Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25261/11.6T2SNT-D.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: RECTIFICAÇÃO DE SENTENÇA
DIREITO DE RETENÇÃO
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: A rectificação da sentença deve ser sempre requerida ao órgão que proferiu a decisão onde teve lugar a omissão, erro ou inexactidão.
Visto que a sociedade credora reclamante não é um consumidor, não goza do direito de retenção consagrado nos art. 754º nº 1 al. f) e 759º do Código Civil para garantia do seu crédito reconhecido nos autos de insolvência da devedora.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


No apenso de reclamação e graduação de créditos referente à insolvente R... Lda, foi proferida sentença em que se decidiu:

«A) Absolver da instância de impugnação a impugnada A..., Lda. na parte relativa ao reconhecimento dos direitos de crédito e de retenção sobre os imóveis a que respeitam as verbas 8 e 9 do auto de apreensão.
B) Julgar reconhecido o crédito reclamado por A... Lda., no montante de € 280.000,00 de capital, acrescida da quantia de € 2.362,74, de juros de mora liquidados desde 08.01.2010 até à data da entrada da execução, em 26.03.2010.
C) Julgar não reconhecido o direito de retenção invocado pelo reclamante A..., Lda. relativamente aos imóveis a que respeitam as verbas 5 e 6 do auto de apreensão, em consequência qualificando como comum o crédito no montante global de € 159.348,00, proveniente do incumprimento das respectivas promessas de venda.
D) Consignar que o direito de retenção de que beneficia A... Lda. relativamente aos imóveis a que respeitam as verbas 8 e 9 do auto de apreensão, garante o pagamento da quantia de € 60.326,00, relativamente a cada um dos referidos imóveis.

E) Graduar os créditos reconhecidos nos seguintes termos:
1. Pelo produto da venda do veículo automóvel a que respeita a verba 1 do auto de apreensão, bem assim como de outros bens móveis ou direitos eventualmente apreendidos dar-se-á pagamento pela ordem seguinte:
1.º-Caixa ..., até ao montante de € 51.000,00 (cinquenta e um mil euros);
2.º-Os créditos comuns, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes;
2. Pelo produto da venda do imóvel a que respeita a verba 2 do auto de apreensão dar-se-á pagamento pela ordem seguinte:
1.º-Autoridade Tributária, pelos montantes de IMI que corresponderem ao referido imóvel, de acordo com a especificação apresentada pelo Ministério Público em 25.11.2016, a fls. 197/198 do processo em papel.
2.º-Banco ...
3.º-Os créditos comuns, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes;
3. Pelo produto da venda dos imóveis a que respeitam as verbas 3, 4, 5, 6 e 7 do auto de apreensão dar-se-á pagamento pela ordem seguinte:
1.º-Autoridade Tributária, pelos montantes de IMI que corresponderem a cada um dos referidos imóveis, de acordo com a especificação apresentada pelo Ministério Público em 25.11.2016, a fls. 197/198 do processo em papel.
2.º-Caixa ....
3.º-Os créditos comuns, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes;
4. Pelo produto da venda dos imóveis a que respeitam as verbas 8 e 9 do auto de apreensão dar-se-á pagamento pela ordem seguinte:
1.º-Autoridade Tributária, pelos montantes de IMI que corresponderem a cada um dos referidos imóveis, de acordo com a especificação apresentada pelo Ministério Público em 25.11.2016, a fls. 197/198 do processo em papel.
2.º-A... Lda., até ao montante de € 60.326,00 de capital, acrescido dos juros correspondentemente liquidados, relativamente a cada um dos dois imóveis.
3.º-Banco ...
4.º-Os créditos comuns, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes;».

Inconformados, apelaram A..., Lda e Banco ....
- Apelação de A..., Lda -
Terminou a apelante a alegação com as seguintes conclusões:
A– Como questão prévia, constata-se que a douta sentença a quo seguiu um raciocínio correcto para obter os valores que consigna nas alíneas C) e D) do seu ponto 5, mas que, a final, levam a um resultado errado, aparentemente, fruto de um erro de cálculo (assim, em vez de 159.348,00 € deverá considerar-se 153.644,00 € e, em vez de 60.362,00 € x 2 = a 120.724,00 €, deverá considerar-se 63.186,00 € x 2 = a 126.336,00 €).
Quanto aos restantes fundamentos:
1 O presente recurso vem interposto da douta decisão a quo, na parte que julgou não reconhecido o direito de retenção invocado, pelo, ora, recorrente, relativamente aos imóveis que respeitam as verbas 5 e 6 do auto de apreensão, qualificando, assim, como comum o crédito no montante global de 159.348,00 € (cento e cinquenta e nove mil trezentos e quarenta e oito euros), proveniente do incumprimento das respectivas promessas de venda.
2– Tal decisão assenta na doutrina do “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014, publicado no D.R. 1.ª série de 19.05.2014, que uniformizou jurisprudência no sentido de que apenas o promitente- comprador que assuma a qualidade de consumidor, está abrangido pela previsão da norma”.
3– “Ficando assim demonstrado que, para os efeitos do disposto no art.º nº 755º, nº 1, al. f), do CC, não assume a qualidade de consumidor”.
4– “Constituindo a qualidade de consumidor pressuposto do direito de retenção consagrado no art.º 755º, nº 1, al. f), do Código Civil, por falta do referido pressuposto, conclui-se pela não verificação de qualquer direito de retenção, relativamente ao credor impugnante”.
5– “Relativamente ao impugnante Montepio Geral, o crédito reconhecido será assim de qualificar como comum”.
6– A, ora, recorrente discorda da aplicabilidade no caso sub judice, da doutrina firmada no referido Acórdão.
7– Desde logo, porque tal doutrina, atentas as opiniões que suscita (traduzidas, desde logo, em votos de vencido de Insignes Juízes Conselheiros), deverá ser, sempre, alvo de redobrada ponderação na sua aplicação.
8– Devendo, considerar-se, nomeadamente, que em casos como os dos autos, não deverá penalizar-se o promitente-comprador, em virtude de uma via interpretativa de uma norma, que surgiu muito após a concretização da materialidade que, de acordo com o estatuído no Código Civil, lhe concederia a tutela retentória (que era conditio sine qua non para a concretização do negócio) e, mesmo, significativamente, após a sua invocação em Juízo.
9– Aplicando-se, assim, o estatuído na alínea f) do nº 1 do artigo nº 755º do CC, sem a restrição derivada da jurisprudência firmada no Acórdão nº 4/2014.
In casu,
10– A ora recorrente celebrou os contratos-promessa em causa, em Maio de 2008.
11– Os contratos foram incumpridos definitivamente pela promitente vendedora e insolvente Rijoduto, no mesmo ano.
12– Por sentença transitada em julgado em Fevereiro de 2010, foi reconhecido tal incumprimento, traduzido na condenação do promitente vendedor no pagamento de 280.000,00 € e na declaração do direito de retenção sobre os imóveis, objecto dos contratos.
13– Em 6 de Março de 2012 e na sequência da declaração de insolvência foram reclamados os créditos, no âmbito do presente processo de insolvência.
14– Em 19/05/2014 é publicado no Diário da República, o Acórdão Uniformizador nº 4/2014, que fixa jurisprudência no sentido de restringir, em determinado enquadramento fáctico, o acesso ao direito de retenção a quem, para lá de promitente-comprador, tenha a qualidade de consumidor.
15– Factos pelos quais, atenta a sua cronologia, não deverá a, ora recorrente, ser penalizada, tendo em conta a imprevisibilidade de factos novos que poderiam, em tese, cercear o seu direito e que, a serem conhecidos, seriam condição essencial para não celebrar os negócios.
16– Ou, quanto muito, para os celebrar, noutros termos.
17– A admitir-se a aplicabilidade de um Acórdão Uniformizador, com tais pressupostos, colocar-se-iam em causa, princípios de segurança e estabilidade, constitucionalmente consagrados.
Por outro lado,
18– Mesmo admitindo, em mera tese, a irrelevância da violação do princípio de segurança e estabilidade jurídica, sempre o Acórdão Uniformizador não tem aplicação aos factos constantes dos presentes autos.
Assim,
19– O Acórdão Uniformizador fixou jurisprudência no sentido que “no âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído na alínea f), nº 1, do artigo 755º do Código Civil”.
Ora,
20– In casu, à data da declaração de insolvência da Rijoduto (promitente-vendedora) há muitos anos que se encontravam incumpridos definitivamente, resolvidos e, mesmo, objecto de reconhecimento judicial, os contratos-promessa, objecto dos autos.
21– O âmbito de aplicação do referido Acórdão Uniformizador limita-se às situações em que o incumprimento só se veio a verificar por parte do Administrador de Insolvência e não estavam declarados nos autos.
Pelo que,
22– “Se for provada a existência de uma resolução do contrato-promessa, mesmo que ilícita, anterior à declaração de insolvência, o promitente-comprador terá direito de retenção, nos termos dos artigos 755.º n.º1 alínea f) e 442.º do Código Civil, quer seja, quer não seja consumidor, não se aplicando o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014.”
23– O que se verifica, no caso sub judice.
24– Razões pelas quais, sempre deverá ser reconhecido o direito de retenção no que respeita aos imóveis designados pelas verbas 5 e 6, nos termos do artigo nº 755º, nº 1, alínea f) e artigo 442º, ambos do CC, não se aplicando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2014 e qualificando o referido crédito de 159.348,00 € (153.664,00 € depois de corrigido) como garantido, graduando-se e preferindo-se o mesmo, em relação ao do credor impugnante Caixa ....
Por outro lado,
25– Atento o teor do nº 1 do artigo 805º e nº 1 do artigo 806º do CC, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia de constituição em mora.
26– E nos termos do artigo 829º-A do CC “quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.
27– In casu, a notificação da sentença em que a sociedade insolvente foi condenada a pagar 280.000,00 € à, ora, recorrente, data de 08/01/2010.
28– Como tal, reconhecido o crédito correspondente ao montante condenatório de 280.000,00 €, deverá acrescer a tal valor a totalidade de juros de mora, vencidos desde 08/01/210 até integral pagamento e não apenas até 26/03/2010 e os compulsórios, para o mesmo período, à taxa de 2,5% (nº 3 e 4 do artigo 829º-A do CC).
29– Acrescendo-se, na proporção, o montante dos referidos juros, nos valores reconhecidos nas alíneas C) e D) do ponto 5, da douta decisão, e graduando-os como créditos garantidos, atenta a alínea b) do artigo 48º do CIRE, até ao valor dos imóveis (344.132,00 €).
30– Em resumo, a douta sentença a quo, na parte, ora, objecto de recurso, viola, nomeadamente, a alínea f) do nº 1, do artigo nº 755º, o artigo nº 442º, o nº 1 do artigo 805º, o nº 1 do artigo 806º e o artigo 829º A, todos do CC.
Termos em que, com os mais de Direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V.Exas., deverá a decisão do Tribunal de Primeira Instância, na parte, ora, objecto de recurso, ser alterada como propugnado, e assim, no que tange às alíneas alvo dessa alteração:
(…)
B) Julgar reconhecido o crédito reclamado por A..., Lda., no montante de € 280.000,00 de capital, acrescido da quantia de € 2.362,74, de juros de mora liquidados desde 08.01.2010 até à data da entrada da execução, em 26.03.2010 e os que se vencerem até integral pagamento e juros compulsórios (2,5%), dentro do mesmo período temporal.
C) Julgar reconhecido o direito de retenção invocado pelo reclamante A... Lda. relativamente aos imóveis a que respeitam as verbas 5 e 6 do auto de apreensão, em consequência qualificando como garantido o crédito no montante global de € 153.664,00, proveniente do incumprimento das respectivas promessas de venda.
D) Consignar que o direito de retenção de que beneficia A... Lda. relativamente aos imóveis a que respeitam as verbas 8 e 9 do auto de apreensão, garante o pagamento da quantia de € 63.186,00, relativamente a cada um dos referidos imóveis (€ 126.336,00).
E) Graduar os créditos reconhecidos nos seguintes termos:
1.- (…)
2.- (...)
3.- Pelo produto da venda dos imóveis a que respeitam as verbas 5 e 6 do auto de apreensão dar-se-á pagamento pela ordem seguinte:
1. Autoridade Tributária pelos montantes de IMI que corresponderem ao referido imóvel, de acordo com a especificação apresentada pelo Ministério Público em 25.11.2016, a fls. 197/198 do processo em papel;
2. A..., Lda., até ao montante de € 153.664,00 € de capital, acrescido dos juros liquidados, conforme fixado em B), até ao valor global das respectivas fracções (€ 207.550,00);
3. Caixa ...;
4. Os créditos comuns, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes.”
4. Pelo produto da venda dos imóveis a que respeitam as verbas 8 e 9 do auto de apreensão dar-se-á pagamento pela ordem seguinte:
1.º- Autoridade Tributária, pelos montantes de IMI que corresponderem a cada um dos referidos imóveis, de acordo com a especificação apresentada pelo Ministério Público em 25.11.2016, a fls. 197/198 do processo em papel.
2.º- A..., Lda., até ao montante de € 126.336,00 de capital, acrescido dos juros liquidados, conforme fixado em B), até ao valor global das respectivas fracções (€ 136.582,00).
3.º- Banco ...
4.º- Os créditos comuns, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes.

