Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | MARIA JOÃO ROMBA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO SUBORDINAÇÃO JURÍDICA NULIDADE DE SENTENÇA CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM FÉRIAS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 01/16/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Sumário: | I- O direito à retribuição de férias - não o direito ao gozo de férias, esse sim irrenunciável, nos termos do art. 2º nº 4 do DL 874/76 de 28/12- não é um direito de exercício necessário, indisponível nem irrenunciável, não podendo, por isso, ser objecto de condenação além do pedido a que se refere o artº 74º do CPT. II -Decisivo para a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços acaba por ser o elemento “subordinação jurídica”, que consiste na circunstância de o prestador do trabalho desenvolver a sua actividade sob a autoridade e direcção do empregador, o que significa a possibilidade de o credor do trabalho determinar o modo, o tempo e o lugar da respectiva prestação II- Não obstante o elevado grau de autonomia exigível nesses casos, é possível o desempenho de funções de elevada craveira técnica e intelectual em regime de subordinação jurídica, como acontece com a profissão de engenheiro. IV - Sendo certo que por si só o nomen iuris atribuído pelas partes ao contrato não é determinante para a respectiva qualificação, há que ponderar as situações em que no clausulado se utilizem expressões correspondentes a conceitos jurídicos, mas cujo sentido comum é em geral apreensível, sobretudo por pessoas, como é o caso de um engenheiro civil, com formação universitária. V- Todavia, revestindo o contrato de trabalho a natureza de um contrato de execução continuada, se a respectiva execução revelar afinal que o clausulado não passa de uma mera fachada ou aparência, não conforme com a realidade, é a esta que o julgador deverá fundamentalmente atender para proceder à qualificação, que mais não seja, considerando modificado o contrato (que, legalmente não está sujeito a forma e por isso pode ser consensualmente alterado) nos termos em que a prática mostre um encontro das vontades distinto daquele que consta do clausulado. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa A… intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presentes acção declarativa de condenação com processo comum laboral contra B…SA, alegando, em síntese, ter celebrado com a R. em 23/1/95 um contrato de trabalho, pela R. denominado de prestação de serviços. (…) Conclui o A. resultar da factualidade descrita que entre ele e a R. foi celebrado um contrato a termo incerto, sem respeitar os requisitos previstos no art. 42º do DL 64-A/89 de 27/2, com as consequências previstas no nº 3 do mesmo artigo. Por carta de 22/11/2002 a R. comunicou ao A. a cessação do contrato o que se traduz num despedimento ilícito. O A., que tinha todas as razões e motivos para se considerar realizado como trabalhador, de um dia para o outro e sem motivo que o justificasse, perdeu o emprego donde retirava o seu sustento, vivendo um drama diário que lhe está a causar um enorme e profundo desgosto e sofrimento, face à situação que lhe foi criada pela R., vivendo num clima de insegurança total, com pesadelos constantes, de dia e de noite (já que praticamente não consegue dormir), que o têm arrasado completamente, quer do ponto de vista psicológico, quer do ponto de vista físico e anímico. Termina pedindo: I – Reconhecimento da existência entre Autor e Ré de uma relação jurídica de natureza laboral (contrato de trabalho); II – Ser declarada a ilicitude do despedimento de que o Autor foi alvo por parte da Ré, por não ter sido precedido de processo disciplinar nem existir justa causa que o funde, com todas as consequências legais: a) Ser a Ré condenada na reintegração do Autor ou caso este assim o não entenda, ser condenada no pagamento de Euros 21.069,20, a título de indemnização por antiguidade calculada nos termos do artigo 13.º do DL n.º 64-A/89 de 27/02; b) Caso o Autor opte pela sua reintegração, ser a Ré condenada no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, do montante de Euros 200,00, por cada dia de atraso; c) Ser a Ré condenada no pagamento das retribuições que o Autor deixou de auferir desde 01/01/2003 até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidas de juros legais contados desde a data em que se forem vencendo até efectivo e integral pagamento, devendo para tanto considerar-se a quantia líquida de Euros 2.633,65 como sendo o valor da retribuição mensal do Autor; III – Ser a Ré condenada no pagamento dos subsídios de férias e de Natal que o Autor nunca auferiu desde 23/01/95 até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros legais contados desde a data em que se foram vencendo até efectivo e integral pagamento, devendo para tanto considerar-se a quantia líquida de Euros 2.633,65 como sendo o valor da retribuição mensal do Autor; IV – Ser a Ré condenada no pagamento ao Autor do montante mínimo de Euros 25.000,00, a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial causados ao demandante pela conduta ilícita da Ré. V – Ser a Ré condenada a efectuar todos os descontos devidos à Segurança Social e a suportar todas as quantias de que o Autor resultar tributado em sede de IRS. A R. contestou impugnando os factos alegados pelo Autor. Alegou, designadamente que, como o A. não pode ignorar, atentas as suas qualificações literárias, o acordo escrito celebrado entre Autor e Ré é um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, acordo escrito esse que podia ser livremente revogado pelas partes, em qualquer momento, mediante aviso prévio mínimo de 30 dias, não havendo lugar a qualquer indemnização. O A. desempenhava funções com plena autonomia na organização concreta das tarefas e dos meios necessários para alcançar o resultado acordado com a Ré – prestação de serviços, no âmbito da especialidade de engenharia civil, nomeadamente na elaboração de projectos de engenharia civil e fiscalização de empreitadas, de harmonia, tão somente, com as obrigações assumidas pela Ré para com os seus clientes –, sem categoria profissional ou integração na estrutura organizativa e hierárquica da empresa (nomeadamente, mediante a atribuição de um posto de trabalho), recebendo mensalmente honorários variáveis, em função das horas de serviços efectivamente executadas (não auferia quaisquer quantias, caso não realizasse os serviços acordados com a Ré) e emitindo, contra tal recebimento, os correspondentes “recibos verdes”. Não recebia ordens ou instruções da Ré nem a sua presença ou serviço eram por ela fiscalizados e/ou controlados, não se encontrando o mesmo sujeito a qualquer poder disciplinar por parte da demandada, não sendo imputável à empresa o facto de o mesmo só desenvolver funções para a mesma. O Autor não constava do “Mapa de Férias dos Trabalhadores” da Ré, gerindo livremente o seu tempo, nunca tendo gozado férias, nem recebido montantes a título de subsídio de férias, de Natal e prestações complementares. O Autor deslocava-se em viatura própria. A Ré nunca procedeu a descontos nos honorários do Autor para a Segurança Social, facto que era do conhecimento do Autor e em relação ao qual nunca reagiu. O referido contrato de prestação de serviços foi válida e eficazmente revogado pela Ré, não tendo havido da sua parte uma qualquer actuação ilícita que justifique minimamente a sua condenação no pagamento ao Autor de uma indemnização por danos morais. Foi proferido despacho saneador e fixada a matéria de facto assente e a base instrutória (fls. 1626 e seguintes), que fora objecto de reclamação por parte da Ré no início da Audiência de Discussão e Julgamento (fls. 1713 e 1714), decidida por despacho judicial de fls. 1714 e 1715. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento após o que foi proferida a sentença de fls. 2397/2435 que julgou procedente por provada a acção decidindo: I – Reconhecer da existência entre Autor e Ré de uma relação jurídica de natureza laboral (contrato de trabalho) desde 25/1/1995; II – Declarar a ilicitude do despedimento de que o Autor foi alvo por parte da Ré, por não ter sido precedido de processo disciplinar nem existir justa causa que o funde, com as seguintes consequências legais: a) Condenação da Ré na reintegração do Autor, com a antiguidade contada desde 25/1/1995 e a categoria correspondente às funções pelo mesmo exercidas à data do despedimento; b) Condenação da Ré no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, do montante de Euros 100,00, por cada dia de atraso na reintegração do Autor; c) Condenação da Ré no pagamento de todas as retribuições que o Autor deixou de auferir desde 01/01/2003 até à data do trânsito em julgado da sentença, cifrando-se as vencidas até 31/8/2006 no montante global de Euros 148.376,71, nelas se inserindo os salários, bem como as remunerações das férias, respectivos subsídios e subsídios de Natal, havendo que proceder à dedução de todas as eventuais importâncias que o Autor tenha auferido ou recebido entre 6/01/2003 e a data do trânsito em julgado da sentença e que ainda venham a ser apuradas, nos termos e para os efeitos do número 2, alínea b) do artigo 13.º do DL n.º 64-A/89 de 27/02, sendo certo que tal dedução só poderá considerar os montantes que o demandante recebeu naquele exacto período, ainda que anteriormente já percebesse rendimentos de trabalho e essa dedução tem como limite o montante global das prestações em que a entidade empregadora for condenada nesta acção e com relação aquele mesmo e preciso período temporal; III – Condenar a Ré a pagar ao Autor as remunerações das férias, correspondentes subsídios de férias e subsídios de Natal devidos entre 23/01/95 e 31/12/2002 e que se computam no montante global de Euros 65.908,00; IV – Condenar a Ré no pagamento ao Autor do montante de Euros 10.000,00, a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial causados ao demandante pela conduta ilícita da Ré. V – Condenar a Ré a efectuar todos os descontos devidos à Segurança Social e a suportar todas as quantias de que o Autor resultar tributado em sede de IRS. VI – Condenar, finalmente, a Ré a pagar ao Autor os juros de mora sobre cada uma das prestações laborais que lhe são devidas e que se mostram referenciadas nos Pontos anteriores (II, c), III e IV), nos termos dos artigos 406.º, 559.º, 762.º, 763.º, 798.º, 799.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil e Portarias n.º 263/99 de 12/04 e 291/2003 de 8/04, sendo os mesmos devidos desde a data do vencimento de cada um dos mencionados créditos, com excepção da indemnização por danos morais, que só são calculados a partir da data da citação da Ré. Inconformada apelou a R., arguindo, no requerimento de interposição do recurso, como exigido pelo art. 77º nº 1 do CPT, nulidades da sentença: excesso de pronúncia, no que se refere à fixação do valor mensal da retribuição a atender e, por outro lado, condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, por, em seu entender, ter aplicado o art. 74º do CPT a uma situação nele não prevista, violando, pois, essa norma. Formulou a apelante nas respectivas alegações as seguintes conclusões: (…) O apelado contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença. Subidos os autos a este tribunal, pelo digno PGA foi emitido o parecer de fls. 2699, também favorável à confirmação da sentença. Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões alegatórias do recorrente, verifica-se no caso que a questão fundamental relativamente à qual o apelante manifesta discordância da sentença e pretende ver reapreciada é a da qualificação jurídica do contrato que vigorou entre as partes – contrato de trabalho ou de prestação de serviços. Ainda que se considere improcedente, nessa parte, a sua argumentação, insurge-se também a apelante contra a parte da sentença que estabeleceu o valor da retribuição a atender nos diversos pedidos formulados, que, em seu entender viola princípios estruturantes do direito processual, a saber o do dispositivo, do contraditório e da audiência contraditória, assacando-lhe ainda o vício de inconstitucionalidade por violação do direito de defesa e a proibição das decisões surpresa e ainda contra o uso efectuado do art. 74º do CPT. Há ainda que conhecer das arguidas nulidades da sentença. Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte matéria de facto: A) A Ré B…, S.A. dedica-se à actividade de consultoria, estudos e engenharia de transportes; B) Em 23/01/1995 O Autor A. celebrou com a Ré o acordo escrito intitulado "CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS N.° 5/95" cuja cópia se acha a fls. 25 e 26, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; C) Na sequência da celebração do acordo referido em B), o Autor, que é engenheiro civil, passou a elaborar para a Ré projectos de engenharia, e bem assim a fiscalizar, para a mesma, a execução de trabalhos de construção civil, no âmbito dos trabalhos a que a R. procedia na expansão da rede do Metropolitano de Lisboa; D) Em 1998, a Ré prestou serviços de Engenharia, Consultoria e Fiscalização no quadro da remodelação/construção de uma lavandaria industrial denominada “E…”, em Famalicão; E) No âmbito dos trabalhos referidos em D), coube ao Autor a fiscalização dos mesmos; F) No âmbito dos trabalhos referidos em D), toda a correspondência entre o Autor e o "Empreiteiro" era dirigida àquele para a sede da Ré; G) A Ré, no âmbito das propostas apresentadas à sociedade Porto 2001, SA, em função do evento "Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura", a saber: - A requalificação dos "Caminhos do Romântico"; - A requalificação da "Frente da Ribeira"; - A adaptação do "Claustro do Convento de S. Bento da Vitória" a sala de Ensaio da Orquestra do Porto; - A fiscalização e controlo da "empreitada da Rua da Restauração e da envolvente da Igreja de Nossa Senhora da Conceição" - A fiscalização e controle da "empreitadas de requalificação urbana da Baixa Portuense"; - A fiscalização e controle da "empreitada geral da antiga Cadeia e Tribunal da Relação do Porto" - A fiscalização e controle da "empreitada de escavação e contenção periférica dos terrenos da futura Casa da Música", contava com a colaboração do Autor, integrando-o, para o efeito, nas equipas de fiscalização indicados igualmente em tais propostas; H) Nas facturas apresentadas pela Ré ao Metropolitano de Lisboa, E.P. constava uma referência expressa ao trabalho do Autor, na fiscalização e coordenação da "empreitada"; I) No âmbito dos trabalhos efectuados pela Ré para o Metropolitano de Lisboa, referidos em C), seja nas instalações da Ré, seja no "estaleiro", o Autor utilizava materiais pertencentes à Ré, e por esta fornecidos, a saber: Capacete; Galochas; Fatos impermeáveis para a chuva; Protecções especiais para a visão e audição; Todo o equipamento de escritório, nomeadamente, fotocopiadora, “fax” e máquina fotográfica digital; J) A Ré atribuiu ao Autor um endereço electrónico com o seu domínio, e que tomou a designação …; L) A Ré enviou ao Autor, que a recebeu, a carta datada de 22/11/2002, cuja cópia se acha a fls. e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual nomeadamente, reportando-se ao acordo escrito referido em B) lhe comunica: "Nos termos do n° 1 da Cláusula 3.ª do contrato de prestação de serviços n.° 5/95, que celebrámos com V. Exa. de 23 de Janeiro de 1995, vimos através da presente manifestar a nossa intenção de o fazer cessar em 31 de Dezembro próximo, em resultado da reorganização dos meios humanos disponíveis face à presente conjuntura e ao fecho de algumas obras já concretizado ou a ocorrer a curto prazo."; M) O Autor era estimado e respeitado por todos quantos o conheceram durante os cerca de sete anos em que esteve profissionalmente ligado à Ré e que, tal como ele, exerciam actividade profissional para esta; N) O Autor sentia-se realizado com a actividade profissional que efectuava na sequência da celebração do acordo descrito em B); O) A Ré atribuía ao Autor a qualificação profissional de “Técnico Superior B” em, pelo menos, algumas das propostas que apresentava aos seus clientes; P) Competia ao Autor, no âmbito da execução dos trabalhos de ampliação da rede do Metropolitano de Lisboa: - Supervisionar as diversas actividades que compõem os trabalhos de construção civil; - Controlar qualitativamente a execução da "empreitada", de acordo com o plano de qualidade, os desenhos e especificações elaborados pelos projectistas; - Definir, acompanhar, e verificar os resultados dos ensaios a realizar; - Analisar e dar pareceres às alterações ao projecto propostas pelos empreiteiros; - Analisar os autos de medição mensais propostos pelos empreiteiros (sendo a sua aprovação da competência do “chefe de fiscalização”); - Requerer aos