Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10627/2007-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: INVENTÁRIO
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
DÍVIDA COMERCIAL
DÍVIDA DE CÔNJUGES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – Na alegação de que determinadas dívidas foram contraídas “no exercício do comércio”, pode considerar-se “exercício do comércio” como “facto”, na medida em que é expressão que é usada na linguagem corrente com uma acepção perfeitamente assimilada pela generalidade das pessoas e cuja ocorrência seja pacificamente aceite por ambas as partes.
II – Deve considerar-se como comum dívida fiscal (IVA) emergente de actividade comercial exercida por um dos cônjuges antes da data da propositura da acção de divórcio litigioso que conduziu à dissolução do matrimónio, na medida em que não tenha sido ilidida a presunção de que tal dívida foi contraída em proveito comum do casal.
III – Se a referida dívida for integralmente paga por um dos ex-cônjuges após o decretamento do divórcio, no subsequente inventário para separação das meações deve ser admitida a inclusão dessa despesa como crédito daquele, que incidirá, na parte que exceda a sua responsabilidade, sobre a meação do outro ex-cônjuge.
(JL)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

1. Em 04.12.1990 F requereu, no Tribunal Judicial da comarca de Sintra, contra S, por apenso a processo de divórcio litigioso que nesse tribunal correra os seus termos entre requerente e requerida, inventário para partilha dos bens comuns do casal que formou com a Requerida.

2. Em 16.6.1992 (fls 52 a 58) a Requerida juntou aos autos notificações efectuadas pela Repartição de Finanças de Algueirão, Mem Martins, datadas de 18 de Maio de 1992, que determinavam que aquela efectuasse o pagamento da quantia total de Esc. 4 902 634$00, respeitante a IVA dos anos de 1987, 1988 e 1989, por “comissões recebidas”, pretendendo a Requerida que tais quantias fossem descritas como dívida ou passivo do casal, por se referirem a período anterior à data da propositura da acção de divórcio.

3. Em 21.9.1992 (fls 62) o Requerente pronunciou-se sobre tal pretensão, dizendo que a dívida em causa é da exclusiva responsabilidade da Requerida, “que não a contraiu em proveito comum do casal nem com o consentimento do Requerente (artigos 1691º, nº 1, alínea d) e 1692º, alínea a)do Código Civil”.

4. Notificada dessa resposta, a Requerida veio dizer que “as ditas transacções comerciais efectuadas pelo casal, se referem aos anos de 1987, 1988 e 1989, como consta dos próprios documentos. Ora, nos referidos anos, como bem sabe o requerente, que era até quem tratava das facturas, na actividade comercial do casal, o casal ainda vivia em comum, pelo que foram tais dívidas contraídas, não só com a conivência e consentimento do inventariante, como em proveito comum do casal, pelo que responsabilizam ambos os cônjuges.”

5. Em 16.6.1997 o Requerente foi removido do cargo de cabeça de casal, por não ter junto aos autos a relação de bens nos termos determinados pelo tribunal.

6. Em 26.5.1999 a Requerida veio, na qualidade de cabeça de casal, apresentar relação de bens na qual incluiu como passivo do património comum do casal, tendo em conta o que interessa para o presente recurso, a quantia de Esc. 6 142 723$00 (€ 30 639,77), que indicou ter sido “paga pela cabeça de casal em processos de execução fiscal relativos a dívidas fiscais do casal” (fls 139 dos autos). Juntou documentos.

7. Por despacho proferido em 02.6.1999 (fls 143 dos autos) foi decidido que o passivo relacionado a fls 139 deveria ser entendido como uma reclamação de créditos da cabeça de casal sobre o património comum, devendo tal passivo ser apreciado na conferência de interessados.

8. Notificado deste despacho e da relação supra referida, em 20.9.1999 (fls 146) o Requerente veio dizer que a aludida verba do passivo relacionada pela cabeça de casal “é uma dívida própria dela e resultante da sua actividade comercial, na maior parte depois da entrada do processo de divórcio”, “sendo que, em 1987, já a cabeça de casal exercia a actividade comercial unicamente em seu proveito, nunca tendo dela prestado contas ao Requerido”.