Contra-alegou A ... Limited, na qualidade de credora reclamante habilitada, por lhe ter sido cedido o crédito da Caixa ... , defendendo a confirmação do julgado.

Apelação do Banco ...
Terminou o apelante a alegação com as seguintes conclusões:
I A sentença que reconheceu o direito de retenção ao Apelado não constitui caso julgado face ao Apelante: O Novo Banco não foi demandado nem teve qualquer intervenção nos autos principais pelo que a sentença que reconheceu o direito de retenção Recorridos é-lhe inoponível.
IIO Recorrente é um terceiro juridicamente interessado porquanto a sentença proferida nos autos principais traz-lhe, além de um gravoso prejuízo económico, um verdadeiro prejuízo jurídico ao esvaziar a consistência jurídica da hipoteca consagrada pelo artigo 686º do Código Civil.
IIIO conteúdo do direito do credor hipotecário é completamente reduzido uma vez que a sua posição é incompatível com o direito de retenção: caso o produto da venda do imóvel não seja suficiente para satisfazer ambos os créditos, só um deles será ressarcido, ficando o Recorrente numa posição idêntica à dos credores comuns, não obstante munido de um garantia hipotecária.
IVA inoponibilidade da sentença implicava, assim, por si só, a impossibilidade do crédito dos Recorridos ser graduado com preferência sobre o crédito hipotecário.
VO argumento do Tribunal a quo para reconhecer o direito de retenção ao Apelado não encontra cabimento da jurisprudência e na doutrina.
VIO facto de o Recorrente não ter impugnado os alegados direitos de retenção sobre as fracções C e D sobre as quais tem hipoteca constituída, não impede que o Juiz verifique da sua efectiva existência.
VIIDo art. 130º nº 3, do CIRE colhe-se que na ausência de impugnação de créditos constantes da lista apresentada pelo Administrador da Insolvência, nos termos do art. 129º do CIRE, não impede o Juiz de exercer um controle sobre a respectiva legalidade, não apenas formal mas substantiva.
VIIIO conceito indeterminado “erro manifesto” tem latitude e elasticidade para conferir ao juiz, o poder-dever de analisar a lista elaborada em cumprimento do art. 129º, nºs 1 a 3, e não a homologar ao abrigo do nº do art. 130º do CIRE. O conceito deve ser interpretado de forma ampla.
IXSe é verdade que no Preâmbulo do Decreto-lei 53/2004, de 18.3, que aprovou o CIRE, se enfatiza a desjudicialização do processo como corolário da “supremacia dos credores no processo de insolvência” e da larga autonomia de que gozam no concernente à liquidação ou à recuperação da insolvente como meio de assegurar o pagamento dos seus créditos, também no ponto 11 se refere que - A desjudicialização parcial acima descrita não envolve diminuição dos poderes que ao juiz devem caber no âmbito da sua competência própria: afirma­-se expressamente, no artigo 11º do diploma, a vigência no processo de insolvência do princípio do inquisitório, que permite ao juiz fundar a decisão em factos que não tenham sido alegados pelas partes.”.
XNão existindo impugnações, nem por isso o julgador está dispensado de examinar a lista elaborada pelo AI., justamente para averiguar se existe nela algum erro patente, ostensivo, que implique, oficiosamente, a não homologação.
XIDeve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto, não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite (cfr. João Labareda, O Novo Código da Insolvência, loc. cit, págs. 46 e 47; vd, também, Fátima Reis Silva, Algumas Questões Processuais no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ibidem, págs. 76-77).
XIIFace ao exposto, deve a qualificação do crédito do Recorrido A..., Lda., no valor de € 60.320,00, ser alterada para comum e, consequentemente, ser o mesmo graduado depois do crédito hipotecário do Recorrente que, nessa medida, deverá ser pago à sua frente pelo valor dos imóveis apreendidos melhor identificados nos factos provados sob o nº. 1 (verbas 8 e 9) da sentença recorrida - revogando-se nesta parte a sentença recorrida
Nestes termos,
Deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, na parte em que considerou o crédito dos recorridos como privilegiado porque emergente de direito de retenção e, consequentemente, graduou este crédito com primazia sobre o crédito do Recorrente, com todas as consequências legais.