empreiteiros os resultados referidos nos "Cadernos de Encargos"; Q) O Autor retirava todo o dinheiro necessário para a sua sobrevivência da remuneração que recebia da Ré, nos termos previstos na Cláusula Segunda do acordo referido em B); R) Não auferindo qualquer outra remuneração, seja da Ré, seja de terceiros; S) Para além do quadro de funções que se encontrava originalmente definido, que era do conhecimento do Autor e que enquadrava a sua actividade normal e diária, a Ré, através do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da fiscalização” solicitava-lhe, com uma frequência quase diária, a elaboração de informações, estudos, análises e pareceres sobre os mais variados aspectos da obra em questão; T) As referidas informações, estudos, análises e pareceres eram solicitadas através de um formulário elaborado pela Ré e denominado “Nota Interna”; U) A correspondência referida em F) era dirigida ao Autor atendendo às funções de fiscalização pelo mesmo desenvolvidas e que se acham descritas na alínea E); V) Nas actas redigidas no âmbito dos trabalhos referidos em D) eram o Autor e o Dr. F… quem representava a Ré junto do cliente "E…"; X) A Ré, indicando-o como pertencente ao quadro da empresa (fls.1739 dos autos) e posicionando-o como director ou chefe de fiscalização de algumas delas, com os correspondentes poderes de direcção e controle, integrava o Autor nas equipas técnicas que, nos termos das referidas propostas, iriam, por conta, ao serviço daquela e caso os mesmos lhe fossem atribuídos, realizar os trabalhos referidos em G); Z) O Autor, quase diariamente, elaborava informações, estudos, análises e pareceres sobre os mais variados aspectos da obra em questão a solicitação do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da Fiscalização”; AA) Relativamente às informações, estudos, análises e pareceres sobre os mais variados aspectos da obra em questão que a Ré solicitava ao Autor, era, por vezes, pedida urgência na sua realização; AB) A Ré acompanhava a actividade profissional do Autor bem como o seu nível de presenças, através do preenchimento, por parte do mesmo, do “Relatório semanal de actividades”, da elaboração das informações, pareceres, estudos e análises que lhe eram solicitadas e do contacto directo frequente com o “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da Fiscalização”, sendo certo que as obras do Metro exigiam, em regra, a sua permanência diária e constante; AC) O Autor representava a Ré nas reuniões com os “Empreiteiros”, em substituição do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da fiscalização”, quando estes não podiam estar presentes nas mesmas, comparecendo em muitas outras, como engenheiro–fiscal da obra e elemento da equipa de fiscalização da Ré; AD) A Ré, através do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da fiscalização”, para além do que se mostra respondido aos artigos seguintes, analisava as informações, estudos, análises e pareceres apresentado pelo Autor, podendo convidá-lo, quando detectava algum erro ou omissão, a corrigir os mesmos ou, quando discordava da opinião técnica ali expressa, após troca de ideias, com vista a lograr um consenso, a alterar aqueles documentos, prevalecendo, caso a divergência técnica se mantivesse, a opinião do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da fiscalização”; AE) A Ré, através do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da fiscalização”, ao solicitar as referidas informações, estudos, análises e pareceres, especificava, com alguma frequência, os aspectos que pretendia ver tratados nas mesmas ou a forma de abordagem da questão; AF) E por vezes exigia também maior pormenorização dos mesmos relatórios, nos termos constantes da alínea anterior; AG) Os “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da fiscalização” a que aludem as alíneas anteriores foram, nomeadamente, a Sr.ª Eng.ª … e o Sr. Eng. …, tendo estes, na obra do Metro de Telheiras, acumulado as funções de “Coordenador de Empreendimento” e “Chefe da Fiscalização”; AH) Normalmente, desde o início da obra, havia um dia certo para as “reuniões de obra” (onde o Autor estava muitas vezes presente, nos termos da alínea AC)), que, de reunião para reunião era confirmado ou acertado por consenso, sendo a Ré, através do “Coordenador de Empreendimento”, que marcava tais reuniões quando, por qualquer imprevisto superveniente, não se podia efectuar no dia já designado; AI) Toda a correspondência entre os “empreiteiros da obra” e a Ré era realizado por intermédio dos “Chefe de Fiscalização” Sr.ª Eng.ª … e o Sr. Eng.º …, que, nos termos constantes da alínea AG), também exerciam as funções de “Coordenador de Empreendimento”; AJ) No quadro das informações, estudos, análises e pareceres solicitados ao Autor, era-lhe dado conhecimento da correspondência que, enviada à Ré pelos Empreiteiros da obra ou terceiros, justificavam a elaboração daqueles documentos ou, após tal elaboração, da correspondência final trocada entre a Ré e os referidos empreiteiros ou terceiros, que importava para a actividade funcional do Autor; AK) Pelo menos, nas obras do Metropolitano de Lisboa, onde o Autor desempenhou funções, a Ré tinha um local, que era exclusivo dele, onde podia trabalhar e estava dotado dos materiais e equipamento a que alude a alínea I) e que eram necessários aquele desempenho; AL) Uma vez terminada uma “obra” e até ser iniciada uma nova “obra”, o Autor desempenhava funções na sede da Ré, sendo-lhe atribuído, para o efeito, um local dotado com os materiais e equipamento de escritório a que alude a alínea I) e que eram necessários aquele desempenho; AM) Cabendo-Ihe então levar a cabo, na sede da R., as seguintes funções: . Correcção de telas finais; . Análise dos autos de fecho de empreitada; . Estimativas de preços; . Apresentação de propostas a concurso; . Finalização de "empreitada"; . Auxiliar o Sr. Eng. … na preparação de "propostas para finalização de empreitada"; AN) No que toca à secretária e computador, os mesmos eram atribuídos ao Autor nos termos constantes das alíneas AK) e AL) e no que respeita ao número de telefone, o Autor consta das diversas Listas juntas aos autos, com diversos números, sendo alguns deles relativos aos estaleiros das obras e outros à sede da Ré; AO) O Autor sofreu e sofre enorme, profundo e interno desgosto pelo facto causado pela decisão da Ré que lhe foi comunicada na carta mencionada em L); AP) O Autor, devido à sua idade e à crise que o país atravessa, tem sentido grandes dificuldades em encontrar trabalho; AQ) O Autor, no âmbito da actividade profissional desenvolvida para a Ré, possuía autonomia técnica relativamente à organização concreta de muitas das tarefas realizadas e dos meios utilizados para esse efeito, bem como no que toca a muitas das decisões que tomava e das opiniões e informações técnicas que emitia; AR) A facturação dos serviços prestados pela Ré ao cliente Metropolitano de Lisboa era feita em função das horas efectivamente despendidas pelos técnicos que interviessem na execução do acordo firmado com aquela, por aplicação das respectivas taxas horárias, e consequente facturação; AS) Razão pela qual as horas de trabalho despendidas pelo Autor em "obras" do Metropolitano de Lisboa era, discriminadas nas facturas que a Ré apresentava àquela empresa; AT) E, só para os efeitos referidos nas duas alíneas anteriores, e com referência às relações comerciais que manteve com o Metropolitano de Lisboa a Ré definiu categorias profissionais, para aplicação de taxas horárias (muito embora tal procedimento da Ré não se restringisse à empresa Metropolitano de Lisboa); AU) As "folhas de registo semanal" eram preenchidas e rubricadas pelo Autor; AV) O "coordenador do empreendimento" ou o "chefe de fiscalização" apenas apunha um visto nas "folhas de registo semanal" para efeitos de processamento dos honorários do Autor e facturação ao "Cliente /Dono da Obra"; AW) O “Coordenador do Empreendimento” ou o ”Chefe da Fiscalização” apunham um visto nas “folhas de registo semanal”, destinando-se as mesmas, também, ao processamento dos honorários do Autor e facturação do “Cliente/Dono da Obra”; AX) Em Janeiro de 1998 a Ré celebrou com a S…, S.A. o acordo escrito cuja cópia se acha a fls. 982 a 995 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; AY) O qual visava a remodelação/construção de uma lavandaria industrial em Famalicão; AZ) O Autor, no âmbito