Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11590/22.7T8SNT.L1-4
Relator: PAULA POTT
Descritores: ASSÉDIO MORAL
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
SANÇÃO ABUSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Contradição da fundamentação – Impugnação da matéria de facto – Resolução do contrato de trabalho com justa causa – Sanções abusivas – Assédio moral não discriminatório – Artigos 29.º, 331.º e 394.º do Código do Trabalho
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Sentença recorrida
1. Por sentença de 28.7.2023 (referência citius 144931764), o 1.º Juízo do Trabalho de Sintra, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), julgou a acção como se segue:
“Nestes termos, julga-se a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, não se reconhece a existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho, pela Autora AA, absolvendo-se, por isso, a Ré C. J. CLÍNICA JOVEM – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENFERMAGEM E CLÍNICA MÉDICA, LDA. de todos os pedidos contra ela formulados.
No mais, absolve-se a Autora do pedido de condenação enquanto litigante de má fé.
Custas a cargo da Autora.”
Alegações da recorrente
2. Inconformada com a sentença mencionada no parágrafo anterior, a recorrente (autora, trabalhadora), dela veio interpor o presente recurso (cf. referência citius 24045315 de 15.9.2023), pedindo o seguinte:
“DEVE O PRESENTE RECURSO TER PROVIMENTO E REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA ORA RECORRIDA SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA, E POR VIA DISSO,
a) SER DECLARADO O DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA DA A., COM FUNDAMENTO EM APLICAÇÃO DE SANÇÕES ABUSIVAS, OFENSAS À INTEGRIDADE MORAL E ASSÉDIO LABORAL, NOS TERMOS DO ARTIGO 394.º N.º 2, AL. C) E AL. F), DO CÓDIGO DO TRABALHO.;
b) SER A R. CONDENADA NO PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO NÃO PATRIMONIAL NO VALOR DE 10.000,00€ NOS TERMOS DO ARTIGO 496.º, N.1 DO C.C.
c) SER A R. CONDENADA NO PAGAMENTO DE 1.730,00€ À A., CORRESPONDENTE AO MONTANTE INDEVIDAMENTE DESCONTADO DE AVISO PRÉVIO.
d) E NO PAGAMENTO DA QUANTIA DE 22.054,95€, CORRESPONDENTE A INDEMNIZAÇÃO POR 17 ANOS DE ANTIGUIDADE.”
3. Nas suas alegações vertidas nas conclusões, a recorrente impugna sentença recorrida com base em argumentos que o Tribunal a seguir sintetiza:
Conclusões F a J, N a W e X
- Os factos não provados E, J e K devem ser considerados provados com base na reapreciação do depoimento das testemunhas BB, CC, DD e nas declarações de parte da autora;
Conclusões K a M
- Existe oposição entre o facto provado 8 e o facto não provado H e entre este e a decisão;
Conclusões A a E e N a W
- Com base nos factos provados 1, 3, 4, 5 8, 18 e 19 e nos documentos 5 e 6 juntos à petição inicial, que não foram impugnados, o Tribunal a quo devia ter julgado verificada a justa causa de resolução do contrato pela trabalhadora (recorrente), devido à prática de assédio e à aplicação de sanções disciplinares abusivas – cf. artigo 394.º n.ºs 1 e 2 – c) e f) do Código do Trabalho (CT).
Contra-alegações da recorrida
4. A recorrida (empregadora) contra-alegou (cf. referência citius 24209373 de 11.10.2023), pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida, defendendo, em síntese:
- As sanções diferentes do despedimento que, na óptica da recorrente, foram abusivas, têm de ser impugnadas judicialmente no prazo de um ano, o que a recorrente não fez;
- A recorrente não fez prova dos requisitos do assédio, nomeadamente, não provou o nexo de causalidade entre o comportamento da recorrida e o quadro de saúde alegado pela recorrente;
- Não se verifica nenhuma das justas causas de resolução previstas no artigo 394.º n.º 2 – c) e f) do CT;
- No que respeita à impugnação da matéria de facto, por um lado, os meios de prova em causa estão sujeitos ao princípio da livre apreciação, que não foi infringido e, por outro lado, a recorrente não cumpriu integralmente o ónus previsto no artigo 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), nomeadamente, não concretizou os meios de prova que impunham decisão diversa.
Parecer do Ministério Público
5. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 20868147 de 19.12.2023), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, pugnado pela improcedência do recurso e defendendo, em síntese, que a sentença recorrida não enferma de erro na apreciação da matéria de facto, nem de erro de direito.
6. Foi observado o contraditório previsto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, não tendo as partes respondido ao parecer mencionado no parágrafo anterior.
Delimitação do âmbito do recurso
7. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões, vertidas nas conclusões:
A. Oposição entre os fundamentos de facto e entre estes e a decisão
B. Impugnação da decisão de facto
C. Justa causa de resolução com base na aplicação de sanções abusivas
D. Justa causa de resolução com base em assédio
Factos
8. Nota prévia: os factos provados e não provados serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos, antecedidos da numeração/alíneas, pelas quais são indicados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões. As modificações resultantes do presente recurso serão assinaladas.
9. Factos provados:
1) Mediante acordo datado de 16.06.2004, denominado «Contrato de Trabalho a Termo Certo» que aqui se dá por reproduzido e constante de fls. 10 do expediente físico dos autos, a Autora foi admitida ao serviço da Ré, com efeitos a 17.06.2004, «para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de recepcionista, bem como outras» que a Ré a «possa legalmente incumbir».
2) A Trabalhadora auferia a remuneração mensal ilíquida de 865 EUR.
3) A 05.01.2021 foi entregue, em mão, a AA o documento intitulado «Despacho», constante de fls. 13 e 13v do expediente físico dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e onde se refere, entre o mais, que « (…) Concretamente, no decorrer do referido período temporal, a trabalhadora adotou, entre outros, os seguintes comportamentos violadores da disciplina laboral: Criou mau ambiente de trabalho com outras colaboradoras da Clínica, que já motivaram inúmeras reclamações; Utilizou abusivamente os recursos da Clínica para proveito próprio, efetuando a aplicação de agulhas de acupuntura sem conhecimento da entidade patronal; Toma a iniciativa de responder a fornecedores e colaboradores, para tratar de assuntos que não lhe competem, extravasando as suas funções e sem dar conhecimento dos mesmos à entidade patronal; Criou conflitos com utentes, não raramente geradores de reclamações; Criou mau ambiente de trabalho entre a colaboradora de há largos anos da Clínica, Dra. DD, que também é médica de Família da trabalhadora, envolvendo-a em assuntos que unicamente diziam respeito a sua e à sua entidade patronal. (…) Face ao exposto e ponderadas todas as circunstâncias da situação em apreço, determinou a Gerência da Clínica a aplicação da sanção disciplinar “REPREENSÃO REGISTADA” prevista no artigo 328.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho, à trabalhadora AA».
4) A aplicação da sanção disciplinar a que se reporta o documento mencionado em 3) não foi precedida de audiência da Trabalhadora.
5) Em 08.01.2021, em resposta ao documento mencionado em 3), a Mandatária da Autora remeteu à Ré uma missiva, que a recebeu, em data não concretamente apurada, cujo conteúdo aqui se considera reproduzido e constante de fls. 14 a 16v do expediente físico dos autos, a qual não obteve resposta por parte da Empregadora.
6) Após o referido em 5), a Trabalhadora não intentou ação judicial contra a Clínica Jovem.
7) Em 05.02.2021, pelas 18h e 56 min, do endereço EE@sapo.pt foi remetido para o endereço AA@cjovem.pt um e-mail cujo conteúdo aqui se considera integralmente reproduzido e que consta de fls. 54 verso do expediente físico dos autos, onde, no mais, se dizia que «(…) Bom dia D. AA, Espero que se mantenha bem. Dia 5 de Fevereiro, constatei uma vez mais o pouco interesse e falta de profissionalismo que tem sido seu apanágio! Pelas 16:30h, apercebendo-me que a sua colega estava atrapalhada na inscrição de análises que nunca tinha realizado, solicitei-lhe ajuda para identificação do código de registo no sistema e impressão da respectivas guias. Tratando-se de uma tarefa que a senhora desempenha habitualmente, um apoio de 5 minutos teria sido suficiente para ultrapassar o problema. Não obstante o referido, dando-se conta que quer eu, quer a sua colega estávamos com dificuldades em efetuar a inscrição, tanto mais que o motorista que iria proceder ao levantamento da análise estaria prestes a chegar, abandonou as instalações da Clínica sem prestar ajuda adequada. Este comportamento tem vindo a solidificar o que tenho vindo a constatar enquanto sua superior hierárquica. É lamentável que alguém que trabalhe em equipe não se prontifique a ajudar quando necessário e a partilhar o seu conhecimento. A Clínica é uma empresa pequena, de cariz familiar e que não se compadece com atitudes egocêntricas. Ainda que o apoio a prestar implicasse ultrapassar a sua hora de saída, sabe muito bem que, à semelhança de vezes anteriores, poderia compensar saindo mais cedo noutro dia! É lamentável ter que, após exatamente 1 mês após aplicação de uma sanção disciplinar, tenha que voltar a lembrá-la que não tolerarei comportamentos abusivos ou de superioridade da sua parte.».
8) No dia 26.08.2021, a Trabalhadora rececionou um documento escrito, remetido pela Empregadora, cujo conteúdo aqui se considera reproduzido e que consta de fls. 17 a 20 do expediente físico dos autos, onde se lê, entre o mais, «C.J. Clínica (…), representada pela sua gerente, EE, vem instaurar o presente processo disciplinar à trabalhadora AA (…) nos termos e com os fundamentos constantes da seguinte: NOTA DE CULPA (…)».
9) Em 07.09.2021, a Mandatária de AA endereçou à Empregadora um documento denominado «Resposta à Nota de Culpa», cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos e que consta de fls. 20v a 25v do expediente físico dos autos, que aquela recebeu no dia 09.09.2021.
10) Após a troca dos escritos mencionados em 8) e 9), a Empregadora não mais respondeu à Autora.
11) Em consequência do vertido no documento a que se reporta 8), a Clínica Jovem não aplicou qualquer sanção disciplinar a AA.
12) Em data não concretamente apurada de janeiro de 2022, mas que se cifra próxima ao dia 25, a gerente da Ré, EE, constatou que a Autora ainda não havia procedido à emissão do recibo à Unilabs.
13) De entre as tarefas desempenhadas, pela Autora, para a Ré, constava a emissão de recibos para os clientes, entre os quais a Unilabs.
14) A Trabalhadora dispunha de instruções no sentido de emitir o recibo, à Unilabs, até ao dia 15 de cada mês.
15) O atraso na emissão do recibo à Unilabs inviabilizou que a Clínica Jovem recebesse o pagamento do valor devido por esta entidade, o que impossibilitou o pagamento atempado das retribuições devidas à Trabalhadora e a FF, por falta de disponibilidade financeira da Empregadora.
16) Em 02.02.2022, pelas 12h e 22 min, do endereço EE@sapo.pt foi remetido para os endereços AA@cjovem.pt, X@cjovem.pt e AA@gmail.com um e-mail cujo conteúdo aqui se considera integralmente reproduzido e que consta de fls. 47v e 48 do expediente físico dos autos, onde, entre o mais, se refere que «(…) Na sequência do meu email de 25 de janeiro de 2022 para verificação do cumprimento das instruções de trabalho, constatei que apenas naquela data e após a minha abordagem, procedeu à emissão do recibo para o Laboratório Unilabs, quando o deveria ter efetuado até ao dia 15. O atraso na emissão do recibo constituiu uma clara violação das instruções de serviço e condicionou o recebimento das verbas necessárias ao pagamento dos ordenados do mês de janeiro. Em consequência da violação das ordens que lhe haviam sido dadas e que era do seu perfeito conhecimento (nem recorreu à check list que repetidamente lhe indico para consultar), não pôde a Clínica pagar atempadamente o salário que lhe é devido. (…) Atenta a gravidade da situação e por constituírem factos susceptíveis de procedimento disciplinar, solicito que se pronuncie sobre as questões mencionadas na presente comunicação. (…)».
17) Em 02.02.2022, pelas 13h e 22 min, a Autora, do endereço X@cjovem.pt remeteu para o endereço EE@sapo.pt um e-mail cujo conteúdo aqui se considera integralmente reproduzido e que consta de fls. 47 do expediente físico dos autos, no qual se refere, entre o mais que, «(…) Como lhe disse pessoalmente quando fui interpelada por si, estava convicta que já havia emitido o recibo para a Unilabs tendo tido no entanto o cuidado de verificar. Constatando que afinal ainda não o tinha feito retifiquei de imediato a situação disponibilizando-me perante si para que o meu ordenado só fosse pago após a entrada do pagamento da Unilabs. (…)».
