Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10533/2008-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: MARCAS
MARCA DE GRANDE PRESTÍGIO
REQUISITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/22/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1 - A marca de prestígio deve obedecer a dois requisitos: (i) gozar de excepcional notoriedade; (ii) gozar de excepcional atracção e/ou satisfação junto dos consumidores.
2 - O artigo 242º do CPI constitui uma excepção ao princípio da especialidade e, por conseguinte, torna irrelevante a falta de identidade ou afinidade dos produtos ou serviços.
3 - No que se refere ao n.º 1 desse preceito, o texto da lei engloba dois requisitos alternativos: a marca de prestígio será protegida, para além do estrito princípio da especialidade, sempre que (i) o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou (ii) possa prejudicá-los.
4 – Assim, se a marca previamente registada for de prestígio, o registo da marca (que se possa confundir) deve ser recusado independentemente de se destinar ou não a produtos ou serviços semelhantes, sempre que o uso da marca posterior vise parasitar o seu prestígio e distintividade ou, e em alternativa, quando o mesmo uso possa prejudicá-los.
5 - Afasta-se aqui o princípio da especialidade da marca, conferindo o registo um direito de exclusivo absoluto, ou seja, no caso de uma marca ser de prestígio, goza de uma protecção adicional, protecção que se estende aos casos em que os produtos não são idênticos ou afins, protecção que, no entanto, só existe se houver prioridade de registo e identidade ou semelhança gráfica ou fonética entre as marcas.
6 – A excepcional capacidade evocativa que, justamente, está associada a uma marca, enquanto marca de prestígio, será indubitavelmente abalado por efeito da diluição que o uso da mesma marca, por uma entidade terceira, e para diferentes produtos ou serviços, forçosamente provocará.
(G.F.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
SLS – Comércio e Difusão de Vestuário L.da, e Irmãos Vila Nova S.A, interpuseram recurso do despacho do Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que concedeu o registo da marca nacional n.º 352.586 “Salsa”, requerido por Ramiro Fernando da Silva Rodrigues, pedindo que se revogue o aludido despacho e se ordene a recusa do registo daquela.

Fundamentam a sua pretensão, em síntese, na invocação, relativamente à primeira, da sua denominação social, que integra a expressão “Salsa” e, no que respeita à segunda, na invocação da marca, insígnias e logotipos de que é titular, verificando existir a possibilidade de indução em erro ou confusão, por exemplo, no caso de os serviços de “promoção de vendas para terceiros”, protegidos pela marca concedida, terem por base artigos de vestuário, configurando o uso da marca “salsa” pelo recorrido um acto de concorrência desleal, acrescentando que o uso da marca “salsa” por outra entidade constitui um aproveitamento ilegítimo e indevido da imagem e do prestígio da mesma.

O recorrido respondeu, dizendo, em síntese, que é sócio da sociedade com a denominação em sufixo “SALSA” – TECNISALSA – Reparações Eléctricas L.da”, utilizando a recorrente “Salsa” para identificar vestuário e o recorrido para identificar um grupo de empresas que têm por fim, a comercialização de pneus, reparação eléctricas em veículos automóveis, a comercialização de combustíveis, estação de serviço auto, recauchutagem de pneus e transporte de mercadorias, não existindo qualquer possibilidade de confusão, ou a possibilidade de concorrência desleal.

O Tribunal de Comércio de Lisboa concedeu parcialmente provimento ao recurso apresentado pelas requerentes, mantendo, consequentemente, o despacho do Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que concedeu o registo à marca nacional n.º 352586 “SALSA”, no que respeita aos serviços assinalados nas classes 37 “serviços de reparações e instalação” e 39 “transporte de mercadorias”, concedendo-se protecção à referida marca para assinalar os referidos serviços e revogou o mesmo despacho no que respeita à concessão do registo da referida marca, em relação aos serviços assinalados na classe 35 “promoção de vendas para terceiros”, recusando-se protecção à referida marca para assinalar os mencionados serviços.

