobre casos de condenação das partes no pagamento das custas devidas a final, admitindo a figura, na vigência do RCP, vd., para além do citado acórdão do Acórdão do TRL de 11-01-2011, entre outros, os acórdãos do TRP de 12-04-2010 (Pº. 1057/09.4TBVFR-A.P1, ANA PAULA AMORIM), de 18-10-2012 (Pº 2625/11.0TBGDM.P1, TELES DE MENEZES) e de 19-03-2015 (Pº 5150/10.2TBVNG-C.P1 LEONEL SERÔDIO); o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16-12-2015 (Pº 12356/15, rel. CATARINA JARMELA); e os acórdãos do TRE de 24-05-2018 (Pº 969/17.6T8PTM.E1, rel. PAULA DO PAÇO) e de 10-10-2019 (Pº 1582/12.0TBCTX-A.E1, rel. PAULO AMARAL).
33) Em face do exposto, fixa-se a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso, a cargo da parte que seja vencida com a decisão final e na proporção em que o fôr (cfr. artigo 527.º, n.º 1, do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido, isto é, a decisão de condenação dos Réus-Apelantes no pagamento de multa pela junção documental efetuada.
Custas do recurso pela parte vencida a final.
D.N.

Lisboa, 29-09-2022
Laurinda Gemas (vencida, no tocante à questão acessória da responsabilidade pelas custas do recurso, conforme declaração infra)
António Moreira
Carlos Castelo Branco

Declaração de voto
Embora acompanhe a generalidade das considerações tecidas quanto à questão acessória da responsabilidade pelas custas do recurso, não posso acompanhar as que constam dos pontos 22 a 25 e 29 em diante e a decisão que veio a ser tomada de responsabilizar pelas custas do presente recurso a “parte vencida a final”.
Embora no passado me tenha parecido defensável a posição que fez vencimento, há muito que não a sufrago, antes considero que se impõe, em todos os recursos, uma decisão imediata e não condicional sobre a responsabilidade tributária, decisão essa que, no presente recurso, consiste em julgar que os Réus-Apelantes são os responsáveis pelas custas do recurso, pelo proveito que do mesmo retiram (tendo podido questionar a sua condenação em multa), reconhecendo que, no tocante à taxa de justiça, já a pagaram, não sendo caso para a sua condenação no pagamento de custas de parte e/ou encargos (que aqui nem existem). Não se trata de julgar verificada uma isenção de custas, embora de forma simplista se possa dizer que não são devidas custas (“Sem custas”) em sentido estrito, mas apenas de constatar que, no recurso em apreço, em face da sua tramitação e do que foi decidido, não há que condenar nenhuma das partes no pagamento das custas (em qualquer uma das suas vertentes), apenas sendo devida a taxa de justiça atinente à interposição do recurso, a qual já foi paga pelos Réus-Apelantes.
Com efeito, a autonomia do recurso quanto a custas decorre do disposto no art. 1.º do Regulamento das Custas Processuais, estando previsto que todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo Regulamento e que, para efeitos deste, se considera como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.
Ora, uma condenação da parte vencida a final no pagamento das custas do recurso não parece observar essa autonomia, além de poder ser inoperacional – se a final nenhuma das partes ficar vencida – ou até atentar contra os princípios da causalidade e do proveito consagrados no art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, já que poderá levar a que as custas do recurso (no caso, na vertente de custas de parte dos Réus-Apelantes) tenham de ser suportadas por parte(s) que não lhe deram causa, nem retiraram qualquer proveito do mesmo.
Assim, pese embora me pareça que alguns dos argumentos desenvolvidos pelo Senhor Juiz Conselheiro Salvador da Costa nos diferentes comentários que produziu sobre esta temática (publicados em https://blogippc.blogspot.com) possam não ter aqui relevância prática, entendo que devem ser transpostas as suas considerações a respeito da condenação da “parte vencida a final” no pagamento das custas do recurso, merecendo destaque, além dos citados no acórdão, os seguintes (de que passo a citar, por facilidade, as passagens mais pertinentes):
- “Brevíssima nota sobre a responsabilidade relativa ao pagamento de custas processuais nos recursos”, publicado a 02-06-2017, com o seguinte teor:
“1. Foi objeto de publicação no Blog do IPPC, no dia 2017.06.01 (Jurisprudência (632)), o Acórdão da Relação do Porto, datado de 2017.02.13, proferido no recurso n.º 232/16.OTMTS.P1.