18) A Empregadora remeteu à Trabalhadora o documento escrito datado de 28.02.2022, o qual foi rececionado por esta última em 11.03.2022, cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos e que consta de fls. 26 e 26v do expediente físico dos autos, onde se lê, entre o mais, que «(…) Face ao exposto e ponderadas todas as circunstâncias da situação em apreço, determinou a Gerência da Clínica a aplicação da sanção disciplinar de “REPREENSÃO REGISTADA” prevista no art. 328.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho, à trabalhadora AA».
19) No dia 07.04.2022, a Autora enviou à Ré, que recebeu no dia 11.04.2022, uma missiva com o assunto «Resolução de contrato com justa causa», cujo conteúdo
aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais e que consta de fls. 11 a 12v, e onde, entre o mais, refere que : «(…) AA (…) vem por este meio, em tempo, nos moldes laminados pelos artigos 393.º, 394.º, n.º 1, n.º 2, al. b), al. c) e al. f) e 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho, comunicar a V. Exa., que pretende resolver, em tempo, e com justa causa, o Contrato de Trabalho a Termo Certo outorgado e iniciado a 17/06/2004, com produção de efeitos a 11/04/2022, data a partir da qual deixarei de estar vinculada quanto ao exercício de qualquer atividade laboral para com a empresa que representa. (…)».
20) Em resposta à missiva referida em 19), a Clínica Jovem enviou a AA uma carta, datada de 21.04.2022, cujo conteúdo aqui se considera reproduzido para todos os efeitos, constante de fls. 30 do expediente físico dos autos e onde, no mais, se lê que «(…) S/Ref.ª – S/Carta datada de 7 de abril de 2022 (…) Acusamos a receção da sua carta em referência. Reportando-nos à mesma, cumpre-nos informar que a Clínica Jovem não aceita os fundamentos alegados para a resolução do contrato de trabalho com justa causa. Sem prejuízo do aduzido, a empresa considera que o contrato de trabalho celebrado entre as partes cessou por denúncia da trabalhadora no dia 11 de Abril de 2022, pelo que deverá dirigir-se no próximo dia 28 de Abril de 2022, pelas 09h00, para a realização das contas finais e entrega da documentação legal. (…)».
21) À data do envio da comunicação mencionada em 19), AA apresentava um quadro depressivo, sendo medicada com fluoxetina, zolpidem, bupropriom, alprazolam e estazolam.
22) A trabalhadora padecia, ainda, de diabetes, sendo que em 19.03.2022, os valores de glicémia apresentavam-se fora de controlo.
23) A 20.04.2022, a Trabalhadora padecia de quadro de saúde que a incapacitava temporalmente para o trabalho.
24) Por considerar que inexistia justa causa para a resolução do contrato de trabalho, por parte da Trabalhadora, a Ré efetuou a compensação da quantia de 1 730 EUR nos valores que eram devidos a AA.
25) Durante o hiato temporal que perdurou a relação laboral, AA cometeu falhas no desempenho das suas funções, tendo sido advertida e repreendida pelos legais representantes da Empregadora.
26) Em data não concretamente apurada, mas que se cifra posterior a março de 2020, AA e FF tiveram um desentendimento respeitantes ao fecho de caixa, dado que a primeira persistiu em efetuar tal fecho no único posto de trabalho que conta com computador.
10. Factos não provados:
A) A Trabalhadora tenha sido aconselhada, em março de 2020 e em virtude da pandemia por SARS-COV-2, pela sua médica de família, a Dra. DD, a ficar em casa, visto ser paciente de risco.
B) Apesar do referido em A), a Empregadora manteve AA em funções, nas instalações físicas da empresa, sem lhe dar oportunidade de trabalhar em regime de teletrabalho.
C) Quando a Dra. DD constatou que a Autora se mantinha a exercer funções, em regime presencial, apesar do vertido em A), confrontou a gerência da Clínica Jovem, facto que foi do desagrado da Empregadora e originou represálias contra AA.
D) Após os eventos referidos de A) a C), a Empregadora agravou a pressão sobre a Autora, com constantes represálias.
E) O e-mail a que se reporta 7) tenha sido remetido, pela gerência da Empregadora, a AA, com o intuito de a ofender.
F) A Empregadora tenha procedido ao envio, em 22.04.2021, de uma mensagem de correio eletrónico à Autora, onde lhe refere que, enquanto faz a contagem de caixa, deixa clientes à espera e, bem assim, lhe solicita esclarecimentos sobre apontamentos que toma a Trabalhadora na sua agenda pessoal.
G) O e-mail a que se reporta F), tenha como intuito ofender o bom nome, honra e profissionalismo de AA.
H) Redacção alterada no presente recurso: **
Que além do facto provado 26, se tenham verificado os demais eventos enunciados no documento referido no facto provado 8.
** Redacção anterior constante da sentença recorrida:
Os eventos enunciados no documento referido em 8) se tenham verificado.
I) A Trabalhadora tenha contrariado as instruções de serviço e, por isso, no dia 12.01.2022 não efetuou a verificação diária da listagem de faltas de colheita para análises, o que determinou que os resultados das análises de GG não fossem disponibilizados em tempo útil, o que deu azo à apresentação de reclamação, por parte desta utente.
J) Redacção alterada no presente recurso: ***
O quadro depressivo referido em 21) e, bem assim, o descontrolo dos valores de glicémia a que se reporta 22) tenham sido causados por atitudes persecutórias e pressão oriunda de aplicação de sanções levadas a cabo pela empregadora.
*** Redacção anterior constante da sentença recorrida:
O quadro depressivo referido em 21) e, bem assim, o descontrolo dos valores de glicémia a que se reporta 22) tenham sido causados por atitudes persecutórias e pressão oriunda de aplicação de sanções abusivas levadas a cabo pela Empregadora.
K) A incapacidade temporária para o trabalho referida em 23) tenha como origem os comportamentos pejorativos, rebaixadores e humilhantes praticados pela Ré que motivaram na Autora um desgaste físico, moral e emocional.
L) Atendendo à idade de AA, esta não voltará a entrar no mercado de trabalho, facto de que a Empregadora estava ciente.
Quadro legal relevante
11. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:
Código de Processo do Trabalho ou CPT
Artigo 1.º
Âmbito e integração do diploma
1 - O processo do trabalho é regulado pelo presente Código.
2 - Nos casos omissos recorre-se sucessivamente:
a) À legislação processual comum, civil ou penal, que directamente os previna;
b) À regulamentação dos casos análogos previstos neste Código;
c) À regulamentação dos casos análogos previstos na legislação processual comum, civil ou penal;
d) Aos princípios gerais do direito processual do trabalho;
e) Aos princípios gerais do direito processual comum.
3 - As normas subsidiárias não se aplicam quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste Código.
Artigo 87.º
Julgamento dos recursos
1 - O regime do julgamento dos recursos é o que resulta, com as necessárias adaptações, das disposições do Código de Processo Civil que regulamentam o julgamento do recurso de apelação e de revista.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando funcionar como tribunal de revista, o Supremo Tribunal de Justiça tem os poderes estabelecidos no Código de Processo Civil.
3 - Antes do julgamento dos recursos, o Ministério Público, não sendo patrono ou representante de qualquer das partes, tem vista no processo para, em 10 dias, emitir parecer sobre a decisão final a proferir, devendo observar-se, em igual prazo, o contraditório.
Artigo 170.º
Impugnação
1 - O arguido em processo disciplinar que pretenda impugnar a respetiva decisão deve apresentar no juízo do trabalho competente o seu requerimento no prazo de 15 dias, contados da notificação da decisão.
2 - O requerimento é instruído com a notificação da decisão e os documentos que o requerente entenda dever juntar; no requerimento são requeridas todas as diligências de prova.
Código de Processo Civil ou CPC
Artigo 5.º
Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Artigo 414.º
Princípio a observar em casos de dúvida
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
Artigo 466.º
Declarações de parte
1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.
3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Artigo 662.º
Modificabilidade da decisão de facto
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 - Das decisões da Relação previstas nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Código do Trabalho ou CT
Artigo 11.º
Noção de contrato de trabalho
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Artigo 15.º
Integridade física e moral
O empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral.
Artigo 25.º
Proibição de discriminação
1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão nomeadamente dos factores referidos no n.º 1 do artigo anterior.
2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado em factor de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, em virtude da natureza da actividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.
3 - São nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objectivo legítimo, designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional.
4 - As disposições legais ou de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que justifiquem os comportamentos referidos no número anterior devem ser avaliadas periodicamente e revistas se deixarem de se justificar.
5 - Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação.
6 - O disposto no número anterior é aplicável em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho, à formação profissional ou nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de gozo de direitos na parentalidade, de outros direitos previstos no âmbito da conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal e dos direitos previstos para o trabalhador cuidador.
7 - São ainda consideradas práticas discriminatórias, nos termos do número anterior, nomeadamente, discriminações remuneratórias relacionadas com a atribuição de prémios de assiduidade e produtividade, bem como afetações desfavoráveis em termos de avaliação e progressão na carreira.
8 - É inválido o acto de retaliação que prejudique o trabalhador em consequência de rejeição ou submissão a acto discriminatório.
9 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1 ou 8.
Artigo 29.º
Assédio
1 - É proibida a prática de assédio.
2 - Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
3 - Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior.
4 - A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior.
5 - A prática de assédio constitui contraordenação muito grave, sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei.
6 - O denunciante e as testemunhas por si indicadas não podem ser sancionados disciplinarmente, a menos que atuem com dolo, com base em declarações ou factos constantes dos autos de processo, judicial ou contraordenacional, desencadeado por assédio até decisão final, transitada em julgado, sem prejuízo do exercício do direito ao contraditório.
Artigo 97.º
Poder de direcção
Compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem.
Artigo 126.º
Deveres gerais das partes
1 - O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações.
2 - Na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador.
Artigo 127.º
Deveres do empregador
1 - O empregador deve, nomeadamente:
a) Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade, afastando quaisquer atos que possam afetar a dignidade do trabalhador, que sejam discriminatórios, lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes para o trabalhador, nomeadamente assédio;
b) Pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho;
c) Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral;
d) Contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação;
e) Respeitar a autonomia técnica do trabalhador que exerça actividade cuja regulamentação ou deontologia profissional a exija;
f) Possibilitar o exercício de cargos em estruturas representativas dos trabalhadores;
g) Prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a protecção da segurança e saúde do trabalhador, devendo indemnizá-lo dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho;
h) Adoptar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
i) Fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença;
j) Manter actualizado, em cada estabelecimento, o registo dos trabalhadores com indicação de nome, datas de nascimento e admissão, modalidade de contrato, categoria, promoções, retribuições, datas de início e termo das férias e faltas que impliquem perda da retribuição ou diminuição de dias de férias.
k) Adotar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho, sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores;
l) Instaurar procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas situações de assédio no trabalho.
2 - Na organização da actividade, o empregador deve observar o princípio geral da adaptação do trabalho à pessoa, com vista nomeadamente a atenuar o trabalho monótono ou cadenciado em função do tipo de actividade, e as exigências em matéria de segurança e saúde, designadamente no que se refere a pausas durante o tempo de trabalho.
3 - O empregador deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da actividade profissional com a vida familiar e pessoal.
4 - O empregador deve afixar nas instalações da empresa toda a informação sobre a legislação referente ao direito de parentalidade ou, se for elaborado regulamento interno a que alude o artigo 99.º, consagrar no mesmo toda essa legislação.
5 - (Revogado.)
6 - (Revogado.)
7 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nas alíneas k) e l) do n.º 1 e contraordenação leve a violação do disposto na alínea j) do n.º 1 e no n.º 4.
Artigo 129.º
Garantias do trabalhador
1 - É proibido ao empregador:
a) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como despedi-lo, aplicar-lhe outra sanção, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício;
b) Obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho;
c) Exercer pressão sobre o trabalhador para que actue no sentido de influir desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou dos companheiros;
d) Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
e) Mudar o trabalhador para categoria inferior, salvo nos casos previstos neste Código;
f) Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo;
g) Ceder trabalhador para utilização de terceiro, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
h) Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou serviços a ele próprio ou a pessoa por ele indicada;
i) Explorar, com fim lucrativo, cantina, refeitório, economato ou outro estabelecimento directamente relacionado com o trabalho, para fornecimento de bens ou prestação de serviços aos seus trabalhadores;
j) Fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com o propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade.
k) Obstar a que o trabalhador exerça outra atividade profissional, salvo com base em fundamentos objetivos, designadamente segurança e saúde ou sigilo profissional, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício.