Inconformadas, recorreram as requerentes, formulando as seguintes conclusões:
1ª – Vem o presente recurso interposto da douta sentença que negou provimento à pretensão formulada pelas oras recorrentes, na parte em que não recusou totalmente o registo da marca nacional n.º 352.586 “SALSA”, antes confirmando a concessão no que às classes 37.ª e 39.ª concerne.
2ª - Conforme resulta provado nos autos, a marca nacional sub judice é constituída pela expressão “SALSA” enquanto que os sinais (denominação social, marca, insígnias de estabelecimento e logótipos) registados em nome das recorrentes se caracterizam pela mesmíssima expressão.
3ª - Considerou-se, todavia, não provada uma série de factos, elencados a fls. 248 e 249 dos autos, sob os números 1 a 7.
4ª - Ora, no entender das recorrentes, os elementos probatórios juntos com a petição de recurso (bem como os documentos supervenientes ora juntos) conduziam a um diferente julgamento da matéria de facto, e nomeadamente à consideração de tais factos como assentes.
5ª - Por outro lado, a sentença recorrida não procedeu a uma correcta interpretação e aplicação da legislação relevante, porquanto negou à marca da recorrente o estatuto de marca de prestígio, afirmando, ademais, que tal conclusão se manteria ainda que todos os factos alegados pelas recorrentes na petição de recurso tivessem sido considerados provados.
6ª - Ora, não podem as recorrentes conformar-se com tal entendimento, porquanto entendem ter invocado e provado factos suficientes para que o tribunal a quo chegasse à conclusão oposta.
7ª - Acresce que, quando se afirma na sentença recorrida que “não ficou apurado qualquer facto do qual resulte que o objectivo do titular da marca concedida fosse tirar partido indevido do carácter distintivo ou do referido prestígio”, esquece-se que o comando do n.º 1 do artigo 242º também operará quando aquele carácter distintivo ou este prestígio possam resultar prejudicados do uso da marca posterior.
8ª - Sendo certo que tal prejuízo foi invocado pelas recorrentes na petição de recurso, com base na evidência de que a especial capacidade evocativa de uma marca de prestígio sofre dano com a diluição que lhe é acarretada por via da sua utilização para diferentes produtos ou serviços.
9ª - Verificando-se, assim, que a sentença recorrida, ao conceder o registo da marca nacional n.º 352.586 “SALSA” para as classes 37.ª e 39.ª, não julgou devidamente a matéria de facto, tendo efectuado ainda uma incorrecta interpretação e aplicação do artigo 242.º do Código da Propriedade Industrial.

Não houve contra alegações.

Cumpre decidir:
2.
A sentença negou parcialmente provimento ao recurso interposto do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (abreviadamente “INPI”) que havia concedido o registo da marca nacional n.º 352.586 “SALSA”, destinada a assinalar os seguintes serviços: (i) Classe 35 - “Promoção de vendas para terceiros”; (ii) Classe 37 – “Serviços de reparações e instalação”; (iii) Classe 39 - “Transporte de mercadorias”, revogando o aludido despacho do INPI no que à classe 35ª diz respeito e confirmou-o relativamente às classes 37ª e 39ª, sendo dessa confirmação que ora se recorre. Transitou, consequentemente, a sentença no que concerne à classe 35ª.

A sentença concluiu que a marca nacional n.º 352.586 “SALSA” não constitui uma imitação dos sinais distintivos (denominação social, no caso da primeira apelante; marcas, insígnias e logótipos, no caso da segunda apelante) de cujos registos as ora recorrentes são titulares. Por outro lado, concluiu não haver fundamento para o registo ser recusado, uma vez que os autos não permitem concluir que a marca das recorrentes possa ser considerada uma marca de prestígio.

Discordam os recorrentes da sentença, por duas razões: Em primeiro lugar, não teria julgado convenientemente os factos, não podendo, por conseguinte, ser válida a aplicação do direito a que procedeu, porquanto operada sobre uma base errónea. Em segundo lugar, teria efectuado uma incorrecta interpretação e aplicação do artigo 242º do Código da Propriedade Industrial (doravante CPI).

Estas as duas questões que importa decidir, às quais aliás se circunscrevem as doutas conclusões, delimitam o objecto do recurso.
3.
A decisão proferida sobre a matéria de facto

A par de determinados factos considerados provados, (fls. 247 a 248), a sentença não considerou provados os seguintes:
1º - A Irmãos Vila Nova S.A. iniciou a sua actividade em 1987.
2º - A Irmãos Vila Nova S.A. é uma das maiores empresas do seu ramo no nosso País.
3º - Sendo detentora de mais de 40 lojas no território português.
4º - Lojas onde vende uma vasta gama de produtos de vestuário.
5º - Investe milhares de euros em publicidade à sua marca.
6º - Em 2002 a sociedade acima referida quase triplicou os seus lucros para 7,55 milhões de euros.
7º - De acordo com uma sondagem realizada pela INFORTEC – Projectos e Consultoria L.da a segunda recorrente “é uma empresa muito conhecida e adquiriu grande reputação no mercado português”.