9. Procedeu-se à descrição de bens.

10. Em 19.01.2006 realizou-se conferência de interessados. No decurso da mesma a cabeça de casal declarou reclamar “a quantia de Esc. 6 142 723$00 paga em 01.7.1997, relativa a dívida de IVA e IRC paga pela mesma, dívida essa contraída na constância do matrimónio. Requeiro a junção aos autos dos documentos comprovativos desse pagamento.

11. O Requerente pronunciou-se, na aludida conferência, pela seguinte forma:

O requerente não prescinde do prazo de vista para se pronunciar sobre os documentos, porém, desde já salienta que a reclamação ora apresentada é extemporânea porquanto foi feita no decurso da conferência de interessados, quando é certo que deveria ser até à realização da mesma. Como a reclamação apresentada emerge de facto imputável à requerida, no exercício da actividade comercial em seu proveito exclusivo, resultante de denúncia do requerente e como ele também foi sancionado nos mesmos termos, pelo facto praticado no exercício de actividade comercial em proveito próprio, requer a V. Exa a suspensão da conferência para que possa juntar documento que, atento o princípio da igualdade das partes poderá, eventualmente, produzir o mesmo efeito em sentido inverso.”

12. Na conferência foi proferido despacho que admitiu a aludida reclamação e suspendeu a conferência de interessados, tendo concedido prazo ao Requerente para responder.

13. Em 02.02.2006 (fls 257 e 258) o Requerente apresentou a aludida resposta, onde afirma, em síntese, que o documento junto pela Requerida na conferência de interessados “diz respeito à actividade comercial da cabeça de casal (…) que sempre a exerceu exclusivamente no seu interesse pessoal, tanto enquanto casada com o requerente como depois do divórcio, auferindo todos os lucros da mesma e contraindo, portanto, as dívidas constantes do documento em seu proveito próprio (art.º 1691º nº 1 alínea d) do C. Civil)”. Mais alegou que “o nº 2 do artigo 1331º do CPC diz respeito aos titulares activos de encargos e à sua acção perante o cabeça de casal que não relacionou os direitos deles, não se aplicando, portanto, ao próprio cabeça de casal.”

Concluiu dizendo que o documento deve “ser desconsiderado por não dizer respeito a dívidas do património contraídas em seu proveito comum, que o requerente não pode aprovar e ressalva sempre o seu direito à acção competente nos termos do nº 1 do art.º 1336º do CPC.”

14. Em 06.02.2006 (fls 260) a cabeça de casal juntou aos autos certidão emitida pela 2ª Repartição de Finanças de Sintra, dizendo tratar-se de documento “comprovativo dos pagamentos por si efectuados, de IRS e IVA relativamente aos anos de 1987 a 1990, no montante global de € 24 730,25, dívida essa comum do casal, a qual foi paga na sua totalidade pela cabeça de casal, após a dissolução do casamento, pelo que deverá considerar-se o património comum do casal devedor à cabeça de casal de metade daquele valor (12 365,12).”

15. Em 24.02.2006 (fls 266) o Requerente respondeu a esta junção de certidão questionando com que dinheiro a Requerida pagou a dívida, respondendo que só poderá ser com dinheiro de lucros comuns, pelo que sendo comum o negócio, a cabeça de casal deve prestar contas da sua actividade e incluir na própria relação de bens, para partilha, o negócio e respectivo valor, deve relacionar os respectivos lucros e então sim, o Requerente pagará a despesa fiscal sobre o rendimento comum. Mais diz que a cabeça de casal deve apresentar toda a escrita relativa aos anos de 1897 a 1990 de modo que se veja os rendimentos tributados e o destino que lhes foi dado.

16. Em 24.3.2006 (fls 269 e 270) foi proferido despacho que indeferiu o pretendido relacionamento do “negócio”, por se entender que essa fase já estava ultrapassada e, por outro lado, o processo não se destina à prestação de contas da actividade desenvolvida pela Requerida no âmbito do casamento. Mais se fez constar que, “melhor compulsados os autos”, verifica-se que a reclamação de dívida feita pela requerida na conferência é apenas uma repetição da reclamação que havia feito em 26 de Maio de 1999 a fls 139, dívida sobre a qual o Requerente já se pronunciou, não a aprovando.