2 - O disposto na alínea k) do número anterior não isenta o trabalhador do dever de lealdade previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo anterior nem do disposto em legislação especial quanto a impedimentos e incompatibilidades.
3 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
Artigo 147.º
Contrato de trabalho sem termo
1 - Considera-se sem termo o contrato de trabalho:
a) Em que a estipulação de termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo;
b) Celebrado fora dos casos previstos nos n.os 1, 3 ou 4 do artigo 140.º;
c) Em que falte a redução a escrito, a identificação ou a assinatura das partes, ou, simultaneamente, as datas de celebração do contrato e de início do trabalho, bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo;
d) Celebrado em violação do disposto no n.º 1 do artigo 143.º
2 - Converte-se em contrato de trabalho sem termo:
a) Aquele cuja renovação tenha sido feita em violação do disposto no artigo 149.º;
b) Aquele em que seja excedido o prazo de duração ou o número de renovações a que se refere o artigo seguinte;
c) O celebrado a termo incerto, quando o trabalhador permaneça em actividade após a data de caducidade indicada na comunicação do empregador ou, na falta desta, decorridos 15 dias após a verificação do termo.
3 - Em situação referida no n.º 1 ou 2, a antiguidade do trabalhador conta-se desde o início da prestação de trabalho, excepto em situação a que se refere a alínea d) do n.º 1, em que compreende o tempo de trabalho prestado em cumprimento dos contratos sucessivos.
Artigo 329.º
Procedimento disciplinar e prescrição
1 - O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime.
2 - O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.
3 - O procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final.
4 - O poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele.
5 - Iniciado o procedimento disciplinar, o empregador pode suspender o trabalhador se a presença deste se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.
6 - A sanção disciplinar não pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador.
7 - Sem prejuízo do correspondente direito de acção judicial, o trabalhador pode reclamar para o escalão hierarquicamente superior ao que aplicou a sanção, ou recorrer a processo de resolução de litígio quando previsto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou na lei.
8 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 6.
Artigo 331.º
Sanções abusivas
1 - Considera-se abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador:
a) Ter reclamado legitimamente contra as condições de trabalho;
b) Se recusar a cumprir ordem a que não deva obediência, nos termos da alínea e) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 128.º;
c) Exercer ou candidatar-se ao exercício de funções em estrutura de representação colectiva dos trabalhadores;
d) Ter alegado ser vítima de assédio ou ser testemunha em processo judicial e/ou contraordenacional de assédio;
e) Em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os seus direitos ou garantias.
2 - Presume-se abusivo o despedimento ou outra sanção aplicada alegadamente para punir uma infracção, quando tenha lugar:
a) Até seis meses após qualquer dos factos mencionados no número anterior;
b) Até um ano após a denúncia ou outra forma de exercício de direitos relativos a igualdade, não discriminação e assédio.
3 - O empregador que aplicar sanção abusiva deve indemnizar o trabalhador nos termos gerais, com as alterações constantes dos números seguintes.
4 - Em caso de despedimento, o trabalhador tem direito a optar entre a reintegração e uma indemnização calculada nos termos do n.º 3 do artigo 392.º
5 - Em caso de sanção pecuniária ou suspensão do trabalho, a indemnização não deve ser inferior a 10 vezes a importância daquela ou da retribuição perdida.
6 - O empregador que aplique sanção abusiva no caso previsto na alínea c) do n.º 1 deve indemnizar o trabalhador nos seguintes termos:
a) Os mínimos a que se refere o número anterior são elevados para o dobro;
b) Em caso de despedimento, a indemnização não deve ser inferior ao valor da retribuição base e diuturnidades correspondentes a 12 meses.
7 - Constitui contraordenação muito grave a aplicação de sanção abusiva.
Artigo 394.º
Justa causa de resolução
1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.
4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Artigo 396.º
Indemnização ou compensação devida ao trabalhador
1 - Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
2 - No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.
3 - O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.
4 - No caso de contrato a termo, a indemnização não pode ser inferior ao valor das retribuições vincendas.
5 - Em caso de resolução do contrato com o fundamento previsto na alínea d) do n.º 3 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos do artigo 366.º.
Artigo 401.º
Denúncia sem aviso prévio
1 - O trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável ao trabalhador a quem tenha sido reconhecido o estatuto de vítima de violência doméstica, nos termos de legislação específica.
Código Civil ou CC
Artigo 224.º
(Eficácia da declaração negocial)
1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.
Artigo 342.º
(Ónus da prova)
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
Artigo 350.º
(Presunções legais)
1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.
Artigo 351.º
(Presunções judiciais)
As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.
Artigo 376.º
(Força probatória)
1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
3. Se o documento contiver notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos, sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento.
Artigo 396.º
(Força probatória)
A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta
12. O Tribunal leva em conta os seguintes elementos, que serão mencionados infra na fundamentação:
Doutrina
- João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Almedina
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina
Jurisprudência
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 5850/19.1T8BRG.G1, disponível em dgsi.pt
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 3704/22.3T8CSC.L1-A, disponível em dgsi.pt
Apreciação do recurso
A. Oposição entre os fundamentos de facto e entre estes e a decisão
13. A recorrida defende que existe oposição entre, por um lado, o facto provado 8 e o facto não provado H e, por outro lado, o facto não provado H e a decisão. Esta argumentação convoca a aplicação do disposto no artigo 615.º n.º 1 – c) do CPC que prevê, nesse caso, o vício da nulidade da sentença. Para apreciar a questão o Tribunal leva em conta os factores que se seguem.
14. No facto provado 8 o Tribunal ficou convicto de que a recorrida enviou à recorrente uma nota de culpa, como é admitido por acordo das partes e resulta do documento dado por reproduzido no facto provado 8 (cf. artigo 28 da petição inicial/referência citius 21326177 e artigo 48 da contestação/referência citius 21985445). Provou-se ainda que recorrente respondeu a essa nota de culpa, não tendo a recorrida prosseguido o processo disciplinar, nem aplicado à recorrente qualquer sanção em resultado do mesmo (cf. facos provados 9 a 10). Neste contexto, com a ressalva do facto provado 26, nos presentes autos não foi produzida prova suficiente para convencer o Tribunal da veracidade dos restantes factos descritos na nota de culpa e, por isso, não se provou essa matéria, tal como consta da resposta negativa dada ao facto (não provado) H. Isto, sem que exista a alegada contradição ou oposição entre a prova de que foram feitas as declarações constantes da nota de culpa e a ausência de prova sobre a maior parte dos  factos compreendidos nessas declarações, uma vez que se trata de realidades distintas, como a seguir será explicado.
15. Com efeito, à luz da regra de direito probatório material consagrada no artigo 376.º do Código Civil (CC), sendo a nota de culpa um documento particular junto aos autos, cuja autoria foi reconhecida, como foi acima explicado, a mesma faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (a recorrida) – cf artigo 376.º n.º 1 do CC. Porém, os factos compreendidos na declaração (nota de culpa) só se consideram provados com base nesse documento na medida em que sejam contrários aos interesses da declarante, recorrida, o que não é o caso, pois tais factos não são contrários, mas antes favoráveis aos interesses da recorrida – cf. artigo 376.º n.º 2 do CC. Pelo que, sem prejuízo do que seguir será explicado quanto facto provado 26, na ausência de outros elementos de prova sobre os factos constantes da nota de culpa, deve manter-se a decisão que julgou não provado o facto H (com a ressalva que será indicada infra), não existindo a alegada nulidade com base na contradição entre o facto provado 8 e o facto não provado H.
16. Em consequência, improcede nessa parte a argumentação da recorrente.
17. Adicionalmente, a recorrente defende que a circunstância de não se terem apurado os factos constantes da nota de culpa (ou seja o facto não provado H), está em oposição com a decisão. Ora, na petição inicial, a autora/trabalhadora pede ao Tribunal que declare “o despedimento com justa causa” da trabalhadora e a condenação da ré/empregadora a pagar-lhe determinados valores, invocando, como fundamentos da sua pretensão, a resolução do contrato com base na aplicação de sanções abusivas e na prática de assédio não discriminatório (como será explicado infra), o que convoca a aplicação do artigo 394.º n.º 2 – c) e f) do CT (cf. petição inicial junta com a referência citius 21326177 de 24.6.2022).
18. A este propósito, importa sublinhar que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no que respeita à indagação e aplicação das regras de direito (cf. artigo 5.º n.º 3 do CPC, ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT). Assim, à luz deste princípio e tendo em conta o modo como a recorrente configurou a presente acção, acima sintetizado, afigura-se que, o seu objecto consiste em saber se se verificam os pressupostos da resolução do contrato de trabalho, pela trabalhadora, com justa causa, nos termos  previstos no artigo 394.º n.º 2 – c) e f) do CT; não obstante a recorrente se referir a “despedimento com justa causa”, o certo é que dos factos que alega resulta que o objecto  do processo não é verificar se houve despedimento da trabalhadora (recorrente), com ou sem justa causa (e.g. artigos 351.º, 381.º e 382.º do CT), por parte da empregadora.
19. Feita esta clarificação, afigura-se que não existe oposição entre a ausência de prova sobre os factos indicados na nota de culpa (cf. facto não provado H), ou sobre a maior parte deles, e a decisão recorrida que julgou improcedente a acção. Isto porque, a resolução do contrato com justa causa, invocada pela trabalhadora (recorrente) e o direito à indemnização ou compensação que daí decorre, dependem, no caso em análise, da verificação dos pressupostos previstos nos artigos 331.º e 394.º n.º 2 – c) e f) do CT, que são diversos dos pressupostos do despedimento por iniciativa da empregadora, descritos no facto não provado H, com base nos quais a empregadora nem aplicou qualquer sanção disciplinar.
20. Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação da recorrente.
21. Importa, no entanto, sublinhar que, embora não existam as alegadas contradições entre o facto não provado H e a decisão, ou entre o facto não provado H e o facto provado 8, existe contradição parcial entre o facto não provado H e o facto provado 26, na medida em que, no facto provado 26, o Tribunal a quo julgou parcialmente provado um dos episódios descritos na nota de culpa, que considerou não provados ao responder negativamente ao facto H no seu todo. Assim, pelos motivos a seguir explicados na análise da impugnação da matéria de facto, nomeadamente nos parágrafos 36 a 39, ainda que  não se tenha apurado que a recorrente impediu culposamente a colega de trabalho de iniciar o registo dos clientes, para terminar o fecho da caixa, como lhe era imputado na nota de culpa, provou-se, pelo menos, que as duas trabalhadoras – a recorrente e a testemunha FF – tiveram um desentendimento respeitante ao fecho de caixa, dado que a primeira persistiu em efetuar tal fecho no único posto de trabalho que conta com computador. Pelo que, nos termos do artigo 662.º - n.º 1 do CPC (ex vi artigo 87.º. º 1 do CPT), o Tribunal da Relação modifica oficiosamente a resposta negativa dada ao facto não provado H de modo a ressalvar dessa resposta o facto provado 26. Ou seja, não se provou que além do facto provado 26, se tenham verificado os demais eventos enunciados no documento referido no facto provado 8.
B. Impugnação da decisão de facto
22. A recorrente defende que os factos não provados E, J e K devem ser considerados provados. A recorrida, por seu lado, defende que a recorrente não cumpriu integralmente o ónus previsto no artigo 640.º do CPC.
23. A este propósito, o Tribunal leva em conta que, por um lado, a recorrente indicou os meios de prova que fundamentam a sua discordância da decisão de facto, a saber, os depoimentos das testemunhas BB, CC, DD e as declarações de parte da recorrente/autora, tendo aludido igualmente a certas passagens desses depoimentos/declarações que, na sua óptica, justificam decisão diversa. Por outro lado, a recorrente indicou que, com base na reapreciação desses meios de prova, os factos não provados E, J e K devem ser considerados provados. Pelo que, em relação a este segmento da matéria de facto, afigura-se terem sido cumpridos os ónus previstos no artigo 640.º do CPC.
24. No que respeita aos factos provados 3, 4 e 5, (cf. conclusões A a E) a recorrente não indica qualquer resposta alternativa a esses factos e tal matéria não faz parte do tema probatório impugnado, uma vez que a recorrente se limita a defender que, com base em tais factos, ponderados em conjunto com os documentos 5 e 6 juntos à petição inicial, que não foram impugnados, o Tribunal deve declarar que houve justa causa de resolução do contrato. Esta questão prende-se com a análise de direito e aí será objecto de apreciação.