Relativamente a estes quesitos, consta da fundamentação que a prova documental apresentada para o efeito é insuficiente, pois que se trata de dados internos da requerida, de artigos jornalísticos e de elementos retirados da Internet, e, no caso do facto enunciado no artigo 7, de um juízo conclusivo elaborado sobre o conteúdo do documento.

Pelo contrário, sustentam as recorrentes que os elementos probatórios juntos ao processo impunham decisão diversa no que a estes quesitos concerne. Tais documentos foram juntos à petição de recurso em 1ª instância.

Para prova do artigo 1º, as recorrentes juntaram cópia de um artigo publicado na revista “dnempresas” de Outubro de 2003 (doc. 8).

Para prova do artigo, juntaram cópia de um artigo da revista “Exame”, dedicado às Maiores e Melhores (Empresas) de 2003 (doc. 9).

Para prova do artigo 3º, juntaram cópia de uma tabela contendo, em relação a cada uma das suas lojas, dados variados, incluindo a data de abertura e o volume de facturação em 2002, 2003 e 2004 (até 29/08) (doc. 10).

Para prova do artigo 4º, as recorrentes juntaram  diversos catálogos relativos aos produtos de vestuário comercializados nas suas lojas (docs. 11 a 17).

Para prova do artigo 5º, as recorrentes juntaram um dossier respeitante às acções de publicidade desenvolvidas em torno da marca “SALSA”, incluindo o orçamento publicitário para os anos de 2000 a 2004 (doc. 18).

Para prova do artigo 6º, as recorrentes juntaram um artigo de imprensa de Abril de 2003 (doc. 19).

Para prova do artigo 7º, foram juntos documentos, atestando os resultados da sondagem a que se alude (doc. 20).

Cremos que, ao contrário do decidido, não se poderá desvalorizar por completo os documentos juntos pelas recorrentes para prova dos factos por si alegados na petição de recurso.

Atendendo aos ditames da experiência, deverá ser dada relevância aos artigos de imprensa em temáticas como aquela que ora se aprecia, tanto mais que os artigos concretamente juntos pertencem a publicações de tiragem nacional, de grande prestígio nas respectivas áreas de interesse.

Aliás, a sentença, ao considerar provado que a empresa das recorrentes foi eleita pela Revista “Exame” a melhor empresa do sector têxtil em Portugal no ano de 2003, está a dar relevância a uma publicação de tiragem nacional de grande prestígio nas respectivas áreas de interesses, ao contrário do que pretendeu fazer em relação a outras.

Também, no que respeita aos elementos retirados da Internet, dever-se-á tomar em consideração que os concretos elementos em causa são impressões de sítios web de entidades terceiras e, por conseguinte insusceptíveis de controlo ou manipulação pelas recorrentes, ostentando publicidade relativa à marca “SALSA” da segunda recorrente.

Por sua vez, como aliás referem as recorrentes, os próprios documentos internos da sociedade, pelo facto de provirem da sua esfera, não devem por essa simples razão sofrer de uma presunção a priori de inidoneidade para prova dos factos que documentam.

Acresce, e não é uma razão despicienda, que os documentos mencionados não foram impugnados pela parte contrária, nem por qualquer outra forma a sua genuinidade ou a veracidade do seu conteúdo foi posta em causa.

De resto, a parte contrária limitou-se, na resposta que apresentou ao recurso, a negar que os produtos assinalados pelas marcas em confronto fossem idênticos ou afins; coisa que, de resto, e excepto no que respeita à classe 35ª, as recorrentes não haviam invocado em primeira instância, nem, por maioria de razão, agora questionam.

Finalmente, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 706º e do artigo 524º CPC, as recorrentes juntam às alegações o resumo executivo do estudo de mercado denominado “BRAND ENERGY - A Energia da Marca Salsa”, relativo aos mercados português e espanhol (doc. 1).