17. No despacho declarou-se ainda que se considerava desnecessária nova convocação de conferência de interessados e consequentemente concedeu-se às partes prazo para se pronunciarem sobre outras questões pendentes, após o que se decidiria em conformidade.

18. Em 21.6.2006 (fls 281 e seguintes) foi proferido despacho em que se decidiu considerar verificados como créditos da cabeça de casal sobre o património comum os valores de € 2 718,34 e € 4 253,81, referentes a créditos de IVA relativos aos anos de 1987 e 1988.

19. O Requerente agravou deste despacho, o qual foi admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo.

20. Os autos prosseguiram os seus termos e, após ter sido proferida sentença homologatória do mapa de partilha, o Requerente requereu a subida do recurso a esta Relação, por ter interesse na sua apreciação.

21. Na sua alegação o recorrente formulou as seguintes conclusões:

1º – Não tendo a cabeça de casal provado que a dívida fiscal de € 8.972,15 foi contraída em proveito comum do casal, de mais a mais que o recorrente tal negou, não poderia considerar-se verificada como crédito da c.c. sobre o património comum.

2° - O despacho recorrido é nulo porque foi proferido sem especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão (art. 668°, n° 1, b) do CPC.

3° - A Mmª Juíza não observou o princípio do contraditório (art° 3°, n° 3 do CPC), ignorou o dito pelo recorrente e julgou sem factos, tendo, portanto sido cometida uma nulidade insanável.

4° - Pretendendo a cabeça de casal que a dívida fiscal fosse comum do casal, competia-lhe a prova dos factos constitutivos desse direito (art.º 342°, n° 1 do CC) que ainda lhe competia também face à posição assumida pelo recorrente, ao negar que tal dívida fosse contraída em proveito comum (art° 343°, n° 1 do CC).

5° - O n° 2 do art° 1331° do CPC diz respeito aos titulares activos de encargos e à sua acção perante o cabeça de casal que não relacionou os direitos deles, não se aplicando, portanto, ao próprio cabeça de casal.

6° - Foram violados os artigos 668°, n° 1, b), 3°, n° 3, 1331°, n° 2 do CPC e 342°, n° 1 e 343°, n° 1 do CC.

O agravante termina pedindo que seja julgado não verificado o crédito de € 6.972,15 sobre o património comum.

Não houve contra-alegações.

O tribunal a quo sustentou a decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO

Nestes autos há que apreciar se a decisão recorrida enferma das nulidades que lhe são assacadas e, caso tal seja possível, se deve considerar-se a aludida dívida como comum.

Para além do que já consta no relatório supra, dão-se como provados, com base nos elementos constantes nos autos, os seguintes

Factos:

1. Por sentença de 17 de Outubro de 1990, proferida no processo de divórcio litigioso nº do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, foi decretado o divórcio litigioso entre o ora Requerente e a ora Requerida.

2. A acção de divórcio litigioso foi intentada em 02.10.1989 e a sentença transitou em julgado em 09 de Novembro de 1990.

3. Em 01 de Julho de 1997 a Requerida pagou ao Estado as quantias de € 2 718,34 e de € 4 253,81, correspondentes a IVA dos anos de 1987 e 1988, respectivamente.

4. As dívidas referidas em 3 foram contraídas no exercício do comércio pela Requerida.

5. O Requerente e a Requerida estavam casados no regime da comunhão de adquiridos.

O Direito

Primeira questão (nulidades alegadamente cometidas pelo tribunal a quo)

O recorrente diz que o despacho recorrido é nulo, por ter sido proferido sem especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão, assim violando o disposto no artigo 668º nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil.

A decisão recorrida tem o seguinte teor (reproduzem-se os trechos que interessam ao presente recurso):

Temos assim para apreciar as reclamações de créditos seguintes:

(…)

2 - dívida reclamada pela requerida a fls. 139 e repetida na conferência, relativa a IRC e IVA, no valor de 6.142.723$00 (não aprovada pelo requerente);

(…).

Havendo divergências quanto à aprovação das dívidas regem os arts.° 1356 e 1355.° do CPC.

Cabe assim agora ao juiz decidir sobre os créditos reclamados, desde que o exame dos documentos o permita fazer com segurança.