da execução dos trabalhos referidos em tal acordo, que, tecnicamente, não exigiam a constituição de uma equipa de fiscalização, procedeu, por indicação da Ré, à fiscalização dos mesmos; AAA) Competindo-lhe fiscalizar os trabalhos nos termos do mesmo acordo, garantido assim o seu cumprimento pelo "empreiteiro" do "contrato de empreitada" celebrado com o "Dono da Obra"; AAB) Razão pela qual a correspondência era dirigida para a sede da Ré, ao cuidado do Autor; AAC) Das propostas referidas em G), apenas foram "adjudicadas" à Ré a proposta “fiscalização e controlo da empreitada de requalificação da Avenida de Montevideu”, com o esclarecimento de que foi adjudicada à Ré uma outra proposta, no âmbito do “Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura”, que não se acha referenciada na alínea G); AAD) E, apesar de o nome do Autor constar das propostas referidas na alínea anterior, este não foi afecto a qualquer delas; AAE) No âmbito da fiscalização das "empreitadas" integradas no empreendimento do Campo Grande – Telheiras do Metropolitano de Lisboa, a Ré celebrou os acordos escritos denominados "Contrato 32/99-ML", "Contrato 37/2001-ML" e "Contrato 5412002-ML, cujas cópias se acham a fls. 900 a 981 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; AAF) Como responsável da coordenação e fiscalização dos trabalhos integrados na execução dos acordos escritos referidos na alínea anterior, competia à Ré assegurar: . A direcção e coordenação das "empreitadas"; . O controlo de planeamento; . O controlo da qualidade de execução; . O controlo de quantidades e custos; . O controlo de segurança; AAG) Para tanto, cabia à Ré: a) Vigiar os processos de execução e o ritmo de execução dos trabalhos; b) Aprovar os materiais a aplicar; c) Realizar vistorias, exames, medições e levantar autos; d) Responder às reclamações do "empreiteiro" e) Informar o "Dono da Obra" sobre o andamento dos trabalhos f) Fornecer todos os elementos solicitados por aquele g) Resolver, quando fossem da sua competência, ou submeter, com a sua informação, no caso contrário, à decisão do "Dono da Obra" todas as questões que surgissem ou lhe fossem postas pelo "Empreiteiro"; AAH) No âmbito dos trabalhos abrangidos pelos acordos referidos na alínea AAE), as relações entre o "Dono da Obra" e a equipa de coordenação e fiscalização cabiam exclusivamente ao "Coordenador do Empreendimento", que deveria assegurar a informação necessária ao acompanhamento do desenvolvimento dos objectivos do empreendimento; AAI) Sendo que o relacionamento entre o "empreiteiro" e a "fiscalização" cabiam exclusivamente ao "Chefe da Fiscalização"; AAJ) A partir de 15/10/2001, a Sr.ª Eng.ª … acumulou as funções de "Coordenadora do Empreendimento" e de "Chefe de Fiscalização" das "empreitadas" a que se referem os acordos referidos na alínea AAE); AAK) O Autor foi integrado na equipa de fiscalização das "empreitadas" a que se referem os acordos referidos na alínea AAE); AAL) Cabendo-lhe na área da sua especialidade, acompanhar a execução dos trabalhos pelos "Empreiteiros", nomeadamente: . Vigiar e verificar o exacto cumprimento do projecto e suas alterações, do "contrato" do caderno de encargos, e do plano de trabalhos em vigor: . Analisar e dar parecer sobre todas as questões relacionadas com as "obras" que fiscalizava . Informar o Chefe da fiscalização sobre o andamento dos trabalhos integrados na "empreitada", tudo de forma a assegurar o acompanhamento permanente do desenvolvimento da "obra"; AAM) Quando estavam em causa matérias que revestiam carácter de urgência, o “Chefe de Fiscalização” solicitava ao Autor uma análise e emissão de parecer mais rápidas; AAN) Apenas com o fim de evitar que a gestão da "obra" fosse prejudicada; AAO) Sem prejuízo do que consta da alínea AH), se, por algum motivo, a reunião tivesse de ser adiada, desse facto era dado conhecimento a todos os intervenientes; AAP) A correspondência era dirigida ao "Chefe da Fiscalização" por força do referido em AAI); AAQ) A correspondência enviada ao "Empreiteiro" era elaborada pelo "Chefe da Fiscalização" tendo por base os pareceres ou as informações fornecidas pelo Autor; AAR) A correspondência referida na alínea anterior, que importava ao correcto, total, eficaz e actualizado desenvolvimento das funções do Autor, era depois enviada a este último, para conhecimento; AAS) O local onde o Autor trabalhava variava consoante os trabalhos que estivesse a desenvolver; AAT) E, por tal razão, foram atribuídas ao Autor diversas linhas de telefone; AAU) Ao Autor foi atribuído um endereço electrónico quando estava a fiscalizar as "empreitadas" do "Empreendimento Campo Grande – Telheiras", por se tratar de um meio necessário e útil ao bom desenvolvimento do seu trabalho, com o esclarecimento de que, anteriormente, pelas razões de serviço indicadas e devido às dificuldades técnicas sentidas pela Ré relativamente à atribuição desse endereço electrónico, o Autor criou um outro, estranho ao servidor da Ré, quando já se encontrava a “fiscalizar” aquele “Empreendimento”; AAV) Em data não apurada e devido à reformulação do servidor de correio electrónico, foi atribuído um endereço electrónico com o domínio F… a todos os colaboradores da Ré, independentemente do vínculo que tivessem com esta; AAW) O Autor nunca gozou férias, nem recebeu subsídios de férias e de Natal, nem quaisquer "prestações complementares"; AAX) Recebendo remuneração de montante variável, consoante o número de horas de trabalho que prestava à Ré; AAY) Nada recebendo se nada fizesse para a mesma; AAZ) O Autor passava à Ré "recibos verdes" do modelo 6; AAAA) A Ré nunca procedeu a descontos na retribuição em dinheiro que entregava ao Autor para a Segurança Social; AAAB) Facto que era do conhecimento do Autor; AAAC) O qual nunca se opôs a tal procedimento; AAAD) O Autor deslocava-se em viatura própria. Apreciação Nulidades da sentença A apelante atribui à sentença a nulidade prevista no art. 668º nº 1 al. d) do CPC – excesso de pronúncia - na parte em que se pronunciou sobre a retribuição do A., porque o fez com base em elementos de facto não articulados por este. Vejamos se lhe assiste razão. O A. alegou no art. 13º da petição que “as condições remuneratórias oferecidas ao A., constantes do contrato qualificado como de prestação de serviços, consistiam no pagamento de 3.000$00 ou seja € 14,96 por cada hora de trabalho…”, que “era precisamente desta base remuneratória que o A. retirava todo o dinheiro necessário para a sua sobrevivência” (art. 14º) não auferindo qualquer outra remuneração paralela, conforme se pode comprovar pelo confronto entre as declarações de pagamento emitidas pela R. e a liquidação de imposto de IRS, conforme documentos 4 a 23 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos…” (art. 15º) e formula os pedidos, quer de pagamento de retribuições que deixou de auferir desde 1/1/2003, quer de pagamento dos subsídios de férias e de Natal, que nunca auferiu desde 23/1/95 até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros legais, dizendo sempre dever considerar-se para o efeito a quantia líquida de € 2.633,65 como sendo o valor da retribuição mensal, não discriminando, porém, como chegou a este valor. A R. no art. 162º da contestação impugnou “…o que o A. alega na parte final da al. b) do seu pedido, quando considera corresponder à retribuição líquida a quantia de € 2.633.65”, mas não impugnou os documentos juntos pelo A., por cópia, sob os nº 4 a 23, sendo certo que os nºs 4 a 10 são por si emitidos. É certo que a junção de documentos não substitui a articulação dos factos. Os documentos são meios de prova de factos que devem ser alegados. Em nosso entender a formulação da causa de pedir em matéria de retribuição mostrava-se deficiente (se bem que os factos essenciais tivessem sido articulados) e merecia um convite ao aperfeiçoamento no sentido de esclarecer concretamente a fórmula de cálculo do valor que o A. considerava ser o da retribuição mensal, o que deveria ter sido efectuado ao abrigo do art. 27º al. b) do CPT. Todavia, embora isso não tivesse sucedido, o certo é que o que a R. impugnou foi que o valor mensal da retribuição a considerar devesse ser o líquido de € 2.633,65. Não impugnou que a remuneração acordada fora a de 3.000$00 ou € 14,96 por hora de serviço e que foi esse o valor praticado, conforme resulta das declarações de pagamento emitidas por ela própria e das declarações