Este estudo foi realizado em 2006 pela IB - INTANGIBLES and BRANDING – Gestão e Avaliação de Marcas, L.da, concluindo o mencionado sumário executivo, entre outros dados, que o conhecimento da marca Salsa atinge os 89,4%, ocupando um lugar de destaque face às concorrentes (documentos 1 e 2).

Como do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, entende-se, pelas razões apontadas, que os aludidos quesitos dever-se-ão considerar provados, assim se alterando, nessa parte, a resposta “não provados”

Assim, consideram-se definitivamente assentes os seguintes factos:
1º - Por despacho datado de 31/03/2005, o Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial concedeu o registo da marca nacional nº 352.586 “SALSA”, pedida em 11/01/2001, por “Ramiro Fernando da Silva Rodrigues”.
2º - A referida marca destina-se a assinalar, produtos da classe 35 - Promoção de vendas para terceiros, 37 - Serviços de reparações e instalação e 39 - Transportes de mercadorias.
3º - A referida marca é constituída pelo nome “SALSA” a preto, inserido num fundo de cor verde central, com o riscado preto, a circundá-lo, interrompido, em cima e em baixo da letra “L”, por um elemento figurativo de um raio em cor amarela.
4º - A recorrente é titular da marca nacional n.º 290.791 “SALSA”, requerida em 01/04/1993 e concedida em 01/08/1996 destinada a assinalar “vestuário” na Classe 25ª.
5º - A marca é constituída pelo nome “SALSA” em letras de imprensa maiúsculas, dentro de um elemento figurativo, com tracejados em cima e em baixo, a menção no tracejado superior, dentro de uma figura rectangular pequena da palavra “DENIM” e do lado direito da palavra “SALSA” um círculo pequeno com a aposição de um R.
6º - A recorrente é titular das insígnias de estabelecimento n.os 12.745 Salsa e 12.746 Salsa, requeridas em 11/02/1998 e concedidas em 18/03/1999.
7º – A primeira é constituída pela palavra “Salsa” sublinhada, nas letras “alsa” e com aposição por baixo da letra S em letras pequenas da menção “tm”.
8º - A segunda é constituída pela palavra “Salsa”, dentro de um elemento rectangular, sublinhada nas letras “alsa”, com aposição no canto superior direito da letra “R” em minúscula num círculo.
9º - A recorrente é titular dos logotipos n.os 12.745 “SALSA” e 12.746 “Salsa”, requeridos em 11/02/1998 e concedidos em 10/08/1999.
10º - O primeiro é constituído pela palavra “Salsa” sublinhada, nas letras “alsa” e com aposição por baixo da letra S em letras pequenas da menção “tm”.
11º - O segundo é constituído pela palavra “Salsa”, dentro de um elemento rectangular, sublinhada nas letras “alsa”, com aposição no canto superior direito da letra “R” em minúscula num círculo.
12º - SLS Salsa – Comércio e Difusão de Vestuário L.da encontra-se registada na Conservatória de Registo Comercial de Famalicão com o n.º 5310/000511.
13º - A recorrente SLS Salsa tem como objecto social “comércio de artigos de vestuário e acessórios, franchising”.
14º - A marca “Salsa” está registada/requerida em diversos países.
15º - A recorrente foi eleita pela Revista “Exame” a melhor empresa do sector têxtil em Portugal no ano de 2003.
16º - A Irmãos Vila Nova S.A iniciou a sua actividade em 1987.
17º - A Irmãos Vila Nova S.A é uma das maiores empresas do seu ramo no nosso Pais, sendo detentora de mais de 40 lojas no território português, onde vende uma vasta gama de produtos de vestuário.
18º - Investe milhares de euros em publicidade à sua marca, tendo, em contrapartida, quase triplicado os seus lucros, em 2002, para 7,55 milhões de euros.
19º - De acordo com uma sondagem efectuada pela INFORTEC – Projectos e Consultoria L.da, a segunda recorrente é uma empresa muito conhecida e adquiriu grande reputação no mercado português.
4.
Quanto à decisão de mérito.
As questões que importa decidir nesta sede é a de saber se a marca “Salsa” é uma marca de prestígio e, em caso afirmativo, se o uso da marca do recorrido pode prejudicar o carácter distintivo ou o prestígio da marca dos recorrentes, que é anterior àquela.