25. Dito isto, o tema probatório impugnado limita-se aos factos não provados E, J e K que, segundo defende a recorrente, devem ser considerados provados.  Para decidir a impugnação da decisão de facto nessa parte o Tribunal da Relação reapreciou a prova produzida, nomeadamente, os depoimentos e declarações gravados no sistema citius (cf. audiência de julgamento de 24.5.2023), das testemunhas BB, CC, DD, assim como as declarações de parte da autora, AA (indicados nas alegações de recurso); adicionalmente, o Tribunal ouviu os restantes depoimentos gravados, das testemunhas HH, FF e II. Esses meios de prova oral encontram-se sujeitos à livre apreciação do Tribunal (cf. artigos 396.º do CC e 466 n.º 3 do CPC). Além disso, o Tribunal reapreciou a prova documental junta aos autos (cf. documentos juntos aos articulados das partes com as referências citius 21326177, 21985445 e 22083391), a fim de verificar se a mesma tem relevo para o tema probatório impugnado, como a seguir será mencionado.
Facto não provado E
26. No facto não provado E está em causa saber se, ao enviar a mensagem a seguir citada à recorrente, a gerência da recorrida (em particular, a superior hierárquica da recorrente que a enviou) teve intenção de ofender a recorrente. O Tribunal a quo respondeu negativamente. A recorrente discorda e defende que esse facto (essa intenção) se provou. Foi o seguinte o teor da mensagem constante do facto provado 7: “Em 05.02.2021, pelas 18h e 56 min, do endereço EE@sapo.pt foi remetido para o endereço AA@cjovem.pt um e-mail cujo conteúdo aqui se considera integralmente reproduzido e que consta de fls. 54 verso do expediente físico dos autos, onde, no mais, se dizia que «(…) Bom dia D. AA, Espero que se mantenha bem. Dia 5 de Fevereiro, constatei uma vez mais o pouco interesse e falta de profissionalismo que tem sido seu apanágio! Pelas 16:30h, apercebendo-me que a sua colega estava atrapalhada na inscrição de análises que nunca tinha realizado, solicitei-lhe ajuda para identificação do código de registo no sistema e impressão da respectivas guias. Tratando-se de uma tarefa que a senhora desempenha habitualmente, um apoio de 5 minutos teria sido suficiente para ultrapassar o problema. Não obstante o referido, dando-se conta que quer eu, quer a sua colega estávamos com dificuldades em efetuar a inscrição, tanto mais que o motorista que iria proceder ao levantamento da análise estaria prestes a chegar, abandonou as instalações da Clínica sem prestar ajuda adequada. Este comportamento tem vindo a solidificar o que tenho vindo a constatar enquanto sua superior hierárquica. É lamentável que alguém que trabalhe em equipe não se prontifique a ajudar quando necessário e a partilhar o seu conhecimento. A Clínica é uma empresa pequena, de cariz familiar e que não se compadece com atitudes egocêntricas. Ainda que o apoio a prestar implicasse ultrapassar a sua hora de saída, sabe muito bem que, à semelhança de vezes anteriores, poderia compensar saindo mais cedo noutro dia! É lamentável ter que, após exatamente 1 mês após aplicação de uma sanção disciplinar, tenha que voltar a lembrá-la que não tolerarei comportamentos abusivos ou de superioridade da sua parte.».
27. Sobre o tema probatório impugnado, as testemunhas BB e CC, irmãos da recorrente, referem que a partir de certa altura, que situam entre os anos de 2020 e 2021 em que ocorreu a pandemia causada pelo Covid-19, passaram a suceder-se situações problemáticas para a recorrente no trabalho. Entre essas situações mencionam mensagens e uma carta registada recebida pela recorrente. Das conversas que tinham com a recorrente ficaram convencidos que ela se sentia injustiçada no trabalho. Mas os seus depoimentos são vagos, não indicam circunstanciadamente com o que é que a recorrente se sentiu ofendida. Relatam que a recorrente já sofria de diabetes, que passou a queixar-se da situação no trabalho, que o seu estado de saúde se degradou nessa altura e que acabaram por aconselhá-la a por termo ao contrato. Dos seus depoimentos resulta que, na mesma altura, mas antes de a recorrente ter posto termo ao contrato, morreu um irmão da recorrente, não excluindo as testemunhas que esse acontecimento também a possa ter afectado.
28. A autora, nas suas declarações de parte referiu que se sentiu ofendida com o teor da mensagem enviada por email em que a recorrida lhe imputou falta de profissionalismo. Confirmou tratar-se do documento 1 junto ao articulado de resposta (cf. referência citius 22083391) do qual constam os emails de 5.2.2021 (enviado à recorrente pela sua superior hierárquica) e de 8.2.2021 (a resposta enviada pela recorrente).
29. Não existe prova abundante sobre os factos descritos no email aqui em causa; a recorrente não aceitou a descrição desses factos nos exactos termos em que foi feita, como resulta da resposta que enviou à recorrida, mencionada no parágrafo anterior. As testemunhas FF (colega de trabalho da recorrente) e II (psicóloga que presta serviços para a ré) referem que, embora a recorrente fosse pessoa séria e demonstrasse capacidade de desempenhar a generalidade das suas funções, não era assertiva na comunicação com as colegas e por vezes recusava-se a prestar-lhes colaboração, não partilhando a informação necessária ao bom funcionamento do serviço. A testemunha II relata um episódio ocorrido cerca de sete anos antes em que viu a recorrente chamar a atenção de uma pessoa em frente ao público, o que não lhe pareceu bem e por isso comunicou à gerência. Porém, entre os episódios concretos que presenciaram, estas testemunhas não relatam a situação descrita no email aqui em questão de forma circunstânciada.
30. Assim, o que resulta da mensagem mencionada no facto provado 7 é que a superior hierárquica da recorrente, descreve uma situação em que, na sua óptica, a recorrente deveria ter prestado colaboração a uma colega e à superior hierárquica, que estavam em dificuldade em realizar uma tarefa, ainda que, para isso, a recorrente tivesse de ficar cinco minutos além do horário de trabalho; com base na descrição dessa situação,  a superior hierárquica da recorrente faz-lhe ver que esse comportamento não será tolerado. A recorrente, no email de resposta (cf. documento mencionado no parágrafo 28) diz, em síntese, que voltou atrás e ajudou no que lhe foi pedido; caso lhe tivesse sido explicado que havia outras dificuldades, estaria disposta a prestar o auxílio pretendido, ainda que tivesse de sair depois do horário, como já tinha sucedido. Neste contexto, o Tribunal não apurou quais os contornos exactos da situação. Dentro dos limites do provado, o que resulta dessa troca de emails é que existiu um desentendimento entre as duas partes, empregadora e trabalhadora, quanto ao modo e ao tempo de execução da prestação de trabalho pela recorrente. Foi isso que motivou o envio da mensagem pela recorrida, não existindo circunstâncias objectivas das quais o Tribunal possa presumir, à luz das regras da experiência (cf. artigos 349.º e 351.º do CC), que a intenção da recorrida foi humilhar, perturbar, ofender ou perseguir gratuitamente a recorrente.
31. Pelo que, deve manter-se a resposta dada ao facto não provado E.
32. Problema diverso, que se prende com a questão de direito e não com a questão de facto, é o de saber se, não obstante a recorrida não ter tido intenção de ofender/humilhar/perturbar/perseguir a recorrente mediante o envio do email constante do facto provado 7, o teor dessa mensagem teve, ainda assim, por efeito perturbar, constranger, humilhar, desestabilizar, intimidar ou afectar a dignidade da recorrente. Esse problema será apreciado infra na análise de direito.
Facto não provado J
33. Provou-se que na data em que a recorrente enviou à recorrida a declaração de resolução do contrato de trabalho (7.4.2022), a recorrente apresentava um quadro depressivo, sendo medicada com fluoxetina, zolpidem, bupropriom, alprazolam e estazolam (facto provado 21) e padecia de diabetes, tendo, em 19.03.2022, os valores de glicémia fora de controlo (facto provado 22). A recorrente pretende que, por via de recurso, o Tribunal julgue provado que o quadro depressivo referido no facto provado 21 e o descontrolo dos valores de glicémia a que se reporta o facto provado 22, foram causados por atitudes persecutórias e pela pressão resultante da aplicação de sanções abusivas levadas a cabo pela recorrida (facto não provado J).
34. A este propósito, o Tribunal começa por sublinhar que uma sanção abusiva é um conceito jurídico que depende da prova de factos que se enquadrem numa das hipóteses previstas no artigo 331.º n.º 1 ou 2 do CT. Pelo que, no facto não provado J, o termo “abusivas” deve ser considerado não escrito, uma vez que é conclusivo (cf. artigo 662.º n.º 1 do CPC, ex vi artigo 1.º n.º 2-a) do CPT). Pelo que, o Tribunal modifica em conformidade a redacção do facto não provado J e relega para a apreciação das questões de direito a decisão sobre o caracter abusivo ou não das sanções aplicadas.
35. Dito isto, dos documentos 4 e 5 juntos à petição inicial (cf. referência citius 21326177) resulta que a recorrida aplicou à recorrente uma repreensão registada datada de 17.12.2020, à qual a recorrente respondeu por carta de 8.1.2021, invocando, além do mais, a falta da sua audição prévia e pedindo a nulidade dessa sanção disciplinar. Dessa repreensão extrai-se, em síntese, que não foram concretamente apuradas as datas e horas dos comportamentos imputados à recorrente; tais comportamentos consistem, em síntese, em ter a recorrente criado mau ambiente de trabalho e conflitos com utentes, ter utilizado abusivamente recursos da recorrida e ter extravasado das funções que lhe eram confiadas. O Tribunal ignora se a empregadora considerou nula essa sanção como pediu a recorrente. O que se apurou foi que a recorrente impugnou essa repreensão e arguiu a sua nulidade perante a empregadora, mas não a impugnou judicialmente (cf. facto provado 6, não impugnado no presente recurso).
36. Dos documentos 6 e 7 juntos à petição inicial (cf. referência citius 21326177) resulta que em 16.8.2021 a recorrida emitiu uma nota de culpa com vista à aplicação da sanção disciplinar de despedimento com justa causa à recorrente, à qual a recorrente respondeu em 7.9.2021. Os factos imputados à recorrente, descritos na nota de culpa, ocorreram entre Março e Agosto de 2021 e consistem, em síntese, em episódios em que, alegadamente, a recorrente criou mau ambiente de trabalho, faltando ao cumprimento de instruções dadas pela empregadora.
37. As testemunhas FF (colega de trabalho da recorrente) e II (psicóloga que presta serviços na ré), referiram ter presenciado alguns factos imputados à recorrente no artigo 30.º, alíneas a) e f) da nota de culpa mencionada no parágrafo anterior, a saber: a testemunha II referiu que a recorrente se manteve no posto de trabalho, enquanto a colega de trabalho estava ao lado, sem dar início ao registo dos utentes que aguardavam na recepção, tendo a testemunha presenciado um ambiente tenso entre as duas trabalhadoras quando chegou ao local; a testemunha FF referiu que a recorrente deixou uma médica à espera enquanto a terminava trabalho administrativo na sala onde a médica iria dar consultas dentro de algum tempo.
38. Na resposta à nota de culpa a recorrente impugna os factos que lhe são imputados, invoca a caducidade do procedimento disciplinar relativamente a alguns deles e, em particular, no que respeita aos episódios mencionados no parágrafo 37, explica que, num caso, era seu dever fazer o fecho da caixa antes de ceder o posto de trabalho à colega e, no outro caso, o gabinete médico onde estava a fazer as tarefas administrativas era o único local que dispunha dos meios necessários para que essas tarefas fossem feitas.
39. Acresce que, do facto provado 10 (não impugnado no presente recurso), resulta que a recorrida não aplicou qualquer sanção disciplinar à recorrente em resultado da nota de culpa aqui em causa. Do conjunto dos meios de prova e das circunstâncias, acima descritos, o Tribunal presume que a recorrida renunciou ao propósito de pôr termo ao contrato de trabalho com base nos factos descritos na nota de culpa (cf. artigos 349.º  e 351.º do CC). O que gera a dúvida sobre a realidade dos factos constantes dessa nota de culpa uma vez que cabia à recorrida o ónus da prova de tais factos e, perante a impugnação da recorrente, a recorrida não fez tal prova (cf. artigo 342.º n.º 1 do CPC). Assim sendo, com excepção dos factos constantes da resposta ao facto provado 26,na dúvida quando à realidade dos restantes factos constantes na nota de culpa, o Tribunal julga que deve responder contra a parte a quem tais factos constantes aproveitam, neste caso a recorrida (cf. artigo 414.º do CPC). Daí, tal como já foi acima explicado na análise da questão A, a resposta negativa ao facto (não provado) H, com a ressalva, apenas, do facto provado 26; ou seja, o Tribunal apenas ficou convicto de que existiu um conflito entre as duas trabalhadoras, porque uma quis fazer o fecho da caixa e a outra queria registar os utentes, nos termos descritos no facto provado 26 (não impugnado).