para efeitos de IRS apresentadas pelo A. à DGCI, juntas, por cópia, aos autos. E se bem que esses dados não tenham sido directamente incluídos na matéria de facto provada, consta indirectamente da al. A) o valor remuneratório acordado, na medida em que se dá por reproduzido o teor integral do contrato celebrado entre as partes, no qual é referido esse valor horário e, tendo o A. remetido (no art. 15º da p.i., que não foi impugnado) para o teor dos documentos os valores efectivamente auferidos, não tendo também tais documentos sido impugnados, podia o juiz, na fundamentação da sentença considerar os factos admitidos por acordo ou provados por documento (art. 659º nº 3 do CPC), ou seja, que os valores em cada ano pagos pela R. ao A. são os que constam dos aludidos documentos. Ao fazê-lo está ainda dentro da causa de pedir invocada nos art. 13º a 15º da p.i. Ora, não tendo as partes fixado uma retribuição mensal, competia ao julgador, nos termos do art. 90º da LCT fixá-la, tanto mais quanto vem peticionado o pagamento de retribuições e de outras prestações calculadas em função da retribuição. Foi o que o Sr. Juiz fez e, porque o valor a que chegou, a partir dos elementos referidos – alegados pelo A., ainda que de uma forma que tecnicamente não é escorreita, mas ainda assim, aproveitável[1] – se contém dentro dos valores conclusiva e não fundamentadamente indicados pelo A. no petitório, entendemos que não incorreu a sentença nesta parte em excesso de pronúncia, pelo que não procede a arguição de nulidade. Ainda no requerimento de arguição de nulidades a apelante vem alegar que a sentença violou o disposto no art. 74º do CPT, aplicando-o a uma situação por ele não abrangida, ao condenar a R. a pagar ao A. a retribuição das férias do período de 1995 até á data do trânsito em julgado da sentença sem que tal tivesse sido pedido, dado que, em seu entender, falece a premissa de facto e a premissa de direito subjacente à aplicação de tal preceito. Verifica-se efectivamente que, não tendo o A. pedido a condenação da R. a pagar-lhe a retribuição das férias do período de 1995 a 2002 (mas apenas no pedido formulado sob o nº III, dos subsídios de férias e de Natal), o Sr. Juiz entendeu que tal se deveu a lapso da sua parte e porque a retribuição das férias, nos termos dos art. 2º e 11º do DL 874/76 de 27/12 constitui um direito indisponível, lançando mão do regime excepcional previsto no art. 74º do CPT, condenou a R. a pagar tais retribuições. Vejamos, então, se o Sr. Juiz, ao assim proceder, condenando a R. no pagamento ao A. das retribuições das férias de 1995 a 2002, sem que esse pedido tivesse sido deduzido, aplicou bem o direito. O art. 74º do CPT (como, anteriormente, o art. 69º, tanto do CPT/81, como do CPT/63) admite, excepcionalmente, um desvio aos limites da condenação estabelecidos no art. 661º nº 1 do CPC, segundo o qual a sentença não pode condenar em quantidade superior nem em objecto diverso do que se pedir. O art. 661º do CPC, nas palavras de Leite Ferreira[2], traduz “no campo do direito processual civil, o princípio da autonomia da vontade que caracteriza os direitos subjectivos. Se, de facto, neste domínio, assiste às partes a faculdade de dispor da sua esfera jurídica, compreende-se que, no campo processual, possam circunscrever a actividade do julgador ao conhecimento da pretensão jurídica substantiva, tal como é expressa no pedido formulado. É que, no fundo, a vinculação do julgador aos limites quantitativos e qualitativos do pedido equivale a reconhecer implicitamente a disponibilidade dos direitos subjectivos – o que se harmoniza perfeitamente com o princípio dispositivo que amplamente informa o direito processual comum de natureza civil.” Nos termos daquele preceito específico do processo laboral, o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do art. 514º do CPC, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. De acordo com o ensinamento do Prof. Castro Mendes[3] “A inderrogabilidade aí referida pode querer significar: a impossibilidade de afastamento da sua aplicação pela vontade das partes no plano jurídico ou a impossibilidade de afastamento da sua aplicação pela vontade das partes no plano prático. Há preceitos com efeito cuja aplicação não pode ser afastada no plano jurídico, mas pode sê-lo no plano prático.” E o exemplo que dá é precisamente o direito ao salário. Segundo o insigne Professor “O direito ao salário é de existência necessária, mas não de exercício necessário.... Em contraste, temos direitos cuja existência e exercício são necessários, como é o caso do direito a indemnização por acidente de trabalho ou doença profissional. A lei quer que o direito exista e quer que o direito seja exercido; num e noutro plano a vontade das partes é irrelevante e os preceitos legais são inderrogáveis. A necessidade do exercício do direito não se traduz em sanções ao titular que o não exerça, mas actua de outra forma: através do suprimento dessa omissão pela actividade oficiosa dum órgão do Estado, normalmente o Ministério Público, mas aqui o juiz. A disposição do art. 69º[4] do CPT só se justifica realmente concebendo a condenação ultra ou extra petita como o suprimento, pelo juiz, dum direito de exercício necessário imperfeitamente exercido pelo seu titular (ou representante).” No caso vertente está em causa o direito à retribuição de férias (não o direito ao gozo de férias, esse sim irrenunciável, nos termos do art. 2º nº 4 do DL 874/76 de 28/12), que não é um direito de exercício necessário, que, não tendo sido exercido, deva ser suprido pelo juiz. O não exercício desse direito, cessado que foi o contrato de trabalho, deve ser entendido como a renúncia ao mesmo, dentro da autonomia da vontade e disponibilidade de direitos subjectivos como é o direito a tais retribuições. O juiz deve pois respeitar o princípio dispositivo. A possibilidade de condenação além do pedido, prevista no processo laboral, sendo uma decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade de certos direitos do trabalhador, só é aplicável relativamente a esses direitos irrenunciáveis. E no caso, não estão em causa direitos irrenunciáveis. Ainda que se reconheça que, na vigência da relação laboral, o direito à retribuição é irrenunciável ou indisponível, essa indisponibilidade cessa com a cessação (ainda que ilícita) da relação laboral, por cessar então, de facto, a situação de subordinação jurídica em que o trabalhador se encontrava relativamente ao empregador. O direito às retribuições das férias vencidas desde 1995 não é indisponível nem irrenunciável, não podendo, por isso, ser objecto de condenação, quando não foi peticionado. Não se verificavam, no caso, os pressupostos para condenar além do pedido, pelo que não andou bem o Mmº Juiz ao socorrer-se do disposto pelo art. 74º do CPT, cometendo assim a nulidade prevista no art. 668º nº 1 al. e) do CPC. Tem assim razão a apelante quanto a esta nulidade, pelo que a sentença deve pois ser revogada nessa parte. A qualificação jurídica do contrato A questão da qualificação contratual é uma das que mais se discute nos nossos tribunais de trabalho, porque apesar da fácil delimitação conceptual, na prática, é muitas vezes extremamente difícil estabelecer com segurança a fronteira entre as duas espécies contratuais que se caracterizam pela prestação de trabalho intelectual ou manual de uma pessoa em benefício de outra (contrato de trabalho /contrato de prestação de serviços). Dos conceitos vazados nos artigos 1152º (repetido no art. 1º da LCT[5]) e 1154º do Código Civil decorre que as diferenças entre ambos são estabelecidas através, por um lado, da obrigatoriedade da retribuição (presente no contrato de trabalho, mas não necessariamente no contrato de prestação de serviços, embora na realidade também nele exista retribuição, na maior parte dos casos); por outro, na prestação objecto do contrato - uma obrigação de meios (actividade, no contrato de trabalho) ou de resultado (no contrato de prestação de serviços) - e, por último, na existência ou não de subordinação jurídica do prestador de trabalho ao respectivo credor. Os dois primeiros elementos distintivos são pouco relevantes porque, por um lado, como se disse, serão actualmente raros os casos de contratos de prestação de serviços sem retribuição, face à total desadequação da gratuitidade do trabalho, no contexto de uma sociedade como a contemporânea; por outro