Além da firma, que se destina a individualizar o comerciante nas suas relações de negócios, e do nome e insígnia, dirigidos a individualizar o estabelecimento, importa mencionar ainda, entre os sinais distintivos do comércio, a marca. Trata-se de um sinal destinado a individualizar produtos ou mercadorias e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie. A marca é um sinal distintivo de mercadorias ou produtos. Seja qual for a sua composição, a marca traduz-se sempre num nome ou sinal que o empresário apõe nas mercadorias, e é evidente que, através deste sinal específico, será sempre mais fácil identificar o respectivo estabelecimento, principalmente àqueles indivíduos que aí adquirem directamente os produtos (grossistas, importadores)[1].

“A marca desempenha, no jogo da concorrência, uma função muito importante. Por seu intermédio pode o empresário acreditar perante a clientela os seus melhores produtos.

Por outro lado, se as mercadorias marcadas forem de boa qualidade, a marca surgirá como um símbolo da capacidade ou da seriedade de certa empresa.

Por último, através da marca, pode ainda o empresário, em certos casos, excluir por completo a concorrência”[2].

Ainda como sinal distintivo que é das mercadorias, a marca há-de ser constituída por forma tal que se não confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante. Aliás a marca deixaria de desempenhar a sua finalidade distintiva para se transformar em elemento de confusão.

Esta regra - conhecida por princípio da novidade ou da especialidade da marca -  está expressamente consagrada na nossa lei.

Tal como se infere do artigo 224º do CPI/2003, aplicável ao caso, a marca é um sinal distintivo que serve para distinguir os produtos ou serviços de uma actividade económica ou profissional, gozando aquele que a adopta, da propriedade e do exclusivo dela.

Deste modo, o direito à marca desdobra-se na liberdade da utilização e na faculdade que o seu titular tem de se opor ao seu uso por parte de terceiros[3].

A composição dos referidos sinais distintivos encontra-se sujeita a algumas restrições. Designadamente e no que ora nos interessa, prevê o art.º 239º do CPI que “será (…) recusado o registo das marcas (…) que, contenham, em todos ou alguns dos seus elementos: (…) a firma, denominação social, logótipo, nome e insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente, ou que o mesmo não esteja autorizado a usar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão (alínea f), reprodução ou imitação no todo ou em parte de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada” (alínea m).

O artigo 245º CPI menciona o conceito de imitação, determinando que a marca registada considera-se imitada ou usurpada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente (i) a marca registada tiver prioridade; (ii) sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; (iii) tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma a que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de um exame atento ou confronto.

Analisando a situação em concreto, a sentença reconheceu que a marca da recorrente tem prioridade relativamente à marca considerada obstativa (fls. 251).

Entendeu igualmente, no que à semelhança entre sinais concerne, que se encontra verificado o último requisito de imitação (fls. 252).

Foi apenas relativamente à afinidade dos produtos e serviços assinalados pelas marcas que a sentença concluiu negativamente (fls. 251).

E, nessa parte, as recorrentes não questionam a decisão. Aliás, porque aceitavam a inexistência de afinidade dos produtos e serviços assinalados pelas marcas em confronto, as recorrentes não invocaram, perante o tribunal a quo, a afinidade (e muito menos a identidade) dos produtos assinalados pelas referidas marcas, excepto no que diz respeito à classe 35ª, relativamente à qual o tribunal a quo deu provimento à sua pretensão, recusando o registo da marca sub judice.

Na verdade, no que concerne aos produtos assinalados pela marca registanda nas classes 37º e 39ª, as recorrentes buscaram o suporte da sua pretensão no artigo 242º do CPI, o qual constitui uma excepção ao princípio da especialidade e, por conseguinte, torna irrelevante a falta de identidade ou afinidade.

Segundo tal norma, o pedido de registo será igualmente recusado se a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem identidade ou afinidade, constituir tradução, ou for igual ou semelhante a uma marca anterior que goze de prestígio em Portugal ou na Comunidade Europeia, se for comunitária, e sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudicá-los.

Do cotejo destas disposições há que distinguir as marcas de prestígio das demais.

Se a marca previamente registada for de prestígio, o registo da marca (que se possa confundir) deve ser recusado independentemente de se destinar ou não a produtos ou serviços semelhantes, sempre que o uso da marca posterior vise parasitar o seu prestígio e distintividade ou, e em alternativa, quando o mesmo uso possa prejudicá-los.