Contra-alegou a apelada A..., Lda, e requereu a ampliação do âmbito do recurso, formulando, no que a este requerimento respeita, as seguintes conclusões (e seguindo a numeração original):
16– Ainda que as razões supra indicadas não merecessem provimento, sempre a pretensão do Recorrente teria que improceder, face à desajustada interpretação que foi efectuada pela sentença a quo, do Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2014, de 19.05.14, com base no que, se requer a ampliação do âmbito do presente recurso (artigo 636º CPC).
É que,
17– No âmbito dos presentes autos, julgou-se não reconhecido o direito de retenção invocado, pela, ora, Recorrida, relativamente aos imóveis que respeitam as verbas 5 e 6 do auto de apreensão, qualificando, assim, como comum o crédito no montante global de 159.348,00 € (cento e cinquenta e nove mil trezentos e quarenta e oito euros), proveniente do incumprimento das respectivas promessas de venda.
18– Tal decisão assentou na doutrina do “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014, publicado no D.R. 1.ª série de 19.05.2014, que uniformizou jurisprudência no sentido de que apenas o promitente-comprador que assuma a qualidade de consumidor, está abrangido pela previsão da norma”.
19 “Ficando assim demonstrado que, para os efeitos do disposto no art.º nº 755º, nº 1, al. f), do CC, não assume a qualidade de consumidor”.
20 “Constituindo a qualidade de consumidor pressuposto do direito de retenção consagrado no art.º 755º, nº 1, al. f), do Código Civil, por falta do referido pressuposto, conclui-se pela não verificação de qualquer direito de retenção, relativamente ao credor impugnante”.
21 “Relativamente ao impugnante Montepio Geral, o crédito reconhecido será assim de qualificar como comum”.
22 A, ora, Recorrida discorda da aplicabilidade no caso sub judice, da doutrina firmada no referido Acórdão.
23 Desde logo, porque tal doutrina, atentas as opiniões que suscita (traduzidas, desde logo, em votos de vencido de Insignes Juízes Conselheiros), deverá ser, sempre, alvo de redobrada ponderação na sua aplicação.
24 Devendo, considerar-se, nomeadamente, que em casos como os dos autos, não deverá penalizar-se o promitente-comprador, em virtude de uma via interpretativa de uma norma, que surgiu muito após a concretização da materialidade que, de acordo com o estatuído no Código Civil, lhe concederia a tutela retentória (que era conditio sine qua non para a concretização do negócio) e, mesmo, significativamente, após a sua invocação em Juízo.
25 Aplicando-se, assim, nesses casos, o estatuído na alínea f) do nº 1 do artigo nº 755º do CC, sem a restrição derivada da jurisprudência firmada no Acórdão nº 4/2014.
In casu e como consta da sentença junta aos autos,
26 A, ora, Recorrida celebrou os contratos-promessa em causa, em Maio de 2008.
27 Os contratos foram incumpridos definitivamente pela promitente vendedora e insolvente R..., no mesmo ano.
28 Por sentença transitada em julgado em Fevereiro de 2010, foi reconhecido tal incumprimento, traduzido na condenação do promitente vendedor no pagamento de 280.000,00 € e na declaração do direito de retenção sobre os imóveis, objecto dos contratos.
29 Em 6 de Março de 2012 e na sequência da declaração de insolvência foram reclamados os créditos, no âmbito do presente processo de insolvência.
30 Em 19/05/2014 é publicado no Diário da República, o Acórdão Uniformizador nº 4/2014, que fixa jurisprudência no sentido de restringir, em determinado enquadramento fáctico, o acesso ao direito de retenção a quem, para lá de promitente-comprador, tenha a qualidade de consumidor.
31 Factos pelos quais, atenta a sua cronologia, não deverá a, ora Recorrida, ser penalizada, tendo em conta a imprevisibilidade de factos novos que poderiam, em tese, cercear o seu direito e que, a serem conhecidos, seriam condição essencial para não celebrar os negócios.
32 Ou, quanto muito, para os celebrar, noutros termos.
33 A admitir-se a aplicabilidade de um Acórdão Uniformizador, com tais pressupostos, colocar-se-iam em causa, princípios de segurança e estabilidade, constitucionalmente consagrados.
Por outro lado,
34 Mesmo admitindo, em mera tese, a irrelevância da violação do princípio de segurança e estabilidade jurídica, sempre o Acórdão Uniformizador não tem aplicação aos factos constantes dos presentes autos.
Assim,
35 O Acórdão Uniformizador fixou jurisprudência no sentido que “no âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência goza do direito de retenção nos termos do estatuído na alínea f), nº 1, do artigo 755º do Código Civil”. (o sublinhado é nosso)
Ora,
36 In casu, à data da declaração de insolvência da Rijoduto (promitente-vendedora) há muitos anos que se encontravam incumpridos definitivamente, resolvidos e, mesmo, objecto de reconhecimento judicial, os contratos-promessa, objecto dos autos.
37 O âmbito de aplicação do referido Acórdão Uniformizador limita-se às situações em que o incumprimento só se veio a verificar por parte do Administrador de Insolvência e não estavam declarados nos autos.
Pelo que,
38 “Se for provada a existência de uma resolução do contrato-promessa, mesmo que ilícita, anterior à declaração de insolvência, o promitente-comprador terá direito de retenção, nos termos dos artigos 755º n.º1 alínea f) e 442.º do Código Civil, quer seja, quer não seja consumidor, não se aplicando o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014.”
39 O que se verifica, no caso sub judice.
40 Razões pelas quais, - mesmo a admitir, hipoteticamente, a procedência das razões avançadas pelo Recorrente - sempre deverá ser reconhecido o direito de retenção no que respeita aos imóveis designados pelas verbas 8 e 9, nos termos do artigo nº 755º, nº 1, alínea f) e artigo 442º, ambos do CC, não se aplicando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2014 e qualificando o respectivo crédito de 60.326,00 €, por cada fracção, como garantido, graduando-se e preferindo-se o mesmo, em relação ao do credor Banco ...
Termos em que e por tudo o mais que V. Exas. suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, seja pelos fundamentos constantes da sentença a quo, ou, subsidiariamente, caso se revele necessário, nos termos da ampliação do objecto do recurso requerida, confirmando-se, em qualquer caso, a decisão recorrida, no que tange à graduação dos créditos do Recorrente.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
a) na apelação da A..., Lda
- se deve ser rectificada a sentença recorrida
- se deve ser reconhecido que ao crédito da apelante A..., Lda no montante de 280.000 € devem acrescer juros de mora vencidos desde 08/01/2010 até integral pagamento e não apenas até 26/03/2010 e também juros compulsórios para o mesmo período temporal, à taxa de 2,5%
- se deve ser reconhecido que a apelante A..., Lda goza do direito de retenção sobre os imóveis designados pelas verbas 5 e 6 apreendidos para a massa insolvente para pagamento da quantia de 153.664 €
- se deve ser reconhecido que a apelante A..., Lda goza do direito de retenção sobre cada um dos imóveis designados pelas verbas 8 e 9 apreendidos para a massa insolvente para pagamento da quantia de 63.186 € quanto a cada um deles
b) na apelação do Banco ...
- se não deve ser reconhecido o direito de retenção à apelada A..., Lda sobre cada um dos imóveis designados sob as verbas 8 e 9 apreendidos para a massa insolvente para pagamento da quantia de 60.326 € quanto a cada um deles
c) se é admissível a ampliação do âmbito do recurso requerida pela A..., Lda na contra-alegação relativa ao recurso interposto pelo Banco ...