40. Do documento 8 junto à petição inicial (cf. referência citius 21326177) resulta que, em 28.2.2022 a recorrida aplicou à recorrente uma segunda repreensão registada, mediante audição prévia da recorrente. Os factos que estiveram na base dessa sanção disciplinar consistiram, em síntese, na falta de verificação da listagem de faltas de colheitas para análises em 12.1.2022, que gerou atraso na disponibilização dos resultados a uma utente e na emissão com atraso do recibo mensal ao laboratório Unilabs, que a recorrente emitiu apenas em 25.1.2022 quando a empregadora lhe tinha dado instruções para que o emitisse até 15.1.2022.
41. A recorrente, quando prestou declarações de parte, explicou que na altura reconheceu que o atraso na emissão do recibo ao laboratório Unilabs era da sua responsabilidade o que é corroborado pelo documento 3 junto à contestação (cf. referência citius 21985445) do qual consta a troca de emails entre a recorrente e a sua superior hierárquica, sobre esse assunto.
42. Nas declarações de parte a recorrente explicou, porém, que assumiu essa falta apenas para evitar litígios, pois o recibo em causa nunca poderia ter sido emitido; explicou que devido à implementação do QR code, o sistema ainda não estava actualizado e não permitia a atribuição de número ao recibo. Não foi produzida prova complementar sobre este obstáculo técnico. A testemunha HH (gerente da empresa de contabilidade que presta serviços à recorrida) referiu-se à falta de envio de alguns elementos por negligência da recorrente, mas foi vago nessa parte.
43. No documento 2 junto ao articulado de resposta (cf. referência citius 22083391), email datado de 20.1.2022, enviado pela recorrente para um endereço electrónico “(...) unilabs.com”, a recorrente escreveu a seguinte mensagem: “Reenviamos o recibo referente aos testes Covid em PDf como solicitado”. Nele é mencionado o envio de um anexo. Na cópia desse email a recorrente acrescentou as seguintes notas manuscritas (segundo confirmaram as testemunhas BB e CC, a recorrente  passou a anotar esses factos): “No dia 20 de Janeiro o PHC ainda não estava em condições de atualização, por causa do QR code, não atribuindo n.º à factura recibo e por esse motivo não foi emitido o recibo para a Unilabs e ao contrário do que diz a Enfª carla, imputando-me o atraso do pagamento da Unilabs à clínica por falta do recibo. Só demonstra má-fé da Enfª pois enquanto p PHC não estivesse corrigido não era possível fazer chegar o recibo à Unilabs via email”. Porém, com base nessa declaração, os factos nela compreendidos só se consideram provados se favorecerem a recorrida, o que não é o caso (cf. artigo 376.º n.º 2 do CC).
44. A esse propósito, dos factos provados 14, 15 e 18. (não impugnados no presente recurso) resulta que a recorrente, contrariamente às instruções que lhe foram dadas pela empregadora, atrasou-se na emissão do recibo ao laboratório Unilabs, o que teve consequências negativas para o funcionamento da empresa recorrida e foi fundamento da segunda repreensão registada aplicada à recorrente. Nesse contexto, apurou-se que a recorrente foi previamente ouvida antes da aplicação da segunda repreensão e não resulta dos autos que tenha impugnado judicialmente essa sanção disciplinar, seja no que respeita à falta de emissão do recibo, seja no que respeita à falta de verificação das listagens que geraram o atraso no envio de análises. Da falta de impugnação desta segunda repreensão conjugada com o email enviado pela recorrente, em que reconhece a responsabilidade pelo atraso na emissão do recibo em causa (cf. documento 3 junto à contestação com a referência citius 21985445), resulta que a recorrente aceitou ter praticado os factos que constam da repreensão registada mencionada no facto provado 18.
45. Tendo em conta os elementos acima analisados, dos quais resulta que foram certas falhas no desempenho profissional da recorrente que levaram à aplicação, pela recorrida, da segunda repreensão registada, os depoimentos dos irmãos da recorrida, BB e CC, não são suficientes para convencer o Tribunal de que o quadro de saúde da recorrente se agravou devido aos comportamentos da recorrida. A esse propósito, como já foi referido, ambos reconhecem que a recorrente já sofria de diabetes anteriormente aos factos que estão na origem deste litígio.
46. Em consequência, o Tribunal não ficou convicto da veracidade do facto não provado J. Com efeito, com base nos meios de prova acima apreciados o Tribunal ficou convicto de que a recorrida, em 17.12.2020 aplicou uma repreensão registada à recorrente cuja nulidade esta invocou perante a recorrida. Posteriormente, não obstante ter enviado à recorrente a nota de culpa de 16.8.2021, a recorrida não prosseguiu o procedimento disciplinar nem aplicou qualquer sanção à recorrente, de onde resulta que a empregadora desistiu da intenção de por termo ao contrato de trabalho por despedimento e de aplicar qualquer outra sanção. Depois disso, a recorrente incorreu nos comportamentos que motivaram a aplicação da segunda repreensão registada, datada de 28.2.2022 e só posteriormente à aplicação desta sanção, em 19.3.2022 e 7.4.2022, é que se apurou o agravamento do estado de saúde da recorrente mencionado nos factos provados 21 e 22.
47. Nesse contexto, no seu juízo autónomo, o Tribunal julga que o quadro depressivo referido no facto provado 21 e o descontrolo dos valores de glicémia a que se reporta o facto provado 22, ainda que possam ter sido desencadeados pelos factos que motivaram o exercício do poder disciplinar por parte da recorrida, mediante a aplicação da sanção de reprensão registada de 28.2.2022, devem-se a comportamentos da própria recorrente, que incorreu nas falhas de desempenho profissional mencionadas nessa repreensão.
48. No mais, o Tribunal tem dúvida quanto à existência de nexo causal entre os restantes  comportamentos da recorrida e o agravamento do estado de saúde da recorrente, pelos seguintes motivos: o tempo decorrido entre, por um lado, a aplicação da repreensão registada de 17.12.2020 (cuja nulidade a recorrente invocou perante a recorrida) e, por outro lado, o agravamento do estado de saúde da recorrente ocorrido entre Março e Abril de 2022 (cf. factos provados 21 e 22); a circunstância de a recorrida não ter aplicado qualquer sanção disciplinar à recorrente na sequência da nota de culpa de 16.8.2021; os motivos ligados à organização e execução do trabalho mencionados no email de 5.2.2021, acima indicados no parágrafo 30.
49. Ora, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se com recurso às regras do ónus da prova. Nesse contexto, como a recorrente invoca factos susceptíveis de configurar uma situação de assédio moral não discriminatório, não há lugar à aplicação da regra de inversão do ónus da prova prevista no artigo 25.º n.º 5 do CT, cuja aplicação é extensível ao assédio quando este assume, simultaneamente, a forma de discriminação, o que não é o caso (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina, páginas 232 a 233).
50. Em consequência, o ónus de provar o nexo causal aqui em causa recai sobre a recorrente (cf. artigo 342.º n.º 1 do CC). Assim, na dúvida sobre a existência de nexo causal entre o comportamento da recorrida e o estado de saúde da recorrente, o Tribunal aplica a regra de direito probatório constante do artigo 414.º do CPC (ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT) e decide contra a parte à qual o facto aproveita, a recorrente.
Facto não provado K
51. Provou-se que em 20.4.2022, a recorrente padecia de um quadro de saúde que a incapacitava temporariamente para o trabalho (facto provado 23 que não foi impugnado em recurso). A recorrente pretende que seja provado, em via de recurso, que a incapacidade temporária para o trabalho referida no facto provado 23 teve como origem os comportamentos pejorativos, rebaixadores e humilhantes praticados pela recorrida, que provocaram na recorrente um desgaste físico, moral e emocional (facto não provado K).
52. Do teor do relatório médico de uma consulta de psiquiatria da recorrente, datado de 19.3.2022, junto à petição inicial como documento 11 (cf. referência citius 21326177), resulta que foi dada indicação para que a recorrente ficasse de baixa por 1 a 2 meses, devido a quadro depressivo; esse relatório refere-se à existência de um contexto sugestivo de eventual assédio moral sem indicar circunstanciadamente as queixas/razões que levaram a essa conclusão nem os motivos do diagnóstico; menciona a medicação tomada pela recorrente, que ela é diabética e que tem os valores de glicémia descontrolados. Tal documento não contém, assim, elementos circunstanciados sobre o assédio moral nele referido, nem indica razões de ciência que permitam ao Tribunal compreender se existiu nexo causal entre esse assédio e o estado de saúde da recorrente. Trata-se de um documento particular que foi impugnado pela recorrida no artigo 90 da contestação (cf. referência citius 21985445). Pelo que, incumbe à recorrente a prova da veracidade do documento (cf. artigo 374.º n.º 2 do CC). Essa prova resulta do depoimento da testemunha DD, médica, que, como será explicado no parágrafo seguinte, confirmou que a recorrente era seguida por outra médica em consultas de psiquiatria. O que leva o Tribunal a acreditar na veracidade do documento 11 junto à petição inicial. Porém, não obstante o Tribunal julgar que esse documento é verdadeiro, o seu teor é insuficiente para convencer o Tribunal do nexo causal entre os comportamentos da recorrida e as queixas da recorrente (que, nem uns nem outros são nele mencionados).
53. Do depoimento da testemunha DD, médica de família da autora, que trabalha para a ré, resulta que essa testemunha não verificou, através de exame ou diagnóstico médico, o quadro de saúde mental da recorrente ou o nexo causal entre o comportamento da recorrida e o estado de saúde da recorrente. Esse nexo causal também não se extrai da declaração médica que a testemunha DD subscreveu, datada de 18.4.2022, junta como documento 9 à petição inicial (cf. referência citius 21326177). Tal documento foi impugnado pela recorrida no artigo 90 da contestação. Porém, a recorrida logrou provar a sua veracidade, como exige o artigo 374.º n.º 2 do CC, uma vez que, quando ouvida, a testemunha DD confirmou ter sido a autora do documento 9 junto à petição inicial. Segundo explicou, constatou as queixas da recorrente relacionadas com stress laboral, sabia que ela era seguida por outra médica em consultas de psiquiatria, mas não fez o diagnóstico de saúde mental da recorrente.
54. Do documento 10 junto à petição inicial (cf. referência citius 21326177), assinado e datado, emitido pelo Instituto de Segurança Social IP, Centro Distrital de Lisboa, Serviço de Verificação de Incapacidade, resulta que, em 10.2.2022, a recorrente estava em situação de incapacidade temporária para o trabalho mas não é mencionada a causa dessa incapacidade, que ocorreu antes do relatório médico de 19.3.2022, acima mencionado no parágrafo 52 e antes da declaração médica de 18.4.2022, acima mencionada no parágrafo 53.
55. Tal como já foi explicado, as testemunhas BB e CC, irmãos da recorrente, referiram que a recorrente já tinha problemas de saúde (eg. diabetes/alterações nos níveis de glicémia) antes dos factos aqui em litígio; ambas admitem que, a par do presente litígio com a entidade patronal, a morte de um irmão também pode ter contribuído para agravar o estado depressivo da recorrente; constataram que o estado de saúde da recorrente se agravou e que esta andava nervosa, deprimida, foi a consultas de psiquiatria, tinha os níveis de glicémia descontrolados; constataram as queixas da recorrente relacionadas com a sua situação no trabalho; referiram que essas queixas tiveram início a partir do período da pandemia, que situam entre 2020 e 2021; não presenciaram os factos ocorridos no local de trabalho da recorrente. Dos documentos médicos acima mencionados resulta que o quadro de saúde da recorrente, neles descrito, foi observado entre Março e Abril de 2022.
56. As declarações de parte da recorrente sobre esta matéria são interessadas e não têm valor confessório uma vez que recaem sobre factos favoráveis à parte (cf. artigos 352.º do CC e 466.º n.º 3 do CPC), pelo que, não bastam para convencer o Tribunal sobre a veracidade do facto (não provado) K.
