Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
331/08
Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
ADMISSÃO DO RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: DECISÃO INDIVIDUAL
Sumário:
As acções de despejo admitem sempre recurso para a Relação, independentemente do valor, qualquer que seja o fim do arrendamento; as acções sobre contratos de arrendamento visando a sua validade ou subsistência, também admitem recurso para a Relação, independentemente do valor, desde que o contrato tenha fins habitacionais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
I.
No processo n.º 205/06.0 TBMTA do 2º Juízo do Tribunal da Moita, S., autor na referida acção, deduziu reclamação da decisão que, com fundamento no art.º 678º, n.ºs 1 e 5 CPC, não admitiu o recurso de apelação interposto da sentença que absolveu o R., na acção por aquele intentada, com fundamento em se tratar de acção em que não se aprecia a validade ou subsistência de contrato de arrendamento para habitação e atendendo ao valor da causa.

II.
O reclamante, em síntese, refere que:
A acção foi intentada em 27.01.2006, no âmbito de vigência do RAU aprovado pelo DL 321-B/90 de 15.10, nos termos do qual o art.º 57º,n.º1 previa que a acção de despejo sempre admitia recurso para a Relação independentemente do valor da causa.

III.
No caso, está-se perante uma acção de despejo, em que se discutiu a validade ou subsistência de um contrato de arrendamento, mas não de natureza habitacional.
Remete-se na íntegra para a decisão da Exm.ª Sr.ª Vice Presidente da Relação do Porto, na reclamação citada pelo reclamante, em situação análoga à presente e que se transcreve :
(…)
Como decorre dos termos da reclamação, o que está em causa é a questão de saber se na presente acção de despejo, com a forma sumária, é admissível recurso, apesar de o valor da causa ser inferior à alçada do Tribunal recorrido.
No despacho reclamado entendeu-se que, não estando em causa um arrendamento para fins habitacionais, não era admissível recurso independentemente do valor da causa, nos termos do art. 678º, 5 do CPC.
Os reclamantes entendem por seu turno que, por força do art. 57º do RAU, (Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL 321-B/90, de 15 de Outubro), em vigor na data da propositura da acção, deve ser admitido o recurso, pois resulta de tal preceito a recorribilidade de todas as decisões proferidas em acções de despejo, destine-se ou não o arrendamento a fins habitacionais.
Vejamos.
Nos termos do art. 57º n.º 1 do DL 321-B/90, de 15 de Outubro, “A acção de despejo admite sempre recurso para a relação, independentemente do valor da causa”.
Este artigo não faz qualquer distinção entre a acção de despejo relativa a arrendamento para fim habitacional, ou outro, pelo que se o artigo for aplicável, é claro que a recorribilidade das decisões proferidas nas acções de despejo não depende do valor da causa.
Todavia, posteriormente, o DL 180/96, de 25 de Setembro, alterou o C. P. Civil, sendo que, na sequência dessa alteração, o art. 678º, 5 passou a ter a seguinte redacção:
“Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação nas acções em que se aprecie a validade ou a subsistência de contratos de arrendamento para a habitação”.
Será que o legislador do CPC quis revogar o art. 57º, n.º 1 do RAU, passando desde então a só ser admissível recurso, nas causas de valor inferior ao da alçada do tribunal recorrido, quando estivesse em causa um contrato de arrendamento para a habitação?
Julgo que não, como facilmente se demonstra.
Em primeiro lugar, não houve revogação expressa do art. 57º do RAU.
Em segundo lugar, no preâmbulo do DL 180/96, de 25/09, o legislador explicou as razões que o levaram a modificar o art. 678º, 5 CPC, dizendo que pretendia complementar o regime de recursos, em paralelismo com o regime instituído no RAU: “No que se refere aos recursos, estabelece-se – em complemento e estrito paralelismo com o regime instituído em sede de arrendamento urbano, quanto à acção de despejo – que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação nas acções em que se aprecie a validade ou a subsistência de contratos de arrendamento para habitação” – cfr. Preâmbulo citado.
Não faria sentido o legislador querer complementar um regime, em paralelismo com o regime instituído no RAU e, simultaneamente, revogar este regime.
Finalmente e em terceiro lugar, uma coisa é a acção de despejo destinada a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha esse meio (cfr. art. 55º da RAU) e outra coisa é a acção onde se discute a validade e a subsistência do contrato. A acção de despejo pressupõe um contrato válido (cuja validade não se discute), pretendendo-se, não obstante, a sua resolução ou caducidade, por motivos legalmente previstos, o que não acontece com a acção onde se pretende pôr em causa o próprio contrato, ou em que a lei não impõe a acção de despejo para discutir a sua subsistência.
O art. 57º do RAU, acima transcrito, refere-se apenas às “acções de despejo” e o art. 678º, 5 CPC compreende as demais acções que, não sendo acções de despejo, tenham como objecto a validade ou a subsistência de um contrato de arrendamento. Nestas últimas acções (não abrangidas no art. 57º do RAU, vigente quando a acção foi proposta) é aplicável o art. 687º, 5 do CPC e, portanto, só nos casos em que esteja em causa a validade ou a subsistência do contrato de arrendamento para a habitação, a recorribilidade não depende do valor da causa.
Em suma, o regime legal é, a meu ver, o seguinte: as acções de despejo admitem sempre recurso para a Relação, independentemente do valor, qualquer que seja o fim do arrendamento; as acções sobre contratos de arrendamento visando a sua validade ou subsistência, também admitem recurso para a Relação, independentemente do valor, desde que o contrato tenha fins habitacionais.
Clarificado o regime legal, vejamos o caso em apreço.
Os autores intentaram uma acção pedindo a resolução do contrato de arrendamento, ao abrigo do art. 64º, 1, al. d) do RAU, sendo pois inquestionável que trata de uma acção de despejo. Nestes termos, as decisões proferidas na respectiva acção são recorríveis, independentemente do valor da causa.”


IV.
Nestes termos e com estes fundamentos se defere a reclamação devendo em consequência ser admitido o recurso, já que o motivo da sua não admissão foi apenas o valor da causa.
Sem custas.

Notifique
Lisboa,………………………………..

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a) M.ª Filomena O. G.Clemente Lima,Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.