III Fundamentação.
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
1 Foram apreendidos para a massa insolvente de R... Ld.ª, entre outros, os seguintes, bens imóveis:
- Sob a verba 5 do auto de apreensão de 13.02.2012, fracção autónoma designada pela letra “F”, primeiro andar B, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o número 2749, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 5423, concelho e freguesia de Arruda dos Vinhos;
- Sob a verba 6 do auto de apreensão de 13.02.2012, fracção autónoma designada pela letra “G”, primeiro andar C, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o número 2749, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 5423, concelho e freguesia de Arruda dos Vinhos.
- Sob a verba 8 do auto de apreensão de 13.02.2012, fracção autónoma designada pela letra “C”, rés-do-chão C, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o número 2744, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 5422, concelho e freguesia de Arruda dos Vinhos;
- Sob a verba 9 do auto de apreensão de 13.02.2012, fracção autónoma designada pela letra “D”, primeiro andar A, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o número 2744, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 5422, concelho e freguesia de Arruda dos Vinhos;
2 À data da apreensão, incidiam sobre as fracções autónomas a que respeitam as verbas 5 e 6, duas hipotecas voluntárias a favor de Caixa ..., inscritas respectivamente pelas AP 6 de 27.12.2006 e 20 de 14.12.2007 e com os montantes máximos assegurados de € 804.562,50 e 255.000,00.
3 À data da apreensão, incidia sobre as fracções autónomas a que respeitam as verbas 8 e 9, hipoteca voluntária a favor de Banco ..., inscrita pela AP 6 de 24.04.2006, com o montante máximo assegurado de € 616.500,00.
4 Por documento datado de 21 de Maio de 2008, de que foi junta cópia em 17.05.2017 como doc. n.º 1 da resposta à impugnação (ref. Citius 3640056 do processo principal), a fls. 67 a 80 do processo em papel cujo teor se dá por reproduzido, denominado contrato-promessa de compra e venda, R... Ld.ª, representada por E... e R..., na qualidade de primeiro outorgante ou promitente vendedora e A... Ld.ª representada pelo sócio gerente I..., na qualidade de segunda outorgante ou promitente compradora, estabeleceram acordo, do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas:

“(…) PRIMEIRA
1. A primeira outorgante é dona e legítima possuidora dos seguintes prédios:
a)- prédio urbano denominado Quinta de Matos de Cima, Lote A – 2, situado em Arruda dos Vinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o número dois mil setecentos e quarenta e quatro da freguesia de Arruda dos Vinhos e inscrito na matriz sob o artigo 4646 da mesma freguesia, no qual se encontra construído um edifício composto por cave destinada a parqueamento com um total de doze lugares e dois pisos (rés-do-chão e primeiro andar) constituídos por três fogos cada, destinados a habitação;
b)- prédio urbano denominado Quinta de Matos de Cima, Lote B – 1, situado em Arruda dos Vinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o número dois mil setecentos e quarenta e nove da freguesia de Arruda dos Vinhos e inscrito na matriz sob o artigo 4651 da mesma freguesia, no qual se encontra construído um edifício composto por cave destinada a parqueamento com um total de dezassete lugares e dois pisos (rés-do-chão e primeiro andar) constituídos por quatro fogos cada, destinados a habitação.
2. Para os imóveis identificados no número anterior ainda não foi emitida pela Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos a devida licença de utilização, facto que ambas as outorgantes conhecem, comprometendo-se a sociedade vendedora a assegurar todas as diligências tendentes à emissão da licença em falta e, bem assim a suportar os inerentes custos.

SEGUNDA
Pelo presente contrato, a primeira outorgante promete vender à segunda e esta promete comprar-Ihe, para a destinar a revenda como é próprio do seu objecto social, as fracções que venham a corresponder ao primeiro andar A do Lote A 2 e ao primeiro andar B do Lote B 1, com a posição que resulta dos respectivos projectos de constituição de propriedade horizontal e hoje já perfeitamente autonomizadas. E assim identificadas no terreno, que ficam a constituir os ANEXOS I e II ao presente contrato e dele fazem parte integrante, livres de quaisquer ónus ou encargos.
TERCEIRA
1. O preço total acordado é de:
1.1.– € 55.500,00 (cinquenta e cinco mil e quinhentos euros) para o primeiro andar A do Lote A 2;
1.2. € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros) para o primeiro andar B do Lote B 1 e será pago da seguinte forma:
a)- € 70.000,00 (setenta mil euros) na data da assinatura do presente contrato através dos cheques n.º 9644949220 no montante de € 50.000,00 e no 9644949317 no valor de € 20.000,00, ambos sacados sobre a conta 45316566895 da titularidade da segunda outorgante, sedeada na agência da Quinta do Lambert do Millennium BCP, a título de sinal e princípio de pagamento, quantia esta que a primeira outorgante declara ter recebido e presta aqui a devida quitação;
b)- os restantes € 53.000,00 (cinquenta e três mil euros) na data da outorga da escritura de compra e venda.

QUARTA
Na data da assinatura do presente instrumento, os representantes da primeira outorgante entregam ao representante da segunda as chaves de ambos os fogos prometidos vender, tendo plena consciência de com tal acto formalizarem a tradição dos imóveis objecto desta promessa e, assim, reconhecendo o direito de retenção da segunda outorgante sobre os mesmos pelo crédito resultante do eventual não cumprimento do presente contrato imputável à primeira outorgante.

QUINTA
1. A escritura pública objecto do presente contrato será celebrada no prazo de 100 (cem) dias contados da data da assinatura do presente instrumento, competindo à segunda outorgante avisar os representantes da primeira outorgante do dia, hora e cartório notarial para a respectiva realização por carta registada expedida com a antecedência de 10 (dez) dias.
2. A primeira outorgante fornecerá ao representante da segunda toda a documentação relativa aos imóveis e à sua própria identificação que se mostre necessária para instrução do contrato venda, assegurando-lhe, ainda, informação actualizada e comprovada documentalmente do processo camarário tendente á emissão da licença de utilização e à posterior constituição dos edifícios em propriedade horizontal.

(…) OITAVA
Para todos os efeitos legais, as partes convencionam como seus domicílios os contantes do presente contrato (…)”
5 Por documento datado de 05 de Maio de 2008, de que foi junta cópia em 17.05.2017, como doc. n.º 2 da resposta à impugnação (ref. Citius 3640056 do processo principal), a fls. 81 a 85 do processo em papel cujo teor se dá por reproduzido, denominado contrato-promessa de compra e venda, R... Ld.ª, representada pelo procurador A... na qualidade de primeiro outorgante ou promitente vendedora e A... Ld.ª representada pelo sócio gerente I..., na qualidade de segunda outorgante ou promitente compradora, estabeleceram acordo, do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas:

“(…)PRIMEIRA
1. A primeira outorgante é dona e legítima possuidora dos seguintes prédios:
a)- prédio urbano denominado Quinta de Matos de Cima, Lote A – 2, situado em Arruda dos Vinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o número dois mil setecentos e quarenta e quatro da freguesia de Arruda dos Vinhos e inscrito na matriz sob o artigo 4646 da mesma freguesia, no qual se encontra construído um edifício composto por cave destinada a parqueamento com um total de doze lugares e dois pisos (rés-do-chão e primeiro andar) constituídos por três fogos cada, destinados a habitação;
b)- prédio urbano denominado Quinta de Matos de Cima, lote B – 1, situado em Arruda dos Vinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o número dois mil setecentos e quarenta e nove da freguesia de Arruda dos Vinhos e inscrito na matriz sob o artigo 4651 da mesma freguesia, no qual se encontra construído um edifício composto por cave destinada a parqueamento com um total de dezassete lugares e dois pisos (rés-do-chão e primeiro andar) constituídos por quatro fogos cada, destinados a habitação.
2. Para os imóveis identificados no número anterior ainda não foi emitida pela Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos a devida licença de utilização. Facto que ambas as outorgantes conhecem, comprometendo-se a sociedade vendedora a assegurar todas as diligências tendentes à emissão da licença em falta e, bem assim, a suportar os inerentes custos.

SEGUNDA
Pelo presente contrato, a primeira outorgante promete vender á segunda e esta promete comprar-lhe, para a destinar a revenda como é próprio do seu objecto social, as fracções que venham a corresponder ao rés-do-chão C A do Lote A 2 e ao primeiro andar C do Lote B 1, em regime de propriedade horizontal conforme consta nas escrituras públicas efectuadas em 28 de Maio de 2008 no cartório notarial de Lisboa de Dra. Ana Alice Ribeiro Gomes, que ficam a constituir os Anexos I e II ao presente contrato e dele fazem parte integrante, livres de quaisquer ónus ou encargos.

TERCEIRA
O preço total acordado é de:
1.1. € 55.500,00 (cinquenta e cinco mil e quinhentos euros) para o rés-do-chão C do Lote A 2;
1.2. € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros) para o primeiro andar C do Lote B1
e será pago da seguinte forma:
a)- € 70.000,00 (setenta mil euros) na data da assinatura do presente contrato através dos cheques N.º 9644949705 no montante de € 50.000,00 e no 9644949899 no valor de €20.000,00 sacados sobre a conta 45316566895 da titularidade da segunda outorgante, sedeada na agência da Quinta do Lambert do Millennium BCP, a titulo de sinal e principio de pagamento, quantia esta que a primeira outorgante declara ter recebido e presta aqui a devida quitação;
b)- os restantes € 53.000,00 (cinquenta e três mil euros) na data da outorga da escritura de compra e venda.