57. Sendo estes os elementos de prova com relevo para a impugnação da resposta dada ao facto não provado K, afigura-se que a declaração médica e o relatório da consulta psiquiátrica, mencionados nos parágrafos 52 e 53, não indicam a razão de ciência e são escassos, insuficientes na descrição das queixas e do diagnóstico efectuado, para estabelecer o nexo causal entre o comportamento da recorrida e o período de incapacidade temporária para o trabalho referido no facto provado 23.  Pelos mesmos motivos já acima indicados no parágrafo 48 o Tribunal tem dúvida quanto à realidade do facto não provado K. Essa dúvida será resolvida com recurso às regras do ónus da prova. Tal como foi acima explicado no parágrafo 49, no presente caso não há lugar à aplicação da regra de inversão do ónus da prova prevista no artigo 25.º n.º 5 do CT. Pelo que, na dúvida sobre a existência de nexo causal entre o comportamento da recorrida e o estado de saúde da recorrente, o Tribunal aplica a regra de direito probatório constante do artigo 414.º do CPC (ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT) e decide contra a parte à qual o facto aproveita e sobre a qual recai o ónus da prova (cf. artigo 342.º n.º 1 do CC), a recorrente.
58. Por todo o exposto, tendo em conta a análise dos meios de prova acima enunciados, improcede a impugnação da matéria de facto nos termos pretendidos pela recorrente, sem prejuízo da alteração das respostas aos factos não provados H e J feitas oficiosamente pelo Tribunal.
C. Justa causa de resolução com base na aplicação de sanções abusivas
59. A título liminar convém recordar que nos presentes autos, apurou-se que, entre a recorrente, como trabalhadora, e a recorrida, como empregadora, foi celebrado um contrato de trabalho com termo certo, resolutivo, que teve início em 17.6.2004 e se converteu em contrato sem termo – cf. artigos 11.º e 147.º n.º 2 – b) do CT (cf. facto provado 1). Nos termos desse contrato, cabia à recorrente/trabalhadora desempenhar funções inerentes à categoria profissional de recepcionista, bem como outras tarefas  das quais a empregadora pudesse legalmente incumbir a trabalhadora (cf. facto provado 1). Entre as tarefas desempenhadas pela recorrente estava a emissão de recibos para os clientes da recorrida (cf. facto provado 13). O contrato de trabalho manteve-se desde 17.6.2004 até 11.4.2022, data em que a declaração da recorrente a pôr termo a esse contrato foi recebida pela recorrida e se tornou eficaz, à luz do disposto no artigo 224.º do CC (cf. facto provado 19).
60. Na declaração constante do facto provado 19, que remeteu à recorrida, a recorrente alega justas causas de resolução do contrato de trabalho previstas, respectivamente, nas alíneas c) e f) do n.º 2 do artigo 394.º do CT. Nem todos os factos alegados nessa declaração se provaram. Nomeadamente, não se provou que durante o período da pandemia a recorrida não tenha dado oportunidade de teletrabalho à recorrente. Pelo que, na análise que se segue, o Tribunal levará em conta, de entre os factos descritos na declaração de resolução, aqueles que se provaram na presente acção, a fim de decidir se constituem justa causa de resolução, como pretende a recorrente.
61. Assim, a recorrente invoca a aplicação de sanções abusivas pela recorrida como justa causa de resolução do contrato (cf. artigo 394.º n.º 2 – c) do CT). À luz dos factos provados, importa saber se as duas sanções de repreensão registada que foram aplicadas à recorrente em 17.12.2020 e 28.2.2022 são abusivas. Para apreciar essa questão há que verificar se estão preenchidos os pressupostos previstos no artigo 331.º n.º 1 ou 2 do CT, de que depende a qualificação dessas sanções como abusivas, tendo em conta que, o ónus de alegar e provar tais pressupostos recai sobre a recorrente (cf. artigo 342.º n.º 1 do CC) – nesse sentido, o acórdão da 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 3704/22.3T8CSC.L1-A.
62. Essas sanções enquadram-se na categoria das sanções conservatórias, às quais se aplica o processo disciplinar comum (cf. artigo 329.º do CT), por oposição à sanção de despedimento por facto imputável ao trabalhador, à qual se aplica o processo disciplinar especial (cf. artigos 353.º e seguintes do CT).
63. Provou-se que, na aplicação da primeira repreensão registada, de 17.12.2020, não foram observados os seguintes requisitos do procedimento disciplinar comum:  não houve audição prévia da trabalhadora/recorrente, como exige o artigo 329.º n.º 6 do CT, o que constitui uma contraordenação grave nos termos do n.º 8 do mesmo preceito;  e a entidade patronal/recorrida, não demonstrou ter dado cumprimento ao princípio da celeridade da actuação disciplinar, previsto no artigo 329.º n.º 2 do CT, uma vez que não indicou nem apurou, a data em que foram praticados os factos que estiveram na base da aplicação dessa sanção disciplinar.
64. Neste contexto, afigura-se que o vício processual de falta de contraditório prévio constitui uma irregularidade grave que torna nula a repreensão registada aplicada à recorrente em 17.12.2020 (nesse sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina, página 710) e, por isso, deve ser conhecido oficiosamente nos termos gerais (cf. artigo 286.º do CC); os restantes vícios e/ou motivos de discordância da sanção, nomeadamente a falta de cumprimento do princípio da celeridade previsto no artigo 329.º n.º 2 do CT, teriam de ser invocados pela recorrente mediante impugnação judicial, nos termos previstos no artigo 170.º do CPT, o que a recorrente não fez.
65. No que respeita à segunda repreensão registada, de 28.2.2022, afigura-se que a mesma se enquadra na previsão do artigo 328.º n.º 1 – b) do CT e observou o procedimento disciplinar comum previsto no artigo 329.º do CT. Pelo que, trata-se de uma sanção disciplinar validamente aplicada.
66. Dito isto, importa agora verificar se as sanções acima mencionadas – uma nula por vício processual e outra validamente aplicada e motivada (cf. factos provados 13 a 18) – se enquadram no conceito de sanção abusiva previsto no artigo 331.º do CT.
67. O artigo 331.º do CT veda o sancionamento do trabalhador por comportamentos que não consubstanciam uma infracção com finalidades diversas daquelas a que se destina o exercício do poder disciplinar. Nesse contexto, o Tribunal cita a seguinte doutrina (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina, página 726) :
“(...) são abusivas as sanções aplicadas ao trabalhador em consequência de ter reclamado legitimamente contra as condições de trabalho, por se recusar a cumprir ordens ilegítimas, por exercer ou se candidatar a funções e organismos de representação dos outros trabalhadores, por ter denunciado práticas de assédio, ou, genericamente, por invocar, exercer ou ter exercido os seus direitos e garantias (cf. art. 331.º n.º 1). O Código qualifica ainda como abusivas as sanções aplicadas nos seis meses subsequentes a qualquer destas ocorrências e nos casos de denúncia de assédio, até um ano sobre a dita denúncia (art. 331.º n.º 2 a) e b) (...)”
O art. 331.º n.ºs 3, 4, 5 e 6 estabelece as consequências das sanções abusivas, que passam pelo direito do trabalhador a uma indemnização e, no caso de a sanção aplicada ter sido despedimento, pelo direito à reintegração. “
68. Tendo em conta os requisitos exigidos pelo artigo 331.º n.ºs 1 e 2 do CT, afigura-se que a nulidade da primeira sanção de repreensão registada, por falta de contraditório prévio, apesar de ser um vício processual grave, não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 331.º do CT; e os restantes vícios de que enferme essa sanção teriam de ser impugnados judicialmente, nos termos do artigo 170.º do CPT o que não sucedeu. Ainda que assim não fosse, quod non, os vícios indicados no parágrafo 63, a eventual falta de prova dos factos que motivaram essa sanção, ou o erro de enquadramento das violações contratuais nela imputadas, não são suficientes para que tal sanção seja abusiva – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo 5850/19.1T8BRG.G1., em cujo sumário é sintetizada a mesma interpretação que o Tribunal aqui segue:
“Resulta do art. 331.º do Código do Trabalho que o legislador distingue o exercício abusivo do poder disciplinar do mero exercício ilícito do poder disciplinar, não bastando, para enquadramento no primeiro, que a alegada conduta punida não se prove, que improceda o seu enquadramento na pretensa violação de deveres contratuais ou que a sanção aplicada seja considerada desproporcionada, pois, não obstante estas situações sejam ilícitas, qualquer delas é compatível com o exercício do poder disciplinar pelo empregador de acordo com a sua finalidade legal e com os ditames da boa fé.
Daquela norma resulta que o conceito de sanção abusiva é composto por um elemento objectivo – uma das situações descritas no n.º 1 – e um elemento subjectivo, traduzido na intenção persecutória ou de retaliação, demonstrativa de que o exercício do poder disciplinar se desviou do objectivo de sancionar o trabalhador pelo incumprimento dos deveres contratuais e visou, ao invés, a intimidação e retaliação pelo exercício de direitos, com vista a coarctar a liberdade do trabalhador para futuro ou a livrar-se dele.”
69. No que respeita à segunda sanção de repreensão registada, afigura-se que a mesma não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 331.º n.ºs 1 a) a d) do CT. O que acontece é que tal sanção foi aplicada para punir uma infracção, dentro do prazo de seis meses após a recorrente ter exercido, em 7.9.2021, o seu direito de resposta à nota de culpa de 16.8.2021. Pelo que, nos termos do artigo 331.º n.ºs 1 – e) e 2 – a) do CT, a sanção de repreensão registada de 28.2.2022 presume-se abusiva. Porém, resulta dos factos provados 13 a 15 que a recorrida logrou ilidir, mediante prova em contrário, a presunção constante do artigo 331.º n.º 2 – a) do CT – cf. artigo 350.º n.º 2 do CC.
70. Pelo que, não se provou a aplicação de sanções disciplinares abusivas à luz do disposto no artigo 331.º do CT, uma vez que a primeira repreensão registada não preenche nenhuma das hipóteses previstas no artigo 331.º n.ºs 1 e 2 do CT e, no que respeita à segunda repreensão registada, que se enquadra na hipótese prevista no artigo 331.º n.º 2 – a) do CT, a recorrida logrou ilidir a presunção legal aí prevista.
71. Em consequência, não se verifica a justa causa de resolução do contrato pela recorrente, prevista no artigo 394.º n.º 2 – c) do CT, improcedendo este segmento da argumentação da recorrente.
D. Justa causa de resolução com base em assédio
72. Adicionalmente, a recorrente invoca o assédio moral por parte da recorrida, como justa causa de resolução do contrato pela trabalhadora (cf. artigo 394.º n.º 2 – f) do CT). Tendo em conta os factos provados há que apreciar se as duas repreensões que lhe foram aplicadas, a ameaça de despedimento resultante da abertura de processo disciplinar e o email constante do facto provado 7, constituíram actos de assédio moral por parte da recorrida. Na óptica da recorrente, o Tribunal a quo, com base nos documentos 5 e 6 juntos à petição inicial e nos factos provados 1, 3, 4, 5, 8 e 18, devia ter levado em conta que o contrato durava há cerca de dezassete anos e só nos últimos catorze meses de execução desse contrato é que foram imputadas faltas à recorrente, para dai extrair a existência de assédio. Para apreciar esta questão há que verificar se estão preenchidos os pressupostos do assédio previstos no artigo 29.º do CT.
73. Da compatibilização que o Tribunal faz entre os factos provados e os documentos para os quais eles remetem (cf. artigos 607.º n.º 4 e 663.º n.º 2 do CPC, ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT), resulta que:
i.Em 17.12.2020 a recorrida aplicou à recorrente uma sanção disciplinar de repreensão escrita sem audição prévia da recorrente tendo esta invocado a nulidade dessa sanção perante a recorrida (factos provados 3 a 6 e documento 5 junto à petição inicial);
ii.Em 5.2.2021 a recorrida enviou para o e-mail da recorrente uma mensagem à qual a recorrente respondeu por email de 8.2.2021, dai resultando que, na óptica da recorrida, a recorrente deveria ter prestado ajuda numa determinada tarefa e na óptica da recorrente, esta prestou a ajuda que lhe foi pedida não lhe tendo sido dito que era necessária colaboração suplementar nessa tarefa (cf. facto provado 7 e documento número 1 junto à resposta/referência citius 22083391, cujo envio não foi impugnado);
iii.Em 16.8.2021 a recorrida emitiu uma nota de culpa com vista à aplicação à recorrente da sanção de despedimento com justa causa, tendo a recorrente respondido à nota de culpa em 7.9.2021 e não tendo a recorrida aplicado qualquer sanção disciplinar (cf. factos provados 8 a 10 e documento 6 junto à petição inicial);
iv.Em 28.2.2022 a recorrida aplicou à recorrente uma sanção disciplinar registada, depois de a ter ouvido previamente, com base em factos que a recorrente aceitou na altura ter praticado e/ou não impugnou quando ouvida, não tendo a recorrente impugnado a aplicação dessa sanção disciplinar (cf. factos provados 13 a 18).