lado, porque, mesmo quando o objecto da prestação é a actividade, em última análise, pretende-se sempre retirar dessa actividade uma utilidade, um resultado, que não é indiferente e, por outro lado ainda, em muitos contratos de prestação de serviços cuja qualificação não oferece quaisquer dúvidas, como seja, por exemplo, o estabelecido entre o médico e o seu paciente ou entre o advogado e o seu cliente, o que aquele tem de prestar é apenas a sua actividade, não o resultado, que é sempre aleatório. Decisivo para a distinção acaba, pois, por ser o elemento “subordinação jurídica” que consiste na circunstância de o prestador do trabalho desenvolver a sua actividade sob a autoridade e direcção do empregador, o que significa a possibilidade de o credor do trabalho determinar o modo, o tempo e o lugar da respectiva prestação. A prestação de trabalho nesses casos é heterodeterminada (pelo empregador), contrapondo-se ao trabalho autodeterminado em que, em princípio, cabe apenas ao próprio trabalhador a definição do modo, tempo e lugar da prestação. No trabalho heterodeterminado o grau de dependência do prestador do trabalho da autoridade e direcção do empregador pode ser maior ou menor, sobretudo no que se refere ao modo da prestação, diminuindo, sensivelmente à medida que aumenta a especificidade técnica exigida para o desempenho da actividade. Como resulta do artigo 5º nº 2 da LCT (Decreto-Lei 49.408 de 24/11/69)[6] o contrato de trabalho não é incompatível com a salvaguarda da autonomia técnica exigida pela observância das legis artis, que muitas vezes e sobretudo nos casos em que é exigível uma qualificação profissional muito específica, o prestador do trabalho domina melhor que o tomador do trabalho. Mas, não obstante o elevado grau de autonomia exigível nesses casos, é possível o desempenho de funções de elevada craveira técnica e intelectual em regime de subordinação jurídica. Basta que o empregador possa de algum modo conformar, orientar, organizar e controlar a actividade do trabalhador, ainda que mais não seja, no que se refere ao lugar ou momento da prestação (cfr. Prof. Galvão Teles, Contratos Civis, pag. 62-63). Assume particular relevo como manifestação do poder de direcção e fiscalização do empregador, a existência na esfera do empregador dos poderes regulamentar e disciplinar. Mesmo que esse poder não seja exercido, terá de existir, ainda que em potência, correspondendo-lhe, da parte do trabalhador, uma situação de sujeição. O funcionamento da economia de mercado tem gerado uma maior flexibilização das formas de emprego contribuindo para um aumento exponencial dos casos nebulosos, de fronteira, em que se torna por vezes extremamente complicado ajuizar se estamos perante uma situação de trabalho subordinado ou de trabalho autónomo. A lei não impõe de forma alguma que a prestação de trabalho ocorra apenas em regime de subordinação jurídica. Estamos no domínio da autonomia da vontade, pelo que haverá que ter em conta o acordo das partes. Sendo, muitas vezes, escassos os elementos que permitam identificar a vontade comum das partes no momento da celebração do contrato (frequentemente reduzida a uma expressão mínima) e dando ele início a uma relação duradoura, esses elementos terão de ser colhidos através do modo como as partes desenvolveram, na prática, essa relação. É uma afirmação consensual na doutrina e na jurisprudência que o método subsuntivo não é adequado ao apuramento da subordinação jurídica, sendo preferível o recurso ao método indiciário ou tipológico, que consiste na procura de indícios que permitam uma aproximação ao modelo típico. «No elenco dos indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e da segurança social do trabalho por conta de outrem»[7] A qualificação de um contrato como de trabalho (heterodeterminado) dependerá, pois, da referenciação, na relação concreta, de um conjunto de indícios que globalmente valorados revelem, de algum modo, a existência do poder de autoridade típico do contrato de trabalho e da sujeição que em contrapartida recai sobre o outro contraente, sendo certo que “cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso”[8]. De acordo com o disposto pelo artigo 342º nº 1 do Código Civil, incumbe àquele que invoca direitos laborais, alegar e provar os factos que permitam qualificar o contrato como laboral, isto é os factos constitutivos de tais direitos. No caso em apreço foi celebrado pelas partes um acordo escrito denominado “contrato de prestação de serviços”, junto a fls. 25/26 pelo que o ponto de onde devemos partir para a qualificação deve ser precisamente os termos de tal contrato, relativamente ao qual cabe salientar que o A. não invocou falta ou qualquer vício da vontade. Os termos do contrato, incluindo a respectiva denominação, são pois mais um indício a considerar. Vejamos então, antes de mais o que foi acordado pelas partes nesse contrato: “Clª 1ª- Pelo presente contrato o segundo outorgante[9] obriga-se, em regime de prestação de serviços no âmbito da sua especialidade[10], sem subordinação jurídica ou económica, a prestar a sua colaboração ao primeiro outorgante[11], no projecto de expansão da rede do Metropolitano de Lisboa, actualmente em curso. Clª 2ª- Como contrapartida dos serviços prestados, o primeiro outorgante pagará ao segundo outorgante a quantia de esc.: 3.000$00 (três mil escudos) por hora de serviço prestado, à qual acrescerá IVA à taxa legal. Clª 3ª- O presente contrato é livremente revogável, por qualquer uma das partes, devendo a intenção de revogação ser comunicada, por escrito, com a antecedência mínima de trinta dias. A revogação do contrato, efectuada nos termos do número anterior, não confere a obrigação de pagamento de qualquer indemnização. …” Sendo certo que por si só o nomen iuris atribuído pelas partes ao contrato não é determinante para a respectiva qualificação, há que proceder à interpretação do clausulado, em conformidade com os critérios definidos pelos art. 236º a 238º do CC para procurar alcançar o conteúdo do contrato que foi querido pelas partes. Se bem que o clausulado em questão seja reduzido e utilize expressões correspondentes a conceitos jurídicos (não só o nome do contrato, como a referência a subordinação jurídica ou económica, ou a revogação), trata-se todavia de expressões cujo sentido comum é em geral apreensível, sobretudo por pessoas, como é o caso do A., com formação universitária – é engenheiro civil. Ora, para além de não existirem sinais nos autos de que a vontade real do A. quando declarou obrigar-se a prestar colaboração à R. sem subordinação jurídica, mediante retribuição correspondente a 3.000$00 por hora de serviço, acrescido de IVA à taxa legal e aceitar que o contrato fosse livremente revogável por qualquer das partes mediante comunicação por escrito com a antecedência de trinta dias, não era a de se obrigar nestes termos, mas sim, mediante um contrato com a protecção devida ao trabalhador e as concomitantes limitações impostas ao empregador, que é conferida pelo contrato de trabalho, afigura-se-nos que um declaratário medianamente instruído e diligente colocado na posição da R. não dispunha de elementos para atribuir à declaração negocial em causa um sentido diferente daquele que objectivamente dela resulta: que se quis afastar a disciplina do contrato de trabalho. Todavia, tratando-se como se trata de um contrato de execução continuada, se a respectiva execução revelar afinal que o clausulado não passa de uma mera fachada ou aparência, não conforme com a realidade, é a esta que o julgador deverá fundamentalmente atender para proceder à qualificação, que mais não seja, considerando modificado o contrato (que, legalmente não está sujeito a forma e por isso pode ser consensualmente alterado) nos termos em que a prática mostre um encontro das vontades distinto daquele que consta do clausulado. Como refere o STJ no acórdão de 17/10/2007[12] “… quando o contrato tiver revestido forma solene, o nomen juris que as partes lhe deram não pode ser menosprezado e, muito menos, o teor das respectivas cláusulas. Sem serem decisivos para a qualificação do contrato, pois o que releva para esse efeito não é a designação escolhida, nem os termos em que foi redigido, mas sim os termos em que o mesmo foi executado, aqueles elementos são naturalmente importantes para ajuizar da vontade das partes no que toca ao regime jurídico que elegeram para regular a