QUARTA
Na data da assinatura do presente instrumento, os representantes da primeira outorgante entregam ao representante da segunda as chaves de ambos os fogos prometidos vender, tendo plena consciência de com tal acto formalizarem a tradição dos imóveis objecto desta promessa e, assim, reconhecendo o direito de retenção da segunda outorgante sobre os mesmos pelo crédito resultante do eventual não cumprimento do presente contrato imputável à primeira outorgante.

QUINTA
1. A escritura pública objecto do presente contrato será celebrada no prazo de 90 (noventa) dias contados da data da assinatura do presente instrumento, competindo á segunda outorgante proceder à sua marcação e avisar os representantes da primeira outorgante do dia, hora e cartório notarial para a respectiva realização por carta registada expedida com a antecedência de 10 (dez) dias.
2. A primeira outorgante fornecerá ao representante da segunda toda a documentação relativa aos imóveis e à sua própria identificação que se mostre necessária para instrução do contrato definitivo de compra e venda, assegurando-lhe, ainda, informação actualizada e comprovada documentalmente do processo camarário tendente à emissão da licença de utilização e à posterior constituição dos edifícios em propriedade horizontal.

(…) OITAVA
Para todos os efeitos legais, as partes convencionam como seus domicílios os constantes do presente contrato (…)”
6 Nas datas das assinaturas dos documentos provados sob os n.ºs 4 e 5, a reclamante pagou as quantias especificadas nos documentos e recebeu da insolvente as chaves dos imóveis a que os mesmos respeitavam.
7 As escrituras de constituição da propriedade horizontal dos prédios a que respeitam os documentos provados sob os n.ºs 4 e 5 foram realizadas no dia 28.05.2008 e inscritas no registo predial no dia 06.06.2008.
8 Foram inscritas no registo predial, pelas Ap 5 de 08.07.2008 e Ap 1 de 09.07.2008, as aquisições provisórias a favor da reclamante, dos imóveis a que respeitam, respectivamente, as verbas 5 e 9 e 6 e 8 do auto de apreensão.
9 A reclamante enviou à insolvente, que recebeu, em 21 de Julho de 2008, a carta de que foi junta cópia em 17.05.2017, como doc. n.º 6 da resposta à impugnação (ref. Citius 3640056 do processo principal), a fls. 117 a 119 do processo em papel, cujo teor se dá por reproduzido, da qual consta, além do mais o seguinte, com referência ao imóveis a que respeitam as verbas 6 e 8 do auto de apreensão: “(…) Vimos por este meio, notificar a V. Exas. de que a escritura de compra e venda dos andares realizar-se-á no próximo dia 4 de Agosto de 2008, pelas 14 horas no Cartório Notarial de Odivelas de Catarina Silva, sito na Rua Alfredo Roque Gameiro, 20 A, 2675-278 Odivelas. Desde já solicito toda a documentação relativa aos imóveis e à sua própria identificação que se mostre necessário para instrução do contexto definitivo de compra e venda.”.
10 A insolvente respondeu à reclamante por carta datada de 30 de Julho de 2008, de que foi junta cópia em 17.05.2017, como doc. n.º 8 da resposta à impugnação (ref. Citius 3640056 do processo principal), a fls. 120 do processo em papel, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual se declara, além do mais o seguinte: “Vimos por este meio informar V. Exas. que de momento ainda não possuímos toda a documentação necessária para a realização da escritura na data que os senhores nos indicaram. Informamos que teremos tudo pronto para realizar a escritura na primeira semana do mês de Outubro. “
11 A reclamante enviou à insolvente, que recebeu, a carta de que foi junta cópia em 17.05.2017, como doc. n.º 10 da resposta à impugnação (ref. Citius 3640056 do processo principal), a fls. 124 do processo em papel, cujo teor se dá por reproduzido, da qual consta, além do mais o seguinte, com referência ao imóveis a que respeitam as verbas 5 e 8 do auto de apreensão: “(…) Vimos por este meio, notificar a V. Exas. de que a escritura de compra e venda dos andares realizar-se-á no próximo dia 28 de Agosto de 2008, pelas 14 horas no Cartório Notarial de Odivelas de Catarina Silva, sito na Rua Alfredo Roque Gameiro, 20 A, 2675-278 Odivelas. Desde já solicito toda a documentação relativa aos imóveis e à sua própria identificação que se mostre necessário para instrução dos contratos definitivos de compra e venda.”
12 A insolvente respondeu à reclamante por carta datada de 07 de Agosto de 2008, de que foi junta cópia em 17.05.2017, como doc. n.º 12 da resposta à impugnação (ref. Citius 3640056 do processo principal), a fls. 126 do processo em papel, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual se declara, além do mais o seguinte: “Vimos por este meio informar V. Exas. que de momento ainda não possuímos toda a documentação necessária para a realização da escritura referente ao Lote B1, 1.ºB e ao Lote A2, 1.ºA na data que os senhores nos indicaram. Informamos que teremos tudo pronto para realizar a escritura na segunda semana do mês de Outubro.“
13 A reclamante enviou à insolvente a carta de que foi junta cópia em 17.05.2017, como doc. n.º 14 da resposta à impugnação (ref. Citius 3640056 do processo principal), a fls. 129 do processo em papel, cujo teor se dá por reproduzido, datada de 26 de Setembro de 2008, da qual consta, além do mais, o seguinte, com referência às quatro fracções autónomas: “(…) Vimos por este meio, notificar a V. Exas. de que a escritura de compra e venda dos andares realizar-se-á no próximo dia 9 de Outubro de 2008, pelas 14 horas no Cartório Notarial de Odivelas de Catarina Silva, sito na Rua Alfredo Roque Gameiro, 20 A, 2675-278 Odivelas. Desde já solicito toda a documentação relativa aos imóveis e à sua própria identificação que se mostre necessário para instrução dos contratos definitivos de compra e venda. Por falta de comparência de V. Exa., não foi possível realizar as escrituras anteriormente marcadas. Assim, lamento informar que em caso de não comparência de V.Exa. ao acto agora marcado, reservo-me o direito de accionar os meios legais ao meu dispor para salvaguarda dos meus direitos, bem como solicitar, também por meios legais pertinentes, os prejuízos materiais e outros decorrentes do incumprimento contratual unilateral da v/parte”.
14 A carta expedida pela reclamante com data de 26.09.2008 foi devolvida à Autora com a menção “não reclamada”, constando ainda da informação dos CTT as menções “destinatário ausente, empresa encerrada, avisado na estação” (cfr. doc. junto com a resposta à impugnação, a fls. 134 a 136).
15 A Ré não compareceu no dia, hora e local, referidos na carta da reclamante de 26.09.2008.
16 Pelo menos a partir de Setembro de 2008 a reclamante deixou de conseguir contactar pessoal ou telefonicamente com a insolvente.
17 Em 18.10.2008 a reclamante instaurou, contra a insolvente, no Tribunal Judicial de Loures, a acção que constitui o apenso XG da insolvência, na qual, após aperfeiçoamento, pediu que se declare definitivamente incumpridos e resolvidos os contratos a que respeitam os documentos provados sob os n.ºs 4 e 5.
18 Por sentença proferida em 30.12.2009 no referido processo, transitada em julgado em 08.02.2010, foram declarados resolvidos os mencionados contratos, condenada a insolvente no pagamento à reclamante da quantia de € 280.000,00 correspondente ao dobro das quantias entregues e reconhecido o direito de retenção desta sobre os imóveis em causa.
19 Por decisão proferida em 26.05.2017 nos presentes autos, foram declarados reconhecidos os seguintes créditos e qualificações:
Credor                                     Montante                          Natureza
Caixa ...                                    700.110,64                       Garantido
Caixa ...                                      13.838,15                       Comum
B...                                             478.047,00                      Garantido
E... Lda                                        18.179,53                       Comum
Caixa ...                                        44.624.10                      Comum
Fazenda Nacional                           3.873,56      Privilegiado - IMI
R...                                                91.421,92                      Comum
20 O crédito privilegiado de IMI, no montante global de € 3.873,56, especifica-se nos termos constantes da informação da Autoridade Tributária, apresentada em 25.11.2016 (ref. Citius 8592894) pelo Ministério Público, a fls. 196 a 198 do processo em papel.
21 Além dos já enumerados sob o n.º 1, foram ainda apreendidos para a massa insolvente os seguintes bens:
- Sob a verba 1 do auto de apreensão de 13.02.2012, viatura da marca Mini, matrícula 04-59-ZR.
- Sob a verba 2 do auto de apreensão de 13.02.2012, fracção autónoma designada pela letra “F”, rés-do-chão C, do prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Amadora sob o número 1971, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 6325, da freguesia da Mina;
- Sob a verba 3 do auto de apreensão de 13.02.2012, fracção autónoma designada pela letra “A”, rés-do-chão A, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o número 2749, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 5423, concelho e freguesia de Arruda dos Vinhos.
- Sob a verba 4 do auto de apreensão de 13.02.2012, fracção autónoma designada pela letra “B”, rés-do-chão B, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o número 2749, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 5423, concelho e freguesia de Arruda dos Vinhos.
- Sob a verba 7 do auto de apreensão de 13.02.2012, fracção autónoma designada pela letra “H”, primeiro andar D, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o número 2749, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 5423, concelho e freguesia de Arruda dos Vinhos.
22 À data da apreensão, incidia sobre a fracção autónoma a que respeita a verba 2, hipoteca voluntária a favor de Banco ... , posteriormente Banco ..., inscrita pela AP 10 de 16.12.2004, com o montante máximo assegurado de € 1.321.400,00.
23 À data da apreensão, incidiam sobre as fracções autónomas a que respeitam as verbas 3, 4 e 7, duas hipotecas voluntárias a favor de Caixa ..., inscritas respectivamente pelas AP 6 de 27.12.2006 e 20 de 14.12.2007 e com os montantes máximos assegurados de € 804.562,50 e 255.000,00.