Vejamos então:

(…)

Dívida de IRC e IVA, no valor de 6.142.723$00.

Em face da certidão junta, a fls. 262, está assente que a requerida pagou ao Estado, como créditos do IVA e IRS, relativamente aos anos de 1987 a 1990, os valores aí discriminados, no total de € 24.730,25 (4.957.970$00).

A acção de divórcio litigioso do casal entrou em juízo a 2 de Outubro de 1989, vindo o divórcio a ser decretado por sentença transitada a 9 de Novembro de 1990.

No tocante às relações patrimoniais entre os cônjuges, os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da propositura da acção –art.° 1789.° n.°1 do C Civil.

São da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer um deles no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal –art.° 1691.° 1.° al.d) do CC.

Logo, dado que não ficou demonstrado que as dívidas em causa não resultassem do proveito comum do casal, teremos que considerar estarmos perante dívidas do casal, assim sendo de considerar os valores devidos até ao momento em que, juridicamente, cessaram as relações patrimoniais do casal, ou seja, até Outubro de 1989.

Assim, os créditos de IVA relativos aos anos de 1987 e 1888, nos valores de € 2.718,34 e 4.253.81, são dívidas comuns.

Já quanto aos créditos de IVA dos anos de 1989 (não há elementos que permitam calcular que parte desse crédito é comum, pois só teria essa qualidade o devido até Outubro) e 1990, não serão considerados como comuns.

Os créditos de IRS reclamados reportam-se aos anos de 1989 e 1990.

Desconhece-se se foram apresentadas declarações de IRS conjuntas ou separadas, pelo que não temos elementos que permitam considerar se tais créditos se reportam a ambos os, então, cônjuges ou apenas à c.c.

Logo, não poderão tais créditos serem julgados verificados.

Nestes termos, e no tocante ao ponto em apreço, apenas são de considerar verificados como créditos da c.c. sobre o património comum os valores de 2.718,34 e 4.253.81( € 6.972,15).

(…)

Os créditos julgados verificados são créditos dos respectivos titulares sobre o património comum do casal e assim hão-de ser considerados em sede de partilha.

Notifique, além do mais, para os efeitos do art.° 1373.° n.°1 do CPC.

Da transcrição supra resulta que o despacho recorrido enunciou com clareza quais os factos em que assentou a decisão, ou seja, “a requerida pagou ao Estado, como créditos do IVA e IRS, relativamente aos anos de 1987 a 1990, os valores aí discriminados, no total de € 24.730,25 (4.957.970$00)”, “a acção de divórcio litigioso do casal entrou em juízo a 2 de Outubro de 1989, vindo o divórcio a ser decretado por sentença transitada a 9 de Novembro de 1990”,os créditos de IVA relativos aos anos de 1987 e 1888, [têm os] valores de € 2.718,34 e 4.253.81”, e ainda que se trata de dívidas contraídas “no exercício do comércio” (aqui se considerando “exercício do comércio” como “facto”, na medida em que é expressão que é usada na linguagem corrente com uma acepção perfeitamente assimilada pela generalidade das pessoas e cuja ocorrência é pacificamente aceite por ambas as partes, conforme decorre do por si alegado nas peças processuais supra indicadas no relatório sob os números 4, 8, 11, 13 e 15).

Inexiste, assim, a nulidade apontada.

O recorrente também defende que o tribunal a quo não respeitou o princípio do contraditório e ignorou o dito pelo recorrente.

Tal acusação é manifestamente injusta. Conforme decorre do relatório supra, ambas as partes tiveram ampla oportunidade para se pronunciarem sobre a questão da natureza comum das referidas dívidas fiscais, direito esse que o recorrente exerceu reiteradamente (cfr. nºs 3, 8, 11, 13 e 15 do relatório). Não foi, pois, violado o disposto no artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil.