O efeito do referido recurso foi o de revogação da sentença proferida pelo tribunal de primeira instância que absolveu os réus da instância, e o do prolongamento do processo naquele tribunal para a pertinente decisão de facto e de direito.
Na parte final daquele Acórdão, quanto às custas, expressa-se serem da responsabilidade do vencido ou dos vencidos a final na proporção resultante dessa decisão.
É sobre este último segmento normativo que nos propomos formular um brevíssimo comentário.
2. Os recursos estão autonomamente sujeitos a custas, conforme resulta, por exemplo, do disposto nos artigos 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais.
Em conformidade, a lei estabelece que, no final do acórdão, o coletivo dos juízes condena os responsáveis pelas custas processuais no seu pagamento, indicando a proporção dessa responsabilidade (artigos 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, do CPC).
A regra geral em matéria de responsabilidade pelo pagamento das custas processuais em processos da área do processo civil está prevista no referido artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Decorre do seu n.º 1, no que concerne aos recursos, que, na respetiva decisão o tribunal deve condenar no pagamento de custas a parte que lhes deu causa, e, do seu n.º 2, entender-se dar causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for.
Porque a lei não distingue e não há razões de sistema que impliquem a distinção, o segmento “parte vencida” abrange aquela que decaiu por razões de mérito, bem como a que decaiu por razões de forma. 
Acresce que se não conhece no ordenamento relativo a custas processuais alguma norma que, em situações como a que é objecto do acórdão, responsabilize a parte vencida a final pelo pagamento das custas relativas ao recurso de decisão interlocutória.
Nesta perspetiva, porque os apelados ficaram vencidos por virtude da revogação da sentença recorrida que os absolveu da instância, propendemos a considerar serem eles os responsáveis pelo pagamento das custas relativas ao recurso, e não o vencido ou os vencidos a final.”
- “Algumas Questões sobre Custas Processuais, Comentário sobre o segmento decisório relativo a custas processuais do acórdão da Relação de Coimbra de 17.10.2017”, comentário publicado a 16-02-2018, em que refere:
«A instância de recurso assume autonomia em relação à própria acção para efeito de aplicação do regime de custas, como se fosse um processo autónomo, conforme decorre do disposto no n.º 2 do artigo 1.º do Regulamento das Custas Processuais e do n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Decorre do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, por um lado, que decisão que julgue o recurso condena no pagamento de custas a parte que a elas tiver dado causa, e que se entende dar causa às custas a parte vencida na proporção em que o for.
Trata-se de normas motivadas pelo princípio da causalidade, em que um nexo objectivo liga a conduta de quem acciona ou é accionado, ou de ambos os litigantes, à lide envolvente, sendo a condição de vencido que determina a condenação no pagamento de custas.
A condição de vencido, a que se reporta o n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, não pressupõe que o vencimento ou o decaimento das partes se reporte ao mérito da causa, certo que ocorre a mesma solução de direito se o seu vencimento ou decaimento se referir a questões de forma, como aconteceu no caso vertente, em que a embargada - exequente na acção executiva e recorrida no recurso de apelação – neste decaiu por razões de forma.
Impunha-se, por isso, à Relação, ao abrigo do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, a condenação da recorrida, vencida no recurso, no pagamento das custas respectivas, e não proferir condenação da parte vencida a final no procedimento de embargos de executado, em quadro de indeterminação subjectiva, no pagamento de custas.
Com efeito, ao invés do que ocorria no anterior sistema de custas processuais, concretizado no Código das Custas Judiciais de 1996 e no Código de Processo Civil de 1961 Revisto, o actual, decorrente do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e do Código de Processo Civil de 2013, não o permite.