B)O Direito
- 1ª questão: se deve ser rectificada a sentença recorrida (apelação da A..., Lda).
Dispõe o art. 613º do Código de Processo Civil:
«1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2. É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3. (,..).».
E o art. 614º:
«1. Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a alguma dos elementos previstos no nº 6 do artigo 607º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, poe ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
2. Em caso de recurso, a rectificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à rectificação.
3. Se nenhuma das partes recorrer, a rectificação pode ter lugar a todo o tempo.».
Sobre esta matéria, ainda que no âmbito do art. 667º do anterior Código de Processo Civil, explicou Fernando Amâncio Ferreira:
«Como remédio para a correcção dos erros materiais prevê a lei a rectificação.
A rectificação pode resultar do requerimento de qualquer das partes ou da iniciativa do juiz (art. 667.º, n.º 1, in fine).

Quanto ao momento para a sua realização há que distinguir:
a)- Da decisão foi interposto recurso;
b)- Da decisão não foi interposto recurso.
No 1º caso, a rectificação só pode ocorrer antes do recurso subir, com possibilidade de ser apreciada pelo tribunal para que se recorre, caso alguma das partes alegue sobre essa matéria, tanto na hipótese de o pedido de rectificação ter sido atendido como desatendido (art. 667.º, n.º 2).
Na 2ª hipótese, a rectificação pode acontecer a todo o tempo (art. 667.º, nº 3).
Competente para a rectificação é o órgão que proferiu a decisão onde teve lugar a omissão, erro ou inexactidão: o juiz singular ou o tribunal colectivo.
A rectificação basta-se com o simples despacho, sem necessidade de se voltar a reelaborar toda a decisão emendada ou completada.» (in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 48/49).
Portanto, mesmo no caso de recurso, a rectificação da sentença deve ser requerida ao juiz da 1ª instância.
No caso concreto, foi indevidamente requerida na alegação recursiva a rectificação do alegado erro de cálculo contido na sentença recorrida, pelo que improcede o recurso nessa parte.
- 2ª questão: se é admissível a ampliação do âmbito do recurso requerida pela A..., Lda na contra-alegação relativa ao recurso interposto pelo Banco ...

Dispõe o art. 636º do Código de Processo Civil:
«1. No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2. Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnado pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
3. na falta de elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.».
No seu «requerimento para ampliação do âmbito do recurso», a A..., Lda mais não fez do que reiterar o teor da sua alegação no recurso por si interposto.
Em consequência, não se admite a requerida ampliação do âmbito do recurso.
 - 3ª questão: se deve ser reconhecido que ao crédito da apelante A..., Lda no montante de 280.000 € devem acrescer juros de mora vencidos desde 08/01/2010 até integral pagamento e não apenas até 26/03/2010 e também juros compulsórios para o mesmo período temporal, à taxa de 2,5% (apelação da A..., Lda).

Sustenta a apelante:
na sentença recorrida foi reconhecido o seu crédito no montante de 280.000 € acrescido de juros de mora desde 08/01/2010 até à data da entrada da execução em 26/03/2010;
não subsiste dúvida que são devidos juros de mora desde 08/01/2010, data da notificação da sentença;
contudo, como pedido na resposta à impugnação do crédito, os juros de mora são devidos até integral pagamento, inexistindo fundamento legal para o seu reconhecimento só até à data da entrada da execução;
são também devidos juros compulsórios à taxa de 2,5% desde a data da notificação da sentença - 08/10/2010 - até integral pagamento.

Apreciando.

a) Dos juros de mora:
A... Lda reclamou «juros de mora à taxa de 4% desde a data da notificação da sentença 08/01/2010 até integral pagamento, quantia que à data da entrada da execução era de € 2.362,74».

O nº 2 do art. 151º do Código de Processo Especial de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF) previa:
«Na data da sentença da declaração de falência, cessa a contagem de juros ou de outros encargos sobre as obrigações do falido e é rigorosamente apurado o montante em escudos, correspondente à liquidação das obrigações expressas em moeda estrangeira ou sujeitas a qualquer factor de actualização.».

Mas a cessação da contagem de juros deixou de estar consagrada com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), passando a os juros a ser considerados créditos subordinados ou não subordinados, nos termos do art. 48º nº 1, al. b) (neste sentido, v, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, 2009, pág. 91).

O art. 48º do CIRE estatui:
«Consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência:
(…)
b)-Os juros de créditos não subordinados constituídos após a declaração da insolvência, com excepção dos abrangidos por garantia real e por privilégios creditórios gerais, até ao valor dos bens respectivos;
(…)».
Portanto, os juros moratórios são devidos desde 08/01/2010 até integral pagamento, devendo ser graduados a par do crédito a que respeitam.
b)-Dos juros compulsórios:
Preceitua o art. 829º - A do Código Civil:
«(…)

4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.».

Vejamos.

A..., Lda reclamou juros compulsórios «à taxa de 5% desde a data do trânsito em julgado ocorrido em 07 de Fevereiro de 2010 até integral pagamento.».
Nesta apelação pede apenas juros compulsórios à taxa de 2,5%.
Portanto, o tribunal nunca poderá considerar taxa superior a 2,5% (cfr art. 609º nº 1 do CPC, ex vi art. 663º nº 2).
Estando reconhecido nestes autos de reclamação de créditos o crédito da apelante A..., Lda no montante de 280.000 €, sobre ele acrescem os juros compulsórios à peticionada taxa de 2,5%, desde a data do trânsito em julgado da sentença proferida pela 1ª instância, tendo-se em consideração, face ao disposto no art. 635º nº 5 do CPC, que não vem impugnado por via de recurso o crédito de 280.000 € mas apenas a existência do direito de retenção.
Assim, são devidos juros compulsórios à taxa de 2,5% desde a data referida no parágrafo anterior, que deverão ser graduados a par do crédito a que respeitam.
- 4ª questão: se deve ser reconhecido que a A..., Lda goza do direito de retenção sobre os imóveis designados pelas verbas 5 e 6 apreendidos para a massa insolvente, para pagamento da quantia de 153.664 € (apelação da A..., Lda).
Entende a A..., Lda que deve ser reconhecido o direito de retenção relativamente ao seu crédito de 159.348 € (que diz ser de 153.664 € depois de corrigido - sendo certo que improcede a requerida rectificação como se explicou supra) nos termos do art. 755º nº 1 al. f) e do art. 442º, ambos do Código Civil.
Sustenta, no essencial, que é inaplicável o Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2014 por assentar numa interpretação restritiva do art. 755º nº 1 al, f) do Código Civil, no sentido de que o direito de retenção abrange apenas o promitente-comprador consumidor; a apelante contratualizou a promessa de aquisição dos imóveis com o pressuposto essencial de que beneficiaria do direito de retenção e não pode ser penalizada por uma interpretação restritiva impossível de prever à data da celebração dos contratos-promessa, ou seja, 6 anos antes; acresce que, que à data da declaração de insolvência, os contratos estavam definitivamente incumpridos e resolvidos.

Apreciando.