relação, sobretudo se os outorgantes forem pessoas cultas e esclarecidas.” Num outro acórdão do STJ[13], referindo por sua vez o proferido em 24/10/2006 (revista nº 1831/06) escreveu-se “… o contrato em análise, qualquer que seja a respectiva qualificação, tem duas componentes: a componente estática (coincidente com a sua formalização) e a componente dinâmica (coincidente com o seu desenvolvimento efectivo). E assim, nada poderá impedir que um dos contratantes possa invocar em juízo a desconformidade entre o clausulado - ou parte dele – e os termos em que o mesmo veio a ser efectivamente executado, podendo daí resultar uma qualificação jurídica diversa daquela que os outorgantes lhe atribuíram. E bem se compreende que assim seja: é que não estará em causa, na espécie, a incidência de prova sobre o conteúdo das declarações emitidas, mas antes sobre o comportamento posterior dos contratantes, em ordem a saber que tipo contratual veio a ser por eles implementado. E esta indagação é importante - quando não decisiva – em todos os contratos de execução continuada.” Como nos dá conta o Prof. da Escola de Direito da Universidade do Minho, Heinrich Ewald Hörster[14] também a jurisprudência permanente do BAG (Bundesarbeitsgericht) é no sentido de que “para a qualificação jurídica de um negócio é decisiva não a designação escolhida pelas partes ou o efeito jurídico desejado por elas, mas sim o conteúdo do negócio. Em caso de contradição entre o acordado e o realmente executado, prevalece a execução efectiva.” Em conformidade com o que antecede, salvo o devido respeito, não podemos concordar com a afirmação de Fernando Ribeiro Lopes, citada pela apelante, de que o comportamento das partes posterior à celebração do contrato não pode concorrer para decidir a qualificação. Vejamos então se a forma como o contrato foi na prática executado apresenta indícios bastantes reveladores de subordinação jurídica, apesar de as cláusulas do contrato manifestarem claramente a intenção de afastar esse tipo de subordinação. Desde logo se nos afigura muito duvidoso que o objecto do contrato fosse um resultado e não a actividade profissional do A.. Na clª 1ª do contrato o A. obrigou-se a prestar colaboração à R., no âmbito da sua especialidade (de engenheiro civil) no projecto de expansão da rede do Metropolitano de Lisboa. Como se refere nas al. C) a F) e AZ), na sequência do contrato o A. passou a elaborar projectos de engenharia e a fiscalizar a execução dos trabalhos de construção civil no âmbito daquela obra de expansão da rede de Metropolitano, tendo assumido, por indicação da R. também a fiscalização dos trabalhos de remodelação/construção de uma lavandaria industrial, em Famalicão (obra não referida no contrato). Competiam-lhe as funções referidas nas al. P) e AAL), a que acresciam as referidas em S) e, nos períodos intercalares entre a cessação de uma obra e o início de outra, as referidas em AM). Em particular esta circunstância de, tendo sido contratado para prestar colaboração no projecto de expansão da rede do Metropolitano, terminada uma obra e até ser iniciada uma nova, o A. ficar a desempenhar funções na sede da R. (al. AL) deixa transparecer que o objecto do contrato seria mais a actividade do A. do que propriamente o resultado dessa actividade. Mas, como atrás se referiu, o determinante não é de forma alguma o objecto do contrato, mas antes será o de saber quem determinava o modo o tempo e o lugar da prestação, isto é, se o trabalho do A. era auto ou heterodeterminado. Ora, quanto ao lugar da prestação, pelo menos na medida em que a prestação consistia na fiscalização de determinadas obras, tinha de ser, por natureza, o das referidas obras, não assumindo por isso especial relevo. Porém, cabendo também ao A. elaborar projectos, trabalho de gabinete, que não tem necessariamente que ser realizado na obra, sabemos que a R. tinha nas obras do Metropolitano de Lisboa onde o A. desempenhou funções, um local que era exclusivo dele e estava dotado de materiais e equipamento necessários a tal desempenho (AK) e que nos períodos intercalares entre o fim de uma obra e o início de outra, o A. desempenhava funções na sede da R. o que pode já constituir um índice de subordinação jurídica. Quanto ao tempo da prestação, ao contrário do referido na conclusão 21ª, não resulta de ponto algum da matéria de facto que a R. tivesse estipulado um horário de trabalho ou sequer um período normal de trabalho ao A., se bem que a R. controlasse o tempo de trabalho prestado pelo A. através da aposição do visto do ”Coordenador do Empreendimento” ou do “Chefe da Fiscalização” no “relatório semanal de actividades” por ele preenchido, assinado e apresentado, para efeitos de processamento dos honorários, e esteja também assente que as obras do Metro exigiam, em regra, a permanência diária e constante do A. (AB e AV). Não podemos pois concluir que o tempo de trabalho fosse fixado pela R., mas a própria circunstância de o trabalho ser prestado em instalações facultadas pela R. permite a esta exercer controle sobre o tempo de trabalho do A.. No que concerne ao modo da prestação, resulta da al. AQ) que o A., no âmbito da actividade profissional desenvolvida para a R. possuía autonomia técnica relativamente à organização concreta de muitas das tarefas realizadas e dos meios utilizados para esse efeito, bem como no que toca a muitas das decisões que tomava e das opiniões e informações técnicas que emitia, o que, atento o preceituado pelo art. 5º nº 2 da LCT, não é de forma alguma impeditivo que uma actividade normalmente exercida como profissão liberal - como é a engenharia civil - possa ser objecto de contrato de trabalho. Poder-se-á afirmar que, apesar da autonomia técnica inerente à elevada qualificação profissional própria do exercício da engenharia civil, era a R. que determinava o modo da prestação profissional do A.? Segundo o que consta da alínea S), para além do quadro de funções que se encontrava originalmente definido, que era do conhecimento do Autor e que enquadrava a sua actividade normal e diária, a Ré, através do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da Fiscalização” solicitava-lhe, com uma frequência quase diária, a elaboração de informações, estudos, análises e pareceres sobre os mais variados aspectos da obra em questão. As referidas informações, estudos, análises e pareceres eram solicitadas através de um formulário elaborado pela Ré e denominado “Nota Interna” (T). Relativamente às informações, estudos, análises e pareceres sobre os mais variados aspectos da obra em questão que a Ré solicitava ao Autor, era, por vezes, pedida urgência na sua realização (AA). A Ré, através do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da Fiscalização” analisava as informações, estudos, análises e pareceres apresentados pelo Autor, podendo convidá-lo, quando detectava algum erro ou omissão, a corrigir os mesmos ou, quando discordava da opinião técnica ali expressa, após troca de ideias, com vista a lograr um consenso, a alterar aqueles documentos, prevalecendo, caso a divergência técnica se mantivesse, a opinião do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da Fiscalização” (AD). A Ré, através do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da Fiscalização”, ao solicitar as referidas informações, estudos, análises e pareceres, especificava, com alguma frequência, os aspectos que pretendia ver tratados nas mesmas ou a forma de abordagem da questão (AE). E por vezes exigia também maior pormenorização dos mesmos relatórios, nos termos constantes da alínea anterior (AF). Ora, apesar da autonomia técnica de que se revestia necessariamente a actividade do A., devido à sua própria especificidade técnico-científica, naquelas informações, estudos, análises e pareceres que lhe eram solicitados com frequência quase diária, por vezes com urgência, sempre que a R. especificava os aspectos que pretendia vez tratados ou a forma de abordagem da questão (AE), ou seja, lhe dava instruções, afigura-se-nos que nesses casos, se pode com propriedade afirmar que o modo da prestação era determinado pela R., podendo pois considerar-se que a prestação era heterodeterminada. Além disso, podendo decorrer da análise a que a R., através do “Coordenador de Empreendimento” ou “Chefe da Fiscalização”, procedia às informações, estudos, análises e pareceres apresentados pelo A., um convite à correcção, caso fosse detectado