74. Com base nos comportamentos da recorrida descritos no parágrafo anterior, apurados no presente processo, a recorrente defende, na declaração de resolução do contrato de trabalho que enviou à recorrida e que esta recebeu em 11.4.2022, que existe assédio como justa causa de resolução do contrato pela trabalhadora. A recorrente alega ainda que o Tribunal deve levar em conta a duração do seu contrato de trabalho, que teve início em 17.6.2004 (cf. facto provado 1) e que, no âmbito da execução desse contrato o seu trabalho sempre foi adequado aos objectivos pretendidos pela empresa, sendo apenas entre 17.12.2020 e 28.2.2022 que a recorrida exerceu o seu poder disciplinar e/ou directivo sobre a recorrente de onde resulta que a finalidade prosseguida foi a de hostilizar a recorrente.
75. Segundo a doutrina que o Tribunal segue (cf. João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Almedina, páginas 222 a 231), esta argumentação da recorrente coloca o problema
“(...) no coração do conflito entre as exigências gestionárias, organizativas e disciplinares do empregador, por um lado, e os direitos do trabalhador, por outro. Não propriamente os seus direitos enquanto trabalhador (direito à greve, liberdade sindical, direito a descanso semanal e a férias, direito ao salário, segurança no emprego, etc.) mas os seus “direitos inespecíficos”, isto é, os seus direitos não especificamente laborais, os seus direitos enquanto pessoa e enquanto cidadão (“direitos de 2.ª geração”, hoc sensu). O que temos aqui, quase sempre, é um problema de conflito de direitos (dir-se-ia: o conflito entre a liberdade de empresa e a liberdade na empresa), a reclamar uma cuidada e laboriosa tarefa de concordância prática entre eles, de acordo com o princípio da proporcionalidade, na sua tríplice dimensão (conformidade ou adequação, exigibilidade ou necessidade, proporcionalidade stricto sensu). Nesta matéria assistimos, em suma, a uma dialética aplicação/modulação, vale dizer: i) a tutela da situação pessoal do trabalhador e a salvaguarda da chamada “cidadania na empresa” pressupõem a aplicação/eficácia dos direitos fundamentais da pessoa humana no âmbito da relação de trabalho; ii) os legítimos interesses do empregador e a posição de inequívoca supremacia que este detém na relação de trabalho implicam, necessariamente, uma certa compressão/modulação daqueles direitos do trabalhador.
(...)
Isto dito, resta saber como se alcança o desejado ponto de equilíbrio, tarefa que o CT procura sobretudo enfrentar nos seus arts. 14.º a 22.º - relativos, justamente, aos chamados “direitos de personalidade”” (...)”.
76. Ou seja, a relação de trabalho aqui em análise é estruturalmente assimétrica e marcada pelo profundo envolvimento da trabalhadora, pelo que, a questão de saber se as condutas da empregadora, acima descritas no parágrafo 73, constituem assédio, é melindrosa e depende das circunstâncias concretas apuradas, que rodearam a situação, nomeadamente, a natureza das funções da recorrente, o tipo de empresa e os usos. Adicionalmente, o Tribunal leva em conta que em 30 de Janeiro de 2020 a Organização Mundial de Saúde [www.who.int] declarou a situação de emergência de saúde pública internacional causada por Covid 19, situação que só veio a ser declarada finda em 5 de Maio de 2023 e que constitui um facto notório, do conhecimento geral, que não carece de alegação nem prova (cf. artigo 514.º n.º 1 do CPC ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT).
77. Neste contexto, o Tribunal começa por considerar os seguintes factores: a recorrente desde 2004 que trabalha para a empresa recorrida tendo a categoria profissional de recepcionista e tendo-lhe sido atribuída também a tarefa de emitir os recibos aos clientes da recorrida; a empresa recorrida é uma clínica, com uma organização de características familiares (cf. factos provados 1, 7 e 13); não se apurou o número concreto de trabalhadores e/ou colaboradores da empresa recorrida, nem o  volume de negócios da empresa, mas, da referência ao cariz familiar da empresa feita na mensagem constante do facto provado 7, o Tribunal presume que se tratava de uma organização em que todos se conheciam (cf. artigo 351.º do CC); os factos enunciados no parágrafo 73 ocorreram durante a situação de emergência de saúde pública internacional causada por Covid – 19, que determinou alterações na organização do trabalho por razões de saúde pública, mas não se apurou em que medida essa situação se repercutiu nos factos concretos aqui em causa; do facto provado 25 resulta que, mesmo antes da situação de emergência causada por Covid-19, o desempenho profissional da recorrente nem sempre foi irrepreensível.
78. Descritos estes contornos da situação, convém agora levar em conta que o contrato de trabalho celebrado entre a recorrente e a recorrida, à luz do artigo 11.º do CT, se caracteriza pela subordinação jurídica da recorrente e pela sua inserção na organização empresarial da recorrida, no contexto referido no parágrafo anterior. Foi nesse espaço, simultaneamente de autoridade e convivialidade, que ocorreram os factos acima enunciados no parágrafo 73 que, segundo a recorrente, se integram numa estratégia da empregadora para acossar a trabalhadora e induzi-la a abandonar o emprego.
79. Importa, pois, verificar se os factos descritos no parágrafo 73 se integram no exercício do poder de direcção ou do poder disciplinar da recorrida, ou se ultrapassam os limites do exercício de tais poderes e, nesse caso, se preenchem os requisitos do assédio.  O Tribunal apreciará em seguida cada uma destas sub-questões.
Poder de direcção
80. No que respeita ao exercício do poder de direcção previsto no artigo 97.º do CT, de acordo com a doutrina que o Tribunal aqui acompanha (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina, páginas 675 a 692), o poder directivo do empregador constitui um elemento essencial do contrato de trabalho (cf. artigo 11.º do CT), que tem como correspondente a subordinação e o dever de obediência do trabalhador (cf. artigo 128.º n.º 1 - e) e n.º 2 do CT). 
81. Em particular, o conteúdo do poder de direcção da recorrida/empregadora, compreende a determinação das funções da recorrente/trabalhadora (cf. artigo 118.º do CT), a conformação da sua actividade laboral concreta (cf. artigo 97.º do CT) e o poder de vigilância ou controlo do modo de cumprimento da prestação de trabalho e dos deveres acessórios. A ideia básica subjacente ao poder de direcção é a exigência de adequação da actividade laboral às necessidades do empregador tendo em conta que só o empregador pode, de forma unilateral, determinar quais são essas necessidades.
82. Porém, o poder de direcção tem limites. Com efeito, por um lado, o conteúdo do poder directivo é limitado pela actividade laboral na medida em que compreende apenas os actos necessários e adequados para que a prestação de trabalho se adeque às necessidades do empregador, tendo em conta o objecto do contrato de trabalho. Por outro lado, a extensão do poder directivo do empregador é limitada pela necessidade de respeito pelos direitos e garantias do trabalhador (cf. artigo 129.º do CT).
83. Feito este enquadramento, a mensagem acima referida no ponto ii do parágrafo 73 enquadra-se no exercício do poder de direcção da recorrida, em particular, no exercício do seu poder de vigilância e controlo do modo de cumprimento da prestação de trabalho.
84.  A esse propósito, cabe à empregadora/recorrida e não à trabalhadora/recorrente, determinar que tipo de auxílio devia ser prestado na tarefa que estava em curso; a indicação dada pela  empregadora de que a trabalhadora devia ter ficado (mais 5 minutos) além do período normal de trabalho é admitida com caracter excepcional, por 15 minutos diários e devendo esse acréscimo de trabalho ser pago ao perfazer quatro horas ou no termo do ano civil (cf. 203.º do CT); pelo que, independentemente do acordo dado pela empregadora para que noutro dia a trabalhadora saísse mais cedo para compensar o acréscimo de trabalho, verificados os pressupostos previstos no artigo 203.º n.º 3 do CT a empregadora tem o dever de pagar o acréscimo de trabalho, incorrendo em contraordenação grave se o não fizer (cf. artigo 203.º n.º 5 do CT); não foi alegada nem se apurou se a indicação dada pela empregadora, quanto ao acréscimo de trabalho diário, foi excepcional; apurou-se apenas que no exercício do seu poder de vigilância e controlo a empregadora esperava que a trabalhadora tivesse ficado 5 minutos além do seu horário diário, pelo menos na ocasião referida na mensagem, o que não sucedeu; também não foi alegado nem se apurou em que medida houve acréscimo de trabalho que devesse ser pago à recorrente.
85. Pelo que, à luz dos aspectos acima mencionados, afigura-se ter sido lícito o exercício do poder de direcção por parte da recorrida.
86. Sucede, porém, que na mensagem referida no ponto ii do parágrafo 73, que enviou à recorrente/trabalhadora, a recorrida/empregadora escreveu o seguinte, acerca da trabalhadora: “constatei uma vez mais o pouco interesse e falta de profissionalismo que tem sido seu apanágio”. Não se provou a intenção da recorrida ofender ou humilhar a recorrente, como já foi explicado na análise da impugnação da matéria de facto. Porém, do ponto de vista do exercício do poder directivo, este trecho da mensagem suscita o problema de saber se, independentemente da intenção da recorrida, ela ultrapassou os limites do poder de direcção, impostos pelo respeito dos direitos da trabalhadora, nomeadamente, o direito à integridade moral previsto no artigo 15.º do CT e/ou, se violou algum dos deveres da empregadora previstos no artigo 127.º do CT, nomeadamente o de respeitar e tratar com urbanidade a trabalhadora.
87.  O problema enunciado no parágrafo anterior é delicado e para resolvê-lo o Tribunal leva em conta os seguintes factores, que apreciará à luz do princípio da proporcionalidade e do princípio da boa-fé consagrado no artigo 126.º n.º 1 do CT: a apreciação feita pela recorrida sobre o pouco interesse e falta de profissionalismo que é apanágio da recorrente é conclusiva e nessa medida, podia ter sido evitada, por não se mostrar absolutamente necessária à prossecução da finalidade prosseguida pelo exercício do poder directivo, que foi transmitir à recorrente o dever de prestar colaboração aos restantes elementos da equipa na realização de uma tarefa concreta em curso; a recorrida descreveu de forma circunstanciada os motivos objectivos (a situação concreta) que estiveram na base do exercício do seu poder directivo (cf. facto provado 7); tais motivos prendem-se exclusivamente com a adequação da prestação de trabalho da recorrente aos objectivos da organização empresarial, cabendo à recorrida definir esses objectivos; a apreciação feita pela recorrida, embora conclusiva,  limita-se à qualidade do desempenho profissional da recorrente e não incide sobre outros direitos de personalidade.
88. De acordo com o princípio da proporcionalidade importa, assim, verificar se a apreciação da empregadora sobre a falta de profissionalismo e de interesse da trabalhadora, no contexto acima descrito, foi necessária e adequada aos fins a que se destinava e se não foi excessiva, em particular, tendo em conta o princípio da boa fé.
89. Ponderados os factores enunciados no parágrafo 87, afigura-se que, embora na parte em que foi conclusiva, que aqui está em causa, a apreciação da recorrida não se mostre necessária à prossecução dos fins pretendidos pela empregadora – que eram melhorar o serviço e a cooperação entre os trabalhadores em caso de dificuldade de algum numa determinada tarefa – tal apreciação não foi desadequada, nem excedeu os limites impostos pela boa fé, na medida em que se tratou de uma apreciação de cariz estritamente profissional, teve por objectivo as necessidades de organização empresarial que cabe à recorrida definir e foi feita num contexto em que a recorrida descreveu detalhadamente a situação objectiva e as necessidades do serviço, que a levaram a exercer esse poder directivo.
90. Pelo que, afigura-se que a mensagem enunciada no ponto ii do parágrafo 73 não excedeu os limites do poder directivo da recorrida/empregadora.
Poder disciplinar
91. Quanto ao exercício do poder disciplinar, ele tem uma faceta ordenadora e uma faceta punitiva, sendo a faceta punitiva que está em causa nos factos mencionados nos pontos i, iii e iv do parágrafo 73.