Afasta-se aqui o princípio da especialidade da marca, conferindo o registo um direito de exclusivo absoluto, ou seja, no caso de uma marca ser de prestígio, goza de uma protecção adicional, protecção que se estende aos casos em que os produtos não são idênticos ou afins, protecção que, no entanto, só existe se houver prioridade de registo e identidade ou semelhança gráfica ou fonética entre as marcas.

Se não for de prestígio, a recusa, com base na confundibilidade, só terá lugar quando ambas se destinem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta, sendo certo que, in casu, tais produtos ou serviços não são idênticos ou afins.

Importa, então, saber se a marca “Salsa” será uma marca de prestígio.

Como diz Luís Couto Gonçalves[4], não é fácil definir uma marca de grande prestígio. Mas não podemos evitar a questão: a marca de grande prestígio passou a constituir no nosso ordenamento jurídico uma nova categoria de marcas com a qual o INPI, a doutrina e a jurisprudência e o mercado, de uma forma irrecusável, hão-de confrontar-se.

Essa marca deve obedecer a dois apertados requisitos: (i) gozar de excepcional notoriedade; (ii) gozar de excepcional atracção e/ou satisfação junto dos consumidores.

“O primeiro requisito significa que a marca deva ser, espontânea, imediata e generalizadamente conhecida do grande – público consumidor, e não apenas dos correspondentes meios interessados, como o sinal distintivo de uma determinada espécie de produtos ou serviços”.
“O conhecimento pode ser limitado ao âmbito de um só país”.

“O segundo requisito referido significa que a marca deva contar ou com um elevado valor simbólico – evocativo junto do público consumidor ou com um elevado grau de satisfação junto do grande público consumidor. Este último aspecto não significa que os produtos ou serviços, em si mesmos, devam ter uma excepcional, sequer, boa qualidade objectiva. Não é da qualidade dos produtos ou serviços que se trata, mas sim do particular significado que a marca representa junto do consumidor médio em ordem à satisfação, bem sucedida, de determinadas necessidades concretas. Nesse sentido, deve tratar-se de uma marca que haja penetrado no espírito do consumidor com uma imagem positiva de qualidade dos produtos ou serviços que distingue. Em conclusão, a marca de grande prestígio, para além de uma excepcional capacidade distintiva, deve ter ou uma excepcional capacidade evocativa e/ou uma excepcional aceitação no mercado, num caso e noutro de modo tão intenso que, dificilmente, e sempre com o risco de depreciação, se a imagina desligada dos produtos ou serviços que assinala ou ligada, simultaneamente, a outros produtos ou serviços.
É que, repetindo-nos, sustentamos que a função distintiva e a função publicitária correm lado a lado de um modo complementar e não de um modo autónomo. Não se protege a marca de grande prestígio em virtude de se ter tornado como que independente dos produtos ou serviços para as quais originariamente foi destinada. O mérito da marca célebre não é o de ter deixado de ser marca. O seu mérito, a justificar protecção, é, na nossa opinião, o facto de se ter tornado numa marca que distingue “bem demais” e de um modo especialmente evocativo ou atractivo uma determinada classe de produtos ou serviços”.

Ora, atendendo aos factos provados, aquela excepcional capacidade evocativa e/ou excepcional aceitação no mercado está bem comprovada.

Com efeito, a Irmãos Vila Nova S.A, tendo iniciado a sua actividade em 1987, é uma das maiores empresas do seu ramo no nosso País.

De acordo com uma sondagem efectuada pela INFORTEC – Projectos e Consultoria L.da, é uma empresa muito conhecida e adquiriu grande reputação no mercado português, sendo detentora de mais de 40 lojas em Portugal, onde vende uma vasta gama de produtos de vestuário.

Investe milhares de euros em publicidade à sua marca, tendo, em contrapartida, quase triplicado os seus lucros, em 2002, para 7,55 milhões de euros.

Foi eleita pela Revista “Exame” a melhor empresa do sector têxtil em Portugal no ano de 2003.
Em 2006, foi realizado um estudo de mercado, denominado “BRAND ENERGY - A Energia da Marca Salsa”, pela IB - INTANGIBLES and BRANDING – Gestão e Avaliação de Marcas, L.da, relativo aos mercados português e espanhol, concluindo, entre outros dados, que o conhecimento da marca Salsa atinge os 89,4%, ocupando um lugar de destaque face às concorrentes.