erro ou omissão, há um controlo externo do modo de prestação, uma fiscalização sobre o modo de prestação, que também indicia uma situação de subordinação jurídica. É certo que nada nos permite afirmar que o A. tivesse sido sujeito ao poder regulamentar ou disciplinar da R.. Mas basta que o pudesse estar. No que se refere à participação do A. nas “reuniões de obra”, sobretudo quando o fazia em representação da R., em substituição do “Coordenador de Empreendimento” e/ou “Chefe da Fiscalização” pode considerar-se mais um indício de subordinação jurídica, embora não muito relevante porquanto, como prestador de serviços, também podia ser mandatado pela R. para a representar em tais reuniões. Indício de subordinação mais significativo é a integração do A. na equipa de fiscalização das empreitadas do Metropolitano (AAK) bem como a integração nas equipas técnicas apresentadas nas propostas ao concurso de requalificação da Av. Montevideu (no âmbito do evento Porto 2001), na qual o A. é apresentado como pertencente ao quadro da empresa (X). Apesar de o A. não ter, afinal, ficado afecto às equipas das obras do Porto 2001 que foram adjudicadas à R (AAC e AAD), não deixa de ser muito significativo a apresentação do A. como pertencente ao quadro da empresa, revelando que na própria empresa ele era visto como integrando a sua organização. Quanto à retribuição, embora se reconheça que foi estabelecida em função do tempo de trabalho, sendo variável (uma vez que o tempo de trabalho também o era, em função das necessidades do serviço em cada momento) e a retribuição em função do tempo seja uma das características apontadas à retribuição do trabalho, no caso, o facto de o A. não receber remuneração se nada fizesse (AAY), nunca ter sido recebido subsídio de férias (nem gozado férias), nem subsídio de natal (AAW), não sofrer descontos para a Segurança Social (AAAA) são, tal como a emissão de recibos verdes (AAZ) e os próprios termos do contrato, indícios de que se tratava de uma prestação de trabalho autónomo. É certo que o modelo de recibo, o regime fiscal e de segurança social, o não pagamento de subsídio de férias e de Natal, sendo próprios de uma situação de trabalho autónomo, são meros indícios de carácter formal e externo, que pouca valia revelam para permitir traçar a qualificação, visto que muitas vezes são usados fraudulentamente, por imposição da parte detentora de uma posição de supremacia na relação, com vista a despistar a qualificação laboral, e assim escapar à aplicação das respectivas normas imperativas que visam a protecção da parte mais fraca, apenas sendo “aceites” por este precisamente porque a sua posição não é efectivamente tão livre e igual como a do outro contratante, porque tem subjacente a necessidade de angariar meios de subsistência. É certo que não sabemos se é esse o caso, porque o A. o não alegou, mas sabemos pelo menos que estava economicamente subordinado à R., já que não auferia qualquer outra remuneração, além daquela que auferia da R. (Q e R), pelo que não é de excluir essa hipótese. Em qualquer caso entendemos, regra geral que, quando contrapostos a outros elementos que revelem a subordinação jurídica, em nosso entender, tais indícios formais e externos devem ser pouco valorizados. Em suma, revelam os autos que a relação estabelecida entre A. e R. reveste características híbridas, próprias das duas espécies contratuais referenciadas, mas globalmente considerados os indícios de um e outro tipo, o acento tónico incide sobre aqueles que revelam uma actividade profissional, prolongada no tempo, dependente da orientação e supervisão dos RR, por conseguinte, com subordinação jurídica, permitindo pois a qualificação da relação como jus-laboral. Não nos merece, por isso, censura a sentença na parte em que qualificou a relação como de trabalho subordinado, pelo que nesta parte improcede a apelação. Da violação de princípios processuais na fixação do valor da retribuição Vem a apelante sustentar que, não tendo o A. carreado para os autos factos justificativos do peticionado (retribuições que deixou de auferir desde 1/1/2003, subsídios de férias e de natal desde 23/1/95 e respectivos juros de mora), o tribunal devia ter julgado improcedentes tais pedidos, tendo o Sr. Juiz violado os princípios processuais do dispositivo, da contraditório e da audiência contraditória ao fixar o valor da retribuição. Antes de mais, dá-se aqui por reproduzido o que se deixou dito atrás a propósito da nulidade de excesso de pronúncia. É certo que o A. não explicitou devidamente na petição como chegou ao valor que repetidamente indica dever ser considerado como o da respectiva retribuição mensal. O tribunal, qualificando a relação profissional estabelecida entre as partes como laboral e constatando que as partes não haviam estabelecido o valor da retribuição mensal, limitou-se a aplicar a lei, fixando, em conformidade com o disposto pelo art. 90º da LCT, o valor da retribuição mensal a partir dos elementos de facto carreados para os autos pelo A. – valor da retribuição horária acordada entre as partes e os montantes globais pagos pela R. em cada ano ao A.- sobre os quais a R. teve oportunidade de se pronunciar, não os tendo impugnado. Salvo o devido respeito, este procedimento não viola nenhum dos princípios processuais que a apelante reputa terem sido desrespeitados. Os elementos de facto utilizados estavam nos autos, trazidos pelo A., a R. teve oportunidade de os contraditar, os valores apurados pelo tribunal mediante aplicação da lei aos aludidos factos contém-se dentro dos valores peticionados, pelo que não foi violado nem o dispositivo, nem o contraditório, não constituindo a decisão nessa parte uma verdadeira decisão-surpresa, nem violando nenhuma das normas jurídicas referidas – art. 3º. nº 3 e 517º do CPC ou tampouco o art. 20º da Constituição. Face à procedência da nulidade arguida no que concerne à condenação além do pedido, fica prejudicada a apreciação das conclusões 65º a 74ª. Decisão Em face do que antecede, acorda-se em: Julgar procedente a nulidade de condenação em objecto diverso do pedido na parte em que condenou a R. a pagar ao A. a retribuição das férias do período de 23/1/95 a 31/12/2002, pelo que se revoga a sentença nessa parte e em consequência se altera o ponto III do dispositivo, nos seguintes termos: “III- condenar a R. a pagar ao A. subsídios de férias e subsídios de Natal devidos entre 23/01/95 e 31/12/2002 e que se computam no montante global de Euros 43.699,25”.. Julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença no demais, embora se rectifique os erros de escrita contidos nos pontos I e II al. a) do dispositivo relativamente à data do início da relação laboral e a partir da qual se deve contar a antiguidade do A., que conforme o ponto A) da matéria de facto, é 23/1/95 e não 25/1/95. Custas por ambas as partes na proporção do decaimento. Lisboa, 16 de Janeiro de 2008 Maria João Romba Ramalho Pinto Duro Mateus Cardoso ____________________________________________________________________________________________________ [1] Afigura-se-nos pertinente salientar a intenção apregoada pelo legislador nas últimas reformas do processo civil de imbuir o processo de um princípio de prevalência da substância sobre a forma. [2] Código de Processo do Trabalho Anotado, Coimbra Editora, 1989, pag. 294. [3] Pedido e causa de pedir no processo do trabalho, in “Curso de Direito Processual do Trabalho, Revista da FDUL, 1964, pag. 131 a 133. [4] Actual art. 74º. [5] E em termos não inteiramente coincidentes - na medida em que elimina a referência ao carácter manual ou intelectual da actividade objecto do contrato - no art. 10º do CT, que todavia não releva no caso, uma vez que a questão objecto do litígio se refere a um período anterior à entrada em vigor do código aprovado pela L. 99/2003 de 27/8. [6] Regime jurídico aplicável, como decorre do disposto no art. 8º da L. 99/2003 de 27/8, atento o que se referiu na nota anterior. [7] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 10ª ed., pag. 133. [8] Monteiro Fernandes, obra citada, pag. 134. [9] O ora A. [10] No cabeçalho identificado como engenheiro civil. [11] A ora R. e apelante. [12] Processo nº 07S2187, disponível no site do ITIJ. [13] De 22/3/2007, proferido no processo 07S4207, também disponível no site do ITIJ. [14] A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 1992, pag 511, nota 40. |