92. Importa assim começar por determinar os limites do exercício do poder disciplinar na sua faceta punitiva, para depois apreciar se foram excedidos. Tais limites retiram-se das características do poder disciplinar a seguir enunciadas, com relevo para a apreciação do presente litígio (cf. no sentido de que os limites do poder disciplinar punitivo se retiram das características desse poder, Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina, páginas 708 a 711).
93. Assim, o poder disciplinar é um direito subjectivo (potestativo). Dai resulta que, com exceção do assédio horizontal, entre trabalhadores, ao qual o empregador deve pôr termo, que aqui não está em causa (cf. artigo 127.º n.º 1 -a) do CT), perante uma infracção disciplinar, a recorrida/empregadora, pode decidir, com base num juízo de oportunidade ou de gestão, desistir de aplicar uma sanção disciplinar (cf. artigo 328.º n.º 1 do CT). Foi o que sucedeu com o procedimento disciplinar mencionado no ponto iii do parágrafo 73. Não tendo o exercício do poder disciplinar caracter vinculado, a recorrente podia, como sucedeu, após o envio da nota de culpa, desistir de prosseguir o procedimento disciplinar e de aplicar qualquer, sanção, sem que dai resulte ter excedido o seu poder disciplinar na faceta punitiva.
94. Do carácter dominial e unilateral do poder disciplinar laboral retira-se a exigência de assegurar a defesa do trabalhador através da observância do processo disciplinar previsto nos artigos 329.º do CT (para aplicação de uma sanção disciplinar conservatória) ou 353.º e seguintes do CT (para aplicação da sanção disciplinar de despedimento com justa causa). O que justifica a nulidade da sanção disciplinar de repreensão registada mencionada no ponto i do parágrafo 74 (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina, página 710), uma vez que, resulta dos factos provados que essa sanção foi aplicada sem audiência previa da recorrente/trabalhadora; sendo esse vício qualificado como uma contraordenação grave (cf. artigo 329.º n.ºs 6 e 8 do CT) constitui, por isso, uma irregularidade grave do processo disciplinar. Nesse contexto, a consequência é a nulidade da sanção de repreensão registada mencionada no ponto i do parágrafo 73, que, como já foi mencionado, é de conhecimento oficioso nos termos gerais (cf. 286.º do CC) ainda que a recorrente não tenha impugnado judicialmente essa sanção disciplinar nos termos do artigo 170.º do CPT. Em consequência, nessa parte o Tribunal julga que a empregadora desrespeitou os limites processuais impostos por lei ao exercício do poder disciplinar.
95. O poder disciplinar caracteriza-se também por ser um direito funcional na medida em que é justificado pelos interesses de gestão do empregador. A esta luz, a exigência de uma violação culposa dos interesses do empregador por parte do trabalhador é o limite geral do exercício do poder disciplinar. Foi o que sucedeu com a segunda repreensão registada, mencionada no ponto iv do parágrafo 73. A recorrente foi ouvida previamente; aceitou e/ou não impugnou a prática dos factos que lhe foram imputados; e não impugnou judicialmente essa sanção disciplinar. Pelo que, a aplicação da segunda repreensão registada não excedeu os limites do exercício do poder disciplinar.
Requisitos do assédio
96. Feita a análise que antecede, importa agora verificar se existiu assédio. Antes de mais convém sublinhar que o assédio é proibido pelo artigo 29.º do CT. O CT proíbe tanto o assédio horizontal (praticado entre trabalhadores), como vertical (praticado pelo empregador/superior hierárquico em relação ao trabalhador) – cf. artigos 29.º e 127 n.º 1 – a) do CT. No presente caso, a recorrente invocou a existência de assédio vertical, praticado pela empregadora.
97. Convém também levar em conta que o conceito geral de assédio previsto no artigo 29.º do CT compreende três formas (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, 9.ª edição, Almedina, página 231): o assédio sexual ou com conotação sexual (cf. artigo 29.º n.º 3 do CT); o assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado e com efeito hostil se baseia noutro factor discriminatório diverso do sexo (cf. artigo 29.º n.º 2 do CT); e o assédio moral não discriminatório (cf. artigo 29.º n.º 2 do CT), em que o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas, pelo seu caracter continuado e insidioso, tem efeitos hostis, visando afastar o trabalhador da empresa (mobbing).
98. Feito este enquadramento, é forçoso constatar que a recorrente invocou, na declaração de resolução do contrato que enviou à recorrida e, posteriormente no presente recurso, o assédio não discriminatório. Pelo que, há que levar em conta que essa modalidade de assédio tem estruturalmente implícita a exigência de um comportamento reiterado e prolongado no tempo, não se esgotando numa conduta momentânea (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, 9.ª edição, Almedina, página 231)
99. O ónus da prova do assédio não discriminatório recai sobre recorrente que o invocou (cf. artigo 342.º nº1 do CC). A esse propósito, convém sublinhar que o artigo 29.º n.º 2 do CT não exige a prova de que o assédio foi intencional (no caso em análise caso não se provou essa intenção); basta que se prove que a conduta da empregadora teve um efeito hostil.
100. À luz dos pressupostos acima enunciados afigura-se que, com excepção da sanção disciplinar nula por vício processual, os demais factos que a recorrente invoca como fundamento de assédio, enunciados no parágrafo 73, pontos ii, iii e iv, foram praticados no exercício do poder disciplinar ou do poder de direcção da recorrida, consoante os casos, sem que os limites desses poderes tenham sido excedidos, como já foi explicado.
101. Acresce que, embora não exista prova abundante sobre o desempenho profissional da recorrente antes de 2020, dos factos provados 25 e 26, que não foram impugnados em recurso, resulta que, ao longo do tempo em que durou a execução do contrato de trabalho o desempenho da recorrente nem sempre foi satisfatório para os interesses prosseguidos pela empregadora e, após Março de 2020, a recorrente esteve envolvida num conflito laboral com uma das colegas de trabalho, a propósito do fecho da caixa.
102. Assim, ressalvada a sanção de repreensão registada que enferma do vicio processual já apontado, com base no conjunto das circunstâncias acima analisadas não é possível presumir, à luz das regras gerais da experiência (cf. artigo 351.º do CC), que, no período aqui em causa, entre 2020 e 2022, a recorrida exerceu o seu poder directivo e disciplinar para alcançar fins diversos dos que se prendiam com a organização do serviço e o funcionamento da sua empresa, à luz dos parâmetros que lhe cabia definir. Tais comportamentos da recorrida não foram vexatórios, humilhantes, nem se enquadraram numa estratégia repetitiva de violência no trabalho, mas foram, antes, motivados por comportamentos da própria recorrente durante a execução do contrato, relativamente aos quais a recorrida exerceu o poder disciplinar e directivo e/ou podia exercê-lo segundo critérios de gestão ou de oportunidade e de acordo com os parâmetros de organização do trabalho dentro da sua empresa que lhe cabe fixar. O que resulta dos factos provados é que a recorrente/trabalhadora demonstrou dificuldade em aceitar o exercício do poder directivo e disciplinar da empregadora, mesmo quando ele foi licitamente exercido, como sucedeu nas ocasiões descritas nos pontos ii, iii, e iv do parágrafo 73; e foi essa dificuldade que a levou a por termo ao contrato.
103. No que respeita à sanção disciplinar nula por vicio de forma, afigura-se que só por si, esse comportamento da recorrida não é susceptível de preencher os requisitos do assédio moral não discriminatório uma vez que, tal como já foi acima explicado, essa forma de assédio exige um comportamento reiterado e prolongado no tempo, não bastando uma só conduta momentânea. A consequência do vicio processual resultante da falta de observância do contraditório da trabalhadora é a nulidade dessa sanção, como acima foi explicado, sem prejuízo do procedimento contraordenacional a que haja lugar nos termos do disposto no artigo 329.º n.º 8 do CT.
104. Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação da recorrente.
105. Por todo o exposto, não se verificam os pressupostos do alegado direito da recorrente à indemnização ou compensação previstas no artigo 396.º n.ºs 1 e 3 do CT e no artigo 496.º do CC, nem merece censura a sentença recorrida ao qualificar a cessação do contrato à luz do regime da denúncia sem aviso prévio, previsto no artigo 401.º do CT.
106. Em consequência, improcede o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Em síntese
107. Não se verifica a alegada contradição entre os fundamentos ou entre estes e a decisão, nomeadamente, não existe contradição entre o facto provado 8 e o facto não provado H ou entre este e a decisão, sem prejuízo da alteração da resposta negativa dada ao facto H de modo a excluir dela a matéria constante do facto provado 26 (cf. artigo 662.º n.º 1 do CPC).
108. A resposta negativa dada ao facto J é alterada de modo a dele retirar a palavra “abusivas” para qualificar as sanções aí mencionadas, uma vez que a qualificação de uma sanção como abusiva depende da qualificação jurídica dada aos factos, à luz do disposto no artigo 331.º do CT.
109. Com a ressalva destas alterações, às quais o Tribunal procedeu oficiosamente (cf. artigo 662.º n.º 1 do CPC), improcede a pretensão da recorrente de que seja dada resposta positiva aos factos não provados E, J e K.
110. Cabia à recorrente provar os factos necessários ao preenchimento dos pressupostos exigidos pelo artigo 331.º do CT para que haja sanção abusiva (cf. artigo 342.º do CC).
111. A primeira sanção de repreensão registada aplicada à recorrente teve por objectivo o exercício do poder disciplinar; porém, faltou a audição prévia da trabalhadora, nos termos previstos pelo artigo 329.º n.º 6 do CT. Sucede que esse vício do processo disciplinar não se enquadra em nenhuma das hipóteses das sanções abusivas previstas no artigo 331.º do CT. A falta de contraditório da recorrente é um vicio processual grave cuja consequência é a nulidade da sanção disciplinar em causa (cf. artigo 286.º do CC) mas, por si só, não se enquadra no conceito de sanção abusiva.
112. A abertura de processo disciplinar, mediante envio à recorrente de uma nota de culpa nos termos previstos no artigo 353.º do CT, sem que a recorrida tenha aplicado qualquer sanção disciplinar no âmbito desse processo, não excedeu os limites do exercício do poder disciplinar da empregadora, atendendo ao carácter não vinculado do poder disciplinar que a empregadora pode exercer segundo critérios de oportunidade e gestão.
113. No que respeita à segunda repreensão registada, aplicada à recorrente quando ainda não tinham decorrido seis meses sobre o exercício, pela recorrente, do direito de resposta à nota de culpa, a recorrida ilidiu a presunção legal constante do artigo 331.º n.º 2 – a), mediante prova em contrário (cf. artigo 350.º n.º 2 do CC). Pelo que, a segunda repreensão registada não excedeu os limites do exercício do poder disciplinar.
114. Motivos pelos quais não se verifica a aplicação de sanções abusivas à recorrente.
115. Também não foram excedidos os limites do poder de direcção, nomeadamente de controlo e vigilância, por parte da recorrida, quando enviou por email, dirigido à recorrente, a mensagem de 5.2.2021 (cf. artigo 97.º do CT).
116. Cabia à recorrente provar factos capazes de preencher os pressupostos do assédio moral não discriminatório que alegou (cf. artigos 29.º n.º 2 do CT e 342.º n.º 1 do CC). A nulidade, por vicio processual, da primeira repreensão registada, embora exceda os limites do exercício do poder disciplinar, por si só, é insuficiente para o preenchimento dos pressupostos do assédio moral não discriminatório, uma vez que, essa modalidade de assédio exige a repetição no tempo de condutas gratuitamente ofensivas ou hostis, que não se apurou.
117. Em consequência, não se verificam as justas causas de resolução do contrato, invocadas pela recorrente, a saber, não se verifica a aplicação de sanções abusivas, nem a prática de assédio (cf. artigo 394. N.º 2 – c) e f) do CT).
118. Pelo que, a recorrente não tem direito à indemnização ou compensação previstas nos artigos 396.º n.ºs 1 e 3 do CT e 496.º do CC, não merecendo censura a sentença recorrida ao qualificar a cessação do contrato de trabalho que aqui está em litígio à luz do disposto no artigo 401.º do CT (denuncia sem aviso prévio).
119. Motivos pelos quais improcede totalmente o recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.

Decisão
Acordam os Juízes desta secção em:
I.Alterar as respostas à matéria de facto nos termos acima enunciados neste acórdão
II.Julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.
III.Condenar a recorrente nas custas do recurso – artigo 527.º n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT.

Lisboa, 6 de Março de 2024
Paula Pott
Celina Nóbrega
Leopoldo Soares