Cremos, assim, tratar-se de uma marca de prestígio.

Aqui chegados, importa averiguar se se verificam os requisitos consagrados no artigo 242º do CPI, para que o registo da marca do recorrido deva ser recusado.

No que diz respeito ao requisito do n.º 2 desse artigo, os registos de marcas da segunda recorrente, oportunamente invocados e comprovados perante a primeira instância, demonstram sobejamente o seu cumprimento.

No que se refere ao n.º 1 do artigo, o texto da lei engloba dois requisitos alternativos: a marca de prestígio será protegida, para além do estrito princípio da especialidade, sempre que (i) o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou (ii) possa prejudicá-los.

A este respeito o tribunal a quo limitou-se a afirmar que “não ficou apurado qualquer facto do qual resulte que o objectivo do titular da marca concedida fosse tirar partido indevido do carácter distintivo ou do referido prestígio”, tendo concluído que não se verificavam os requisitos exigidos pelo artigo 242º para a recusa do registo.

Não se pronunciou, porém, quanto à parte final da norma, onde se prevê que o comando opere também, sempre que a marca posterior possa prejudicar o carácter distintivo ou o prestígio da marca anterior.

Ora, foi nesta segunda hipótese que se estribou a pretensão das recorrentes (cfr. artigos 33 a 36 da petição de recurso).

Tal como aí invocaram e reiteram nas suas doutas alegações, o “selling power” da marca da Irmãos Vila Nova S.A., ou seja, a tal excepcional capacidade evocativa que, justamente, lhe está associada, enquanto marca de prestígio, será indubitavelmente abalado por efeito da diluição que o uso da mesma marca, por uma entidade terceira, e para diferentes produtos ou serviços, forçosamente provocará.

Estando, assim, plenamente preenchida a previsão do artigo 242º do CPI, justifica-se que opere para a marca da segunda recorrente a protecção reforçada daquela norma.
Concluindo:
1 - A marca de prestígio deve obedecer a dois requisitos: (i) gozar de excepcional notoriedade; (ii) gozar de excepcional atracção e/ou satisfação junto dos consumidores.
2 - O artigo 242º do CPI constitui uma excepção ao princípio da especialidade e, por conseguinte, torna irrelevante a falta de identidade ou afinidade dos produtos ou serviços.
3 - No que se refere ao n.º 1 desse preceito, o texto da lei engloba dois requisitos alternativos: a marca de prestígio será protegida, para além do estrito princípio da especialidade, sempre que (i) o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou (ii) possa prejudicá-los.
4 – Assim, se a marca previamente registada for de prestígio, o registo da marca (que se possa confundir) deve ser recusado independentemente de se destinar ou não a produtos ou serviços semelhantes, sempre que o uso da marca posterior vise parasitar o seu prestígio e distintividade ou, e em alternativa, quando o mesmo uso possa prejudicá-los.
5 - Afasta-se aqui o princípio da especialidade da marca, conferindo o registo um direito de exclusivo absoluto, ou seja, no caso de uma marca ser de prestígio, goza de uma protecção adicional, protecção que se estende aos casos em que os produtos não são idênticos ou afins, protecção que, no entanto, só existe se houver prioridade de registo e identidade ou semelhança gráfica ou fonética entre as marcas.
6 – A excepcional capacidade evocativa que, justamente, está associada a uma marca, enquanto marca de prestígio, será indubitavelmente abalado por efeito da diluição que o uso da mesma marca, por uma entidade terceira, e para diferentes produtos ou serviços, forçosamente provocará.
5.
Pelo exposto, na procedência da apelação, revoga-se a sentença recorrida, na parte em que indefere parcialmente o recurso de marca das recorrentes e, consequentemente, revoga-se o despacho do Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo à marca nacional n.º 352.586 “SALSA”, no que respeita aos serviços assinalados nas classes 37ª e 39ª, recusando protecção à referida marca para assinalar os mencionados serviços.
Custas pelo recorrido.
Após trânsito em julgado do acórdão, remeta cópia do mesmo ao INPI (artigo 47º do CPI).
Lisboa, 22 de Janeiro de 2009
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Maria Manuela dos Santos Gomes
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[1] Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 312 e seguintes.
[2] Ferrer Correia, obra citada, 314/315
[3] Carlos Olavo, CJ, XII, 2, 26.
[4] Direito de Marcas, 157 e seguintes.