Também não se vê que o tribunal a quo tenha ignorado o que foi dito pelo recorrente. Quanto à pretensão formulada por este no sentido de a Requerida indicar na relação de bens o negócio e os lucros do mesmo, e apresentar toda a escrita relativa aos anos de 1987 [por lapso nesse requerimento diz-se “1997”] a 1990, o tribunal pronunciou-se por despacho proferido em 24.3.2006 (cfr. nº 16 do relatório), indeferindo-a, despacho esse que transitou em julgado. Quanto à alegação de que a actividade comercial da qual emergiram as aludidas dívidas fiscais foi exercida apenas em proveito próprio da Requerida, o tribunal apreciou essa questão: após enunciar o princípio de que “são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer um deles no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal –art.° 1691.° 1.° al.d) do CC.”, deu-lhe resposta negativa, ao dizer que “não ficou demonstrado que as dívidas em causa não resultassem do proveito comum do casal”, pelo que “teremos que considerar estarmos perante dívidas do casal, assim sendo de considerar os valores devidos até ao momento em que, juridicamente, cessaram as relações patrimoniais do casal, ou seja, até Outubro de 1989.

Na verdade, cabia ao Requerente inverter a presunção enunciada na alínea d) do nº 1 do artigo 1691º do Código Civil, para o que devia oferecer a necessária prova (cfr. artigos 1334º e 303º nº 1 do Código de Processo Civil), o que não fez.

Quanto à alegação de que o nº 2 do artigo 1331º do Código de Processo Civil diz respeito aos titulares activos de encargos e à sua acção perante o cabeça de casal que não relacionou os direitos deles, não se aplicando ao próprio cabeça de casal, alegação essa formulada na peça processual referida no nº 13 do relatório para sustentar a inadmissibilidade da reclamação indicada no nº 10 do relatório, foi rejeitada não só no despacho referido no nº 12, mas também no despacho referido nos números 16 e 17 do relatório, mostrando-se ultrapassada pela constatação de que a reclamação de crédito formulada pela Requerida na conferência de interessados era uma mera repetição de idêntica reclamação efectuada anteriormente e oportunamente admitida (nºs 6 e 7 do relatório), com trânsito em julgado (art.º 672º do Código de Processo Civil).

Não ocorreu, assim, nenhuma das nulidades invocadas pelo recorrente (conclusões 1ª, 2ª e 5ª).

Segunda questão (se deve considerar-se a aludida dívida como comum)

O recorrente entende que competia à cabeça de casal provar os factos constitutivos do seu direito, tanto mais que o requerente havia negado que tal dívida havia sido contraída em proveito comum. Como a cabeça de casal não fez tal prova, deveria ter-se julgado não verificado o aludido crédito sobre o património comum, pelo que, decidindo-se em contrário, violaram-se os artigos 342º nº 1 e 343º nº 1 do CC.

Vejamos.

Nos termos do artigo 1691º nº 1 alínea d) do Código Civil, são da responsabilidade de ambos os cônjuges “as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens.” Esta norma consagra a presunção de que a dívida contraída por um dos cônjuges no exercício do comércio aproveita a ambos os cônjuges. Caberá ao outro cônjuge ilidir a referida presunção (artigos 344º nº 1 e 350º do Código Civil).

Por outro lado, nos termos do nº 1 do artigo 1789º do Código Civil, os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da propositura da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.

Assim, provando-se que as dívidas fiscais em causa (IVA) se referiam a actividade comercial realizada pela Requerida antes da propositura da acção de divórcio, cabia ao Requerente provar que as referidas dívidas fiscais não haviam sido contraídas em proveito comum do casal, mais precisamente, em proveito dele, Requerente. Ora, a verdade é que o Requerente não ofereceu qualquer prova nesse sentido (o que deveria ter feito aquando da impugnação do crédito – artigos 1334º e 303º nº 1 do Código de Processo Civil). Assim, o tribunal a quo limitou-se a constatar que o Requerente não havia logrado demonstrar a não ocorrência do proveito comum presumido pelo legislador, decidindo em conformidade, ou seja, a inclusão da referida despesa, suportada integralmente pela Requerida já após o divórcio, como crédito desta, na parte que excede a respectiva responsabilidade, que incide sobre o património comum, ou melhor, sobre a meação do Requerente no património comum (artigos 1689º e 1697º nº 1 do Código Civil).

O agravo não merece provimento, devendo confirmar-se a decisão recorrida.

DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo Requerente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


Lisboa, 07.02.2008

Jorge Manuel Leitão Leal

Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro

Ana Paula Martins Boularot