Como já se referiu, a sentença recorrida transitou em julgado na parte em que reconheceu o crédito da A..., Lda no montante de 280.000 €.
Discute-se, tão só, se esta credora goza do direito de retenção.
Também não é objecto de recurso a conclusão, vertida na sentença recorrida, de que os contratos-promessa foram licitamente resolvidos pela promitente-compradora, que a declaração de resolução ocorreu muito antes da declaração de insolvência, que houve tradição da coisa e que é devido o sinal em dobro nos termos do art. 442º nº 2 do Código Civil.
Mas entendeu-se ainda na sentença recorrida que «não se colocam questões de aplicação das disposições do art. 106º do CIRE, havendo que ter em consideração unicamente o regime geral.».
O art. 755º do Código Civil estipula:
«1. Gozam ainda do direito de retenção;
(…)
f)- O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º.
(…)».
E o art. 759º determina:
«1.-Recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respectivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o credor o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor.
2.-O direito de retenção prevalece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente.
3.-Até à entrega da coisa são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as regras do penhor, com as necessárias adaptações.».
Por sua vez, os art. 102º e 106º do CIRE dispõem:
Art. 102º
«1-Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.
(…)».
Art. 106º
«1-No caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador.
2-À recusa de cumprimento do contrato-promessa de compra e venda pelo administrador da insolvência é aplicável o disposto no nº 5 do artigo 104º, com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedor.».
Quando foi declarada a insolvência já havia incumprimento definitivo e tinham sido resolvidos os contratos-promessa.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2014 (DR nº 95, de 19/05/2014) uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:
«No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil.».
Nos fundamentos desse aresto lê-se, designadamente:
«(…)
Está em causa saber se o contrato-promessa incumprido pela promitente-vendedora insolvente, o promitente-comprador que seja consumidor e a quem foram transmitidos os imóveis objecto do contrato meramente obrigacional, goza do “direito de retenção” sobre os mesmos para pagamento dos seus créditos, prevalecendo assim sobre o crédito hipotecário da (…) que sobre eles incidia. Tal análise será levada a cabo à luz do ordenamento civil vigente e do direito constitucional.
(…)
A Jurisprudência produzida sobre esta matéria mostra-se dividida, mau grado opte, maioritariamente, nestes casos, pela concessão do “direito de retenção” e assim pela prevalência do crédito provido com tal direito sobre a hipoteca desde que haja tradição do objecto e ainda que o contrato tenha eficácia meramente obrigacional. Também a Doutrina não congrega unanimidade face à problemática em análise, registando-se até de alguns sectores propensão para a prevalência da hipoteca excluindo o “direito de retenção” do promitente-comprador maxime quando o contrato-promessa não tem efeito real e ainda que tenha havido tradição da coisa a que se reporta.
(…)
O DL nº 236//80 de 18 de Julho veio reforçar a posição jurídica do promitente-comprador nomeadamente no âmbito das transacções de imóveis para habitação, conferindo-lhe em caso de incumprimento da outra parte e em alternativa ao direito ao sinal em dobro, também o valor da coisa desde que a mesma lhe tivesse sido transmitida encontrando-se pois em seu poder. (…) Por seu turno, o DL 379/86 de 11-11, além de haver modificado o normativo em análise, veio ainda, coerentemente com tal alteração, elencar no âmbito dos titulares do “direito de retenção” a que se reporta o artigo 755º do Código Civil, o de beneficiário da promessa de transmissão ou constituição do direito sobre a coisa a que se reporta o contrato prometido, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte de harmonia com o artigo 442º (então modificado). O Diploma de 1986 explica as razões que estiveram na base da alteração introduzida. A opção legislativa no conflito entre credores hipotecários e os particulares consumidores, concedendo-lhes o “direito de retenção” teve e continua a ter uma razão fundamental: a protecção destes últimos no mercado da habitação; na verdade, constituem a parte mais débil que por via de regra investem no imóvel as suas poupanças e contraem uma dívida por largos anos, estando muito menos protegidos do que o credor hipotecário (normalmente a banca) que dispõe de regra geral de aconselhamento económico, jurídico e logístico que lhe permite prever com maior segurança os riscos que corre caso a caso e ponderar uma prudente selectividade na concessão de crédito. Justificou-se destarte que na linha de orientação que vinha já do DL 236/80, a que acima fizemos referência, o mais recente Diploma que alterou o regime do contrato-promessa, tenha vindo balizar o âmbito e o funcionamento do “direito de retenção” nestes casos.
(…)
Começaremos por referir que o “direito de retenção” é apenas uma dentre outras garantias (v,g. os privilégios creditórios) de igual ou maior gravosidade com que se poderá defrontar o credor hipotecário no âmbito de um processo de insolvência, e a sua inserção valorativa no seio do ordenamento jurídico é tão só o resultado de uma ponderação de interesses que a conjuntura social motivou no legislador graduar de uma determinada forma, acautelados os limites constitucionais. A tudo acresce que o “direito de retenção” é ainda, acima dos não registáveis, o mais transparente, já que tem, na generalidade dos casos, uma faceta visível em resultado da sua própria natureza, a do uso do objecto sobre que recai (na maioria imóveis para habitação), o que implica, naturalmente, dada aquela compleição, a publicidade, que quase sempre funciona como aviso aos restantes credores em ordem a melhor poderem acautelar-se antes de optarem pela concessão de um crédito que comporta sempre certa álea de risco. Aliás, a protecção ao promitente-comprador que o legislador tem seguido nos termos apontados, também não pretende ver postergados os legítimos interesses do credor hipotecário, que tendo investido, por via de regra, capitais avultados financiando a construção do imóvel quer ver assegurado o respectivo retorno, acrescido dos uros devidos. Assim se compreende que a alínea f) do artigo 755º nº 1 seja entendida restritivamente de molde a que se encontre a coberto da prevalência conferida pelo “direito de retenção” o promissário da transmissão de imóvel que obtendo a tradição da coisa seja simultaneamente um consumidor.
(…)
No entanto o artigo 106º supracitado não menciona a situação relativamente vulgar em que o contrato-promessa, mau grado de natureza obrigacional, foi acompanhado de tradição da coisa para o promitente-comprador; é também o caso que aqui analisamos. Dúvidas não há que, não se verificando a tradição da coisa e tendo o contrato efeito meramente obrigacional, ao administrador cabe ponderar e decidir pelo não cumprimento ou não cumprimento do mesmo; isto só não sucede caso alguma das partes tenha cumprido na íntegra a sua obrigação e havendo incumprimento definitivo. Contudo, havendo tradição da coisa, a norma não esclarece qual a consequência daí resultante; todavia tal omissão é ultrapassada fazendo apelo ao “lugar paralelo” resultante da conjugação dos artigos 106º nº 2 e 104º nº 1 do CIRE (respeitante à venda com reserva de propriedade) aplicável no caso em análise, já que as razões determinantes do que ali vem exposto quanto ao que lá se regula (compra e venda a prestações são idênticas às que aqui estão em causa. Subjacente a esta tomada de posição está a forte expectativa que a traditio criou no “promitente-comprador” quanto à solidez do vínculo. Cimentada esta confiança e “corporizada” destarte a posse, existe, na prática, do lado do adquirente um verdadeiro “animus” de agir como possuidor, não já nomine alieno mas antes em nome próprio; a partir do momento em que o insolvente entregou as chaves dos prédios ao promitente-comprador, materializou a intenção de transferir para este os poderes sobre a coisa, faltando apenas legalizar uma situação de facto consolidada. Parificada tal situação com as hipóteses do efeito real dos contratos em termos de impedir a resolução respectiva, poderá assentar-se em que o incumprimento dá assim origem ao despoletar do “direito de retenção” a que se reporta o artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil viabilizado pela interpretação a que acima fizemos referência no tocante ao artigo 106º, pelo que assim sendo subsiste a preferência a que aludimos.
(…)
Em suma, concluímos que não sendo afectado o contrato-promessa, mantêm-se os efeitos do incumprimento a que se reporta o artigo 442º nº 2 do Código Civil. (…)
(…)
Como em muitos outros sectores do ordenamento jurídico, também aqui, ao nível do contrato-promessa, o legislador no seu poder-dever de corrigir desequilíbrios \e tomando em linha de conta os interesses e riscos em presença, entendeu propender para a protecção da parte mais débil, o promitente-comprador, face ao credor hipotecário. Desde que aquele tivesse entregue ao outro outorgante o sinal e obtido a tradição do objecto do contrato. Assim e na linha do entendimento do que tem vindo a ser repetidamente decidido por este Supremo Tribunal e ainda pelo Tribunal Constitucional, não vemos que haja qualquer inconstitucionalidade naquela opção legislativa. A acrescer ainda a estas razões, não pode igualmente esquecer-se que no momento em que a garantia hipotecária se constituiu, já estavam em vigor os artigos 755º nº 1 alínea f) e 759º nº 2 do Código Civil, o que reforça a necessidade de o credor hipotecário ter de acautelar-se contra os efeitos possivelmente nefastos daquela preferência.
(…)».
O art. 102º do CIRE prevê as situações em que o administrador da insolvência pode recusar o cumprimento do contrato-promessa; por sua vez, o art. 106º define a situação em que o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento.
Ora, não são estes normativos que atribuem o direito de retenção e a sua prevalência sobre a hipoteca, como claramente decorre dos fundamentos do Acórdão Uniformizador.
Também da leitura atenta dos fundamentos desse aresto se constata que não tem razão a apelante ao invocar surpresa perante a interpretação restritiva das disposições conjugadas dos art. 755º nº 1 al f) e do art. 759º do Código Civil no que respeita ao confronto entre o direito de retenção e a hipoteca, pois já antes da celebração dos contratos-promessa destes autos era conhecida a discussão que havia em torno das implicações constitucionais desta problemática.
Por isso, não tem razão a A..., Lda quando sustenta a inaplicabilidade do Acórdão nº 4/2014.
Em suma, porque esta credora não é uma consumidora, não goza do direito de retenção para garantia do seu crédito no valor de 159.348 € e respectivos juros de mora e compulsórios.
- 5ª questão: - se não deve ser reconhecido o direito de retenção à apelada A..., Lda sobre cada um dos imóveis designados sob as verbas 8 e 9 apreendidos para a massa insolvente para pagamento da quantia de 60.326 € quanto a cada um deles (apelação do Banco ...).
O Banco ... sustenta que a A..., Lda, porque não é consumidora, não beneficia do direito de retenção para os efeitos do disposto no art. 755º nº 1 al f) do Código Civil, devendo ser qualificado como comum o seu crédito de 60.320 €; a sentença proferida no Proc. 7566/08.5TCLRS (que correu termos na 2ª Vara de Competência Mista do Tribunal da Comarca de Loures) não lhe é oponível; apesar de não ter impugnado o alegado direito de retenção sobre as verbas 8 e 9 sobre as quais tem garantia hipotecária, o juiz devia verificar a sua existência.