Como já dito, ao abrigo do disposto nos artigos 529.º, n.º 2, e 530.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o segmento condenatório da parte vencida a final no pagamento das custas do recurso não envolve a taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo pagamento não assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, certo que se baseia no impulso processual a que já se fez referência.
No caso, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, a embargante e recorrente, e a embargada e recorrida, cumpriram a sua obrigação de pagamento da taxa de justiça do recurso, a primeira previamente à apresentação do respectivo requerimento em juízo, e a última previamente à apresentação do seu instrumento de contra-alegação.
No que concerne aos encargos, considerando o objecto do recurso de apelação em causa e a envolvência da sua tramitação, o último não envolveu diligências susceptíveis de gerar despesa que na condenação no pagamento de custas possa figurar a título de encargos.
Por exclusão de partes, o conceito de custas utilizado pela Relação no mencionado segmento condenatório só é susceptível de se reportar à vertente de custas de parte acima referida, abrangente daquilo que a recorrente pagou a título de taxa de justiça e de honorários ao seu mandatário judicial, quanto a estes, com limites, nos termos do artigo 26.º, n.º 3, alíneas a) e c), do Regulamento das Custas Processuais.
Em suma: na sequência de sintética e abrangente motivação de facto e de direito, o segmento condenatório devia expressar: “Condeno a recorrida A no pagamento das custas relativas ao recurso, apenas na vertente de custas de parte, relativas à taxa de justiça e aos honorários por ela pagos ao seu mandatário judicial, nos termos do artigo 26.º, n.ºs 3, alínea alíneas a) e c), e 5, do Regulamento das Custas Processuais.”»;
- “A taxa de justiça e as custas em sentido estrito devidas no recurso de apelação cujo efeito seja anulação da decisão recorrida e o prosseguimento do processo no tribunal da 1.ª instância Acórdão da Relação do Porto de 7.10.2019” (Jurisprudência 2019 (196)), em que afirma designadamente que:
“Face ao disposto nos artigos 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, incumbia à Relação a condenação no pagamento das custas do recurso da parte que para o efeito considerasse responsável, independentemente do que a final viesse a ser decidido. Mas assim não procedeu, optando pela condenação da parte vencida a final no respetivo pagamento, porventura porque anulou a decisão recorrida com a consequência de o processo continuar, quanto a alguns dos seus termos, no tribunal recorrido.
Todavia, o referido resultado da decisão do recurso não podia servir de fundamento legal ao que foi decidido pela Relação quanto às custas, porque o atual sistema que as envolve, implementado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, o não permite.
Aliás, se o nosso sistema de custas permitisse esse tipo de definição da responsabilidade pelo pagamento das custas do recurso, teríamos a situação anómala de condenação atual de uma pessoa a determinar no futuro, em quadro de incerteza sobre essa determinação. Em suma, a condenação pela Relação da parte vencida a final no pagamento das custas do recurso não tem fundamento legal.
(…) Com base no exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
(…) 5.ª – Uma vez que no recurso não há parte vencida, apesar do seu provimento, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas que haja, por dele ter obtido proveito ou vantagem.
6.ª - Como o recurso não envolveu diligências geradoras de despesas, não havia fundamento legal para a condenação do recorrente no pagamento de encargos.
7.ª – Visto que o recorrente é o responsável pelo pagamento das custas do recurso, não tem direito a custas de parte, em qualquer das suas vertentes, no confronto de outrem.
8.ª - O recurso, dada a respetiva dinâmica, não comportava o pagamento de custas em sentido estrito.”
- e, por último, “Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/4/2020 (Jurisprudência 2020 (77))”, referindo designadamente:
«Trata-se de um recurso de uma decisão interlocutória proferida pelo juiz da primeira instância, julgado procedente pela Relação, que não condena o recorrido nem o recorrente no pagamento das custas respetivas, relegando para final da ação a responsabilidade pelo pagamento das custas em função do respetivo decaimento.
(…) Porventura, a Relação considerou para o efeito o facto de se tratar do recurso de uma decisão que, indeferindo o requerimento probatório do autor, não conheceu do respetivo mérito, ou seja, por se tratar de uma decisão “de forma”.
Todavia, o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil é aplicável, não só aos recursos de decisões de mérito, como também aos recursos de decisões de forma lato sensu.
No regime de custas de pretérito, para casos como o que aqui está em análise, a que correspondia o recurso de agravo, havia uma isenção subjetiva de custas dos agravados.
Com efeito, o normativo da alínea g) do n.º 1 do Código das Custas Judiciais estabelecia, em relação aos agravados, que não tendo dado causa ou expressamente aderido às decisões recorridas, as não acompanhassem, beneficiavam, nos recursos de agravo, de isenção de custas.
Acontece que no regime atual do recurso de apelação inexiste norma desse tipo.
A matriz da responsabilidade das partes pelo pagamento das custas em sentido estrito relativas às ações e aos recursos consta no artigo 527.º do mencionado Código, que se baseia nos critérios da causalidade e do proveito.
É manifesto que o referido artigo não comporta o segmento relativo à responsabilidade pelo pagamento das custas que constitui o objeto do acórdão da Relação ora em análise.
Aliás, se o nosso sistema de custas permitisse esse tipo de definição da responsabilidade pelo pagamento das custas do recurso, teríamos a anómala situação de condenação atual de uma entidade a determinar no futuro, em manifesto quadro de incerteza sobre essa determinação.
Em suma, a condenação pela Relação no pagamento de custas do recurso na proporção do decaimento a apurar a final não tem fundamento legal, antes contraria o que a propósito resulta da lei aplicável.»
Na jurisprudência, abundam as decisões no sentido que ora se defende, algumas com formulação menos precisa (por ex. “Sem custas, por não serem devidas”), mas quase sempre compreensível e com idêntico resultado prático, considerando que a restituição de taxa de justiça não tem lugar (a menos que expressamente determinada), parecendo oportuno lembrar, a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2014, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 14 de abril de 2014, que fixou jurisprudência do seguinte teor: “Sendo proferida decisão favorável ao recorrente em recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não há lugar à restituição da taxa de justiça, paga nos termos do artigo 8.º, n.ºs 7 e 8, do Regulamento das Custas Processuais.” Com interesse para o caso, veja-se ainda o acórdão da Relação de Coimbra de 17-10-2018, no proc. n.º 128/15.2T9CDN.C2, e o acórdão da Relação de Coimbra de 10-05-2022, no proc. n.º 1295/16.3T8GRD-A.C1, merecendo especial destaque o acórdão do STJ de 06-10-2021, proferido no proc. n.º 1391/18.2T8CSC.L1.S1, em cujo sumário se afirma que: “Para efeitos de custas, cada recurso passou, pelo RCP (art. 1.º/2), a ser considerado como um "processo autónomo", pelo que, quando é proferido acórdão, tem, em função do que no recurso ocorreu, que ser decidida, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das respetivas custas, ou seja, tem que se proceder à definitiva aplicação do art. 527.º do CPC e proceder - aplicando o princípio da causalidade ou o princípio do proveito - à condenação respeitante às custas do recurso (e não relegá-la para final).”
Em suma: no presente recurso, dada a respetiva dinâmica, considerando que não há parte(s) vencida(s) e só os Réus-Apelantes do mesmo retiraram proveito ou vantagem, já tendo efetuado o pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual, não há lugar a condenação no pagamento de custas em sentido estrito (ou seja, custas de parte e encargos). Repete-se que tal não se trata de uma isenção de custas, já que foi paga pelos Apelantes a taxa de justiça devida pela interposição do recurso, importância que não irão reaver, porque não têm direito a custas de parte, sendo eles os responsáveis pelas custas do recurso, não sendo caso para os condenar no pagamento das custas, na vertente de custas de parte e/ou encargos.

Laurinda Gemas