Apreciando.

Discreteou-se na sentença recorrida:
«Importa porém ter em consideração que nos dois contratos-promessa sob apreciação estão envolvidos dois credores hipotecários. A impugnante Caixa ... com garantia hipotecária sobre os imóveis a que respeitam as verbas 5 e 6 do auto de apreensão e o Banco ... , titular de garantias hipotecárias sobre os imóveis a que respeitam as verbas 8 e 9 do auto de apreensão.
Quanto ao Banco ... , entende este tribunal que, tendo a sentença em causa transitado em julgado, muito antes da declaração de insolvência e não tendo o credor no momento próprio deduzido a sua impugnação, se consolidou, relativamente a este credor, o direito de retenção correspondentemente reconhecido.
É certo que a Caixa ... não restringiu a sua impugnação ao crédito eventualmente susceptível de afectar a garantia hipotecária que invocou, bem assim como que o art. 130º, nº 1, do CIRE confere legitimidade a qualquer credor interessado para impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.
Desta norma não se retira porém a inutilização do alcance do efeito do caso julgado, que afecta não apenas as partes, como ainda os terceiros titulares de situações jurídicas não directamente afectadas pela decisão.
No que respeita ao direito de retenção incidente sobre os imóveis hipotecados a favor do Banco ..., a impugnante assume a posição de terceiro juridicamente indiferente, relativamente ao qual a sentença proferida em 30.12.2009 não deixa de ser oponível, não obstante não ter sido parte na acção.
A impugnação deduzida pela Caixa ..., embora admissível à luz do art. 130º. Nº 1 do CIRE, mostra-se prejudicada pelo efeito do caso julgado produzido pela sentença referenciada.».
Na sentença recorrida vem citado o Ac do STJ de 07/10/2010 (Proc. 9333/07.4TBVNG-A.P1.S1) para nele apoiar a tese de que a impugnação deduzida pela Caixa ... não aproveita ao credor Banco ..., agora  Banco ...
Mas não podemos concordar com a afirmação de que a credora Caixa ... é um terceiro juridicamente indiferente.

Vejamos.

O art. 128º do CIRE estabelece:
«1 Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento (…) no qual indiquem:
(…)
c)-A sua natureza comum, subordinada ou privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia (…)
(….)
3A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.».

E o art. 130º prevê:
«1 Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.
(…)
3 Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos, elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.».
Dizem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda:
«Assim, interessados devem considerar-se, além do insolvente, os credores em relação aos quais exista possibilidade de conflito com o titular do crédito reconhecido, segundo os termos concretos em que o reconhecimento se verificou.
(…)
(…) defendemos que deve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto, não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos (…) créditos.
Reitera-se, finalmente, que este erro pode respeitar à indevida inclusão do crédito nessa lista, ao sue montante ou às suas qualidades (…).
Quando o erro respeitar ao montante do crédito ou às suas qualidades, ele deve ser considerado como reconhecido e graduado, mas pelo montante e qualidades correctas.» (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Reimpressão, 2009, pág. 455 a 457).
A Caixa ... impugnou o crédito reclamado por A... Lda, invocando, além do mais:
- impugna o supostamente reconhecido direito de retenção do crédito por aquela reclamado;
- ainda que por vezes o caso julgado seja extensivo a terceiros, uma sentença transitada em julgado não se impõe aos terceiros juridicamente interessados, isto é, àqueles a quem a sentença pode causar um prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito;
- uma sentença de que decorra o reconhecimento da existência de um crédito e direito de retenção causa ao credor hipotecário um manifesto prejuízo jurídico, na medida em que o valor potencial da hipoteca é, desde logo, diminuído, com a declaração, da existência do direito de retenção, de tal forma incompatível com a hipoteca que afecta inexoravelmente o conteúdo essencial da sua consistência jurídica;
- a impugnante é um terceiro estranho ao processo declarativo alegado, juridicamente interessado, por ser credora hipotecária com posição absolutamente incompatível com a do suposto titular do direito de retenção;
- não deve ser reconhecido o crédito reclamado ou qualquer outro a favor da reclamante A... Lda;
- à cautela, não deve o crédito reclamado pela A... Lda ser reconhecido e qualificado como privilegiado e nem garantido por direito de retenção sobre qualquer imóvel da insolvente.
Ora, mantendo-se a qualificação do crédito de 120.652 € (60.326 x 2) da A... Lda como garantido por direito de retenção sobre as verbas 8 e 9, a consequência será a de que o crédito da Caixa ..., por estar graduado, e bem, como crédito comum relativamente a esses imóveis, será satisfeito depois daquela.
Daqui decorre, claramente, que a credora Caixa ... não é um terceiro juridicamente indiferente e a impugnação que deduziu é relevante, aproveitando necessariamente aos demais credores.
Assim, pela mesma razão que não pode ser reconhecido o direito de retenção da A... Lda sobre os imóveis a que respeitam as verbas 5 e 6 do auto de apreensão, também tem de se julgar não reconhecido o direito de retenção relativamente aos imóveis a que respeitam as verbas 8 e 9 para garantia do pagamento da quantia de 120.652 € (60.326 x 2) e respectivos juros de mora e compulsórios.

IVDecisão.

Pelo exposto, decide-se:
1 a) julgar parcialmente procedente a apelação da credora A... Lda;
     b) julgar procedente a apelação do credor Banco ...;
2 e em consequência, alteram-se as alíneas B),  D) e o ponto 4 da alínea E) pontos  2º e 3º, eliminando-se o 4º, do dispositivo da  sentença recorrida nestes termos:
«B) Julgar reconhecido o crédito reclamado por A... Lda no montante de 280.000 € de capital, acrescido de juros de mora vencidos desde 08/01/2010 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4% e dos juros compulsórios à taxa de 2,5% desde a data em que transitou em julgado o segmento da sentença recorrida que reconheceu o referido crédito de capital;
D) Julgar não reconhecido o direito de retenção invocado pela reclamante A... Lda relativamente aos imóveis a que respeitam as verbas 5, 6, 8 e 9 do auto de apreensão, qualificando como comum os créditos de capital e juros de mora e compulsórios referidos em B).
E) Graduar os créditos reconhecidos nos seguintes termos:
(…)
4. Pelo produto da venda dos imóveis a que respeitam as verbas 8 e 9 do auto de apreensão dar-se-á pagamento pela ordem seguinte:
(…)
  Banco ... - anteriormente Banco ...;
Os créditos comuns, se necessário, em rateio, na proporção dos respectivos montantes.»
Custas de cada um dos recursos pelos respectivos apelantes e massa falida, na proporção de vencido.



Lisboa, 26 de Outubro de 2017



Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos       
Eduardo Petersen Silva
Decisão Texto Integral: